quarta-feira, 30 de novembro de 2011

TORTURADORES ALIVIADOS: NEM MESMO AÇÕES CIVIS OS AMEAÇAM

Não sou adivinho, nem escrevo com base em  chutes, desejos pessoais ou hipóteses improváveis.

Quando aponto a meus leitores o cenário que provavelmente prevalecerá adiante, raciocino exatamente como o enxadrista que sou: de várias evoluções possíveis da situação presente, elejo a que mais se adequa à correlação de forças e às características dos grupos e indivíduos que tomarão as decisões.

Então, quem se der ao trabalho de reler os artigos sobre o Caso Battisti, verificará que as minhas principais previsões viraram realidade.

Quando alguns companheiros se desesperaram com a tendenciosidade do presidente do Supremo Tribunal Federal e do outro ultradireitista que ele escolheu para relatar o processo, sugerindo o lançamento de uma campanha pública para pressionar o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a libertar imediatamente o escritor (o que implicaria passar por cima do STF), rechacei de imediato a proposta e recomendei aos outros líderes do movimento que manifestassem inequivocamente sua desaprovação. Deu certo.

Tendo acompanhado a trajetória de Lula desde o sindicalismo, eu tinha certeza absoluta de que ele jamais confrontaria o STF. Então, pedir o impossível nos atrapalharia na conquista do possível, seja por ensejar antipatias contra nós dentro do Governo e do PT, seja por dar a nossos inimigos a possibilidade de alegarem que temíamos a decisão do Supremo e dela estávamos tentando fugir.

Depois, com esforços titânicos, conseguimos deter a escalada de arbitrariedades de Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Eles já haviam induzido três dos seus colegas a revogarem na prática a Lei do Refúgio, usurpando prerrogativa do Congresso Nacional; e a cassarem uma decisão legítima do ministro da Justiça, usurpando prerrogativa do Executivo.

A terceira usurpação concretizaria a infâmia: eles tentaram tornar definitiva a decisão do STF, apropriando-se também de uma prerrogativa do presidente da República, qual seja a de dar a última palavra nesses casos.

Agressão tão extrema às tradições seculares do Direito não seria tão facilmente aceita: o mais legalista dos ministros que Mendes e Peluso estavam arrastando na sua  brietzkrieg  não os acompanhou na consumação do estupro de leis e jurisprudências. Ganhamos a parada.

No mesmo dia escrevi que, tendo o STF depositado nas suas mãos o destino de Battisti, Lula jamais o entregaria aos inquisidores italianos.

Anunciada a decisão presidencial, foi também no mesmo dia que antecipei: Peluso e Mendes ainda esperneariam um pouco antes de reconhecerem a derrota, mas não havia como o Supremo renegar o que ele próprio estabelecera. Dito e feito.

Mas, claro, como revolucionário eu preferiria mil vezes que tivéssemos força política suficiente para impor a libertação imediata de Battisti, encurtando sua agonia. Infelizmente, não a tínhamos.

AS MIRAGENS E O PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO

 Da mesma forma, o caminho para a punição dos torturadores dos anos de chumbo passava obrigatoriamente pela revogação da anistia preventiva que os déspotas concederam a si e a seus esbirros em 1979.

Quando o Governo Lula se curvou às pressões militares em 2008, posicionando-se pela manutenção da  pax  do ditador Figueiredo, intuí que a parada estava perdida e passei a conclamar os companheiros a lutarem pelo que ainda tínhamos chance de conseguir: um veredicto final do Estado brasileiro repudiando a usurpação de poder e estabelecendo a responsabilidade dos envolvidos no festival de horrores subsequente.

Tarso Genro e Paulo Vannuchi, logo após serem derrotados na refrega ministerial pela corrente encabeçada por Nelson Jobim, indicaram aos cidadãos inconformados com a capitulação do Governo o caminho dos tribunais.

Avaliei que os torturadores não corriam maiores riscos, pois nossa Justiça é tão lenta e faculta tantas manobras protelatórias que todos eles estariam mortos bem antes de a primeira sentença chegar à fase de execução.

Quanto à condenação em si, ao menos para efeito moral, dependeria do posicionamento do Governo Lula. Resolvi tudo fazer para evitar que continuasse alinhado com a impunidade, embora intimamente estivesse cético.

Quando os advogados de torturadores pediram o primeiro pronunciamento da Advocacia Geral da União, escrevi vários artigos sobre o absurdo que seria coonestar uma anistia imposta pelos vencedores aos vencidos em plena ditadura e mediante chantagem (a moeda de troca foi a libertação dos companheiros ainda presos e a permissão de volta dos exilados).

Não adiantou: a AGU passou a sempre informar aos juízes que considerava válida a anistia de 1979.

A pusilaminidade do Governo Federal e a omissão do Congresso Nacional deixaram o terceiro Poder de mãos livres para detonar definitivamente qualquer possibilidade de verdadeira justiça.
 
E o STF não se fez de rogado, produzindo em 2010 uma de suas decisões mais escandalosas e estapafúrdias de todos os tempos. Por ela, bastaria os nazistas terem previamente anistiado os próprios crimes para não existir tribunal de Nuremberg.

Extinta de vez a possibilidade de se responsabilizar criminalmente os torturadores --só ingênuos acalentam a esperança de que seja acatada a decisão do tribunal da OEA, não percebendo que a própria instituição da Comissão da Verdade está servindo como um prêmio de consolação neste sentido--, restaram as ações civis, por meio das quais os algozes poderiam ser declarados torturadores, ter sua pensão cortada ou pagar a conta dos prejuízos por eles causados à União, obrigada a indenizar suas vítimas.

É mais um oásis que evapora ao nos aproximarmos dele: o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) acaba de decidir que os militares acusados de torturar presos políticos no DOI-Codi paulista durante a ditadura não podem mais ser condenados porque seus crimes já prescreveram.

Ao julgar o caso, a 6ª Turma do TRF respaldou-se na decisão do STF de manter a validade da Lei de Anistia.

Alguém duvida de que será este também o entendimento das instâncias superiores?

Resumo da opereta: só nos resta lutarmos com todas as forças para que a Comissão da Verdade cumpra verdadeiramente seu papel, permitindo que a opinião pública e os pósteros adquiram pleno conhecimento das atrocidades do período, dos nomes de quem as cometeu e de quem as ordenou. 

Todo o resto parecia sólido, mas se desmanchou no ar.

De Gaulle pode não ter dito tal frase, mas ela continua sendo o melhor diagnóstico já feito sobre o Brasil: não é um país sério.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

ESQUERDISTAS SELVAGENS DEFENDEM DITADORES SELVAGENS

A informação é do Clóvis Rossi (ver íntegra aqui):
"O relatório da comissão da ONU que investigou a violência na Síria (...) é duríssimo: diz que as forças de segurança sírias cometeram 'graves violações dos direitos humanos', o que inclui execuções sumárias, prisões arbitrárias, desaparições forçadas, torturas, violência sexual, violação dos direitos das crianças -enfim o catálogo completo a que recorrem as ditaduras mais selvagens.

Para o Brasil, não dá mais para repetir a torpe declaração emitida após visita de uma delegação do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) a Damasco, na qual condenaram 'a violência de todas as partes'. Equivalia a igualar vítimas e algozes.

Agora, há um relatório com a chancela de Paulo Sérgio Pinheiro, o brasileiro que preside a comissão..."
O qual, acrescento eu, é um personagem acima de qualquer suspeita de favorecer manobras imperialistas.

Foi, p. ex., indicado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça para representar a sociedade civil no grupo de trabalho que preparou o anteprojeto de lei da Comissão Nacional da Verdade. Constitui exemplo inatacável de dignidade e idealismo, sempre colocando seu brilho intelectual a serviço das causas justas. Uma unanimidade, enfim.

Então, a habituais desqualificações a que recorre uma parcela da esquerda tão selvagem quanto os ditadores que apoia, neste caso não  colarão.

O que me deixa estupefato é a defesa em bloco que tais desatinados fazem dos  tiranos das Arábias.

Um Gaddafi da vida, embora não tenha chegado ao poder graças a revolução nenhuma, mas sim por meio de uma quartelada, teve lá seus rompantes antiimperalistas antes de acertar os ponteiros com os senhores do mundo (revelando grande afinidade com o que o Império tinha de pior, o fascistóide, mafioso e debochado Sílvio Berlusconi).

É algo de que ninguém jamais acusaria o  açougueiro de Damasco, Bashar al-Assad, despótico, conservador e reacionário até a medula, desde sempre.

A vergonhosa tibieza do Governo brasileiro face a uma das piores tiranias do século 21 se deve tão somente a interesses econômicos. Uma variante do  critério  de que "ele pode ser um grandíssimo fdp, mas é nosso fdp".

A esquerda não caudatária do petismo, entretanto, está desobrigada de coonestar o oportunismo governamental.

Mesmo assim, com um primarismo abissal, os esquerdistas selvagens encaram a mais do que necessária derrubada de al-Assad como uma tramóia dos países da Otan para apoderarem-se de riquezas sírias.

Ainda que assim fosse, que cabimento tem tomarmos partido em disputa na qual ninguém é antagonista do capitalismo? Se são só vilãos brigando por um butim, o que importa para nós qual vilão prevalecerá?

Mas, a própria razão de ser da esquerda é defender o povo contra os que o tiranizam e massacram. São milhares as vítimas fatais do  açougueiro de Damasco nos oito últimos meses, 256 crianças incluídas. Até a Liga Árabe vê premência em deter-se a matança.

Estarrecedores também são os casos citados no relatório de abusos sexuais contra menores, como um jovem de 15 anos violado na presença do pai.

O hipotético repúdio à Otan implica o bem real repúdio ao povo sírio e uma vergonhosa cumplicidade com a carnificina que lhe é imposta.

Está mais do que na hora de voltarmos a ter um ideário positivo, priorizando o que se afirma e não o que se nega. Direcionar-se apenas por negações, como uma bússola invertida da imprensa burguesa, nem sempre leva à posição correta e às vezes desemboca em absurdos.

Caso atual: é um completo absurdo a promiscuidade dos herdeiros de Karl Marx com um herdeiro de Vlad Dracul.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A BARBÁRIE MORA AO LADO

Escrevi em 2007 que a barbárie nos rondava. A situação evoluiu para pior: está bem mais próxima do que imaginávamos. E começa a mostrar por inteiro sua face monstruosa.

No final da noite de domingo (27), um motorista de ônibus com 59 anos sofreu mal súbito quando conduzia seu coletivo por um bairro pobre da zona leste paulistana.

O apagão faz com que colidisse com um carro estacionado. Foi o suficiente para cerca de TREZENTOS trogloditas saírem de um baile funk e o espancarem até a morte.

A notícia não esclarece, mas o proprietário do veículo certamente era um deles e os incitou.

Que dizer de seres tão desumanos a ponto de lincharem um pobre coitado por causa de um dano material involuntário?!

Um antigo colega de escola e de militância, espanhol que veio para o Brasil lá pelos 10 anos de idade, contou-me que à chegada, perplexo por ver uma turma de moleques espancando um único menino, perguntou ao pai: "São animais?".

No seu país, adultos ou crianças, se dez queriam brigar com um, tinham de enfrentá-lo individualmente, um por vez, caso contrário ficariam desonrados aos olhos da comunidade.

Na  patriamada, 300 massacram um quase sexagenário, em ato de bestialidade e covardia extremas, e nenhum  sequer vai preso, porque a polícia certamente considerou que homicídio de responsabilidade múltipla e difusa não compensa apurar.

O horror! O horror!

Obs.: a partir da primeira versão desta notícia, na qual me baseei, houve várias atualizações. Os 300 funkeiros seriam 40. Houve um atropelado e outros veículos atingidos, mas ora se atribui tais feitos ao próprio motorista, ora aos linchadores que invadiram seu ônibus e, na confusão, teriam soltado a barra do freio, provocando uma segunda colisão. Mas, no essencial, não há discrepâncias: o coitado, na véspera de completar 60 anos, teve um repentino mal-estar  e perdeu o controle do coletivo. A malta o massacrou por presumir erroneamente que ele estava bêbado. 

domingo, 27 de novembro de 2011

GOVERNOS TOTALITÁRIOS E CORRUPTOS TÊM MESMO DE SER DERRUBADOS

Grandes jornalistas do passado, como Carlos Heitor Cony, são leitura obrigatória para quem procura alternativa à mesmice insossa e ao reacionarismo hidrófobo da imprensa atual.

Seus lampejos são cada vez mais esporádicos mas, quando acontecem, produzem mais luz do que os escribas medíocres durante uma carreira inteira.

Neste domingo (27), p. ex., foi Cony quem melhor definiu (ver aqui) a onda de derrubada dos  tiranos das Arábias --absurdamente defendidos por uma esquerda que perdeu o rumo e o prumo. Marx deve estar se revirando na cova.

Talvez por temerem que a onda chegue às praias de cá e atinja seus homens fortes prediletos, certos esquerdistas enfiaram a cabeça na areia, como avestruzes, alheando-se aos sentimentos populares de acolá.

Se antes os reacionários enxergavam o  dedo de Moscou  em tudo, agora são esses companheiros desatinados que atribuem revoltas mais do que justificadas à instigação da Otan, confundindo coadjuvante com protagonistas.

Então, Cony encontrou a medida certa para dimensionar a onda de revoltas que está sendo apelidada de  Primavera Árabe (na esteira das primaveras de Paris e de Praga em 1968):
"...eu diria que há dois denominadores comuns. O primeiro, e mais óbvio, é o fato de nações subjugadas por tiranos de vários calibres se revoltarem contra governos totalitários e corruptos.

O segundo denominador comum é que ninguém sabe -nem o pessoal de lá nem o de cá, ou seja, do Ocidente que se diz democrático ou liberal- o que está sendo preparado para substituir os regimes depostos.
 Não há uma liderança clara, um programa nacional de corte positivo. Em cada país, há o ostensivo repúdio ao existente, mas não está claro, ainda, o que virá depois. Somente o sentimento da revolta não basta para haver uma Primavera Árabe de fato.
Essa falta de liderança -pensando bem- não afeta apenas os países que estão se movimentando em busca de um destino maior e melhor.

Tanto na Europa como nas Américas, não há líderes convincentes..."
Ou seja, os povos da região não sabem direito aonde querem chegar, mas não aguentavam mais continuarem onde estavam.

Quase sempre é assim que os povos reagem às tiranias: um belo dia se convencem de que o  grande ditador  pode ser defenestrado e, arriscando-se à morte e às piores torturas, levantam-se contra o velho regime.

Aí, cabe à vanguarda assumir e direcionar essa revolta espontânea.

Inexistindo uma vanguarda apta, como parece ser o caso, fica-se depois nesse limbo. Tudo pode acontecer, desde a estabilização capitalista até revoluções anticapitalistas. O jogo agora está aberto.

Alguém que se pretenda revolucionário não pode, jamais, querer que o povo de qualquer país permaneça sob o tacão de "governos totalitários e corruptos".

Assim como nos livramos do nosso em 1985, os árabes têm todo direito de se livrarem dos deles.

E, assim como os EUA de Jimmy Carter nos ajudaram a expelir os tiranos que os EUA de Lyndon Johnson e Richard Nixon nos haviam enfiado goela adentro, os árabes têm todo direito de decidir qual ajuda querem aceitar.

Quem enfrentou verdadeiramente uma ditadura, sabe muito bem como é difícil travar lutas tão desiguais, tendo poder de fogo infinitamente menor e confrontando inimigos totalmente sem escrúpulos.

Exigir que, além disto, os revoltosos recusem apoios oferecidos é pedir-lhes demais --atitude típica dos revolucionários de boteco.

sábado, 26 de novembro de 2011

A CAMINHO DA COMISSÃO DA VERDADE - 1

Para enxadristas e revolucionários, é importante tentar sempre antecipar alguns lances, prevendo os desdobramentos possíveis de uma situação e identificando linhas de ação que a eles respondam.

Hoje, quando a Comissão Nacional da Verdade já é realidade, reparei que um dos primeiros textos nesta direção foi meu artigo Uma proposta para o acerto das contas do passado, que escrevi em 11/08/2008.

Três dias antes eu criara este blogue mas, sei lá por que, só o postei no outro que eu já tinha, Celso Lungaretti - O Rebate.

Antes tarde do que nunca, para ficar pelo menos como registro, finalmente o publicarei aqui:
"Em 1979, as altas autoridades de uma ditadura negociaram com suas vítimas uma anistia recíproca que não passou da imposição da vontade dos vencedores sobre os vencidos: o preço da libertação de presos políticos e da permissão para que exilados voltassem a salvo de represálias foi o perdão eterno das atrocidades cometidas pelos agentes do Estado e seus cúmplices.

A barganha espúria teve a conseqüência de manter o passado insepulto: há quase três décadas seus fantasmas teimam em assombrar a Nação brasileira.

Os remanescentes daqueles embates têm vindo constantemente a público para, uns, exigirem a justiça que lhes foi sonegada no momento certo, qual seja, o da redemocratização do País; e os outros, por falta de argumentos, para atirarem sobre as vítimas as culpas que eram exclusivas dos algozes, numa tentativa de justificar o injustificável.
 Para a grande maioria dos cidadãos, isso tudo é tão remoto quanto o movimento constitucionalista de 1932 ou a participação da Força Expedicionária Brasileira na II Guerra Mundial. Há desafios, carências e injustiças demais no presente para que as mazelas distantes sensibilizem os que vieram depois.
Então, o tiroteio retórico decorrente da audiência pública que o ministro da Justiça promoveu para discutir a punição de torturadores, bem como as manifestações de apoio ou repúdio ao acerto das contas do passado, mobilizam intensamente alguns milhares de brasileiros, enquanto os muitos milhões se mantêm distantes, ou por não entenderem o que realmente está sendo debatido, ou por não lhe atribuírem importância.

O Governo Federal e o Congresso Nacional, a quem caberia oferecer alguma solução para o problema, estão igualmente divididos. Há evidente temor de que a radicalização possa comprometer a sempre frágil democracia brasileira, criando condições para a volta do totalitarismo que assolou o País por 36 anos no século passado.

Nestas condições, é irrealista a insistência em levar alguns torturadores à prisão, para o cumprimento de penas indiscutivelmente merecidas. Por alguns motivos simples:
  • se a punição de notórios carrascos já esbarra em tanta resistência, mesmo tendo cometido crimes contra a humanidade, o que dizer da punição dos mandantes, sempre os maiores culpados? É inimaginável que se consiga colocar nos bancos dos réus os altos comandantes militares que arrancaram a coleira desses pittbuls e apontaram-lhes os alvos, bem como os que a eles se acumpliciaram na instalação do arbítrio mais bestial (caso dos signatários do AI-5);
  • pinçar alguns bodes expiatórios para purgarem as culpas de toda uma cadeia de comando (desde os generais-ditadores até os mais ínfimos cabos-da-guarda, todos têm sua parcela de responsabilidade nas atrocidades cometidas) será apenas tentar corrigir uma injustiça com outra injustiça, além de ferir o princípio da igualdade perante a lei;
  • a idade avançada dos réus e os infinitos recursos protelatórios da Justiça brasileira permitem antecipar que pouquíssimos (talvez nenhum) chegarão vivos ao cumprimento das penas.
Então, é hora de pensarmos numa alternativa, em vez de continuarmos patinando sem sair do lugar, com o risco de causarmos estrago ainda maior.

Num Brasil cada vez mais inclinado ao rancor e a novas formas de autoritarismo, a esquerda comete um grave erro ao associar sua imagem à demanda por punições, aliando-se a policiais, procuradores, promotores e juízes, como se cabeças cortadas sanassem problemas estruturais. Esquece, ademais, que quem tem compulsão por castigos e humilhações públicas, na hora da decisão, tende quase sempre para o outro lado.

Os melhores seres humanos querem esperanças, não vingança; soluções reais, não catarse; humanidade, não beligerância. A esquerda precisa voltar a ter um ideário positivo, encarnando, para o cidadão comum, a promessa de um futuro melhor; e não revolver exaustivamente o sangue e a lama, concorrendo também para o clima negativo que faz a maioria concluir que é inútil lutar pelo bem comum e mais sensato zelar pelos próprios interesses.

O que importa mais, afinal, para aqueles cujo sacrifício foi o componente heróico e trágico da luta pela redemocratização do Brasil? O principal, penso, é consolidar-se a conquista de 1985, no sentido de que o totalitarismo seja mantido, doravante, no lugar a que pertence: a lixeira da História.

Daí as propostas abaixo alinhavadas, que me parecem as mais viáveis para passarmos a limpo o passado sem causarmos comoções no presente nem legarmos maus exemplos para o futuro:
  • a revogação da Lei da Anistia de 1979, por ser juridicamente aberrante e moralmente inaceitável a igualação das vítimas a seus algozes;
  • o reconhecimento oficial, por parte do Estado brasileiro, de que houve usurpação do poder em 1964, tendo os governos ilegítimos que se sucederam até 1985 cometido crimes generalizados e de extrema gravidade;
  • que, portanto, todos aqueles que ordenaram, autorizaram, cometeram, concorreram para ou foram coniventes com esses crimes, são criminosos aos olhos da História e da Nação brasileira;
  • que, não tendo tais criminosos sido punidos no momento apropriado por omissão do Estado, este, reconhecendo sua incúria e priorizando a pacificação nacional, conceda-lhes anistia de suas responsabilidades criminais; e
  • que os cidadãos brasileiros acusados de 'subversão' e 'terrorismo' com base em inquéritos contaminados pela prática generalizada da tortura e condenados por tribunais militares que aplicavam leis de exceção, passem a ser considerados, para todos os efeitos, inocentes dos crimes que lhes foram imputados, pois exerciam o legítimo direito de resistência à tirania.
    Para desarmarmos uma mina que, enferrujada ou não, ainda ameaça explodir-nos na cara, compensaria deixarmos que uns velhos torturadores morressem fora dos cárceres onde mereceriam estar – torcendo para que eles fossem atormentados, até o fim dos seus dias, pelo horror dos atos que praticaram.

    E que nosso legado à posteridade fosse esse repúdio inequívoco que o Estado brasileiro teria dado à quebra da normalidade constitucional e ao festival de horrores dela decorrente, só deixando de punir exemplarmente seus responsáveis por haver demorado a amadurecer o entendimento sobre como enquadrar tais episódios.

    O que, evidentemente, não beneficiaria os que tentassem reincidir: o paradigma estaria estabelecido, funcionando, a partir de então, como inibidor do golpismo e do terrorismo de estado".

    A CAMINHO DA COMISSÃO DA VERDADE - 2

    Três dias depois de divulgar o artigo Uma proposta para o acerto das contas do passado, com receptividade quase nenhuma, fiz uma última tentativa de levantar o tema, enviando uma mensagem à minha rede virtual e depois reforçando-a com o texto abaixo -- que acabou sendo a quarta postagem no recém-criado blogue Náufrago da Utopia.

    Não adiantou, claro. Havia ainda um longo caminho a ser percorrido até que caísse para os companheiros a ficha de que a prioridade é conseguirmos que pelo menos a opinião pública e a História nos façam justiça, pois a justiça propriamente dita aqui não se fará.

    Os assassinos, torturadores, estupradores e ocultadores de cadáveres morrerão todos impunes, ao contrário do que aconteceu nos países sérios (a frase atribuída a De Gaulle, mais uma vez, cai como uma luva...).

    Enfim, como registro, republico o post Um violeiro só não faz verão, de 14/08/2008:
    "O poeta Cacaso disse que 'moda de viola não dá luz a cego'. Mas, como violeiro dependente de palcos alheios para que minhas modas tragam alguma luz à nossa política tenebrosa, só me resta tentar despertar os cegos.

    Meu artigo Uma proposta para o acerto das contas do passado foi ignorado por quase todos os sites e portais de esquerda, como tudo que não reitera caninamente a  linha justa.

    Voltei à carga, reenviando-o hoje aos que deixaram de publicá-lo, juntamente com a mensagem abaixo. Sempre luto até o fim. E, se nem assim consigo vencer, fico com a consciência tranqüila, por ter feito tudo ao meu alcance para que o episódio tivesse um desfecho mais digno. Se eu fosse Jesus Cristo, faria milagres. Não sendo, só me resta esgrimir meus argumentos contra a cegueira alheia. E torcer.

    *****

    Prezados,

    quando propus um pacote alternativo para a esquerda na questão da punição dos torturadores, três dias atrás, levei em conta a já evidente relutância do presidente Lula em respaldar a iniciativa do ministro Tarso Genro. Era óbvio que ele preferiria apaziguar os militares, como acabou fazendo.
     É igualmente óbvio que, sem o apoio do Executivo, jamais conseguiremos encarcerar os torturadores. Então, só nos restarão as ações declaratórias, de efeito puramente moral.
    É claro que isso poderá mudar no próximo governo. Mas, até lá, mais  encarceráveis  terão morrido. E os restantes, com o pé na cova, disporão sempre dos infinitos recursos protelatórios da Justiça brasileira para escaparem à punição.
     Então, tanto faz, em termos práticos (punições), deixar que essa novela se arraste por anos ou dar-lhe um fim agora.
    Eu estou propondo uma série de medidas que, pelo menos, nos garantiriam uma vitória moral muito mais expressiva do que aquela que poderemos conquistar nos tribunais, com as ações declaratórias. E se trata de um pacote que está dentro das atribuições de um ministro da Justiça, o que facilitaria os trâmites.

    Peço-lhes, então, que me ajudem a colocar este artigo -- e, principalmente, a pauta de propostas que vem no final -- em circulação. É a alternativa ao que o Lula nos ofereceu ontem: um mero afago retórico, qualificando nossos mortos de 'heróis' (o que os colocaria ao lado dos usineiros, a quem o nosso presidente se referiu da mesmíssima forma...).

    Se nos nega o direito de vermos finalmente feita justiça, que, pelo menos, o Governo Lula nos conceda o reconhecimento oficial do Estado brasileiro de que éramos nós as vítimas, exercendo o legítimo direito de resistência à tirania; e os militares, os algozes (além de golpistas cujo governo era ilegítimo).

    Sairmos do episódio com menos do que isso será sairmos com as mãos abanando. Elogios oportunistas só satisfazem aos tolos.

    Conto com vocês para tentarmos, ainda, reverter a situação.

    Um forte abraço a todos!"

    sexta-feira, 25 de novembro de 2011

    "A ROTA TEM SIDO SINÔNIMO DE TRUCULÊNCIA POLICIAL DESDE MALUF"

    Os leigos têm uma visão pouco acurada da grande imprensa. Veem-na sob o exclusivo aspecto de expressão do poder econômico e, portanto, conservadora e reacionária.

    Ignoram, entretanto, as célebres contradições que tanto Karl Marx nos aconselhava a levarmos em consideração, explorando-as quando possível.

    Assim, na defesa de seus interesses imediatos, os veículos eventualmente assumem posições paradoxais, como a Rede Record quando foi buscar nas críticas da esquerda à Folha de S. Paulo (episódio  ditabranda) munição para reagir às acusações do jornal contra a Igreja Universal do Reino de Deus.

    E a própria Folha tem posição algo simpática à causa dos países oprimidos por Israel e, na cobertura local, às vezes, ataca os espantalhos identificados como tais por parte dos seus leitores, provavelmente para fazer média com eles.

    Embora seus motivos difiram dos nossos, não há por que torcermos o nariz a um ou outro texto aproveitável de jornalões e revistonas. Enquanto não tivermos poder de fogo remotamente equiparável em termos de comunicação, nenhuma munição deles advinda deve ser desprezada.

    Caso do editorial desta 6ª feira sobre a aberrante nomeação, para comandar a Rota, de um oficial sob suspeita de haver participado do  massacre do Carandiru  ou de nada ter feito para impedir que seus comandados exterminassem dezenas de detentos rendidos.

    Quando a Polícia Militar, com a grotesca cumplicidade da mídia, repete as práticas da ditadura militar em relação ao movimento estudantil, é extremamente positivo que a Folha tenha, com uma notícia, colocado em xeque a designação do tal Madia; e, com um editorial, a esteja agora impugnando.

    Desta vez colocou o dedo bem na ferida: a tradição de truculência da Rota e da PM, que é, gritantemente, o motivo da sua incompatibilidade com a missão de policiar a USP. Universidades requerem policiais civilizados, devidamente treinados para não as convulsionarem por qualquer ninharia.

    O editorial Tiro no pé é irrepreensível e poderia ser assinado por qualquer um de nós. Então, eu o reproduzo na íntegra, pois é importante que seja conhecido pelo máximo de pessoas:
    "Não há impedimento, do ponto de vista legal, para que o tenente-coronel Salvador Modesto Madia seja nomeado comandante da Rota pelo governador Geraldo Alckmin.
    Do ponto de vista político, todavia, a decisão é preocupante e lamentável. O tenente-coronel está entre os réus de um processo que se arrasta, escandalosamente, há quase 20 anos.
     Não se trata de um processo qualquer. Refere-se a uma operação policial que resultou num total de 111 mortes, passando à história do Brasil com o nome de  massacre do Carandiru.
    No dia 2 de outubro de 1992, o grupo de policiais a que pertencia o novo chefe da Rota entrou no segundo andar do presídio rebelado. No térreo, os detentos tinham deposto suas armas, sinalizando que não iriam resistir. Foram fuzilados mesmo assim.
    A PM subiu ao segundo andar; 73 presos foram mortos. Saíram vivos aqueles que se protegeram debaixo dos cadáveres das vítimas. O sangue foi limpado a rodo do piso daquele estabelecimento correcional.
    A responsabilidade concreta de Madia nesse episódio -assim como a dos demais policiais envolvidos- ainda está por ser apurada.

    A nomeação indica, entretanto, a continuidade de uma orientação política equivocada e demagógica por parte do governo estadual. A Rota tem sido sinônimo de truculência policial desde os tempos do governo Paulo Maluf, em pleno regime militar.

    Na época, como agora, a ideia de que 'bandido bom é bandido morto' prevalece na instituição -e obtém, inegavelmente, apoio em largas parcelas da população.

    Remonta à Alemanha nazista a prática de invocar o 'confronto e resistência à prisão' como pretexto para a eliminação sumária de quem quer que seja. Na gestão do antecessor de Madia, coronel Paulo Telhada, aumentaram em 63% os episódios de 'resistência seguida de morte'.

    O governador Alckmin, que contabiliza entre seus trunfos políticos a implosão do Carandiru e o decréscimo das taxas de homicídio no Estado, comete um equívoco com essa nomeação.

    Ou, se quisermos incorrer em frase de humor duvidoso, corre o risco de estar dando um  tiro no pé. O número de assassinatos em São Paulo poderia diminuir ainda mais, sem dúvida, se a PM contribuísse com sua parte. A saber, matando menos".

    quinta-feira, 24 de novembro de 2011

    O MOVIMENTO ESTUDANTIL E AS LIÇÕES DA HISTÓRIA

    Dialogando com estudantes da USP -- não chegaria ao ponto de dizer que ministrei uma  aula pública, conforme eles anunciaram --, reparei em como estavam ansiosos para discutir sua condição atual, de revoltados com a permanência no campus da tropa invasora, depredadora  e provocadora da Polícia Militar, bem como com a extrema tendenciosidade da mídia.

    Acompanharam até com interesse minha explanação sobre episódios semelhantes do passado. Surpreenderam-se ao saber que no mítico 1968 a grande imprensa atuava com idêntica parcialidade e o engajamento no movimento estudantil se restringia quase que exclusivamente aos alunos de Humanas, enquanto os de Exatas e Biológicas oscilavam entre a omissão e a hostilização. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

    Mas, queriam ser protagonistas, falar sobre o que estão fazendo e sofrendo, de preferência a reflexões mais amplas a respeito da permanência do passado no presente.

    Lembrei-me de uma extraordinária criação coletiva do Teatro Oficina, Gracias, Senhor (1972), que tinha esta como uma das suas muitas falas marcante: 
    "Cada geração tem, num curto espaço de tempo e dentro de uma relativa escuridão, de descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la".
    Eu acrescentaria que, embora as lições do passado sejam pertinentes e possam ajudá-las a entender tal missão, as novas gerações parecem estar condenadas a sempre repetirem o aprendizado, com seus acertos e erros.

    A regra, claro, tem lá suas exceções.

    E eu era uma: quando dava meus primeiros passos nas lutas sociais, procurava avidamente extrair dos veteranos o conhecimento que haviam acumulado ao longo dos vários momentos históricos; interessavam-me os paralelos entre a ditadura getulista e a dos generais, p. ex.

    Boa parte do que obtive com estas testemunhas oculares da História ficou registrada no meu livro Náufrago da Utopia. Memória não morrerá.

    Agora, a internet traz a mim jovens genuinamente interessados em saber como era o Brasil dos anos de chumbo -- e também muitos que apenas querem colher meia dúzia de frases para seus trabalhos escolares. Dentro das minhas possibilidades, atendo a ambos com a mesma cortesia.

    Mas, fico sempre matutando com meus botões: será que os novos recrutas aprenderão o que precisam saber com a rapidez necessária? Poucos parecem dar-se conta de quanto o mundo sofrerá nas próximas décadas em função dos descalabros capitalistas.

    Um dos motivos (menores) de nossas desventuras nos  anos de chumbo  foi termos demorado demais para optar pelo caminho que acabaria se demonstrando o único possível nas circunstâncias.

    Falamos em guerrilha e luta armada ao longo do ano de 1968 inteiro, mas só levamos a teoria à prática quando nada mais restou para fazermos, a partir do fechamento total do regime.

    Mesmo assim, surpreendemos o inimigo em 1969 e lhe encaixamos alguns golpes certeiros.

    Quando a ditadura se capacitou para o combate à guerrilha urbana -- lições de tortura ministradas pelos mestres estadunidenses inclusas --, ficamos com a impressão de que desperdiçáramos um tempo precioso com discussões políticas bizantinas.

    Mas, claro, a razão maior de nossa derrota foi a terrível desigualdade de forças. Poderíamos, provavelmente, ter obtido mais alguns êxitos; não havia, contudo, como ganharmos a guerra.

    quarta-feira, 23 de novembro de 2011

    NOVO COMANDANTE DA ROTA É RÉU DO MASSACRE DO CARANDIRU

    A Folha de S. Paulo noticia, com estardalhaço, que Novo chefe da Rota atuou em massacre do Carandiru.

    Segundo o jornal, o tenente-coronel Salvador Modesto Madia é um dos 116 acusados de exterminarem 111 detentos da Casa de Detenção, em 1992. A ilação óbvia: o governador Geraldo Alckmin teria colocado à frente da unidade mais truculenta da Polícia Militar paulista, frequentemente acusada de responsável por mortes desnecessárias (Rota 66 e tantas outras), um comandante assassino.

    É bem provável que, desta vez, a Folha esteja certa; afinal, Madia "integrava um grupo de PMs que entrou no segundo andar do rebelado pavilhão 9, onde 78 presos foram mortos".

    Mesmo assim, é um péssimo hábito expor pessoas ao opróbrio midiático antes que tenham sido condenadas por um tribunal. Há sempre o risco de linchamento de inocentes -- moral ou mesmo físico, pois não faltam turbas dispostas a fazerem justiça com as próprias mãos. O episódio da Escola Base parece não ter ensinado nada a ninguém.

    Diz Madia que as mortes foram "resultado do confronto entre detentos e policiais" e alega cumprimento de dever.

    Eu trabalhava em 1992 na Coordenadoria de Imprensa do Palácio dos Bandeirantes e cheguei a conversar com oficiais envolvidos. No papo informal, eles confessavam que a situação fugira do seu controle e, nem que quisessem, conseguiriam conter a sanha assassina dos seus comandados.

    É o que ocorre frequentemente nas guerras: há momentos nas quais a tropa é tomada por tal furor homicida que os oficiais correm risco de vida se tentarem evitar a matança.

    Algum tentou, no Carandiru? Aparentemente, não.

    O certo é que o julgamento de policiais militares acusados pelo  massacre do Carandiru  jamais deveria tardar quase duas décadas; e eles jamais deveriam estar exercendo funções que possibilitem a execução sumária de suspeitos.

    Nem, como é o caso de Madia, de ordenar ou fechar os olhos à execução sumária de suspeitos.

    Numa nação civilizada, a Justiça seria rápida e eles ficariam restritos a atividades burocráticas nesse meio tempo.

    Como o Brasil não é um país sério (a frase atribuída a De Gaulle cai como uma luva), a lengalenga provavelmente se prolongará até a prescrição.

    E o maior responsável jamais será julgado: foi o governador Luiz Antonio Fleury Filho quem ordenou a invasão, contra a opinião das autoridades da área.

    Depois, o secretário de Segurança Pública Pedro Franco assumiu a culpa (por lealdade ou qualquer outro motivo...), isentando o amigo de longa data, que pôde continuar governando e descendo a ladeira como político, até a irrelevância atual.

    Bastaria cortar-se água, luz e entrada de alimentos que a revolta definharia. Foi o que propuseram os especialistas no assunto. Mas, o governador que havia sido promotor fazia questão de mostrar seu muque. Deu no que deu.

    Mais do que pessoas, urge extirpar-se da PM e da Rota a tradição de truculência que remonta aos tempos nefandos da ditadura militar.

    A segunda até ontem ostentava orgulhosamente na sua página virtual a informação de que ajudara a derrubar um presidente constitucional, sendo obrigada a retirá-la, sob vara, pela ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário.

    E a PM está protagonizando as mais grosseiras intimidações e provocações na USP -- novamente, como no  massacre do Carandiru, por culpa de quem a colocou onde nunca deveria estar.

    Se queres um monumento à Rota, olha o bordão do comandante que acaba de aposentar-se, Paulo Telhada: "ladrão bom é ladrão morto".

    A redemocratização deixou muito a desejar no Brasil.

    terça-feira, 22 de novembro de 2011

    MINISTÉRIO PÚBLICO DENUNCIA TRUCULÊNCIA DA PM NA USP

    A Folha.com noticia: o Ministério Público solicitou abertura de inquérito para apurar brutalidade policial durante a desocupação da reitoria da Universidade de São Paulo, no último dia 8: utilização de bombas de efeito moral, ameaças aos estudantes, bloqueio desnecessário dos seus caminhos, etc. 

    Em suma, as intimidações e provocações de sempre.

    Uma estudante que mora no Crusp -- ala residencial para alunos da USP -- me escreveu dizendo-se sexualmente assediada por um PM durante a versão brasileira de As invasões bárbaras. Mas, teme revelar o seu nome e a humilhação que sofreu.

    O promotor Eduardo Ferreira Valério revelou possuir mais de dez relatos sobre a atuação dos PMs no Crusp, que ele qualificou de "truculenta".

    Como diria o Nelson Rodrigues, é o  óbvio ululante...

    Eu gostaria que a PM tratasse os mandachuvas da grande imprensa de forma tão civilizada quanto agiu na USP, segundo a versão edulcorada, engana-trouxa, que seus veículos difundiram.

    O caso foi enviado para o Decap (Departamento de Polícia Judiciária da Capital), para a Corregedoria da PM e para o Gecep (grupo do Ministério Público que fiscaliza a polícia).

    segunda-feira, 21 de novembro de 2011

    MAIS SOBRE O CARRASCO CUJO ASILO NÃO INDIGNOU A DIREITA, NEM A IGREJA

    Por esta e outras, o Lungarzo criou um intertítulo
    de fina ironia:
    "Deixai vir a mim os genocidas"...
    Meu post sobre o  carniceiro de Sorbibor (acessar aqui) motivou o companheiro Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, a entrar também no assunto, mesmo porque ele tinha entalada na garganta uma comparação entre os casos de Gustav Franz Wagner e Cesare Battisti, feita pelo bispo Benedicto de Ulhôa Vieira em artigo que a CNBB publicou no seu boletim de janeiro/2009.

    O acerto de contas do Lungarzo com Ulhôa Vieira e outros maus clérigos está em Algo mais sobre o nazista Wagner, cuja íntegra é disponibilizada aqui. Recomendo.

    E eis como Lungarzo apresentou o carrasco de Hitler, acrescentando alguns dados que não constaram do meu artigo:
    Pio XII, I presume?
     "O austríaco Gustav Franz Wagner, sargento das SS, nasceu em 1911 e (...) foi escalado para comandante (primeiro vicecomandante) do campo de Sobibor, na Polônia, no qual ganhou (numa época em que não se falava como hoje dos direitos dos animais) o apelido de lobo (em alemão, wulf; ídiche, welfel) por sua desenfreada sede de sangue. Durante os julgamentos de Nuremberg foi condenado a morte em ausência, acusado pelo assassinato direto ou indireto de mais de 200 mil judeus.
    Segundo o famoso jornalista pesquisador sobre os nazistas foragidos Ernst Klee, o sargento Wagner teria fugido ao Brasil, com o auxílio do Vaticano, que lhe teria fornecido documentos falsos, dinheiro e contatos".
    Vale esclarecer, quanto à sentença de Wagner no julgamento de Nuremberg, que eu acreditei numa versão da revista Época, cujo artigo Os carrascos no Brasil (vide aqui) o deu como condenado à prisão perpértua. Mas, a revista errou e, por tabela, eu também: ele foi mesmo é sentenciado à morte.

    A HISTÓRIA SE REPETE?

    Em 1990, quando o Corinthians conquistou seu primeiro Campeonato Brasileiro de futebol, a partida decisiva rumo à final foi o dificílimo 2x1 sobre o Atlético Mineiro, antepenúltimo obstáculo, no Pacaembu. Saiu atrás e virou com dois gols de Neto.

    Seguiram-se o 0x0 no jogo de volta no Mineirão, a previsível eliminação do Bahia (por idênticos 2x1 e 0x0) e duas vitórias por 1x0 sobre o São Paulo.

    Neste domingo, de novo, começou perdendo do Atlético Mineiro no Pacaembu e conseguiu uma virada dramática, vencendo por 2x1.

    Seu penúltimo adversário será, como o Bahia, um time que não faz parte da elite do futebol brasileiro: o Figueirense.

    E encerrará a campanha com um clássico paulista, o tradicional  derby  contra o Palmeiras.

    No fundo, semelhanças deste tipo são fortuitas e as pessoas fantasiam, umas querendo vê-las como bons presságios, outras as temendo como maus augúrios.

    Mas, não deixam de ser pitorescas.

    E, no caso dos jogadores de futebol, por serem também -- e muito! -- supersticiosos, às vezes eles próprios contribuem involuntariamente para a concretização dessas previsões, ao atuarem com estado de espírito alterado.

    P. ex., durante o longo tabu que o Santos manteve contra o Corinthians na  era Pelé, os atletas corinthianos já entravam em campo meio derrotados, por acreditarem que, fizessem o que fizessem, no máximo conquistariam um empate. E era exatamente isto que acabava sucedendo.

    domingo, 20 de novembro de 2011

    ESTUDANTES DA USP QUEREM APRENDER DEMOCRACIA. O REITOR NÃO ENSINA

    A convite do Centro Acadêmico Ruy Barbosa, darei uma aula pública sobre Segurança e Democracia, na Escola de Educação Física e Esporte da USP, a partir das 9h30 desta 2ª feira (21).

    Tenho mais a dizer sobre a segunda, claro.

    Aliás, conheço o assunto bem melhor do que o reitor atual e a anterior, cuja ignorância é tão crassa a ponto de considerarem tropas de choque compatíveis com templos do saber.

    D. Paulo Evaristo Arns, que foi de uma coragem e dignidade ímpares quando vândalos fardados invadiram e depredaram a PUC/SP em 1977, jamais será esquecido.

    Já essas duas patéticas figuras só vão ser lembradas como exemplos negativos, de educadores que se comportaram no estado de direito como se atuassem intimidados, pisando em ovos, na Alemanha nazista ou na Espanha fascista.

    Ou, pior ainda, como se compartilhassem os valores de Hitler e Franco.

    Aliás, a um correligionário do segundo se deveu a palavra de ordem que melhor define os acontecimentos recentes na USP: "Abaixo a inteligência! Viva a morte!".

    Por enquanto, a morte é em sentido figurado. Mas, outros truculentos já se assanharam e espalham panfletos prometendo coisa ainda pior. É o que acontece quando não esmagamos logo os ovos de serpente.

    Segundo o convite que recebi, os estudantes conscientes e consequentes da USP propõem, como alternativa à intimidação generalizada e às provocações constantes da Polícia Militar (motivo de um episódio menor ter gerado uma revolta maior, facilitando a manipulação grosseira da mídia reacionária), o seguinte:
    "Aprofundar a temática de segurança, estendendo para a temática de democracia no campus, evidenciando a importância de um projeto amplo e perpassando pela proposta do movimento estudantil que reivindica aumento de iluminação, aumento de circulação de pessoas no campus, aumento do número de frotas de ônibus circulares e que passem também pelo metrô, abertura de concursos públicos para guarda universitária com treinamento adequado e efetivo feminino".
    Quem quiser trocar idéias conosco, comapareça: av. Prof. Mello de Morais, 65 - Cidade Universitária - São Paulo, capital. 

    Cidadãos com espírito aberto são bem-vindos e não existe arame farpado cercando a USP... por enquanto.

    sábado, 19 de novembro de 2011

    APÓS A DERROTA DE HITLER, BRASIL ACOLHEU NAZISTAS DE BRAÇOS ABERTOS

    Quando os reacionários de dois continentes tudo faziam para obter a cabeça do escritor Cesare Battisti, era frequentemente citado um caso de direitista cuja extradição havia sido negada pelo Brasil sem que nossa  imprensa canalha manifestasse, nem de longe, a mesma indignação: o ditador paraguaio Alfredo Stroessner.

    O bom baiano Ismar de Souza acaba de reavivar minhas lembranças de um episódio ainda mais chocante.

    Embora ausente do julgamento de Nuremberg, o nazista Gustav Franz Wagner foi condenado à pena capital por haver comandado um campo de extermínio em Sobibor (Polônia) no qual foram executados 250 mil judeus, tendo recebido a Cruz de Ferro por sua eficiência em erradicar as  raças inferiores.

    Fugiu para o Brasil e, sob identidade falsa, estava morando num sítio da região de Atibaia (SP), quando, em 1978, caiu na besteira de comparecer ao Deops para desmentir notícia de que participara de uma festa em homenagem a Hitler. 

    Reconhecido, detido e logo transferido para uma clínica psiquiátrica, teve sua extradição solicitada por Israel, Áustria e Alemanha. Acusação: sequestro e assassinato em massa. 

    Ele, indiscutivelmente, fazia por merecer o apelido de carniceiro de Sorbibor.

    O que não impediu o Supremo Tribunal Federal de rejeitar, quase sem debates, os dois primeiros pedidos.

    O terceiro rendeu mais papo pra manga. O STF, contudo, acabou concluindo por 8x2 que a pena já estava prescrita pelo Direito alemão (embora não o estivesse pelo Direito brasileiro...).

    Ou seja, considerou-se mais qualificado do que os alemães para interpretar as leis alemãs.

    Exatamente o que tanto escandalizou a nossa direitalha quando o ex-ministro da Justiça Tarso Genro -- respaldado em ninguém menos do que o maior jurista italiano do século passado, Norberto Bobbio -- aludiu às leis de exceção vigentes na Itália durante os  anos de chumbo, quando o Estado tinha o direito de manter sob PRISÃO PREVENTIVA um SUSPEITO de subversão armada por MAIS DE DEZ ANOS!

    ALELUIA, GRETCHEN

    Pior: Wagner não foi caso isolado de nazista acolhido de braços abertos pelo Brasil.

    Historiadores concluíram (ver aqui) que isto se deu com o conhecimento e anuência do presidente Eurico Gaspar Dutra, antigo simpatizante do nazi-fascismo:
    "Havia na época uma circular secreta, datada de 1947, que restringia a entrada de judeus no Brasil. Em contrapartida, existia uma missão diplomática em Berlim que não se acanhava em ludibriar a lei para facilitar o ingresso de funcionários do III Reich no País" (professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP).
    "Tudo indica que houve facilitação da entrada de empresários nazistas no Brasil por iniciativa pessoal de Dutra" (Marionilde Brephol Magalhães, autora do livro Pangermanismo e Nazismo - A Trajetória Alemã Rumo ao Brasil).
    Libertado, Wagner voltou ao seu sítio e, em menos de dois anos, cometeu suicídio.

    Que o diabo o tenha e guarde.

    sexta-feira, 18 de novembro de 2011

    BRASILEIRO É BESTA DE CARGA DO CAPITALISMO

    O capitalismo putrefato desperdiça criminosamente as possibilidades hoje existentes para o desfrute da existência, sobrecarregando os seres humanos com trabalho inútil, excessivo e estressante. E os brasileiros estão entre os que mais padecem sob a escravidão de novo tipo.

    É o que se pode depreender da pesquisa sobre jornada de trabalho que a multinacional Regus acaba de divulgar (ver aqui) .

    Ouvidos 12 mil profissionais em 85 países, os principais resultados foram:
    • 43% dos profissionais no Brasil trabalham de nove a onze horas por dia. No restante do mundo esse percentual é de 38%;
    • 17% dos profissionais no Brasil e 10% em outros países trabalham mais de onze horas por dia regularmente;
    • no Brasil, 46% dos profissionais levam trabalho para terminar em casa, mais de três vezes por semana, no comparativo com o índice de 43% global;
    • Os profissionais do sexo masculino no Brasil (20%) têm quatro vezes mais chances de trabalharem 11 horas por dia, do que as mulheres (4%).
    Segundo Guilherme Ribeiro, diretor geral da Regus em nosso país, "mais da metade dos profissionais no Brasil trabalham além das oito horas por dia e mais de 40% levam trabalho para concluir em casa regularmente", daí advindo as consequências previsíveis: 
    "O problema do estresse relacionado à pressão por resultados está crescendo, os efeitos a longo prazo desse excesso de trabalho podem prejudicar tanto a saúde do profissional como a sua produtividade, já que os próprios funcionários exigem demais de si mesmos e ficam frustrados, depressivos e até mesmo fisicamente doentes.
    ANDANDO PARA TRÁS, 
    COMO OS CARANGUEJOS

    A progressiva redução da jornada vinha sendo uma constante depois da fase mais terrível do capitalismo selvagem, quando se trabalhava até 18 horas diárias nas minas de carvão européias.

    Na esteira dos marcantes avanços científicos e tecnológicos das décadas de 1950 a 1980, a tendência acentuou-se, com a semana de 40 horas sendo cada vez mais adotada, enquanto na Europa já havia quem trabalhasse apenas quatro dias semanais.

    Isto apesar do parasitismo capitalista, do sem-número de ocupações desnecessárias que mantêm os homens labutando sem proveito nenhum para a sociedade, muito pelo contrário -- casos emblemáticos dos bancos e da indústria bélica.

    A partir da globalização da economia e da imposição do neoliberalismo como credo econômico supremo, a humanidade andou para trás: o desemprego só fez aumentar e a jornada dos que trabalham (assalariados, autônomos, terceirizados, micros e pequenos empresários), idem.

    Muitos querem trabalhar e não podem, outros gostariam de trabalhar menos e também não podem: é a irracionalidade imposta pela ganância.

    Como se tivéssemos voltado ao século 19, novamente as pessoas passaram a viver para trabalhar, mais do que trabalhar para viver, sacrificando seu repouso, lazer, a convivência com os entes queridos e sua saúde física/mental.

    De certa forma, hoje a situação é pior ainda do que no capitalismo mais selvagem, quando, pelo menos, as mulheres eram poupadas da escravidão assalariada e podiam dedicar-se às crianças, ao invés de as depositarem em creches e escolinhas.

    Sua absorção pelo mercado de trabalho acabou aviltando os ganhos de todos e deixando os lares com poder aquisitivo equivalente ao que tinham no tempo em que só o marido e os filhos mais velhos trabalhavam fora. Foi a chamada  mágica besta.

    quinta-feira, 17 de novembro de 2011

    AS CAFUNGADAS DOS TOXICÔMANOS E DOS BANQUEIROS

    Em sua coluna desta 5ª feira, Quando o vício é privado, o veterano jornalista Clóvis Rossi levanta a possibilidade de estar sendo inútel, mesmo do ponto de vista capitalista, o receituário neoliberal imposto a governos europeus, no sentido de que reduzam gastos sociais e infelicitem seus cidadãos.

    A tese de CR (ver íntegra aqui), com a qual concordo, é de que a atual crise tem como principal vilão os bancos. Priorizar sua salvação só agrava os males, pois equivale a oferecer novas doses a viciados em drogas:
    "...a cura, pela austeridade, do vício dos governos de gastar demais nem de longe resolve o problema.
     A banca (...) continua intoxicada e 'mata' um governo depois do outro, no desespero de mais uma cafungada nos juros obscenos cobrados para rolar a dívida de países europeus".
    Mas, vou além de CR: em termos estruturais, os problemas não podem ser resolvidos sob o capitalismo. Deixar de acarretar penúria aos homens para socorrer bancos seria apenas um primeiro passo na direção correta.

    No final da estrada encontra-se o fim do próprio capitalismo -- ou, talvez, o da espécie humana, se não livrar-se logo do sistema que a direciona para o abismo.
    Related Posts with Thumbnails