domingo, 20 de outubro de 2024

A VERDADEIRA POLARIZAÇÃO É O DA LUTA DE CLASSES: ENTRE CAPITAL E TRABALHO

 


Existe uma ideia fixa da mídia burguesa brasileira: o fim da polarização política. Em seu mundo dos sonhos, o Brasil deveria ser formado apenas por centristas cêntricos, vivendo no consenso liberal do mercado e da democracia que não muda nada. O modelo maior desse sonho são os EUA do período pós Segunda Guerra, quando Democratas e Republicanos se revezaram na Casa Branca mantendo essencialmente as mesmas práticas. 

Por óbvio, em um país periférico e de extração colonial igual o Brasil, o sonho de um regime político de consenso liberal é mero delírio de uma burguesia siderada, que vive de costas para o seu próprio país e sempre se pensando como parte do mundo cosmopolita dos grandes capitalistas estadunidenses e europeus. Contudo, um país afundado na super exploração do trabalho, na dilapidação de seus recursos naturais, na economia desnacionalizada e que possui uma classe dominante que jamais chegou a ser ilustrada só pode ser o lugar da furiosa polarização entre pouquíssimos possuidores de muito e muitíssimos possuidores de nada

Polarização brasileira em ato. 

Pior, pois sequer nos EUA e na Europa o dito consenso liberal existe mais. Ao contrário, a polarização se acentua no centro do capitalismo, refletindo o aprofundamento da concentração de riqueza e da espoliação dos trabalhadores. Ao invés do Brasil se tornar o primeiro mundo, é ele quem está virando o Brasil, em um fenômeno batizado de brasileirização do mundo. Ou seja, o abismo da polaridade entre uma multidão de miseráveis e um grupo diminuto de possuidores vai se alastrando por todo lugar, levando à erosão dos regimes políticos desses países e à instabilidade como regra. 

Na realidade, a polarização não vem de outro lugar senão da oposição entre capital e trabalho. O capitalismo está fundado na exploração do trabalho no interior da propriedade privada em que o trabalho concreto é transformado em abstrato gerando o valor. Essa oposição é a raiz da sociedade capitalista e não pode ser anulada pela mera vontade de quem quer que seja. É a partir dela que está fundamentada a luta de classes. 

No mundo da mídia brasileira não existe 
contradição entre capital e trabalho. 
O que ocorreu durante décadas nos EUA e na Europa foi a denominada exportação das contradições. Rosa Luxemburgo foi uma pioneira na análise desse fenômeno em que os países centrais do capitalismo diminuem suas tensões internas absorvendo riqueza da periferia do sistema. Ao fazer isso, é possível aumentar a renda média dos trabalhadores enquanto a super exploração é imposta aos trabalhadores dos países periféricos. Foi exatamente o acontecido nos países centrais no período pós-guerra através das multinacionais que arrochavam o trabalhador na periferia e conseguia, com o valor importado, manter um padrão elevado para a média da população de seus países de origem. Tinha-se, assim, países majoritariamente de classe média. 

Mas a restruturação neoliberal colocou fim a esse processo ao cortar benefícios sociais, flexibilizar leis trabalhistas e impor uma reorganização do sistema produtivo em que os trabalhadores do centro perderam seus empregos seja para a automação, seja para trabalhadores da periferia, ao verem suas fábricas e empresas migrarem para países da América Latina, Ásia e África. O novo status da globalização na prática colocou fim às separações dos mercados nacionais ao impor um mercado unificado e homogêneo, controlado por oligopólios e em que os trabalhadores competem globalmente entre si. O resultado é a agudização da luta de classes em nível global e, logo, da polarização. 

Até na Europa, as contradições estão se 
acentuando.
Ao invés de diminuir, a polarização está se acentuando, acompanhando o processo de agudização da própria luta de classes e a crise crônica do capitalismo. Os nomes que encampam cada polo não importam, o importante é considerar a dinâmica política e social desse processo cuja base material não depende da vontade deste ou daquele sujeito.

Longe de demonizarmos a polarização, é preciso compreende-la em radicalidade e avançar na verdadeira polarização contra o capitalismo. Contudo, não podemos ter a ilusão que iremos todos ficar de mãos dadas como se estivéssemos em um clipe da música Imagine do John Lennon. A era do socialismo utópico já passou há mais de século. Na prática, a divisão da sociedade entre aqueles que desejam preservar o capitalismo e aqueles que desejam ir além fatalmente ocorrerá. Cabe a nós estarmos preparados para o momento decisivo do enfrentamento. (por David Coelho)

sábado, 19 de outubro de 2024

O PESADELO DA POLARIZAÇÃO PODE FINALMENTE ESTAR TERMINANDO

Lula, que aparou as garras do PT, tornando-o um mascote da dominação burguesa; e Jair Bolsonaro, que em 2021, 2022 e 2023 agendou golpes de estado ultradireitista e nas três ocasiões faltou ao encontro, preferindo ficar olhando a encrenca de longe para não correr nenhum risco de ir em cana.

Estes são os ídolos de pés de barro dos quais muitos eleitores paulistas desencanaram, finalmente concluindo que a loucura da polarização produziu o pior Brasil de todos os tempos, com explorados matando uns aos outros por dá-cá-aquela-palha ao invés de concentrarem o fogo contra os verdadeiros culpados pelas tragédias e ruína brasileiras: a ínfima minoria de superexploradores. 

É o que se depreende da nova pesquisa do DataFolha, segundo a qual 61% dos petistas acham que o apoio de Lula a Guilherme Boulos não faz diferença e 58% dos ultradireitistas estão pouco ligando para o apoio do Bozo a Ricardo Nunes.

Segundo o comentarista político Josias de Souza, no artigo
Em São Paulo, maioria está se lixando para Lula e Bolsonaro, o desprezo pelo palhaço psicopata é tamanho no comitê de Nunes que apelidaram-no de cartola (aquele que não entra em campo nem faz gol, só aparece na hora de receber a taça)

Motivo: será somente na próxima terça-feira (22) que o Bozo ingressará pra valer na campanha, pois até sair o resultado do primeiro turno ele hesitava entre honrar o compromisso assumido com o prefeito paulistano ou transferir-se com armas e bagagens para a trincheira do Pablo Marçal, que parecia prestes a tornar-se o candidato preferido pelos eleitores direitistas. 

De que serve um cabo eleitoral que faz jogo duplo?

Quanto ao PT, sabe-se que existe uma ala do partido dando como certa a derrota do Guilherme Boulos e avaliando formas de evitar que tal fracasso nele respingue com mais força. Chega a defender a cooperação com os vencedores. 

O fundamental é que, quanto antes o desencanto com os velhos caciques do populismo se espalhar por todo o país, melhor. Eles são âncoras mantendo o Brasil preso a um passado nefando e nefasto. 

A quebra do monolitismo no campo da direita é uma novidade auspiciosa. Mas a promiscuidade com alguns desses direitistas deveria ser considerada fora de questão. (por Celso Lungaretti)
POST SCRIPTUM
R
icardo Kotscho, lenda viva do jornalismo brasileiro, curiosamente também acaba de dedicar um artigo ao candidato petista à prefeitura de Cuiabá, Lúdio Cabral, só que elogiando-o (!) por jogar o passado anticapitalista do partido no lixo:
"Cabral está fazendo uma campanha de rua em que predomina a cor lilás no lugar do vermelho e da estrela petista. 
O número 13 do partido quase não se vê nas propagandas, e o presidente Lula não aparece nem em vídeo na TV".
E se esse Cabral que descobriu (como cativar a pequena burguesia conservadora d)o Brasil se fantasiasse de pantera cor-de-rosa, será que ganharia a eleição? (CL)

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

O PT SE NEGAVA A FAZER AUTOCRÍTICA, MAS AGORA FAZ ATÉ ATO DE CONTRIÇÃO!

Os risonhos Lúdio e Lula, símbolos do PT complacente.   
"Eu sou contra o aborto, contra a liberação de drogas e jamais irei implementar em nenhuma escola nada relacionado à ideologia de gênero. 

Minha criação em uma família cristã e meu juramento de proteger a vida como médico e a minha vida como pai e esposo provam isso."

Esta profissão de fé no moralismo rançoso e na idiotia religiosa não partiu de um jeca qualquer do rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo, mas sim do candidato petista à prefeitura de Cuiabá, Lúdio Cabral, que disputa o 2º turno com um bolsonarista raiz.

Salta aos olhos que o péssimo desempenho petista nas eleições municipais decorre de sua abjeta rendição à pauta do inimigo. Entre o conservadorismo assumido da direita e o conservadorismo constrangido da ex-querda, muitos eleitores devem estar optando pelo produto original em detrimento do genérico. 

Que a derrota acachapante nos sirva, pelo menos, para fazer cair a ficha de que, se não resgatarmos nossa identidade combativa, nos tornaremos, cada vez mais, sacos de pancada. 

Quando o partido do presidente da República é o nono a eleger mais prefeitos numa eleição nacional, algo está muito errado. Hora de seus dirigentes botarem a mão na consciência e indagarem: Onde erramos? 
Antes, os petistas não se deixavam clicar rindo como bobos alegres
Há uma resposta bem simples: o PT errou ao tentar ser (às vezes...) contrário ao status quo nos palácios dos Poderes, mas haver praticamente desistido de fazê-lo nas ruas, onde sua influência é cada vez menor.

Virou um partido que tem breve despertar a cada dois anos, quando disputa eleições, voltando em seguida à sua letargia profunda. Tão profunda que está se tornando comatosa.

E, para resistir às pressões dos inimigos que, estes sim, têm investido na conquista das ruas, o PT confiou na adoção de medidas governamentais favoráveis a quem quer agradar, mas atualmente só as consegue aprovar no Congresso cedendo às chantagens explícitas dos parlamentares fisiológicos (ou seja, quase todos).

Acaba, assim, identificando-se, aos olhos do povo, com os feios, sujos e malvados da política profissional. Pior, impossível.

Então, depois da sova que está levando, a esquerda precisa reinventar-se como tal, atuando como antagonista e não serviçal do poder econômico, contestadora e não conivente com as falcatruas dos podres Poderes.

A ex-querda dos Lulas e dos Lúdios está mesmo morrendo, mas isto não quer dizer que seja impossível a esquerda renascer das cinzas. 

Uma correção de rumos e posturas, contudo, é obrigatória. E isto enquanto ainda há algo que se possa salvar. O tempo urge. 

(por Celso Lungaretti)

terça-feira, 15 de outubro de 2024

ACUSAÇÃO VENEZUELANA É JOGO SUJO: O LULA NÃO VIROU AGENTE DA CIA, APENAS SE AFASTA CADA VEZ MAIS DA ESQUERDA

"
Essa esquerda da América Latina, cooptada pela CIA, tem dois porta-vozes. Quem é o porta-voz que os EUA colocam para dizer as coisas mais bárbaras contra o nosso país através da esquerda? O senhor Boric, seguido por Lula."

A acusação aos presidentes do Chile e do Brasil foi feita pelo procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, em entrevista ao Globovisión. E o besteirol não parou por aí:
"Lula foi cooptado na prisão. Essa é a minha teoria. Ele não é mais o mesmo que fundou o PT, que fundou o movimento dos trabalhadores no Brasil.
Lula que foi preso por corrupção, que depois apareceu reabilitado como se não tivesse feito nada, ganhou a presidência, mas ganhou, senhor Lula, que tanto se mete em assuntos eleitorais na Venezuela, porque um Tribunal Eleitoral determinou sua vitória. 

Lula não é mais o mesmo que deixou a prisão, por tudo que acusa agora. Não é o mesmo em nada, nem pelo seu físico, nem pelo que expressa".
Eu, que nunca vi o Lula como um homem de esquerda, mas apenas como um reformista tentando minorar os danos do capitalismo sem dar um fim à exploração do homem pelo homem, vou defendê-lo desta vez.

Ele guinou mais ainda à direita no Lula.3, contudo é de uma coerência extrema com relação à esquerda: desde a época do sindicalismo no ABC a combate com unhas e dentes.

Maduro orientando outro podre, o procurador Saab.
F
oi, assim, o grande responsável pela vergonhosa caça às bruxas desencadeada pelo PT já nos anos 80, fase na qual o segmento dominante expeliu o máximo de tendências de esquerda que pôde. 

As que sobreviveram à primeira década foram espirrando nas seguintes.

Das dezenas que existiam, cito algumas: Ação Popular, Ala Vermelha do PCdoB, Força Socialista,   Convergência Socialista,  Organização Socialista Internacionalista, Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, Movimento pela Emancipação do Proletariado e Partido Revolucionário Comunista. 

Enquanto isto, as portas do partido eram escancaradas para os meros carreiristas, que só o inflaram e tornaram flácido, mas tinham a vantagem de contribuir alegremente para a desideologização do PT.

Já lembrei tudo isso noutros artigos, como este. Mas, é importante as novas gerações serem informadas de que nunca existiu um Lula de esquerda, mas tão somente um camaleão que utilizava retórica rebelde para atingir objetivos que não o eram nem um pouco.

Os arroubos demagógicos do Lula na política externa sempre serviram como uma espécie de álibi para o conservadorismo adotado nos assuntos internos. Mas o prazo de validade desses engana-trouxas de figurino populista expirou e o terceiro mandato presidencial do Lula está sendo a gota que faz o copo transbordar. 

A direita, que está ganhando por goleada o pleito atual e é desde já a franca favorita para a eleição presidencial de 2026, agradece. (por Celso Lungaretti)

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

A FRASE DO DIA É DE UM IMPRESCINDÍVEL

"Os publicitários
 são filhos de
 Goebbels" 
.
(Zé Celso Martinez Corrêa, sobre os exacerbadores do consumismo, que impingem ao povo os milagres fajutos do capitalismo agonizante, levando-o a ignorar o milagre da multiplicação dos peixes)
"Eles não falam do mar e dos peixes, nem deixam ver a moça
pura canção, nem ver nascer a flor, nem ver nascer o sol"

sábado, 12 de outubro de 2024

A SEGUNDA MORTE DE ARY TOLEDO

O
cidadão Ary Toledo faleceu neste sábado, aos 87 anos. Sobreviveu meio século à morte do artista, que é quem homenageio neste post. 

Foi outro grande talento que o Deus Mercado devorou: a partir da década de 1970 passou a ganhar uma grana preta explorando o filão das baixarias para pessoas reprimidas (que jamais ousariam ir ver uma exibição de sexo explícito na boca-do-lixo, mas quase chegavam ao orgasmo com as piadas e canções misturando obscenidades preconceituosas e escatologia grosseira, que ele passou a apresentar em teatros opulentos).  

Antes de se tornar mais um devoto do bezerro de ouro, Ary Toledo teve participação destacada no programa Fino da bossa (e sucessores), com suas hilárias interpretações de músicas repletas de farpas políticas e sociais, como "Pau de arara", "Hey, mister", "Tiradentes", "O anúncio" e "Descobrimento do Brasil". Ouçam-nas e constatem. (por Celso Lungaretti)

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

NÃO SE DEVE FAZER NEGÓCIOS COM ISRAEL. DEVE-SE LUTAR POR SUA DESTRUIÇÃO!

 

O ministro da defesa, José Múcio, é o maior exemplo da pusilanimidade do Lula: tendo feito vista grossa para os acampamentos bolsonaristas em frente aos quartéis, fez de tudo para proteger os militares durante a tentativa patética de insurreição do 8 de janeiro de 2023. Mesmo assim, foi mantido no cargo pelo presidente e hoje age abertamente em prol dos interesses mais reacionários e escusos do Brasil. 

Agora, resolveu fazer lobby aberto pelo estado terrorista de Israel dizendo que a compra de armamentos daquele país pelo Brasil foi barrada por questões ideológicas. Segundo ele, a concorrência para adquirir tanques e maquinários de guerra foi ganha pelos judeus, mas acabou travada por questões ideológicas. Além de reproduzir o blablabla de identificar o regime sionista com os judeus - Israel é um estado político que usa de uma religião para se legitimar -, ainda reduz o genocídio contra os palestinos a uma questão de ideologia! Não bastasse ser conivente com o extermínio operado por israelenses contra palestinos, e agora contra libaneses, ao não romper relações diplomáticas com Tel-Aviv, Lula aceita em seu governo um ministro que julga de menor importância a morte de milhares de pessoas! 

Não tenhamos dúvida, se Múcio vivesse no período do nazismo, também diria que possíveis ações contra a Alemanha de Hitler seriam ações meramente ideológicas. Para ele, o que importa é agradar aos milicos e garantir que eles tenham acesso a seus brinquedos de guerrear para poderem brincar de marcha soldado nos desfiles de sete de setembro. 

Não apenas a compra de tais equipamentos, com gasto superior a 1 bilhão de reais, é um acinte em um país com tantos problemas, como a compra ter sido feita de Israel é um absurdo ainda maior. Israel não é um estado legítimo, é um bunker colonial dos EUA e o único tratamento que deve receber é nosso profundo desprezo. Ao invés de negociar com Israel, a tarefa de todo ser humano digno é lutar por sua destruição. Não se trata de uma questão ideológica, se trata da luta contra o colonialismo e contra a limpeza étnica promovida há mais de sete décadas por europeus e estadunidenses no coração do Oriente Médio. (por David Coelho) 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

TIRANDO O VÉU DO IRÃ

 Depois da entrevista coletiva para a imprensa internacional, me coloquei no caminho da saída do entrevistado e à sua passagem lhe estendi a mão, me identificando em francês: "sou jornalista do Brasil, tenho seguido seus filmes e suas denúncias. Espero que seja bem acolhido no país no qual vai viver seu exílio".

Houve um forte aperto de mãos. Enquanto eu fixava seu rosto, ele me sorria, ouvindo a tradutora lhe transmitir em persa meu recado. Talvez lhe tenha parecido original a preocupação do jornalista com a acolhida no lugar onde vai viver, mas isso é próprio de quem já viveu o exílio.

Foram apenas alguns segundos, revividos por mim nestes dias em que as manchetes dos noticiários falam do Irã. O entrevistado era Mohammad Rasoulof, cujo filme As Sementes do Figo Sagrado tinha recebido o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Cannes e foi exibido no telão de 400m2 da Piazza Grande, no Festival suíço de Locarno.

O cinema é também uma maneira de se contar um país. Isso nós brasileiros vivemos durante a ditadura militar. Naquela época, em praticamente todos os festivais no exterior, o cinema brasileiro aparecia e dava sua mensagem denunciando a ditadura e os crimes cometidos pelos militares. Existe mesmo um ótimo texto do cineasta Thiago B. Mendonça sobre esse período de censura e controle, com o título A ditadura e o cinema brasileiro, ilustrado com uma conhecida foto do filme Terra em Transe, de Glauber Rocha.

Retornando ao Irã, existe um texto mais antigo, de Natalia Barrenha, que trata do redescobrimento do cinema iraniano há vinte anos, mas já começando a se defrontar com o problema do fundamentalismo da teocracia islâmica

 Talvez seja instrutivo agora, sob os clarões das explosões dos mísseis iranianos lançados sobre Israel, contar a história do filme de Rasoulof.

Mesmo porque existe a preocupação de alguns setores em mostrar aos brasileiros frequentadores de redes sociais só a visão positiva do Irã, quase uma propaganda, mesmo na questão dos direitos humanos em geral e, na questão da liberdade das mulheres, fazendo de conta ignorar que a teocracia iraniana é também misógina ao extremo.

A curiosidade popular com relação à situação das mulheres iranianas surgiu depois do assassinato da jovem curda Mahsa Amina pela polícia da moralidade, em 2022, pelo crime de não ter o véu chador cobrindo a cabeça, exigido pela religião. Isso foi bastante divulgado pelas televisões brasileiras e, no Irã, provocou numerosas manifestações de mulheres e a criação do movimento Mulher, Vida, Liberdade. A repressão às mulheres foi violenta e o presidente da época, Ibrahim Raisi, aplicou a pena de morte na forca para muitas delas.

O filme de Rasoulof, que precisou fugir do Irã para não ser preso, conta a história de Iman, um jurista fiel e de dedicação servil à teocracia, que chegou ao ápice de sua carreira ao ser nomeado juiz do tribunal revolucionário de Teerã. Iman logo descobre que uma de suas funções é a de assinar as sentenças de morte, decididas pelo tribunal. A situação se complica para Iman quando sua filha mais velha, progressista, abriga em casa uma colega de escola ferida nas manifestações depois do assassinato da jovem Mahsa Amina.

O filme quer ser uma antecipação, pois aposta na revolta da família contra o marido e pai, em outras palavras, numa revolta popular contra a ditadura teocrática, mesmo porque o Irã vai mal economicamente e uma importante parcela da população não apoia o governo.

Uma parte da esquerda francesa se pergunta por que alguns líderes como Mélenchon apoiam o Irã, que não é nenhum exemplo a seguir. Essa atração pelo Irã vem da época da revolução do aiatolá Khomeini, em 1979, contra a monarquia do Xá Rheza Pahlevi. E um dos líderes pensantes e influentes da esquerda dessa época, Michel Foucault, não escondia sua admiração por Khomeini. Enquanto Jean Daniel, diretor do semanário Le Nouvel Observateur dava trânsito livre para Foucault na revista que funcionava como guia do pensamento da esquerda da época.

Jean-Paul Sartre também nutria admiração pelo aiatolá Khomeini, que viveu algum tempo perto de Paris, no município de Yvelines, no Neauphle-le-Château, depois de um longo exílio no Iraque. Sartre acreditava que a queda do Xá daria origem a um regime anticolonialista e anti-imperialista. Na verdade, surgiu uma rigorosa teocracia xiita baseada na lei corânica da charia, incompatível com a observância dos direitos humanos no que se refere à liberdade de expressão, liberdade de crença, liberdade sexual e liberdade das mulheres.

Foucault chegou a criar a expressão espiritualidade política, depois de uma viagem ao Irã, para definir o islamismo do aiatolá Khomeini, embora lhe criticassem ignorar os perigos imanentes de um regime religioso islâmico. Em síntese, Foucault avalisou o regime de Khomeini, que se tornou uma ditadura islâmica, de tal forma que, mesmo hoje, com as interpretações sociológicas do pós-colonialismo, sul global e wokismo, o Irã se beneficia de uma certa proteção e apoio junto da esquerda.

É o caso do Brasil, onde o sul global e a presença do Irã no Brics têm levado a uma islamização da esquerda, reforçada depois da resposta israelense na Faixa de Gaza ao ataque do Hamas no 7 de outubro. A proibição por muitos países europeus, em nome do respeito à laicidade, de que crianças e jovens frequentem as aulas nas escolas públicas usando roupas religiosas que lhes cubram a cabeça, as pernas e o corpo, chegou a ser criticada e considerada islamofobia pela professora Francirosy Campos Barbosa. Na Bélgica, houve protestos semelhantes com a decisão governamental de tornar obrigatória a presença dos alunos do curso ginasial nas aulas de educação sexual.

As redes sociais de esquerda passaram o pano nos crimes do ex-presidente iraniano Ibrahim Raisi, chamado de acougueiro, acusado de condenar à morte oito mil pessoas. Na sua rede social dedicada principalmente à promoção e conhecimento do Irã, o professor Salem Nasser, da FGV, também ignorou a má reputação de Ibrahim Raisi e insinuou serem as leis iranianas melhores que as brasileiras em matéria de direitos humanos. Também não comentou a morte da jovem Mahasa Amina.

A campanha contra o sionismo, por setores da esquerda, fez com que Israel, cujos primeiros kibutz eram de inspiração marxista, venha sendo abandonado em nome do colonialismo imperialista. O contraponto é estar havendo apoio a ditaduras e teocracias, cujas ideologias significam retrocesso inclusive em questões de direitos humanos, gênero, liberdade e paridade das mulheres com os homens. (por Rui Martins)

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

UM ANO DE MASSACRE NA FAIXA DE GAZA

Há exatamente um ano, o Hamas, agrupamento que luta contra a ocupação israelense da Palestina, desferiu imenso ataque ao Estado de Israel, investindo contra instalações militares, matando civis e militares, além de sequestrar indivíduos. Até hoje não ficaram claras as circunstâncias do ataque e continua sendo inacreditável que tenha sido possível invadir com tanta facilidade o território de um dos países mais fortificados e militarizados do mundo

O que podemos dizer claramente é que o ataque foi um trunfo para Benjamin Netanyahu, o primeiro ministro israelense. Conforme disse em artigo logo após o ataque, Netanyahu foi o grande vencedor das ações do Hamas, pois encontrava-se em situação difícil com manifestações de rua, processos judiciais e uma possibilidade real de se retirar do poder. Os ataques de 7 de outubro de 2023 foram uma dádiva para ele que, a partir dali, impôs um estado de guerra em Israel, concentrando poderes em suas mãos para mobilizar uma operação militar sem precedentes. 

Desde então, o regime sionista conduz sanguinário massacre contra o povo palestino na Faixa de Gaza. Até o momento, mais de 40 mil palestinos foram mortos em bombardeios e execuções sumárias, a maioria desses mortos eram crianças e mulheres. Gaza foi reduzida a escombros, não possuindo mais qualquer instalação mínima de eletricidade, água, internet ou distribuição de alimentos e remédios. Os insistentes pedidos para a entrada de suprimentos foram repetidamente negados pelo governo israelense. 

É um verdadeiro genocídio, limpeza étnica praticada à luz do dia, diante de todo o mundo. 

Dos EUA e da Europa vêm os apoios para o massacre. O caquético Biden fornece o aparato militar e o suplemento financeiro, enquanto finge se importar com as vidas palestinas, repetindo a cantilena de um cessar-fogo próximo. Puro jogo de cena de um presidente criminoso e genocida! Na Europa, os governos reprimem manifestantes pró-Palestina, enquanto a imprensa dissemina islamofobia, mentindo que se levantar contra o Estado de Israel é antissemitismo. Discurso comprado por muitos da dita esquerda.

No primeiro semestre de 2024, inúmeras ocupações de campi universitários foram registrados nos EUA e na Europa para exigir o rompimento das relações comerciais dessas instituições com Israel. A resposta das elites estadunidenses e europeias foi  uma dura repressão e uma forte campanha de censura e perseguição aos estudantes mobilizados. Os mesmos que diziam defender a plena liberdade de expressão, se adiantaram para exigir censura sob a justificativa de combater o antissemitismo. 

Já no Brasil, a dita esquerda sionista tentou defender o massacre aos palestinos, mas logo caminhou para o isolamento diante da carnificina assistida. Mesmo assim, sua influência é sentida, tendo ela conseguido bloquear o apoio à causa palestina dentro do PSOL - o partido mais sionista da esquerda. Figuras iguais a Boulos, Bella Gonçalves (Belo Horizonte) e Talíria Petrone (Niterói) trataram de ficar mudas diante da situação na Faixa de Gaza. A última, inclusive, chegou ao disparate de publicar em redes sociais propaganda em que Bill de Blasio, ex-prefeito de Nova York e notório apoiador de Israel, pede votos para ela! O descaramento e a podridão moral se tornaram regra em um partido surgido para ser um novo horizonte para a esquerda. 

O governo Lula, por sua vez, assumiu correta postura de denúncia do massacre e teve a coragem de qualificar Netanyahu enquanto um genocida, para ódio da nossa mídia sionista. Contudo, tal ação ficou apenas no discurso, pois o Brasil não rompeu relações com Israel e mesmo manteve negociações de materiais bélicos com aquele país. Como de hábito, Lula e seu grupo se restringiram ao discurso. 

Neste exato momento, Israel avança em uma guerra contra o Líbano e contra o Irã. O Oriente Médio está prestes a ser engolfado por uma gigantesca e avassaladora guerra. Longe de ser um movimento restrito ao contexto daquela região, é mais uma etapa da escalada bélica mundial, cujos epicentros hoje estão lá e na Ucrânia. O capitalismo em crise avança paulatinamente para uma guerra mundial a fim de salvar a si mesmo.

Com o imprescindível Babá, 
em defesa da Palestina. 
 
E no meio disso, mais um extermínio para a história humana, dessa vez do povo palestino. Na Faixa de Gaza não ocorre nenhuma guerra, pois não existem dois exércitos em condições iguais combatendo, mas um morticínio contínuo e criminoso de uma poderosa força militar, com mísseis e soldados sádicos, contra um povo totalmente indefeso. É preciso parar o terrorismo de Israel já! 

Nossa solidariedade completa ao povo palestino em sua luta pela libertação do julgo sionista! (por David Coelho)


LEÕES DESDENTADOS, O PTB, PDT, PMDB E PSDB DIZEM AO PT: EU SOU VOCÊ AMANHÃ!

O PTB de antes do golpe de 1964, o PDT, o PMDB e o PSDB, partidos que um dia foram trabalhistas e/ou de esquerda mas hoje não passam de leões desdentados,  estão dizendo ao PT: Eu sou você amanhã!

Estas eleições municipais mostraram a triste verdade: ao domesticar o PT, esvaziando ou expulsando as tendências anticapitalistas que disputavam espaço em suas fileiras com os reformistas e os fisiológicos, Lula o foi tornando um partido inofensivo, que só serve para caçar votos nas eleições de cartas marcadas da democracia burguesa. 

A descaracterização do PT acelerou-se após as jornadas rebeldes de junho de 2013 e o #NãoVaiTerCopa, quando voltou as costas à juventude que poderia revitalizá-lo, abandonando-a à sanha de governadores e juízes reacionários.

Aí, exatamente quando a direita partia para a conquista das ruas, o PT as abandonava, apostando todas as suas fichas no carisma envelhecido do Lula. Como se adiantasse eleger presidente da República apenas para ele sucumbir às pressões de um Congresso Nacional majoritariamente adverso, tendo de, a cada votação legislativa importante, ceder os anéis para conservar os dedos, até nem mesmo os dedos restarem!

Resultado: fazendo um governo pífio e pusilânime, Lula vê os seus índices de aprovação despencarem e acaba de levar uma sova no pleito municipal, com o falado poder da caneta presidencial reduzido a quase nada (ficou em nono lugar entre os partidos que mais prefeitos elegeram!) .

Prestes a chegar à metade do seu terceiro mandato, Lula já não passa de uma rainha da Inglaterra que implicitamente desistiu de ficar em casa tentando melhorar sua desgastada imagem interna. Prefere ir desperdiçar tempo alhures, envolvendo-se com conflitos externos que requerem mediadores mais qualificados e respeitados. 

Se estiver almejando o Prêmio Nobel da Paz, viaja na maionese: os dirigentes das nações influentes mal contêm o riso diante de suas iniciativas pretensiosas, tipo rato que ruge

Alguém deveria explicar-lhe que está muito longe de ser aceito como uma liderança mundial. É, quanto muito, um líder regional, capaz de dar demonstrações de fraqueza tão vexatórias como a de não conseguir fazer-se respeitar nem sequer pela Venezuela!  (por Celso Lungaretti)

sábado, 5 de outubro de 2024

A CRUEL E TOTALITÁRIA MATEMÁTICA DO CAPITAL

 

Dias 18 e 19 de setembro de 2024 os Bancos Centrais mundo afora definiram as taxas de juros. No Brasil, o Copom – Comitê de Política Monetária - definiu a subida da taxa Selic em 0,25%, totalizando 10,75%, a segunda maior do mundo, para alegria dos rentistas e infortúnio dos brasileiros, que pagam juros muito altos por sua dívida pública.  

No ranking dos juros reais, descontada a inflação, no acumulado de 12 meses, em primeiro lugar está a Rússia, em guerra, com 9.05%; o Brasil em segundo lugar com 7,73% ao ano e em terceiro a Turquia, com 5,47% ao ano.  

Isso significa muito para a bolsa popular, posto que incide sobre a nossa dívida pública crescente, que já ultrapassou R$ 7,1 trilhões, e deve alcançar um custo de cerca de R$ 760 bilhões ao ano no orçamento federal, ou seja, cada brasileirinho da favela vai pagar, com os impostos que lhe são cobrados, e em benefício dos especuladores financeiros e rentistas ricos, cerca de R$ 3.600,00 de juros ao ano.  

Com juros reais de 7,73% ao ano, já descontada a inflação, só o capitalismo falido pode nos impor um sacrifício destes à nossa população na base do “ou dá ou desce”. Precisamos mais do que nunca nos rebelarmos e dar um basta em tal imposição.  

Nós, os países da periferia do capitalismo sustentamos com nosso sangue e suor o refinanciamento da dívida pública, o sistema bancário financeiro mundial e o lucro dos especuladores e rentistas.      

Mundo afora, o capitalismo vive o fantasma da inflação, que devora salários empobrecendo a população, desorganiza ainda mais a produção de mercadorias e faz a alegria dos rentistas e daqueles que, dispondo de crédito, por conta de seus lucros empresariais, patrimônios e aplicações financeiras, ganham com a especulação comercial e financeira.  

Como sabemos, o flagelo da inflação decorre da maior circulação de dinheiro sem lastro que provoca o crescimento doentio da economia em face da insubsistente produção de valor válido em mercadorias. 

Essa doença do crescimento econômico artificialmente induzido consiste no fato de que a perda de poder aquisitivo da população, como um todo, gera um descompasso entre a diminuição da capacidade industrial e comercial de produzir e vender, respectivamente, e a perda de valor real da moeda, afetando os lucros da produção de valor válido, advindos da produção de mercadorias, e em benefício da especulação financeira estagnante.  

Há, atualmente, e  mais do que antes, um empobrecimento da população mundial em face de uma relação social que hoje atingiu o seu limite de expansão e crescimento, que no passado, apesar desse crescimento ter tido sempre segregacionista, escravizador, deformado e excludente de parte da população, ganhava velocidade por conta de uma força causada pela introdução crescente do trabalho abstrato no sistema produtor de mercadorias. 

Hoje, com o desemprego estrutural causado pela redução dos custos de produção que reduz a massa global de valor válido induzida pelo mercado que sinaliza ditatorialmente a substituição substancial do homem pela máquina - trabalho morto, sem salários -, essa força original é permanentemente reduzida, e com ela vem a queda no fluxo de irrigação saudável da economia com valor válido advindo da produção e consumo de mercadorias, fato que conspira contra a necessidade capitalista de aumento permanente desse mesmo consumo e produção impossíveis de serem obtidos no atual estágio da economia.  

É a cobra engolindo o próprio rabo.    

A resultante do descompasso entre produção de mercadorias, vendas e correspondente capacidade de compras, consumos e necessidade de produção de valor válido, advindo da produção ora inviabilizada, produz a inevitável emissão de moeda sem lastro como forma desesperada dos Bancos Centrais lubrificarem o fluxo monetário econômico-financeiro-social, e é isso que causa a inflação. É importante informar que o setor terciário, de serviços, que mais cresce na composição dos PIBs mundiais, não produz valor novo, mas apenas transfere valor, artificial ou não, já em circulação na economia.   

A emissão de moeda sem lastro pelos Bancos Centrais corresponde justamente à desesperada produção de vida artificial por aparelhos num corpo septicémico condenado à morte, e o aumento dos juros corresponde a um remédio amargo, mas ineficaz no longo prazo, que funciona como tentativa desesperada de se conter e se manter, momentaneamente, ao mesmo tempo e, contraditoriamente, controladas(os) as vendas e consumos artificializados. 

Se a economia cresce induzida artificialmente pela emissão de moeda sem lastro e endividamento público crescente, tal remédio causa inflação que decompõe a moeda e capacidade de consumo; mas se não se emite moeda sem lastro há uma paralisia completa da vida social regida pela forma valor. 

Estamos, portanto, diante de uma equação irresolúvel que somente pode ser superada pela adoção de uma relação social de produção fora dessa lógica, e na qual os bens de consumo não sejam mercadorias e o cada vez mais confortável esforço humano tecnológico na produção de bens de consumo seja o condutor de máquinas, sem ser mercadoria. 

As entidades capitalistas de mercado, e todos os governos, direcionam as suas políticas, liberais clássicas ou keynesianas, para a impossível retomada do desenvolvimento econômico como fato gerador de empregos e valor, principalmente nos setores primário, do agronegócio, e secundário das indústrias.  

Entretanto, vem a concorrência de mercado, na autofagia de sua mão invisível - Adam Smith, assim o denominou há mais de duzentos anos -, e diz paradoxalmente: use a tecnologia na sua  produção; reduza custos desta produção; ganhe a concorrência de mercado; produza mais e mais barato com melhor qualidade; reduza direitos trabalhistas e previdenciários; fortaleça o Estado, seja ele mínimo ou máximo; e para vencer seus concorrentes concentre capital e faça investimentos em capital fixo - instalações e equipamentos ultramodernos;  seja monopolista de mercado e obtenha riqueza e poder... Aí vem o Banco Central e aumenta os juros para conter a inflação e o consumo, mas emite moeda sem lastro porque a receita fiscal, mesmo crescente, é ainda menor do que as despesas correntes... etc., etc., etc.  

Essa é a matemática contraditória do capitalismo que se decompõe pelos seus próprios fundamentos, como previra Karl Marx.  

Nesse contexto, as eleições para a governança do aparelho de estado que serve a essa lógica corresponde a uma preocupação com a infecção de uma unha cravada num corpo septicémico, o que torna a discussão eleitoral algo fora de foco.  

Toda a discussão eleitoral é fora de foco porque a questão não é, por exemplo, de apenas como criminalizar os  incêndios provocados e contermos o fogo que se alastra florestas afora até os centros urbanos e cobre as cidades de fumaça tóxica e chuva preta de fuligem - questão minimalista de forma, que precisa ser feita dada a urgência de solução do problema -, mas se perguntar por que há aquecimento global que provoca incêndios e inundações severas, questão de conteúdo.  

O discurso eleitoral é superficial e sistêmico porque a eleição é antidemocrática, no sentido de prover o exercício da vontade soberana, por não permitir a contestação do sistema pelo candidato, que se assim o fizesse teria cassada a sua candidatura; 

- não representa a antítese à ditadura, seja ela eletiva ou militar, mas apenas uma forma política submissa ao Estado opressor e cobrador de impostos e, principalmente, ao absolutismo ditatorial da forma valor; 

- porque se prende às providências a serem tomadas dentro da escassez, e não como evitar a escassez, ou, antes disso, procura nas causas da escassez a solução para ela mesma;    

- porque é o canal legitimador do acesso ao subpoder político, assim considerado por falta de soberania de vontade, vez que é projetado e delimitado constitucionalmente para cumprir previamente a tarefa de regulamentação da ordem capitalista e ser a ela submisso, além de que os políticos (e não só) se obrigam a tecer loas a tal ordem jurídica e econômica sob pena de faltarem com o decoro institucional.  

Informar sobre a negatividade da essência do dinheiro, categoria capitalista à qual nos obrigamos todos os dias a buscá-la para a nossa sobrevivência, e assim mesmo sendo desconhecida quase unanimemente na sua constituição e função socialmente negativa, deveria ser matéria curricular nas escolas e nas academias que ensinam aos ensinadores, os professores nas escolas, ao invés de incensá-lo como algo inocente e benéfico para a vida social.  (por Dalton Rosado)

terça-feira, 1 de outubro de 2024

MARÇAL DISPUTA A ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 2024 DE OLHO NA PRESIDENCIAL DE 2026

"Vim aqui só pra dizer
Ninguém há de me calar
Se alguém tem de morrer
Que seja pra melhorar

Tanta vida pra viver
Tanta vida a se acabar
Com tanto pra se fazer
Com tanto pra se salvar
Você que não me entendeu
Não perde por esperar"
(Geraldo Vandré)

Antes tarde do que nunca, vou deixar o comedimento de lado e revelar algo que é realmente original e diferenciado na minha atuação de 55 anos como articulista.

Tudo começa em 1967, quando, com 16 anos de idade, ingressei no movimento secundarista, fazendo trabalho de conscientização política na minha escola (o Colégio Estadual MMDC, no bairro paulistano da Mooca).

Em 1968 meu foco passou a ser toda a Zona Leste de São Paulo, por meio da Frente Estudantil Secundarista, que gravitava em torno da Dissidência Universitária encabeçada pelo Zé Dirceu. 

E, às vésperas do AI-5, eu e os sete outros dirigentes da FES/Zona Leste iniciamos contatos com organizações da esquerda armada,  pois percebíamos que a ditadura militar logo se radicalizaria a ponto de tornar suicida o trabalho de massas convencional.  

Decidimos ingressar na Vanguarda Popular Revolucionária e fui escolhido pelos meus companheiros secundaristas para representar nosso grupo no congresso de abril/1969 da VPR, ainda como convidado, pois caberia ao comando que então fosse eleito aprovar a filiação de nós oito. Éramos doze os participantes, inclusive o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca.
Lamarca, o capitão da guerrilha.

E, para minha surpresa, voltando para a capital já como militante da VPR, poucos dias depois me comunicaram que eu tinha sido escolhido pelo Comando Nacional para participar do Comando Estadual, como o responsável pelo setor de Inteligência que me caberia criar.

Nada no meu passado me qualificava para tanto. Só conhecia a atividade de Inteligência pelos filmes do 007 e livros do Graham Greene e John le Carré. Mas tratei de qualificar-me para a tarefa da melhor forma possível.

Acabei percebendo que tinha boa intuição quanto a cenários que prevaleceriam no futuro, tanto que, mal chegado na Organização, fui o primeiro a identificar nas chamadas Teses do Jamil as melhores respostas para os desafios da luta armada naquele instante. 

Endossei enfaticamente, num documento de circulação interna, aquela proposta pela qual os companheiros passavam batidos, dando o pontapé inicial para o racha da VAR-Palmares e  reconstituição da VPR. 

Desde então, já lá se vão 55 anos em que venho apontando para a esquerda quais os cenários futuros que predominarão, dando-lhe tempo para correções de rumo que ela, contudo, quase nunca faz, continuando a encaminhar-se para desastres anunciados.

Ciente de que não tenho força política para aproveitar devidamente essas visões antecipatórias, tento alertar os vários partidos e organizações de esquerda para o que tende a acontecer, dando-lhes tempo para extrair o melhor proveito das mudanças à vista. Quase sempre sou ignorado e o que havia de ruim para ocorrer, acaba ocorrendo; já as chances que tínhamos de adquirir vantagens no jogo político são desperdiçadas.

Dou um exemplo. Em meados de 2014 já percebi que a anacrônica  política econômica neodesenvolvimentista de Dilma Rousseff no seu primeiro mandato  presidencial incubara uma aguda recessão com a qual ela, reeleita, não saberia lidar. Embora eu tivesse sérias  
restrições ao Lula, várias vezes escrevi em apoio à ala do PT que tentava convencê-lo a ser ele o candidato, em lugar da trapalhona Dilma.
Esta gerentona trapalhona abriu a porta para o Bozo

Por vaidade, arrogância ou absoluta falta de autocrítica ela insistiu em ser candidata mas, mal acabava de ser reeleita, traindo promessa de campanha, ofereceu o Ministério da Fazenda a um neoliberal de segunda categoria, Joaquim Levy, na esperança de que ele corrigisse as lambanças cujas consequências ela deixara como herança maldita para si mesma.    

Imediatamente cantei a bola: como sucedera no governo de João Goulart, o estranho no ninho seria imobilizado e, em seguida, abatido pelo fogo amigo (CUT, MST, MTST, etc.). 

Com isto, a recessão não pararia de agravar-se, até tragar a presidente, como outrora tragara o Jango. Dito e feito.

Depois, no mesmo domingo (17 de abril de 2016) em que a Câmara Federal aprovou a abertura do processo de impedimento de Dilma Rousseff eu já escrevi que, ultrapassada a barreira mais difícil (dois terços dos deputados teriam de votar pró impeachment), todas as restantes seriam igualmente transpostas.

Alertei que o prolongamento da agonia da Dilma s
ó serviria para o inimigo acumular forças enquanto nós estaríamos enfraquecendo cada vez mais. Portanto, melhor seria a Dilma renunciar imediatamente e a esquerda aproveitar a elevada rejeição ao vice Michel Temer para lançar uma nova campanha tipo diretas-já, exigindo a convocação de uma nova eleição para a escolha de quem cumpriria o restante do mandato da impichada. 

Mas, claro, a Dilma preferiu seguir prejudicando a esquerda até o mais amargo fim, a colher derrota após derrota na longa marcha para o pé na bunda definitivo. E Michel Temer, assumindo o poder, implicitamente preparou o terreno para a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, o pior presidente brasileiro de todos os tempos. 
Marçal, o bad boy provocador.

Mas, por que estou lembrando tudo isto agora? Porque novamente a companheirada viaja na maionese, não entendendo o que está em jogo na sucessão municipal paulista. Supõe que vá exorcizar o demônio Pablo Marçal apenas impedindo-o de ocupar a cadeira de prefeito. Quanta ingenuidade!

Como eu venho advertindo desde o 08.01.2022, Jair Bolsonaro só continuaria sendo o principal líder da extrema-direita brasileira enquanto não surgisse um substituto que expressasse melhor a tosca visão de mundo desses brucutus desmiolados. 

Isto porque o Bozo já desiludira seus seguidores mais radicais ao:
-- convocá-los para um golpe de Estado e refugar ridiculamente em dois Dias da Pátria seguidos (os de 2021 e 2022);
-- ao reprogramá-lo para 08.01.2023, mas tomando o cuidado de colocar-se longe da encrenca enquanto sua boiada ia para o matadouro (prisões); e
-- ao deixar bem evidenciado que sua prioridade, desde então, está sendo a de recuperar a elegibilidade, a ponto de deixar o Lula em paz e apontar toda a sua artilharia na direção do Xandão.

Então, era extremamente promissor o cenário para qualquer congênere confrontá-lo e arrebatar-lhe a liderança ultradireitista. Só precisava existir alguém apto para tanto. 

E o papel caiu como uma luva para o Marçal, que tem credibilidade radical ainda intacta e é bem melhor do que o Bozo em tudo, pelo menos segundo o figurino fascista. 

Assim, no final de agosto já afirmei que, vencendo ou não o pleito, e mesmo que não chegue sequer ao segundo turno, Marçal sairá da eleição municipal como o favorito a disputar a eleição presidencial na condição de novo mito dos ultradireitistas  tupiniquins. 
Bolsonaro curtindo uma ressaca
Está certa a Eliane Cantanhêde ao avaliar que Marçal já conseguiu plenamente  o que buscava:
"Do início ao fim, Marçal centralizou os debates, jogou as discussões para o campo das agressões e fake news, desorientou as campanhas dos adversários, deixou os institutos de pesquisa inseguros e virou o foco de toda a mídia, inclusive com a cadeirada que levou de Datena e do soco de seu assessor na cara do marqueteiro de Nunes".
E o desafio que Marçal nos lança vai muito além de obrigar-nos apenas a evitarmos que ele ocupe a cadeira de prefeito. 

A verdadeira missão da esquerda não é caçar votos, mas sim fazer-se presente nas ruas confrontando incansavelmente o projeto fascista de sociedade. 

Urge cumpri-la, pois, por enquanto, estamos permitindo que os inimigos nadem de braçadas. (por Celso Lungaretti)
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