domingo, 17 de abril de 2011

UM IDEÁRIO PARA A REVOLUÇÃO DO SÉCULO 21

Em sua coluna dominical -- Adeus, Fidel; adeus, silêncio? --, o veterano jornalista Clóvis Rossi aborda as "reformas econômicas que transformarão a ilha caribenha", a serem aprovadas hoje (17), no 6º Congresso do Partido Comunista Cubano.

Segundo ele, o corte de um quinto dos postos de trabalho no setor público e o estímulo à criação de um setor privado capaz de absorver tais trabalhadores implicarão a abertura do regime cubano: "às reformas econômicas que serão lançadas hoje seguir-se-á a prazo relativamente curto a reforma política".

Ele especula que a construção do porto de Mariel, financiada pelo Brasil, "só tem sentido se for para exportar para os Estados Unidos".

E,  como queria demonstrar, conclui: "Se é assim, implica o restabelecimento de relações, com todo o cortejo de consequências".

Se os palpites de Clóvis Rossi estiverem certos, preparemo-nos para a grita ensurdecedora da imprensa burguesa, festejando a capitulação da pequenina ilha asfixiada pelo embargo comercial estadunidense.

E vamos, sim, dar nossa resposta a esta zombaria do jornalista:
"Na hora em que a esquerda continua sob os escombros do Muro de Berlim, começa a cair mais um muro. Talvez seja a hora de construir algo com tantos tijolos".
 BECO SEM SAÍDA

Já faz quase um século que os movimentos revolucionários desviaram por atalho que acabou conduzindo a um beco sem saída.

O desvio foi decidido às vésperas da revolução soviética, quando o Partido Bolchevique discutiu dramaticamente se valia a pena tomar-se o poder num país atrasado, contrariando duas premissas marxistas: a da revolução internacional e a da construção do socialismo a partir das nações economicamente mais pujantes (e não o contrário!).

Prevaleceu o argumento de que, embora a Rússia não estivesse pronta para o socialismo, serviria como um estopim da revolução mundial, começando pela revolução alemã, prevista para questão de meses. Então, o atraso econômico russo seria contrabalançado pela prosperidade alemã; juntas, efetuariam uma transição mais suave para o socialismo.

Deu tudo errado. A reação venceu na Alemanha, a nova república soviética ficou isolada e, após rechaçar bravamente as tropas estrangeiras que tentaram restabelecer o regime antigo, viu-se obrigada a erguer uma economia moderna a partir do nada.

"...finalmente, um tirano
substitui o Comitê Central..."
Quando o ardor revolucionário das massas arrefeceu -- não dura indefinidamente, em meio à penúria --, a mobilização de esforços para superação do atraso econômico acabou se dando por meio da ditadura e do culto à personalidade.

A Alemanha nazista era o espantalho que impunha urgência: mais dia, menos dia haveria o grande confronto e a URSS precisava estar preparada. O stalinismo foi engendrado em circunstâncias dramáticas.

A república soviética acabou salvando o mundo do nazismo -- foi ela que quebrou as pernas de Hitler, sem dúvida! --, mas perdeu sua alma: já não eram os trabalhadores que estavam no poder, mas sim uma odiosa  nomenklatura.

Concretizara-se a profecia sinistra de Trotsky: primeiro, o partido substitui o proletariado; depois, o Comitê Central substitui o partido; finalmente, um tirano substitui o Comitê Central.

Com uma ou outra nuance, foi este o destino das revoluções que tentaram edificar o  socialismo num só país: ficaram isoladas, tornaram-se autoritárias e não tiveram pujança econômica para competir com o mundo capitalista, acabando por sucumbir ou por se tornarem modelos híbridos (como o chinês, que mescla capitalismo na economia com stalinismo na política).

E AGORA, JOSÉ?

Agora, só nos resta voltarmos ao princípio de tudo: Marx.

Reassumirmos a tarefa de engendrar  uma onda revolucionária que varrerá o mundo.

Esquecermos a heresia de solapar o capitalismo a partir dos seus elos mais fracos, pois o velho barbudo estava certíssimo: as nações economicamente mais poderosas é que determinam a direção para a qual as demais seguirão, e não o contrário.

Isto, claro, se tivermos como meta a condução da humanidade a um estágio superior de civilização. Pois o cerco das nações prósperas pelos rústicos e atrasados já vingou uma vez, quando Roma sucumbiu aos bárbaros... e o resultado foi um milênio de trevas.

Se, pelo contrário, quisermos cumprir as promessas originais do marxismo, as condições hoje são bem propícias do que um século atrás:
"...só unidos e solidários os
homens conseguirão sobreviver..."
  • o capitalismo já cumpriu seu papel histórico no desenvolvimento das forças produtivas e está tendo sobrevida cada vez mais parasitária, perniciosa e destrutiva -- tanto que mantém a parcela pobre da humanidade sob o jugo da necessidade quando já estão criadas todas as premissas para o  reino da liberdade, e o 1º mundo sob o jugo da competitividade obsessiva, estressante e neurótica, quando já estão criadas todas as premissas para uma existência fraternal, harmoniosa e criativa;
  • os meios de comunicação que ele desenvolveu, como a internet, facilitam a disseminação e coordenação dos movimentos revolucionários em escala mundial, de forma que um novo 1968, p. ex., hoje seria muito mais abrangente (está longe de ser utópica, agora, a possibilidade de uma onda revolucionária varrer o mundo);
  • a necessidade de adotarmos como prioridade máxima a colaboração dos homens para promover o bem comum, em lugar da ganância e da busca de diferenciação e privilégio, será dramatizada pelas consequências das alterações climáticas e da má gestão dos recursos imprescindíveis à vida humana, gerando crises tão agudas que só unidos e solidários eles conseguirão sobreviver.
Nem preciso dizer que a forte componente libertária original do marxismo tem de ser reassumida, pois os melhores seres humanos, aqueles dos quais precisamos, jamais nos acompanharão de outra forma (esta é uma das conclusões mais óbvias a serem tiradas dos acontecimentos das últimas décadas).

A bandeira da liberdade deve ser empunhada de novo pelos que realmente a podem concretizar, não pelos que só têm a oferecer um cativeiro com as grades introjetadas, pois a indústria cultural as martela dia e noite na cabeça dos  videotas.

É este o edifício sólido que podemos começar a construir com os tijolos dos muros tombados.

10 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto,Lungaretti.Eu que ando tão cabisbaixo renovei minha esperança.Repassei o texto no Orkut,no Facebbok,no Twitter,mandei por email.

Carlos Rico

AF Sturt Silva disse...

Mas como as ondas revolucionárias vão varrer o mundo “avançado economicamente” se lá nem organizações políticas ou grupos coletivos ideológicos com força, comparando aos dos capitalistas, tem?

O capitalismo está em crise estrutural, (Por quê? Pois hoje o capital financeiro é muito maior do que o capital produtivo, ou seja, os negócios estão sendo feitos em cima de elementos fictícios. Se o capitalismo tem o problema de contradição entre o capital (esse produtivo), dos meios de produção, e o trabalho, como a mais valia, por exemplo, imagina o que é um sistema que é dominado por uma elite de capitalistas especulativos que na realidade tem em suas moedas de troca, em termos práticos, apenas valores não reais).
Dominados por essa classe das finanças e do capital especulativo, com apoio de uma classe burguesa “produtiva” e das massas trabalhadoras que ajudam neste processo de evolução - produzindo e consumindo e ainda apoiando as decisões dos “de cima” - com uma grande vontade de chegar ao topo desse círculo vicioso, o capitalismo está sendo salvo ou vendendo uma crise conjuntural.
[Repare que não falei do estado, como a maioria de meus mestres (para [quase] todo marxista o estado é um ditadura burguesa. Vem de Marx).]
Olha para as revoluções árabes, elas não conseguiram ir adiante. Por quê?

Eu pessoalmente acho que se os de "baixos" não derrubarem o capitalismo esse se arrastará por um grande tempo, como o "milênio de trevas".

Continua...

AF Sturt Silva disse...

Mas esses de baixo têm que ter consciência e saber o que estar á lutar. Sabemos que lutamos contra o capitalismo, mas não sabemos por que estamos lutando? Pos-neoliberalismo, ou pós- capitalismo, ou ecossocialismo?

Claro que o projeto socialista tem que ser plural, sem perder sua essência de um projeto emancipado e igualitário.

Porém tem que ser um projeto programático por que durante o processo revolucionário, oportunistas e reformistas vão aparecer e apresentar caminhos e as “massas revolucionárias” vai ir para algum desses caminhos, por que elas estarão sem rumos e vai logo seguir um. Lembre que tem luta de classes ou isso é ilusão dos marxistas? Então temos que desenvolver um, e o passado é nosso futuro - é nossa referência, por que incrível que pareça.

Ai a necessidade de um projeto programático e organizado, mas que não se limite ao dogmatismo e sectarismo, e que tente derrubar as propostas reacionárias e oposicionistas, ou pelos menos que incorporem as segundas ao seu projeto, em sua conjuntura. Foi assim que o capitalismo venceu o socialismo, (capitalismo de estado). A social-democracia, até então era um bom exemplo disso.Hoje devido a sua guinada a direita faliu como esta e o capitalismo.

Continua...

AF Sturt Silva disse...

Mas voltando aos países que vão conduzir o processo como Marx disse, temos três pontos:

(1) Se forem esses países que vão conduzir a revolução, os países do terceiro mundo, os subdesenvolvidos, vão ter que chegar a esse estagio e não vão criarem projetos alternativos, seja socialistas ou nacionalistas. Por que primeiro isso não via dar certo (olha o bloqueio a Cuba) e depois tem que desenvolver e isso (nacional-socialismo) seriam o caminho mais difícil.

(2) Mas essa tese de que o socialismo vem dos países ricos parece que sustenta aquela tese das etapas dos stalinistas, que parece que já foi superada. Pois obriga a esses países (do Sul) a defenderem políticas que são recomendas pelas internacionais do capital (FMI, BM, etc.) para chegar mais rápido ao desenvolvimento, como o pensamento liberal prega por ai, ou pelos menos pregava, até 2008 descaradamente.

(3) A história já mostrou o papel fundamental que teve os países exportadores no desenvolvimento do capitalismo, inclusive as revoluções socialistas que concretizaram, saíram deles. Então não podemos subestimar. O marxismo-leninismo fez revolução pelo mundo dando golpe no capital do Marx. Gramsci já dizia,Lênin fez uma revolução contra o capital russo e contra o capital do Marx (livro).

Concluindo

Se forem os países “ricos” que vão fazer a emancipação (dirigir o processo) quem são eles?

1 São as novas pontecias mundiais? China ou Índia?

2 Ou seriam os EUA que não tem como expandir internamente e cada vez mais encontra competidores no merdao internacional ou a Europa falida em uma de suas piores já existentes crises?

Continua...

AF Sturt Silva disse...

Voltando a Cuba, não considero que ela seja o “desvio da história” como o jornalista e as teses liberais e dos esquerdistas arrependidos dizem e nem que suas medidas formam tomadas e feitas devido à política dos EUA. Mas é claro que isso foi fator chave para o “fechamento do regime”.Mais prefiro ir mais além...

As conquistas sociais vieram de uma burocracia ou de um esforço coletivo do povo cubano? Será que as organizações sociais cubanas criadas na década de 60 são apenas superficiais? Os 90% que aprovam a política do partido comunista, vanguarda organizada da nação, e os 92,5% que são membros dos Comitês em Defesa da Revolução (CDR) são pessoas que não servem para nada, numa nação sem analfabetos? São pessoas que deixaram “o gato comer suas línguas”? Ou será que um milhão que lotam as ruas no “Primeiro de Maio” não passam de massas “manipuladas” pelo único partido da ilha que tem um milhão de militantes numa nação com aproximadamente sete milhões de pessoas ativas?
Bom, estou opondo a tese da socióloga argentina, que o tal jornalista cita em sua coluna. Porém ainda não a conheço.

Lembre, a China como você escreveu tem uma política stalinista (acho que você diz isso em relação a um corpo burocrático que toma as decisões para suas massas, principalmente no campo da política econômica. São 80 milhões para 1,3 bi de pessoas). Só que como a meta deles é crescimento econômico quem está chegando ao comitê central, que realmente manda no país, é quem se destaca. Ou seja, membros ligados ao imperialismo (ou transnacionais que faz uma verdadeira ditadura econômica no pais),onde os trabalhadores produzem e consomem, e uma elite comunista-capitalista fica com os lucros e com as decisões.

Continua...

AF Sturt Silva disse...

E ai que onda revolucionária deve sair para o processo emancipador da sociedade pós capitalista ?

Se for, já estamos perdendo a batalha, inclusive a ideológica, por que os mentirosos do PC chinês dizem que são comunistas. Mas tudo mundo sabem que o grosso já não pesam nisso, como toda [quase] esquerda mundial governista. Mas por que eles ainda dizem que são comunistas?

Por que as massas, inclusive as rurais e do interior, ainda acreditam no comunismo, aquele do Mao, e as massas urbanas e dos locais onde se desenvolve o capitalismo estão preocupados mais com a abertura econômica do que com o futuro, até por que vivemos na época do presentismo. O consumo é uma anestesia para a evolução do pensamento pós-moderno.
Não podemos abrir mão das lutas de classes e nem subestimar os nossos inimigos. Por isso ainda acho valido à teoria do Lênin, e as conquistas do “socialismo real”, mas concordo que temos que ir, além disso, pois Marx, o primeiro do marxismo, (não conheço bem sua outra inspiração que é o anarquismo) não se limitou ao socialismo utópico, e sim juntou no mínimo três teses para propor um projeto emancipador para a sociedade e isso foi desenvolvido criativamente por Lênin, Trotski e tantos outros.

Mais uma coisa são nossas teorias, outra coisa é a vida real. É outra coisa ainda é ser leal aos verdadeiros princípios dessa emancipação.

Os liberais e aqueles que não defendem mais o socialismo ainda não entenderam que o capitalismo só dá essa liberdade por que essa é uma das forças que sustenta esse, de uma forma estrutural. (O “socialismo real” caiu devido à falta de liberdade, isso qual quer pode dizer, sem duvida). Mas que na pratica, essa liberdade não passa de uma farsa para justificar a ditadura maior que é a do capital. É a liberdade do consumo também...

E por isso que o capitalismo é temporário e por isso que temos que conduzir o processo de transição, com nossos estudos do passado da melhor forma possível a uma sociedade civilizada e não isso que o liberalismo-reacionarismo que enviarem a goela abaixo.





Fim

celsolungaretti disse...

O espaço de comentários, na minha opinião, é para discussão de aspectos de um artigo, não para contrapor-lhe outro artigo.

No fundo, o comentarista não está querendo entender melhor minha visão -- que não compreendeu --, mas sim apresentar a sua.

Para não me taxarem de censor, coloquei os 5 comentários no ar.

Que os leitores, lendo tudo isso, tirem suas conclusões.

De minha parte, continuarei respondendo a quem postar comentários sucintos e pertinentes.

E peço, encarecidamente, que não postem mais textos quilométricos, pois quebram a dinâmica das discussões e afugentam os leitores que não têm posição firmada e estão querendo aprender algo.

AF Sturt Silva disse...

Não prescisa escrever duas vezes escritor e jornalista Celso Lungaretti.

Afinal o blog é seu é vc gere ele da melhor forma.

Não sabia que vc não gostava de ler artigos (comentários) que contrapoem aos seus.



Sem mais

Sturt Silva

celsolungaretti disse...

A diferença é exatamente esta: comentários são sucintos, artigos é que costumam ser extensos. Tanto que você precisou de 5 postagens para descarregar seu texto.

Se eu permitir que se crie um hábito desses, passarei a vida inteira respondendo comentários que não são comentários.

Porque é cada vez mais difícil encontrar tempo para tudo que faço, não participo pessoalmente do Facebook (uma prima é que resolveu criar/manter uma página minha lá) e entro cada vez menos no Orkut.

Só cumpro, religiosamente, o compromisso que assumi de postar algo novo todo dia neste blogue.

José Quinto Barcelos disse...



No meu blogue: diamanteslunda.blogspot.com abordo a ganância humana mas também o "compadrio intelectual" das elites de intelectuais que pensasm salvar a Terra e os mais humildes com o salivar duma retórica repetitiva. Nenhum intelectual salva a Amazónia, por exemplo, no Perú ou no Brasil; nem evitas o genocídio dos nativos ameríndios. A salvação da Humanidade chegou tartde - logo, não chegou.

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