quinta-feira, 19 de junho de 2025

NUMA DÉCADA AGÔNICA, ESTE FILME RESGATOU NOSSOS SONHOS E ESPERANÇAS. HOJE TAMBÉM NOS FALTA UM ALENTO

Um dos filmes com intenções políticas mais poéticos da história do cinema, Jonas que terá 25 anos no ano 2000 (que completará meio século no ano que vem...) mostra uma Suíça que, em meados da década de 1970, retornara à plena normalidade capitalista, nada restando dos ventos de mudança que sopraram fortes em 1968, com exceção de um ou outro indivíduo isolado que representava alguma faceta das utopias cultivadas pela geração anterior.

Já não existia um projeto coletivo a imantar tais vertentes, mas os pequenos profetas (como o ótimo diretor Alain Tanner  os qualificou em entrevistas) continuavam tentando levar adiante, isoladamente, aquilo em que acreditavam. Eram oito, todos com os nomes iniciados por M (de maio, o mês das barricadas francesas).
O personagem Mathieu segue as pegadas de Rousseau

Uma teia de circunstâncias inesperadas os vai colocando em contato, até que os oito se reúnem numa única ocasião, congraçando-se na fazenda do personagem que se dedica ao cultivo de vegetais sem contaminação química. É quando almoçam exultantes, numa sequência, belíssima, que simboliza a 
Santa Ceia

Bem naquela fase e sob tais auspícios, o casal de fazendeiros gera um filho, que terá o simbólico nome de Jonas. 

A alusão é ao profeta que foi engolido pela baleia mas sobreviveu, assim como o filme acena com a esperança de que a criança sobreviverá à gordura capitalista para, no ano 2000, corporificar uma nova e definitiva síntese dos ideais dos pequenos profetas.

Embora o filme não esclareça como isto se dará, parece destacar sobretudo a via representada pelo personagem Mathieu (São Mateus?), que Rufus interpreta.

Ele quer educar as crianças de forma que não percam sua bondade natural, escapando ilesas aos condicionamentos ideológicos que uma sociedade corrupta lhes tenta impor, mais ou menos como Jean-Jacques Rousseau preconizou em Emílio, ou Da Educação

Hoje, quando as melhores esperanças da humanidade parecem ter ficado para trás, substituídas pelos piores augúrios quanto à própria sobrevivência da nossa espécie, Jonas... é um filme simplesmente obrigatório. 

Até por colocar em questão algo que realmente vale a pena discutirmos: se 1968 foi uma primavera que passou em nossas vidas ou o ensaio geral de uma revolução que ainda chegará. (por Celso Lungaretti)
Clique aqui para assistir ao filme completo no Youtube

quarta-feira, 18 de junho de 2025

...E SE TRUMP FOR MESMO O ANTICRISTO?

"E eu pus-me sobre a areia do mar, e vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre os seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabeças um nome de blasfêmia" (Apocalipse 13:1)

"E a besta que vi era semelhante ao leopardo, e os seus pés como os de urso, e a sua boca como a boca de leão; e o dragão deu-lhe o seu poder, e o seu trono, e grande poderio"(Apocalipse 13:2)

"E vi uma das suas cabeças como ferida de morte, e a sua chaga mortal foi curada; e toda a terra se maravilhou após a besta" (Apocalipse 13:3)

"E vi subir da terra outra besta, e tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro; e falava como o dragão" (Apocalipse 13:11)

"E exerce todo o poder da primeira besta na sua presença, e faz que a terra e os que nela habitam adorem a primeira besta, cuja chaga mortal fora curada" (Apocalipse 13:12)

"Aqui está a sabedoria. Aquele que tem discernimento calcule o número da besta, pois é número de homem; e esse número é seiscentos e sessenta e seis". (Apocalipse, 13:18)

Pode-se dizer que esta meia-dúzia de versículos está por trás de todo o alarmismo dos mercadores do templo através dos tempos; e de todos enredos de ficções literárias, teatrais, cinematográficas e musicais sobre a vinda de um anticristo.

Ultimamente foi acrescentado um pitoresco complemento à profecia, qual seja a identificação das duas bestas: a primeira seria o Hitler e a segunda, o Trump. Besteirol ambíguo tem a vantagem de poder ser interpretado ao gosto do freguês.

Há, contudo, uma reminiscência de pouco mais de dois milênios atrás que me tira o sono. E não se trata de um produto da imaginação inflamada ou calculista, mas sim de um verdadeiro acontecimento histórico, datado de 10 de janeiro de 49a.C.

Foi quando o general Júlio César, reagindo às decisões do Senado romano contra ele, gritou A sorte está lançada!, atravessou o rubicão com suas tropas e tomou o poder.

É que, apesar das guerras civis, nenhum senhor da guerra ousara até então desafiar a proibição tradicional de transpor o riacho à frente de suas legiões e chegar ao coração do reino (e, em seguida, da república) para impor-se como o novo mandachuva.
Parafraseando a frase célebre dele sobre a conquista da Gália, César ousou, viu e venceu, inaugurando o ciclo dos imperadores. 

Mas, era de esperar-se que mais dia, menos dia, alguém cederia à tentação de lançar a sorte, esperando dar-se bem.

Fico matutando que desde 9 de agosto de 1945 ninguém mais se atreveu a usar uma bomba atômica contra seu inimigo, pois as imagens dos horrores de Hiroshima e Nagasaki serviram para dissuadir até os mais empedernidos detentores dessas armas apocalípticas. 

E, quando a primeira bomba atômica soviética foi testada com sucesso em 29 de agosto de 1949, um motivo ainda mais assustador para ninguém tentar a sorte foi acrescentado: o receio de que a explosão da primeira bomba provoque reação idêntica do inimigo ou de algum aliado seu, gerando uma escalada que acabe extinguindo a espécie humana.

Na célebre crise dos misseis cubanos, em 1962, chegou-se muito perto de derrubar a primeira pedra do dominó macabro. Mas John Kennedy e Nikita Kruschev, vendo abrir-se à frente deles o abismo que poderia tragar a humanidade, recuaram no enésimo momento. E nunca mais o risco foi tão grande.

Vai sê-lo agora? O Irã possuirá mesmo uma bomba atômica pronta para lançar contra Israel? Trump pretende mesmo cumprir a ameaça de assassinar à distância o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, se o país não render-se incondicionalmente?

O certo é que a responsabilidade de evitar o pior está sobre os ombros de Trump e não nos 
do aiatolá, que já não tem mais para onde recuar, com seu país reduzido a escombros;  nem nos do corrupto Netanyhau, que deixará de ser premiê tão logo a crise chegue ao desfecho.

Só nos resta torcer para que o alarmismo supersticioso não passe mesmo de um disparate e Trump só tenha do anticristo o narcisismo exacerbado.  E, por via das dúvidas, que tal dar três batidinhas na mesa? (por Celso Lungaretti)

terça-feira, 17 de junho de 2025

ATÉ EU SINTO SAUDADES DO PARQUE DA MÔNICA NO SHOPPING ELDORADO

U
ma sensível reportagem (tecle
aqui para acessar) de Camila Corsini, no UOL, vem matar as saudades de quem conheceu o Parque da Mônica em seu primeiro endereço, o Shopping Eldorado, onde funcionou de 1993 a 2010.

E não só as de quem o frequentou como criança. Presumo que muitos marmanjos como eu conservem gratas lembranças das horas lá passadas com seus pirralhos.

No meu caso, era uma verdadeira maratona. Entrava com minha filha mais velha (a Luana, nascida em 2002) logo na abertura, às 9h ou 10h, não tenho certeza, e só saíamos quando estava fechando, às 21h. Passávamos o sábado quase inteiro, ela nas atrações e eu teclando no celular sem nunca perdê-la de vista.

Achava singela a fixação dela nos desenhos rabiscados: passava umas duas horas só produzindo suas obras de arte, eu tinha de avisá-la que havia outras coisas interessantes acontecendo. Mais para me satisfazer ela ia ver comigo, mas logo voltava para os rabiscos.

A primeira década deste século foi de vacas magras para mim, primeiramente lutando para receber o quanto antes minha pensão de anistiado político e depois pagando dívidas remanescentes de quando, desempregado, mal me aguentava com meus frilas.

A pensão chegou em janeiro de 2006, mas o governo companheiro não cumpriu as regras do programa, segundo as quais eu deveria receber em poucas semanas a indenização retroativa pelas mais de três décadas transcorridas desde que sofrera o diabo nas garras dos torturadores do ditador Médici, quase morrendo e ficando lesionado para sempre.

Perdi o último emprego fixo em dezembro de 2003 e passei os dois anos seguintes matando cachorro a grito, de forma que, quando veio a pensão, meus credores exultaram. 

Mas, fazia o impossível para que a Luana de nada fosse privada. Levava-a ao Sesc Pompéia, ao Parque da Água Branca (gratuitos) e, quando o Parque da Mônica entrava em promoção nas férias de virada de ano, adquiria os cinco passaportes disponibilizados para nós e deixava que se esbaldasse. 

Só íamos embora quando ela quisesse, mas nunca queria. Conformava-se quando estava fechando e só aguentava acordada até o ponto do ônibus. Dormia nos meus braços e eu a despertava já em casa, para tomar banho e jantar.

Fazia tudo que podia para alegrá-la, mas era também, acreditava eu, porque tinha a obrigação de compensá-la por nem sempre poder proporcionar-lhe tais agrados.  Como ela não tinha culpa nenhuma pela grana curta, minha paciência era infinita. 

Agora, olhando para trás, admito que eu também, à minha maneira, curtia aquelas jornadas, por mais cansativas que fossem para um cinquentão. E curtia muito! 

O chavão é inevitável: eu era feliz e não sabia. (por Celso Lungaretti) 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

SOB FOGO CRUZADO DA EXTREMA-DIREITA E DO POLITICAMENTE CORRETO, O HUMOR DEFINHA E O BRASIL SE TORNA TACITURNO

"
Nunca vi o espetáculo de Leo Lins, mas não importa o que seja. Ninguém pode ser preso por fazer rir. Os canais brasileiros têm medo de ser processados, pagar multas e, agora, até de ter seus contratados presos.

A censura militar talvez tenha sido mais branda do que aquilo que acontece hoje, porque existia o foco no jornalismo, mas Chico Anysio, Jô Soares e Renato Aragão brilharam nessa época. 

Antes disso, no Estado Novo de Getúlio Vargas, havia programas no rádio, como o Lauro Borges & Castro Barbosa. Lauro ia trabalhar com uma malinha, porque já sabia que seria preso, mas ele dormia uma noite na cadeia e era solto no dia seguinte, porque não havia fundamento para manter a prisão —como não há hoje. Mas regredimos."
O depoimento acima é de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o
Boni, que foi diretor da Globo de 1967 a 1997. Ele ainda se lembra dos tempos em que perdia horas de trabalho para negociar com os censores e não vê muita diferença com o cenário atual. Pelo contrário, acredita que a condenação do comediante Leo Lins imporá ainda mais receio. 

Muitos outros profissionais destacados da área de artes, espetáculos e comunicação foram ouvidos por Pedro Martins, diretor-adjunto da Folha Ilustrada, que elaborou uma extensa reportagem sobre a terra arrasada a que foi reduzido o gênero do humor sob os ataques simultâneos da extrema-direita caçadora de bruxas e do politicamente correto cancelador e punitivista. 

Detalhe: esse verdadeiro terrorismo de fanáticos intimida tanto que o Boni foi o único que autorizou a citação do seu nome, os outros só falaram em off.

A reportagem intitula-se Entenda o apagão do humor na TV, com medo de irritar o público à esquerda e à direita e é leitura obrigatória para quem ainda mantém o salutar hábito do pensamento crítico nesta tenebrosa era da polarização ideológica.

O pior, para mim, é que os ultradireitistas sempre foram mesmo tacanhos, apenas se tornaram mais influentes agora. Já a esquerda era ou tentava ser exatamente o contrário e eu não me conformo em vê-la assim descaracterizada, tão beligerante no secundário quanto omissa no fundamental, travando as batalhas erradas e espantando os civilizados que antes atraía. (por Celso Lungaretti) 
"Eu quis cantar minha canção iluminada de sol/ Soltei os panos
sobre os mastros no ar/ Soltei os tigres e os leões nos quintais/
Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer"

domingo, 15 de junho de 2025

O PUNITIVISMO SÓ PROVÊ INTIMIDAÇÃO OU VINGANÇA. É HORA DE DARMOS UM BASTA À DESUMANIDADE CAPITALISTA!

Celebridades que questionaram a sentença monstruosa da juíza Bárbara de Lima Iseppi contra o comediante Léo Lins estão voltando atrás à medida que os rancorosos punitivistas divulgam exemplos chocantes do tipo de humor que ele fazia, chantageando esses me(r)dalhões eternamente reféns das tendências majoritárias nos seus respectivos nichos. 

Entre interesses e convicções, escolhem sem pestanejar os primeiros, por mais humilhante que seja a retratação. Preferem ser vistos como cidadãos que opinam levianamente, sem informarem-se direito sobre o assunto, do que como vozes discrepantes das Maria-vai-com-as-outras que seguem invariavelmente o rebanho, mesmo no erro e na abjeção.

Depois que Hitler e Mussolini tiveram o fim que sempre mereceram, alemães e italianos que antes esmagadoramente os idolatravam, correram a proclamar inocência. 

Mas os chifres e os rabos pontiagudos não sumiram graças a tamanha hipocrisia, tanto que a Itália continuou se rendendo ao fascismo. A virtude não está mais no meio...  

Assim, após chafurdar na lama com o pornocrata Silvio Berlusconi, a velha bota tem hoje como primeira-ministra a Giorgia Meloni,  cujo lema é Deus, Pátria e Família

Opositora do aborto voluntário, da eutanásia, da união civil entre pessoas do mesmo sexo, da paternidade LGBT, etc., ela se diz apenas conservadora cristã. Sei.

Então, eu faço questão de reafirmar que, seja lá o que o Léo Lins tiver um dia afirmado, mantenho minha posição de sempre: penas de prisão só se justificam como resposta a ações e não, jamais, a opiniões, por mais repulsivas que sejam.

Se roubou, estuprou, feriu, matou, vandalizou, etc., que mofe na prisão. 

Se apenas escandalizou a sociedade ou debochou de minorias, que seja condenado a prestar serviços comunitários, assistir a palestras, receber tratamentos, etc. 

Tal era o entendimento da esquerda à qual aderi na virada de 1967 para 1968: uma sociedade que erige a ganância em prioridade suprema predispõe os indivíduos a todo tipo de comportamentos distorcidos, daí devermos antes reeducar as vítimas do capitalismo do que fazer desabar sobre elas todo o peso da lei.
A esquerda daquele tempo tinha coragem de assumir que o crime maior de todos é a própria existência do capitalismo e, enquanto não o superarmos, o punitivismo será quase sempre intimidação e/ou vingança, não justiça.

Mas as pessoas simples estão ainda imbuídas do simplismo do olho por olho, dente por dente, ilusório lenitivo para suas dores. 

E a esquerda atual abre mão do dever de educá-las, preferindo a opção confortável de somar-se cinicamente a elas, jogando Marx no lixo.

Eu fico com Marx. (por Celso Lungaretti)
"Não guardo mágoa, não blasfemo, não pondero/ 
Não tolero lero-lero, devo nada pra ninguém"

PASSEI A MINHA VIDA ADULTA INTEIRA VENDO ISRAEL FAZER OS ÁRABES DE SACO DE PANCADAS; MUITO SOFRE QUEM PADECE

As charges são do Jota Camelo
Eu começava a prestar atenção nos grandes acontecimentos mundiais quando ocorreu a chamada
guerra dos seis dias, em junho de 1967: Síria, Egito, Jordânia e Iraque, apoiados pelo Kwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão, foram derrotados de forma acachapante por Israel, apesar de sua evidente superioridade em efetivos e recursos.

Passei o resto da vida vendo os árabes serem triturados impiedosamente pelo estado sionista, sempre com o apoio declarado ou velado dos EUA e a despeito das condenações inócuas da ONU, olimpicamente ignoradas pelos genocidas da estrela de Davi.

O enredo se repete mais uma vez; já faz parte da ordem natural das coisas. Só quando algo nele mudar justificará uma análise mais aprofundada. Mais do mesmo vale apenas o tamanho deste post.

Não gosto de assinar protestos ou dar declarações indignadas quando sei de antemão que de absolutamente nada adiantarão. 

Posso passar anos travando uma luta extremamente desigual para nosso lado, como foi aquela contra a extradição de Cesare Battisti no período 2008/2011, desde que vislumbre uma mínima chance de vitória. 

Mas não perco meu tempo quando nem isto existe, pois detesto sentir-me impotente para mudar o curso de acontecimentos deploráveis. Sou guerreiro, não carpideira.

Nesses casos em que nada há que compense fazer, nada faço. Sigo o exemplo do Paulo Francis dos bons tempos, que encerrava o assunto dizendo muito sofre quem padece e passava a ocupar-se das campanhas que não tinham desfecho predeterminado. 

Mas, a semelhança acaba aí. Ele, depois da sua última grande fase (a de quando era o guru do Pasquim), acabou desistindo de todas as cruzadas idealistas, e isto eu não fiz nem farei. 

Tenho 74 anos e continuo pronto para ir em qualquer lugar, correndo o risco que houver, mesmo me arrastando com minha muleta, se depender de mim uma vitória no bom combate. 

Aí a minha inspiração vem de outro exemplo, o de Gilberto Gil na canção Viramundo: "Prefiro ter toda a vida/ a vida como inimiga/ a ter na morte da vida/ minha sorte decidida". (por Celso Lungaretti)

sexta-feira, 13 de junho de 2025

1965: A BOSSA TIRAVA O BRASIL DA FOSSA.

Marco da retomada artística: o Show Opinião.
Brasil, 1965. A repressão que se abatera sobre sindicatos, partidos políticos e entidades estudantis não foi estendida às artes, cuja relevância como fator subversivo vinha, até então, sendo quase nenhuma.

O teatro de denúncia, os Centros Populares de Cultura, o cinema novo, tudo isso até então  atingira contingentes pouco expressivos em termos numéricos, daí os novos donos do poder terem se permitido adotar com relação à cultura, uma postura inicial de déspotas esclarecidos...

Como consequência, os palcos e telas começaram a ser catalizadores do repúdio ao regime e das esperanças de uma reviravolta popular, ocupando o espaço dos canais de comunicação que permaneciam bloqueados.

Surgiam espetáculos de integração entre a música, a literatura e o teatro, como Liberdade, Liberdade e o Show Opinião (colagem em que os personagens-símbolos do povo oprimido, camponeses e favelados, eram representados pelo compositor de baião João do Valle e o sambista Zé Keti, respectivamente).
Oduvaldo Vianna Filho e Isabella em O desafio

O cinema, por meio de Paulo César Saraceni, lançava O desafio, filme cujo título aparecia em pichações contestatórias nos muros de São Paulo.

A música, após o refluxo da bossa-nova, tendia para um maior engajamento político e social, na linha defendida por Carlos Lira, Sérgio Ricardo, Edu Lobo e Nara Leão.

E a redescoberta ou revalorização dos sambistas do morro, colocados em evidência graças às parcerias com expoentes da bossa-nova (Pixinguinha/Vinícius de Moraes, Carlos Lira/Zé Keti, etc.), ainda rendia dividendos.

Foi quando o Centro Acadêmico Onze de Agosto, da tradicional Faculdade de Direito da USP, sediada no Largo São Francisco (de papel destacado em vários episódios de resistência ao arbítrio através dos tempos), decidiu promover noitadas de música popular no Teatro Paramount, sob o comando do radialista Walter Silva, apelidado de o pica-pau (ele era o apresentador de um programa de rádio dedicado à bossa-nova, pick-up do pica-pau). 

Logo esses shows eram assistidos por plateias entusiásticas (estudantes, intelectuais, boêmios, profissionais liberais).
O Paramount na fase das noitadas de MPB
Um ótimo documento do período foi o LP Uma Noite no Paramount, lançado em 1983 pela RGE – não é fácil de encontrar-se na internet, mas os obstinados o conseguem baixar. 

Divide-se quase que meio-a-meio entre a bossa-nova tradicional e canções de protesto como "Terra de ninguém", "Maria Moita", "Sem Deus com a família", "Aleluia", "Pedro Pedreiro".

A temperatura do espetáculo pode ser aferida pelo frenesi do público quando César Roldão Vieira canta versos do tipo "a minha mulher é só minha,/ a do branco eu nem sei se só dele é".

Um observador atento, Solano Ribeiro, viu a chance de realizar um evento de grande repercussão. Ele era um dos mandachuvas da TV Excelsior - Canal 9 (emissora paulista já extinta).
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1º FESTIVAL DE MPB: A ESTRELA SOBE NO GUARUJÁ.
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Idealizado por Solano Ribeiro, o 1º Festival da Música Popular Brasileira teve lugar no Guarujá (litoral sul paulista), em abril de 1965.

Projetou nacionalmente Elis Regina, que aos 12 anos começara a se apresentar em programas infantis de Porto Alegre, tendo depois gravado dois discos de músicas para a juventude e, afinal, firmado reputação como cantora de bossa-nova nas boates cariocas do Beco das Garrafas.
Sua interpretação vigorosa, arrebatada, com movimentação frenética (movia os braços como pás de moinho...), transformou-a instantaneamente em estrela.

Defendeu a canção vencedora, "Arrastão", parceria de Edu Lobo e Vinícius de Moraes.

As classificadas a seguir não marcaram época:
  • 2ª, "Valsa do amor que não vem", de Baden e Vinícius, por Elizete Cardoso;
  • 3ª, "Eu só queria ver", de Vera Brasil e Mirian Ribeiro, por Claudete Soares;
  • 4ª, ""Queixa", de Sidney Miller, Zé Keti e Paulo Tiago, por Ciro Monteiro; e
  • 5ª, "Rio do meu amor", de Billy Blanco, por Wilson Simonal.
Como grande injustiçada ficou "Sonho de um carnaval", composição na mesma linha das que valeriam depois a Chico Buarque inúmeras vitórias em festivais. Os jurados passaram batidos pelos belíssimos versos e o enfoque desencantado, adulto, do fenômeno carnaval.
E, na interpretação de "Sonho de um carnaval", aparecia Geraldo Vandré – um paraibano que há mais de dez anos tentava a sorte no eixo Rio/São Paulo e já gravara um LP de peso (embora passasse quase despercebido).

"O FINO DA BOSSA", COM O CAST DO PARAMOUNT.

A poderosa TV Record - Canal 7 reagiu imediatamente, arrancando Solano Ribeiro a peso de ouro da Excelsior e entregando-lhe a organização do seu próprio festival.

Da mesma forma, contratou Elis Regina e colocou-a no comando de um programa que teria capital importância na afirmação dos novos valores da MPB: O Fino da Bossa.

Gravado as segundas-feiras no Teatro Record e levado ao ar nas quartas, O Fino da Bossa logo era enviado também a outros Estados brasileiros, além de ser reprisado nas tardes de sábado para os telespectadores paulistas.
O show inaugural ocorreu no dia 17 de maio de 1965, aproveitando, basicamente, o cast que vinha se exibindo no Paramount: Zimbo Trio, Ciro Monteiro, Nara Leão, Baden Powell, Edu Lobo, Jair Rodrigues e Maria Odete.

Comentando o espetáculo de estreia, o crítico de O Estado de S. Paulo destacou a capacidade de Elis Regina em acumular as funções de intérprete e apresentadora:
"...atuou a jovem e talentosa cantora em tal qualidade e como mestre de cerimônias, papel que desempenhou a inteiro contento. Temos a certeza de que, com mais um pouco de traquejo, a artista adquirirá, nessa prática, aquela mesma arte que a distingue como cantora popular moderna, de grande capacidade de transmissão, de interpretações muito pessoais e imaginativas..."
CRISE NO "FINO": A CLASSE MÉDIA TOMA O COMANDO.

Apesar de ser até hoje lembrado com esse nome, O Fino da Bossa só existiu nos três primeiros meses de programa. O título pertencia a Horácio Berlink Neto, que o utilizara num festival de bossa-nova por ele organizado em 1964 e no LP daí resultante.

A Record pôde aproveitá-lo no curto espaço de tempo em que Berlink foi o assistente do produtor Manuel Carlos. Depois, viu-se obrigada a trocar a denominação para O Fino.

Como atrações fixas, Elis Regina, Jair Rodrigues e o Zimbo Trio.

Elis e Jair respondiam pelas apoteoses finais, em pot-pourris que vinham dos tempos em que protagonizaram o show Dois na Bossa, no Teatro Paramount, sucesso no palco e em disco.
A fase inicial do programa, com predominância dos veteranos da bossa-nova e de sambistas do morro, segurou uma boa audiência até o início de 1966, quando O Fino começou a despencar nas pesquisas do Ibope.

Mas, a chama da resistência ao arbítrio se acendera, com a novidade de que a arte passara a ser uma via de escape face ao amordaçamento de partidos, sindicatos e outras entidades representativas da sociedade civil.

Com isto, a MPB ganhou um formidável impulso, colocando em evidência uma constelação  de talentos tão superlativos como nunca houvera antes, nem haveria depois. (por Celso Lungaretti)  

quinta-feira, 12 de junho de 2025

TRUMP DÁ A DICA PARA QUEM PRETENDE INGRESSAR NO REINO DOS BILIONÁRIOS: "DELATAI-VOS UNS AOS OUTROS".

A informação é do Jamil Chade e está no UOL Notícias:
"O governo de Donald Trump iniciou uma campanha para incentivar estadunidenses e estrangeiros que estejam vivendo de forma regular nos EUA a denunciar vizinhos, companheiros de trabalho ou qualquer imigrante que não esteja com seus documentos em dia.

Na página oficial da Casa Branca, um cartaz foi postado mostrando o personagem Tio Sam (...) pregando um anúncio sobre como delatar seu vizinho.

Ajude seu país e a si mesmo, diz o pôster. 'Delate todos os invasores estrangeiros', completa a mensagem, que traz ainda um telefone para onde a pessoa pode ligar com as informações".
Só faltou mesmo o valor da recompensa para quem dedar o imigrante ilegal. conforme aparecia nos cartazes com fotos de bandidos procurados do velho Oeste.

Nos tempos bíblicos, a recompensa não era lá grande coisa: 
"Então Judas Iscariotes, um dos doze discípulos, foi ter com os principais sacerdotes e perguntou: 'Quanto estão dispostos a pagar-me para vos entregar Jesus?' Deram-lhe trinta moedas de prata. A partir dali, Judas mantinha-se atento, à espera de ocasião para entregar Jesus" (Mateus, 26:14).

Suponho que o Trump pague mais do que o Caifás para quem for tão abjeto a ponto de degradar-se a esse ponto...

Às vezes até me causa estranheza a lembrança de que um dia minha foto e meu nome apareceram num dos cinco cartazes de procurados, cada um com oito militantes, que a ditadura militar fez afixarem em locais públicos.

O dinheiro dos contribuintes era dilapidado acusando-me de ser um dos "terroristas assassinos" que teriam "assassinado e roubado vários pais de família". Logo eu, que nunca tirei sangue de ser humano nenhum e na guerrilha atuava como comandante de Inteligência e não como participante de ações armadas!

[Faço questão, contudo, de deixar claro que sempre tive o maior respeito e admiração pelos companheiros que arriscavam a vida na luta contra a tirania. Se tivesse recebido tal atribuição, cumpriria meu dever de militante tão bem quanto pudesse. O que eu repudio é um governo ilegal e ilegítimo ter-me imputado crimes que não cometi, mesmo estando ciente de que minha função era outra.]

Eu saíra de casa alguns meses antes, quando tinha caído um companheiro que conhecia a escola onde eu estudava. Ele, contudo, resistiu bravamente durante muito tempo. 

Pensei até que estivesse a salvo, mas, depois do drama que havia sido, para meus pais, verem o filho único ir "correr mundo, correr perigo"(saudoso Torquato Neto!), resolvi assumir a clandestinidade, estivesse ou não sendo procurado.

E o meu temor inicial acabou mesmo se concretizando, ainda que com substancial atraso. Foram no colégio MMDC, encontraram a foto que utilizariam no cartaz e também o endereço dos meus pais, indo em seguida aporrinhá-los em plena madrugada.

E, numa manhã em meados de 1969,  ao passar pela banca de jornais a caminho da padaria, vi um jornal pendurado anunciando o lançamento daquela série de cartazes.

Meu nome e foto apareciam, assim como os do companheiro José Raimundo da Costa, outro membro do Comando Estadual de Sâo Paulo. Por medida de economia, alugáramos juntos um apê na Barra Funda e tinha sido com minha identidade real que eu fechara o contrato.

Ambos fizemos as malas rapidamente, deixando muita coisa para trás, e nos colocamos a salvo. Nunca soubemos se alguém alertou ou não a repressão. Enviamos uma carta ao proprietário do imóvel, pagando um aluguel extra e nos desculpando pelo abandono inesperado.

Os tais cartazes nos assustaram a princípio, mas ninguém da VPR acabou preso por causa deles, embora estivessem espalhados por estações rodoviárias e ferroviárias, repartições públicas, estabelecimentos comerciais, bancos, etc. Passamos a chamá-los zombeteiramente de "galeria dos imortais da Oban"(Operação Bandeirantes). 

Certa vez,  sentei-me à mesa num restaurante e, ao olhar para a parede ao lado, lá estava exatamente o cartaz no qual eu aparecia. Avaliei a situação e conclui que ninguém mais prestava atenção naquele lixo. Tinha se tornado parte da paisagem. Então, o melhor era eu manter a calma e só ir embora depois de fazer a minha refeição; caso contrário, aí sim alguém poderia estranhar.

Logo no início, contudo, eu ainda receava ser reconhecido e, obrigado a viajar para o Rio de Janeiro de ônibus, tendo como único documento um título eleitoral preenchido à mão (facílimo de falsificar, portanto), aceitei o oferecimento de uma aliada ligada ao teatro, que me deu um banho de loja, clareou e encaracolou meu cabelo, fez-me comprar um óculos com armação de tartaruga, mudou todo meu visual.
Viajei vestido como um jovem dândi, com gravata chique, blazer príncipe de Gales tendo emblema de grifo no bolso, óculos me fazendo parecer mais novinho ainda... Coerente com tal figura, eu me apresentava como um inofensivo professor catarinense.

Sobrevivi um ano na clandestinidade (o que não era para qualquer um no auge dos anos Médici) e acabei caindo por confiar demais num aliado de quem me separei lá pelas 23h00 de um dia para reencontrar às 6h45 da manhã seguinte. 

Subestimei a possibilidade de, nesse curto intervalo, ele chegar em casa, ser preso, levado ao DOI-Codi da Tijuca, tomado uns cascudos e estar pronto para me apontar aos agentes no ponto que tínhamos marcado.

Curioso é o fato de, mesmo tendo esses episódios no meu passado, a primeira coisa que sempre me vem à mente, ao ouvir algo sobre delações partidas de pessoas comuns, é o trecho do livro 1984 de George Orwell, no qual um menino da juventude stalinista entrega o pai que, dormindo, gritara "Abaixo o Grande Irmão!"... (por Celso Lungaretti)

quarta-feira, 11 de junho de 2025

GADO? BOLSONARO PREFERE QUALIFICAR OS SEUS SEGUIDORES DE "MALUCOS"...

Interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no julgamento dos golpistas de 08.01.2023, o principal responsável pela intentona flopada, Jair Bolsonaro, procedeu como de hábito, atirando os cúmplices no mar para salvar apenas a si próprio e aos membros de sua famiglia mafiosa.

Aos seguidores ingênuos que, em seu benefício, acamparam nas portas de quartéis e depois vandalizaram as sedes dos Poderes, encalacrando-se com a Justiça, ele, ingrato ao extremo,  simplesmente qualificou de malucos, para tentar isentar-se de culpa:
"Tem sempre maluco que fica com ideia de intervenção militar".
Isto veio comprovar que, até mesmo nas fileiras da extrema-direita, ele é uma ovelha negra.

E não só porque, ao invés de exibir o machismo tosco dos fascistas típicos, ele refuga e foge para longe nos momentos delicados, tanto que agendou  em três ocasiões o seu sonhado golpe de estado e em todas as vezes faltou ao encontro.  

Mas também porque não tem a mínima lealdade para com os comparsas, descartando-os com a maior sem cerimônia quando a barra pesa para o seu lado. 

O Pelé não deixava de ter alguma razão quando disse que os brasileiros não sabiam votar... (por Celso Lungaretti)
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