sexta-feira, 23 de maio de 2025

UM DIA JÁ FOMOS INGÊNUOS A PONTO DE LOUVAR RELES MARGINAIS COMO HERÓIS

R
eencontrei no Youtube a impactante música Charles, Anjo 45 praticamente recriada por Caetano Veloso, que a lançou em compacto simples com uma abordagem muito pessoal, em cadência lenta, bem diferente do sambão do Jorge Ben.

Ela havia sido um dos poucos destaques artísticos do esvaziado 4º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo em 1969. O evento se desmoralizara no ano anterior ao premiar a bonitinha mas evasiva Sabiá porque o júri de poltrões teve medo de descontentar os militares no poder agraciando a franca favorita do público, Caminhando, do Geraldo Vandré.

Ademais, o Brasil entrara nas trevas do Ato Institucional nº 5 e os artistas responsáveis pelo apogeu da MPB entre 1965 e 1968 já haviam sido devidamente afastados, alguns do festival, outros do próprio país. 

Do que sobrou, a vencedora foi a piegas e esquecível Cantiga para Luciana, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, que voou mais baixo ainda do que a Sabiá de Chico Buarque e Tom Jobim. 

O pouco que havia de aproveitável não sensibilizou um júri tão
simpático mas incompetente quanto o do FIC anterior: a própria Charles, Anjo 45, mais Ando Meio Desligado (Mutantes) e Gotham City (Macalé/Capinam). 

Em seguida foi lançado o compacto do Caetano, com Jorge Ben fazendo coro, que o influente crítico Tarik de Souza colocou nas alturas:
"Mais do que o próprio autor, Caetano Veloso soube compreender a força dramática e a intensidade de comunicação da extraordinária Charles, Anjo 45.
O painel surrealista da favela traçado pela letra forte de Jorge Ben funde-se à interpretação pausada de Caetano, somada ao ritmo cadenciado e às invenções vocais do compositor [Jorge Ben], que também participou da gravação"
Mas, afora os méritos artísticos, houve outro motivo para eu disponibilizar aqui tal canção: a ingenuidade da letra forte do Jorge Ben, saudando um mero chefão de favela como protetor dos fracos e dos oprimidos, Robin Hood dos morros, rei da malandragem, etc., e descrevendo de forma apoteótica as comemorações previstas para quando ele saísse da prisão.

Hoje sabemos quão ingênua era nossa visão desses bandidos, como se fossem alternativa à repressão da ditadura. Em 1968, p. ex., o artista plástico Hélio Oiticica chegou a colocar numa de suas obras a frase Seja marginal. Seja herói

Vale ressalvar que os grandes bicheiros não eram criminosos tão terríveis quanto os traficantes que os sucederam como autoridades máximas dos morros, mas estavam muito longe de ser bonzinhos como a mitologia da esquerda os pintava.

Não me excluo dessa babaquice generalizada, mas desembarquei dela antes da maioria. É que a ditadura, para desmoralizar os presos políticos, resolveu colocá-los na companhia de presos comuns e os resultados foram catastróficos. 
Na Ilha Grande, da convivência forçada resultaram lições valiosas para os marginais aprenderem a se organizar de forma profissional, fundando os comandos que até hoje impõem a lei do cão aos pobres favelados.

E em 1969, seis companheiros do Movimento de Ação Revolucionária fugiram do presídio Frei Caneca (RJ) juntamente com três marginais, que em seguida aderiram à guerrilha. Quando o primeiro dos marginais foi preso de novo, delatou rapidamente todos os militantes do MAR que pôde.

Ficamos sabendo disso tudo na VPR e concluímos que até poderíamos somar forças com os presos comuns em fugas, mas depois deveríamos separarmo-nos deles o quanto antes, porque não tinham os mesmos motivos que nós para resistirem às torturas. 

A cultura do submundo brasileiro era (e é) de amoral promiscuidade entre policiais e bandidos. o que, aliás, foi bem mostrado no filme Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia,  do Hector Babenco: os tiras, além de dar-lhes proteção, chegavam a sugerir os roubos mais promissores e a fornecer armas aos bandidos, para depois arrancarem deles parte substancial do butim. (por Celso Lungaretti)

quarta-feira, 21 de maio de 2025

DÚVIDA CRUEL: NÃO SEREMOS NÓS TAMBÉM IMITAÇÕES DE SILICONE?

rui martins
A ONDA DOS
 BEBÊS REBORN
De repente, surgiu nas redes sociais e na mídia a onda dos bebês reborn, ou bebês renascidos, que já têm até defensores e desafetos.

No último caso estão as pessoas preocupadas com a real situação dos nascidos filhos de mães pobres, desnutridas e com pouco leite para alimentá-los. 

Mesmo porque tais bebês, designados de maneira pernóstica em inglês, não passam de bonecas hiperrealistas em silicone, reproduzindo de maneira real e perfeita um verdadeiro bebê.

Um sofisticado trabalho manual, cujo preço de venda pode chegar a R$ 10 mil, permitindo a quem o possui mimetizar a vivência com um verdadeiro bebê, sem exigir os mesmos cuidados de uma mãe. 

Mas a mamadeira, as fraldas, a chupeta imitam as necessidades vitais de um ser vivo, porque a boneca é inerte e só vive na imaginação, como acontece com as bonecas das meninas até a adolescência.

Então, por que esses bebês de silicone passaram a ocupar espaço na mídia e nas redes sociais, gerando interpretações diversas sobre o comportamento das mulheres que ninam, passeiam e vão fazer compras no supermercado com seu pimpolho factício?

Tanto homens como mulheres podem ter uma ligação afetiva com certos objetos que lhes são caros e dos quais não se separam. A preferência, neste sentido, era para os animais, seres vivos como cães e, gatos, transformados em bichos de estimação e que se integram na própria família, sendo tratados com o cuidado e mesmo amor destinado a pessoas. 
Existem também homens cujas amantes são de plástico inflável, adquiridas em sex-shops.

Esses bebês não são novidade, já existem há anos nos Estados Unidos e mesmo na Europa. Na verdade, destinam-se a crianças e adolescentes como brinquedos mais sofisticados ou a mulheres que perderam seus bebês, numa fase de superação da falta e tristeza decorrentes, mas por um curto período.

Existe algum interesse comercial com o lançamento do bebê reborn como moda a ser curtida por mulheres ou casais sem filhos desejosos de viver a maternidade? Parece haver, pelo menos em título em streaming, o nacional Uma Família Feliz  (d. José Eduardo Belmonte, 2023), filme de suspense e realismo envolvendo bebês reborn.

Seja o que for, modismo ou onda lançada por publicidade discreta, já surgiram muitas explicações sobre a receptividade de certas pessoas. Percorremos diversas delas e uma que nos impressionou foi a do youtuber Paulo Ghiraldelli, focando a questão de maneira filosófica e política.

Para ele, reportando-se ao passado, os homens se encantavam na revolução industrial com as máquinas que se moviam sozinhas e o próprio Adam Smith ficava impressionado com a fábrica de alfinetes. Nessa era vitoriana, reforçava-se a ideia de que o homem, e não só Deus, pode dar vida às coisas.

É a época do clássico de Mary Shelley, Frankenstein, o monstro feito com pedaços de cadáveres e que ganha vida própria quando seu criador faz com que seja atingido por um raio. 

É a época do fetiche, as máquinas dão vida às coisas e as coisas parecem ganhar vida. 

Seguindo as pegadas de Marx, Ghiraldelli cita O Capital, ao lembrar que as mercadorias ganham vida enquanto aquele que deu vida às mercadorias, o homem, se torna objeto delas.

A seguir, a imagem se torna mais importante que a mercadoria e o virtual mais importante que o real. E entramos assim no simulacro que é a produção de imagens que lembram o real sem serem o real. É o caso dos bebês reborn, mais perfeitos que os bebês reais.

Existem relatos reais de mãe que leva seu boneco reborn ao SUS, para saber se tem febre, e um processo judicial, por um casal em separação, para partilha de rendimentos de um bebê reborn no instagram com milhares de seguidores. 

Há imagens de um pastor chutando um boneco reborn e o comentário de que a mãe levando seu bebê em consulta ao SUS deveria ter sido internada. E o alerta do pregador John Meslar de que maus espíritos podem tomar posse do corpo do bebê reborn. 

Fica livre a escolha de qual a melhor explicação. (por Rui Martins)

segunda-feira, 19 de maio de 2025

MALCOLM X, ÍCONE DO MOVIMENTO NEGRO NOS ANOS 60, HOJE FARIA 100 ANOS.

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oje (19/05) se comemora o centenário de nascimento de um dos personagens mais emblemáticos dos turbulentos anos 60 nos EUA, o ativista negro Malcolm X, grande amigo de outra lenda do período, o pugilista Muhammad Ali.

Com seis anos de idade ele perdeu o pai, pregador batista e membro da Associação Universal para o Progresso Negro, que foi massacrado por uma horda da Black Legion, organização terrorista de supremacistas brancos, e largado nos trilhos de um bonde. Embora tivesse seu corpo quase dividido ao meio, o pastor agonizou durante horas antes de expirar.

Sua mãe, fustigada pela miséria e abandonada pelo homem com quem pretendia casar, enlouqueceu. Malcolm e seus sete irmãos foram distribuídos por lares de acolhimento.

Mesmo assim ia bem nos estudos, até que, no oitavo ano, um professor do qual gostava desencorajou-o de seguir a profissão que escolhera: "Um advogado? Isto não é um objetivo realista para um negro. Por que não tenta carpintaria?".

Tornou-se um adolescente problemático, foi expulso da escola, passou a beber, a fumar marijuana, a usar roupas extravagantes, a frequentar salões de dança. Trocou uma digna namorada negra por uma mulher branca, causando-lhe tal desencanto que ela acabou entregando-se às drogas e à prostituição.

Malcolm também se viciou em cocaína e andou praticando assaltos para bancar os aproximados 20 dólares por dia que gastava com a droga. 

Preso e condenado a 11 anos de detenção, foi regenerado por outro prisioneiro, que o inspirou a converter-se ao Islã e conduziu-o para as fileiras do guru picareta Elijah Muhammad e seus muçulmanos negros.  

Após sair da prisão com 27 anos, destacou-se como fervoroso ministro dessa seita separatista, que se diferenciava de outras vertentes do movimento negro por sua maior combatividade e uma disciplina próxima à militar.

Ativista convicto, grande orador e personagem carismático, acabou fazendo sombra ao líder da seita, que sentiu-se cada vez mais ameaçado por Malcolm levar a sério aquilo que para ele não passava de retórica conveniente. 

Algo que incomodou muito Elijah foi Malcolm ter se aproximando dos movimentos pelos direitos civis. 

Malcolm, por sua vez, desencantou-se com a satiríase do guru, que mantinha relações adulteras com as discípulas e engravidara várias delas.

Tendo rompido com a Nação do Islã, feito uma peregrinação a Meca e se tornado cada vez mais um missionário que assumia a pauta política do movimento negro até as últimas consequências, Malcolm virou alvo de atentados e acabou assassinado em fevereiro de 1965, a mando de Elihan Muhammad. 

Sua cinebiografia, Malcolm X (1992), disponibilizada abaixo, é o melhor filme da carreira do diretor Spike Lee e tem uma atuação de gala do Delzel Washington. Os 202 minutos passam num piscar de olhos. (por Celso Lungaretti)  

domingo, 18 de maio de 2025

ABAIXO O TERRORISMO CONTRA CRIANÇAS!

Você falaria esta assustadora palavra –matar – para sua doce filha, encolhidinha em seus braços? Não? Como não? Falou, sim! Foi quando contou a história da bruxa que queria matar Branca de Neve por envenenamento.

Eu também falei e um doloroso complexo de culpa me fez mudar de assunto: "Não, filhinha, a bruxa não vai matar"

"Não vai matar?"  – se consolou, lagriminhas a escorrer entre uma porção de solucinhos, minha sobrinha bisneta, três aninhos, inocentes olhinhos, espigados cabelos. 

Seres frágeis e indefesos como esse há séculos são assustados com tal palavra, morte, nas fábulas infantis e cantigas de terror para crianças. A propósito, abaixo o bicho-papão e o boi da cara preta!

Tomemos como exemplos dez historinhas para crianças sempre presentes nas páginas dos livros, telas dos cinemas, palcos de teatros – de Branca de Neve aos Três Porquinhos, de João e Maria à Bela Adormecida. Repare que essas fábulas bombardeiam os cérebros infantis receptivos com episódios de assassinatos, canibalismo, tortura, fratricídios, infanticídios. 

E perseguições, sentimentos doentios de inveja, ciúmes, ódio, vingança, crueldade, abandono de incapaz, preconceitos, discriminação, saques, cárceres privados, bullying. Esses crimes todos que vamos repassar agora, imaginados para o entretenimento de crianças pelos autores das fabulas, a maioria europeias, se julgados, resultariam em prisão perpétua para cada um deles... 

Com a invenção dos vídeos, pixotinhos e pixotinhas são hoje encafifados na poltrona de casa mesmo, não apenas por escrito, agora ao vivo, por bruxas e madrastas ameaçadoras, com seus gritos de terror, gengivas escancaradas, risos sarcásticos – a tramar assassinatos. Para a indústria cultural, o horror e a morte são apenas produtos à venda.

Aterrorizante, pois, é o bullying praticado pela espécie humana contra seus filhotes, desde que o mundo é mundo. 

Um dos mais cruéis é contar historinhas de terror para crianças sobre bruxas com tendências sempre assassinas, madrastas sempre malvadas, reis sempre besteirentos. Se não, vejamos. 

Na fábula João e Maria, há o assassinato da bruxa praticado por duas crianças, um menino e uma menina, que a jogam no forno e a queimam –e, garante a historinha– queimam-na até o último osso. 

Ato contínuo, as crianças saqueiam o tesouro da velhinha-capaz-de-grandes-crimes que perpetra tentativa de canibalismo, pois quer comê-las. Como a velhinha conseguiu tanto ouro, diamantes, moedas, não importa. O que vale é que a bruxa planejava comer Mariazinha assada e Joãozinho cozido. 


No início da historinha, os pais cometem crime de abandono de incapaz, pois largam as crianças no mato para que morram. Tudo por incitação da madrasta malvada. Criança, não verás nenhuma fabula tão sanguinolenta como essa!

Em Cinderela, a madrasta e suas duas filhas –feias– rasgam o vestido da jovem –bonita– para ela não ir ao baile do príncipe. Obrigam-na a fazer todos os serviços domésticos e ainda a maltratam com deboches e malvadezas, crime de bullying. As despeitadas trancam a heroína no porão, crime de cárcere privado. Falar o quê?
Bela e a Fera: as irmãs invejosas da Bela maquinam fazer a Fera ficar aborrecida com a moça. Para que? Para perder a paciência com ela e…devorá-la! A Fera, fatalmente, vira um príncipe. Trata-se de uma técnica de vendas, eufemismo, para amenizar o ruim. Vender fábulas é preciso.

Noutra versão, uma fada – malvada – tentou seduzir o príncipe, se deu mal, porém seguiu tentando matar Bela e casar com seu pai. O que uma fada malvada não faz por uma mísera lua de mel... Ciúme, trama de morte, sedução, literatura para crianças.

Branca de Neve: o pai da menina, um rei, ficou viúvo e fez a asneira que todos os reis fazem nessas histórias infantis, casou com uma mulher certamente belíssima, naturalmente madrasta, comprovadamente cruel, evidentemente feiticeira. Que sempre maltratou e assustou a menina. Fábula que se preza mata gente boa. 


O escritor da fábula mata o rei, na sua criação literária a madrasta expulsa Branca de Neve e torna-se mandante de assassinato cruel, crime hediondo, contratando um caçador para matar a pequena e trazer o seu coração numa bandeja. Ou embrulhado num jornal, esse detalhe a historinha não explica.


O caçador, único personagem bondoso que jamais aparece em fábulas de terror para crianças, entrega um coração de javali. A madrasta disfarçou-se de bruxa indefesa-feiosa-cara-torta-fingida e primeiro tentou matá-la com um pente envenenado. Depois, matou-a com maçã envenenada. 

Nada que um pouco de erotismo não resolva: o príncipe beijou-a e ela ressuscitou. Veneno aqui, veneno ali, morte aqui, morte ali, para crianças.


Em
 A Bela Adormecida o terror é semelhante ao de Cinderela. No batismo da Bela, 12 fadas boas receberam presentes, menos uma, a fada malvada, que lança na criança um feitiço cujo resultado seria a morte pelo picar do dedo num fuso ao tecer um pano ainda não especificado. 

A 12ª. fada, boa gente, transformou esse tipo de morte em sono profundo de apenas 100 anos. Uma pechincha. Até o dia em que o príncipe deu um beijo nela e ela acordou. 

A mãe do príncipe, descendente de ogros –tinha de ser!– ficou com vontade de comer os próprios netinhos, os dois filhos da Bela, agora acordada e mãe. Mandou atirar as netas – eram duas meninas – num poço cheio de serpentes, cobras e víboras. 


A rainha antropófaga, canibal, tipo de gente que se alimenta de carne humana -entenderam, crianças?–, cheia de ódio, desequilibrou-se e caiu no poço, onde morreu. Bela e o príncipe foram felizes para sempre. Façam-me um favor!

Em 
A Cigarra e a Formiga a criançada é obrigada a acreditar que uma querida artista, todos os artistas são queridos, cujo trabalho é cantar com sua voz quente e magnética, nada mais é do que uma vagabunda, enquanto a profissão das formigas, pegar na enxada, essa sim é de honra maior. Ah, esse sistema de desenfreada produção manufatureira capitalista…

Uma história de discriminação, injúria, calúnia, ofensa a uma artista digna cuja vocação produtiva é encantar o mundo com a voz. Belo e acariciante é o canto da artista cigarra em tardes silenciosas e ensolaradas: rrrrrriiiiiiiaaaaaaa!!!!


Os Três Porquinhos é uma historinha para crianças com três tentativas de assassinato. Aliás, quatro. Três tentativas por parte do lobo contra os três bichinhos e uma quarta, a de matar o lobo com fogo. Descendo pela chaminé, o lobo sente cheiro de queimado. Era sua cauda que estava sendo assada pelo porquinho dotado da prática de matar, de nome Prático, o justiceiro da turma. Beleza de práticas cruéis relatadas para crianças.

E a facilidade com que o lobo mata a avó da Chapeuzinho Vermelho não banaliza um crime mais do que hediondo, o assassinato de idosos? Depois, as crianças aprendem que o certo é regredirmos dois milênios e voltarmos aos tempos brutais do olho por olho, dente por dente: o caçador mata o lobo.

Beleza de terror é a 
Mula Sem Cabeça, e essa é lenda nossa, ninguém tasca. Mostra uma rainha –olha elas– comedora de cadáveres de crianças. Nossa! Você não vai contar uma historinha dessas para sua princesinha, vai? 

Num determinado reino, uma rainha costumava ir secretamente ao cemitério à noite. O rei seguiu-a e se deparou com a esposa comendo o cadáver de uma criança. Adulto cretino!, podem estar pensando as crianças e seus responsáveis a respeito do inventor dessa lenda. 

Ao ser pega em flagrante pelo rei, a rainha se transformou numa mula sem cabeça e saiu galopando em direção à mata, nunca mais retornando para a corte. Ainda bem. 


Outra versão da lenda diz que quando uma mulher namora ou casa com um padre ela se transforma numa mula sem cabeça. 

Outra ainda é que isso acontece quando uma mulher perde a virgindade antes do casamento. Por acaso seriam histórias de autoria da burguesia exploradora da boa fé popular com vistas à repressão sexual? Tirem as crianças da sala.

Em A Lenda da Mãe D’Água, também fábula nossa, os irmãos da belíssima índia Iara queriam matá-la por inveja e ciúme de suas qualidades de beleza, trabalho e coragem. Rápida e guerreira, ela é que matou os irmãos, ao se defender. 

Como punição, o pai jogou-a no rio Negro, e lá ela se transformou numa belíssima sereia de cabelos longos e olhos verdes, o tempo todo atraindo os homens de maneira irresistível, fazendo-os vivenciar experiências sexuais incríveis. E matando-os. A gênese de uma prostituta serial killer.

Difícil entender os enigmas de
 Alice no País das Maravilhas, nem saber por que ela cresce e diminui ao comer certos alimentos. Alice no país do terror enfrenta a imprescindível rainha má, que esbraveja, durante toda a historinha, sua deixa de morte: Cortem-lhe a Cabeça! 

Ordena, sem mais nem menos, que um gato, bichinho querido das crianças, seja decapitado, por pertencer à Duquesa, que ela odeia. Contrariada, arremessa um bebê, que cai nos braços de Alice, que corre para o mato. Infanticídio, gente!
O Patinho Feio enche de tristeza os coraçõezinhos da criançada, explorando as circunstâncias de vida de um filho adotivo à procura de sua mamãe. Até ele descobrir que não é pato e, sim, ganso, e enquanto não encontra a mãe verdadeira, sofre, eis a trama desta fábula –rejeição, solidão, bullying dos filhos da madrasta e dela mesma.

Em tempo! Em tempo! – está na hora de espalhar para a molecada do mundo inteiro a lenda real e confortadora de que a Terra está repleta de madrastas e vovozinhas amorosas, dedicadas, que criam e amam apaixonadamente os filhos alheios e os delas também. 

E ouçam, e leiam, brasileiros e brasileiras, e os europeus das fábulas inclusive, o mundo todo, aquelas músicas, poesias e histórias infantis que adoçam os corações de crianças e gente grande, de autoria de Villa Lobos, Toquinho, Vinícius de Morais. 

Há livros, gravações e filmes  com historinhas infantis na base da poesia, nada nada terroristas (genialmente musicadas!) do nosso poetinha e de Toquinho. Muito cansado, já perdi toda a alegria de fazer meu tic-tac dia e noite, noite e dia, orquestra ele em O relógio

O cravo desmanchou o namoro com a rosa, debaixo de uma sacada, o cravo ficou magoado e a rosa despetalada, palma, palma, palma, pé, pé, roda, roda, roda, caranguejo peixe é, compõe infantilmente Villa Lobos. 
Abaixo o terrorismo! (por Apollo Natali)

sábado, 17 de maio de 2025

DURANTE A DITADURA, POR AMÁ-LO NÓS ÉRAMOS ESCORRAÇADOS. DESISTIREMOS AGORA DO BRASIL DE MODO PRÓPRIO?

"Eu sou brasileiro, mas não tenho meu lugar/ pois lá sou
estrangeiro, estrangeiro no meu lar" (Boal e Garnieri)
É cada vez maior o número de parentes, conhecidos e amigos  cujos filhos estão participando de intercâmbio com outros países ou já se fixaram definitivamente no exterior. E tal possibilidade começa a ser um pesadelo para mim também. Reflitamos sobre o assunto.

Em termos teóricos, só há uma posição verdadeiramente defensável, a de que temos todos um compromisso moral com nosso povo sofrido, de permanecermos aqui e tentarmos fazer deste um país do qual nos orgulhemos, ao invés de nos causar profundo desencanto e enormes preocupações.

Mas, não serei eu a me colocar num falso pedestal, como se tivesse sempre pensado assim. Ao sair das prisões militares na década de 1970, também flertei com a ideia de dar o fora, pois não suportava o fato de que até 1969 percebia-se uma surda insatisfação do povo (em especial a classe média) com a ditadura militar, mas tal sentimento alterou-se diametralmente com o (mal) dito milagre brasileiro.

As pessoas comuns geralmente tinham medo de recriminar publicamente o regime dos generais, mas nas suas conversas havia sempre críticas mais ou menos veladas à vida que estavam levando sob o arbítrio ditatorial. 

Clandestino e caçado em todo país, com meu retrato nos cartazes de procurados, era gratificante para mim sentir que estava indo ao encontro  dos sentimentos da minha gente. 

Apesar de as perspectivas pessoais serem muito ruins (as chances maiores eram a de ser morto ou sofrer as piores torturas nos porões do regime), em nenhum momento cogitei aceitar a fuga para o exterior, que os coitados dos meus pais faziam até o impossível para viabilizar. 

Recebia por meio de pombos correios insuspeitos suas mensagens desesperadas e respondia  rechaçando as propostas e os consolando na medida do possível.
Então, quando a chance de comprar fuscas a prestação, lucrar uma merreca na bolsa de valores  e ter acesso a alguns itens de consumo rasteiro bastou para mudar os humores de contingentes significativos de brasileiros. vendo brotarem como cogumelos os cartazes de Ame-o ou deixe-o, lamentava profundamente a morte de companheiros queridos para quê... para ISSO?

Quanto mais o balanço das forças, em termos militares, se desequilibrava em nosso desfavor, mais convicto eu ficava de que melhor seria morrer lutando do que recuar juntamente com os pusilânimes. 

Ainda assim sobrevivi e, libertado em frangalhos, fui superar os traumas numa comunidade alternativa para a qual me convidaram antigos companheiros secundaristaa. Durante um ano recuperei as forças e  o bom ambiente entre quatro paredes me permitia ignorar que, fora delas, o Brasil que eu amara ia deixando de existir.

Quando a comunidade se dissolveu e tive de encarar aquela realidade detestável, morando com a companheira numa quitinete e amaldiçoando meu trabalho numa agência de comunicação empresarial, novamente cogitei o exterior como alternativa. Mas, já não tinha contatos que me permitissem viajar com segurança enquanto meus processos ainda  tramitassem nas auditorias militares. 
Ademais, caiu-me a ficha de que nem sequer conseguiria tirar passaporte italiano, embora meu avô paterno fosse de tal nacionalidade. Não tinha como comprovar isto com documentação  de lá nem como pagar a tradução de toda a papelada daqui para aquele idioma.

Resignei-me a esperar, mas aí foi tarde demais: os militares já não conseguiam fazer a economia brasileira crescer no ritmo necessário e dava para perceber que, mais dia, menos dia, devolveriam o abacaxi para os civis. 

A esperança em dias melhores ressurgiu. E logo eu estava comparecendo a cada uma das manifestações pelas diretas-já em São Paulo, até receber novo balde de água fria quando a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada por uma Câmara Federal tão desfigurada como a atual.

Ou seja, eu também teria debandado se pudesse, principalmente na segunda metade da década de 1970. Mas, não sem dor no coração nem seduzido pela possibilidade de enriquecer; apenas por detestar o que o Brasil se tornara e não estar vendo perspectivas de melhoras. Quando estas surgiram, ainda que meio ilusórias, desisti definitivamente da evasão. 

O inesquecível futebolista Sócrates, face à perspectiva de ganhar rios de dinheiro na Fiorentina, prometeu, em plena manifestação das diretas-já no Vale do Anhangabaú, recusar a proposta italiana e permanecer no Brasil para reconstruir o país caso a eleição direta para presidente fosse restabelecida. Para mim também a perspectiva de livrar nosso povo da ganância capitalista era muito mais atraente que a de ser um estranho numa terra estranha.

Mas, talvez pelo fato de o Brasil, em termos gerais, estar agora pior ainda do que no século passado, serei sempre o primeiro a recomendar a nossos jovens que pensem um pouco no que estão deixando para trás: uma terra tão devastada que até a picaretagem religiosa e a loucura furiosa da ultradireita passaram a sensibilizar muitos cidadãos cujos cérebros foram bem lavados. 

E o que é pior: a esquerda que ora prevalece é a mais inadequada possível, empenhada apenas em maquilar o capitalismo, tornando-o palatável para os explorados, humilhados e ofendidos, ao invés de recolocar em pauta a substituição dessa competição canibalesca de todos contra todos pela priorização do bem comum e da união das gentes para a instauração de um regime de liberdade e justiça social plenas.

Em 1968, uma canção da peça Arena conta Tiradentes constatava: Eu sou brasileiro, mas não tenho meu lugar/ pois lá sou estrangeiro, estrangeiro no meu lar.

Fico me indagando se um dia os brasileiros teremos de conversar com nossos filhos e netos nos idiomas das nações prósperas que os acolhem.

Só seremos realmente felizes quando voltarmos a ser donos do nosso nariz e do nosso país, ao invés de nos conformarmos em virar estrangeiros em lares alheios. (por Celso Lungaretti)  

sexta-feira, 16 de maio de 2025

A MÚSICA DO DIA VAI PARA CARLA, JAIR E OUTROS ULTRADIREITISTAS QUE APELAM AO CHORORÔ PARA EVITAREM A PRISÃO

"
Eu estou pegando vários relatórios dos meus médicos e eles são unânimes em dizer que eu não sobreviveria na cadeia
", lamentou-se a rainha do gatilho Carla Zambelli, dizendo-se portadora das síndromes Ehlers-Danlos e Hipercinética Postural Ortostática.

"Estou com 70 anos, eu não aguento disputar eleição daqui a oito, dez anos", lamentou-se o duas caras Jair Bolsonaro, que ora se proclama imbrochável, imorrível e incomível, ora banca o coitadinho  de dramalhão mexicano. 

Ambos tentam, com tais chantagens emocionais obterem um privilégio que os brasileiros, em sua imensa maioria, não têm: o de passarem por cima das condenações que lhes são impostas pelo Poder Judiciário. 

Mas, não é com chororô em público que se obtém um tratamento diferenciado para sentenciados impossibilitados de suportarem o rigor das decisões judiciais, mas sim com petições às autoridades competentes, que geralmente concordam, por exemplo, em autorizar o cumprimento da pena em prisão residencial.

No entanto, a valentona e o valentão a que nos referimos acima, na hora de arcarem com suas responsabilidades, mostrando que têm coragem pra suportar, preferem desfazer-se em lágrimas, implicitamente suplicando que outro Poder intervenha para livrar a cara deles.

Daí os estarmos homenageando com a Coragem pra Suportar do Gilberto Gil. (CL)

quinta-feira, 15 de maio de 2025

A 'FOLHA DE S. PAULO' AGORA PUBLICA INCLUSIVE ENTREVISTAS PSICOGRAFADAS

Protesto na porta da Folha em 2009: qualificara a ditadura militar de ditabranda.
O
mundo gira e a Lusitana roda. O
Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo passaram por muitas mudanças ao longo dos tempos, mas conservaram uma diferença essencial: 
-- o primeiro, porque foi comandado durante longo tempo por uma família ligada ao jornalismo, exibiu caráter em alguns momentos marcantes; 
-- a segunda, que nasceu pela mão de comerciantes, era e continua sendo amoral, colocando interesses acima de princípios.

Assim, o jornalão dos Mesquitas teve o mérito de lutar firmemente contra a ditadura de Getúlio Vargas, que deveria ter sido unanimemente repudiada por toda a esquerda durante todos os 15 anos que durou, mas foi ora tratada de forma complacente, ora objeto de uma destrambelhada intentona, conforme iam mudando o humor e as ordens de Stálin.

O Estadão fez a opção correta ao aderir abertamente à dita revolução constitucionalista, enquanto a Folha ficou em cima do muro em 1932. 
Revoltosos de 1932 exibem exemplar do Estadão
Depois, contudo, a Internacional stalinizada resolveu tirar da cartola um putsch em 1935, despachando Luiz Carlos Prestes para cá com poderes de verdadeiro interventor sobre o partidão: voltou incumbido de vergar a espinha do comitê central do PCB, que não via com bons olhos aquela aventura militar sem respaldo na militância, já que havia sido decidida da noite para o dia.

Foi altaneiro o Estadão ao riscar de sua história o período em que, como represália da ditadura de Vargas, teve sua redação submetida a um interventor in loco.

E continuou sendo altaneiro ao romper com a ditadura dos generais, quando esta não cumpriu o compromisso de devolver o poder aos civis após os expurgos e mudanças de ordenação política que ela veio impor. 

Embora houvesse sido uma das principais lideranças civis da conspiração golpista, o Grupo Estado acabou tendo seus dois veículos (o Estadão e o Jornal da Tarde) censurados e recusando-se a preencher o espaço com novas notícias: o primeiro ali colocava trechos de Os Lusíadas de Camões e o segundo, receitas culinárias.

Mais emblemática ainda foi a atitude de ambos com relação ao DOI-Codi. O Grupo Folha orientou seus recepcionistas a ligarem para os jornalistas buscados pela repressão e, sob falsos pretextos, atraírem-nos para o saguão, onde eram presos. Além disto, cedia suas viaturas para camuflarem as incursões dos agentes.
A Folha era retaliada por ceder veículos à repressão

Já no concorrente da rua Major Quedinho, o tratamento era bem diferente. Quando uma patrulha do DOI-Codi chegou para pegar um repórter do
JT, o diretor de redação proibiu seu ingresso no prédio e mandou a equipe de segurança garantir que sua ordem seria cumprida.
"Lá fora ele pode ser subversivo, mas aqui dentro ele é meu jornalista", justificou.

Em seguida, acionou o governador Abreu Sodré e, como resultado das tratativas, os todo poderosos agentes da repressão tiveram de ficar esperando na calçada. Em vão, porque o mesmo diretor levou o por eles caçado, no porta-malas do próprio carro, até seu sítio e lá o abrigou. 

E, após Vladimir Herzog ser assassinado pelo DOI-Codi, o Grupo Estado decidiu que, quando jornalistas da casa fossem intimados a comparecer para interrogatórios, algum diretor da empresa deveria sempre acompanhá-los, para garantir-lhes a integridade física.

Quis o destino que a Folha de S. Paulo tivesse uma chance de reabilitar sua imagem, que havia sido tão emporcalhada nos anos de chumbo, participando intensamente da campanha das diretas-já em 1983/84.
Bolsonaro teme que prisão cause sua morte política 
Mas, a que vêm estas recapitulações no dia de hoje? À deplorável iniciativa da
Folha de S. Paulo, de entrevistar nesta quarta-feira (14) o miasma fedorento do politicamente defunto Jair Bolsonaro. Deveria ter seguido a Bíblia e deixado os mortos enterrarem seus mortos.

Como nunca comentei livro psicografado por médiuns, também não comentarei o besteirol de ontem. O que tinha a dizer, já disse num comentário que enviei de imediato para o UOL e foi nele publicado:
"O UOL bem que poderia nos poupar dessas constrangedoras tentativas de justificar o injustificável. Jair Bolsonaro, hoje, não passa de uma prisão esperando acontecer. As centenas de milhares de brasileiros que ele condenou à morte com sua sabotagem alucinada à vacinação contra a pandemia já não têm voz. Por que dar voz ao seu carrasco?".
Respondo a pergunta que eu mesmo fiz: porque este sempre foi o comportamento da Folha e suas derivações, conforme acima demonstrado.
 
Aliás, não fui sequer original: vários outros comentaristas fizeram a mesmíssima crítica.  (por Celso Lungaretti)
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