quarta-feira, 31 de agosto de 2011

BATTISTI É CAPA DA 'ISTOÉ'

Debaixo da chuva fina e incessante, o italiano Cesare Battisti, 56 anos, caminha tranquilo pelas ruas de uma pequena cidade do litoral paulista. 

Usando uma jaqueta de couro emprestada pelo dirigente sindical Magno de Carvalho, 64 anos, Battisti esfrega as mãos vigorosamente enquanto fala sobre a região. “Aqui a Mata Atlântica está bem preservada”, diz. “E a pesca é farta, principalmente de tainha”.

Depois de ficar mais de quatro anos atrás das grades e apenas dois dias em liberdade na capital paulista, Battisti passa boa parte do tempo caminhando pelas praias e matas das redondezas. Só reclama do frio, na marca dos 12oC na tarde da segunda-feira 22. “Nem pareço italiano”, diz. “Nunca gostei de frio.”

Assim começa a matéria de capa da edição 2.181 da IstoÉ, enfocando a vida  em liberdade de Cesare Battisti. O texto de apresentação pode ser lido aqui e a entrevista completa de Battisti à revista, aqui.

PM PROMETE DELETAR ENTULHO AUTORITÁRIO DO SITE DA ROTA

Notícia fresquinha do site do jornal O Globo vem complementar meu texto Ministra Maria do Rosário repudia elogios da Rota à ditadura:
"A Polícia Militar de São Paulo afirmou nesta terça que irá remover do site oficial as menções elogiosas que faz à participação do 1º Batalhão de Choque (Rota) no golpe militar.
Em nota, a PM reafirmou que compromisso com os ideais democráticos do país. Até o início da noite, porém, permanecia na página [ver tópicos Histórico do BTA e Os Boinas Pretas, aqui] a descrição da participação na 'revolução de 1964'. 
...Em resposta ao Globo, a assessoria de imprensa da PM afirmou em nota que será feita 'a devida alteração' na descrição histórica da Rota".
 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

MINISTRA MARIA DO ROSÁRIO REPUDIA ELOGIOS DA ROTA À DITADURA

A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosario, ficou indignada ao tomar conhecimento da retórica ditatorial adotada no site do 1º Batalhão de Choque da Polícia Militar (Rota), abrigado no Portal do Governo de São Paulo:
"Eu me senti aviltada por isso, uma página oficial de um governo estadual, no período democrático, que faz uma homenagem à deposição de um presidente legitimamente eleito [João Goulart]. Tenho certeza de que o governador Geraldo Alckmin vai tomar as providências que se impõem".
Segundo ela, trata-se de "uma estrutura do Estado de São Paulo, não se pode comemorar o golpe, não se pode comemorar a violação do estado democrático de direito, sob pena de se plantar novas violações". Maria do Rosário prometeu discutir o assunto pessoalmente com Alckmin.

A Rota também se ufana do papel por ela desempenhado na perseguição aos resistentes que pegaram em armas contra a ditadura e o terrorismo de estado implantados pelo golpe militar de 1964.

Venho questionando tal aberração desde outubro de 2008. Já encaminhei denúncia formal a três governadores -- José Serra, Alberto Goldman e Geraldo Alckmin --, além de conseguir que Serra fosse indagado a este respeito na sabatina da Folha de S. Paulo, durante a última campanha presidencial. Mais recentemente, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) fez uma interpelação a Alckmin.

O valoroso companheiro Ivan Seixas, também veterano da Resistência à ditadura militar, vem acompanhando passo a passo esta pequena cruzada. Foi dele a iniciativa de levantar o assunto em audiência pública a que Maria do Rosário compareceu na Assembléia Legislativa de São Paulo.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que somente a Polícia Militar poderia se manifestar sobre o tema. Procurada pela reportagem de O Globo, a PM não se posicionou. Mais tarde, em nota, prometeu alterar o texto -- e até agora não o fez.

"Não nos contentamos com o cinismo daqueles que escreveram a história oficial. Devemos agir diante disso", afirmou a ministra, concluindo:
"Construir a democracia é uma tarefa cotidiana. Me incomoda que, todos os dias, no jornal, haja novos elogios ao período da ditadura militar, inclusive à Rota, como se naquele tempo tivéssemos mais segurança ou direitos que hoje. Quando eu vejo elogios ao período da ditadura militar e vejo na página de governo um batalhão que se orgulha de ter participado da deposição de um presidente eleito e pelos massacres promovidos pela violência de Estado, vejo que temos muito que afirmar".

ASSINE AQUI A PETIÇÃO ON LINE PELA SUPRESSÃO DOS ELOGIOS  AO GOLPISMO, 
À DITADURA E AO TERRORISMO DE ESTADO NA PÁGINA VIRTUAL DA ROTA

DINES: CAPA DA 'VEJA' É UM ATENTADO À INTELIGÊNCIA DO LEITOR

É sempre gratificante apreciarmos o texto de um mestre em dia inspirado.

Caso de Jornalismo político volta à Era da Pedra Lascada, com que o grande Alberto Dines dimensiona bem a última falácia da pestilenta Veja: uma matéria de capa extremamente tendenciosa e disparatada em seu conjunto, que carece de lógica "mesmo enquanto ficção".

Como resultado do parto da montanha, efetuado com métodos criminosos, pariu-se um rato jornalístico, "atentado à inteligência do leitor" que "degrada o processo político". Perfeito.

Eis os trechos principais do excelente artigo publicado no Observatório da Imprensa:
...Há hoje uma metamensagem ou criptojornalismo, cifrado, exclusivo de um seleto grupo de iluminados. O governo manda suas mensagens, a mídia é obrigada a entender. Mesmo não gostando. A réplica pode vir com a mesma sutileza...

O que conspira contra o jogo democrático são as ameaças de rupturas. O presidente Lula não entendeu, não quis ou não teve paciência para entender o tricô das raposas. Subia no palanque e 'mandava ver' (...). Criou impasses, cavou confrontos perigosos.
É o que fez Veja com a sua última matéria de capa sobre o ex-ministro José Dirceu ('O poderoso chefão', edição nº 2232, data de capa 31/8/2011). Sutil como uma carga de cavalaria – e tão eficaz quanto esta –, produziu um curto-circuito, reintroduziu a imprudência no diálogo governo-imprensa. Repercutiu no exterior. E daí?
A verdade é que a matéria recoloca o jornalismo político brasileiro na Era da Pedra Lascada. Traz de volta os vídeos clandestinos, os arapongas, os dossiês secretos jogados no colo de jornalistas ditos 'investigativos'.
José Dirceu (...) é também um consultor/lobista. Pode alugar um andar inteiro num hotel dez estrelas em Brasília ou Luanda e nele receber legiões de correligionários, clientes e amigos. Não há nada de ilícito ou malfeito...

O texto inteiro de Veja, da primeira à última linha, é customizado, adaptado para servir à tese de que o ex-chefe da Casa Civil está conspirando contra a sua sucessora, atual presidente da República. Não há evidências, apenas insinuações, ambigüidades, gatilhos.

Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, é amigo pessoal de Dilma Roussef, não poderia conspirar contra ela. José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras cujo maior acionista é o governo, não enfrentaria o seu maior eleitor quando reiniciar sua carreira política. Delcídio Amaral é um petista light, quase-tucano.
A lista dos 'conspiradores' é frágil e as possíveis motivações, inconsistentes. O conjunto é disparatado, não faz sentido, carece de lógica. Mesmo enquanto ficção.
Os encontros gravados duraram em média 30 minutos, tempo insuficiente até para acertar uma empreitada de pequeno porte. Devidamente investigados, os fatos poderiam vincular-se e ganhar alguma dimensão. No estado bruto em que foram apresentados pelo semanário de maior tiragem do país representam um atentado à inteligência do leitor, não renderiam sequer uma nota numa coluna de fofocas políticas.
Este é um jornalismo que não se sustenta, é retrocesso. Não favorece a imagem da imprensa, não ajuda a presidente Dilma, prejudica a oposição. Faz esquecer a faxina moralizadora e degrada o processo político".

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

GRANDE MAGRÃO: LEVANTA, SACODE A POEIRA E DÁ A VOLTA POR CIMA!

No palanque das diretas, anunciado por Osmar Santos
Ótima notícia é a alta de Socrates Brasileiro.

Parafraseando a inesquecível frase com que George Foreman esquivou-se de comparar os geniais Muhammad Ali e Joe Louis ("Não sei dizer se Ali foi o maior peso-pesado de todos os tempos, mas, sem dúvida, foi o melhor cidadão que já lutou boxe"), eu diria que o Doutor foi o melhor cidadão que já se tornou grande futebolista.

Antes dele, os craques eram quase todos vaquinhas de presépio dos cartolas -- vis parasitas que vicejam à sombra das chuteiras imortais, para, da arte dos boleiros, extraírem grana, prestígio e poder.

Mesmo os que tinham espírito mais crítico e independente, evitavam dizer o que realmente pensavam da engrenagem mafiosa do futebol. Afonsinho, rara exceção, não teve a carreira que seu talento prefigurava, exatamente por haver ousado trombetear a nudez do rei.

O que Sócrates fez foi impressionante: não só venceu como jogador (apesar do submundo do futebol e a venal imprensa caudatária terem insistentemente tentado desmoralizá-lo), como conseguiu unir o elenco do Corinthians em torno de suas idéias e impô-las aos dirigentes do clube.

Parabéns pelo novo gol, doutor!
Lembrem-se: ainda estávamos sob ditadura. A  democracia corinthiana  (o direito de os atletas participarem da tomada de decisões que os afetavam, como a necessidade ou não de concentração antes dos jogos) servia como modelo e cartão de visitas da democracia  em si. Havia um conteúdo político maior, subjacente à afirmação da dignidade profissional dos jogadores.

E, exatamente como Muhammad Ali, teve Sócrates a grandeza de dispor-se a um grande sacrifício pessoal em nome de suas convicções.

Ali perdeu o cinturão, muita grana e alguns dos melhores anos da carreira de um pugilista por recusar-se a servir como relações públicas para a agressão estadunidense ao povo vietnamita -- atitude que justificou com argumentos religiosos, mas cujo motivo maior ficou evidenciado na frase "Vietcong nenhum me chama de nigger  [pejorativo muito usado pelos racistas dos EUA]".

Da mesma forma, Sócrates abriria mão de muita grana italiana se tivesse a oportunidade de contribuir para a reconstrução democrática do Brasil. Foi o que jurou num ato público da campanha das diretas-já, no Vale do Anhangabaú (SP): comprometeu-se solenemente a, caso fosse aprovada a emenda Dante de Oliveira, recusar a estratostérica proposta da Fiorentina.

Tenha vida longa, Magrão. Ainda precisamos de você... e muito!

O AMARGOR E A ESPERANÇA

Jornal publica, com o apoio de um vídeo, que policiais deixaram bandidos agonizantes sem socorro, mandando-os estrebucharem de uma vez.

Os leitores, em expressiva maioria, aplaudem os policiais e criticam o jornal (extremamente criticável por outros motivos, mas certo desta vez).

Militar toma o poder num país árabe e impõe uma tirania pessoal, com tinturas anticolonialistas para dourarem a pílula. No entanto, o arbítrio, as torturas e assassinatos de opositores eram os mesmíssimos dos regimes de gorilas latino-americanos como Pinochet.

Muitos esquerdistas brasileiros tomam as dores do tirano, lamentando sua derrubada porque os revoltosos têm apoios discutíveis... embora seja indiscutível que o povo queria mesmo é ver-se livre do clã que o oprimia há 42 anos, enquanto seus membros ostentavam repulsivos privilégios de nababos.

No fundo, são dois exemplos de um mesmo comportamento: pessoas que abdicam de serem boas, justas, nobres e dignas. Preferem ser amargas, más, rancorosas e vingativas. Optam por jogar a civilização no lixo, apoiando a imposição da força bruta e abrindo as portas para a barbárie.

Mas, nem a criminalidade será extinta com o extermínio dos bandidos (outros tomarão seu lugar, indefinidamente), nem a revolução mundial avançará um milímetro com a esquerda apoiando tiranos execráveis. Quem é guiado pelo amargor, apenas se coloca no mesmo plano do mal que combate, abdicando da superioridade moral e desqualificando-se para liderar o povo na busca de soluções reais.

No caso dos esquerdistas desnorteados, eles esquecem que os podres poderes se sustentam exatamente na descrença dos homens quanto às possibilidades de mudar o mundo.

Céticos, eles se tornam impotentes. Cabe a nós devolvermo-lhes as esperanças.

Nunca teremos recursos materiais equiparáveis aos do capitalismo. Nosso verdadeiro trunfo é personificarmos tais esperanças -- principalmente a de que a justiça social e a liberdade venham, enfim, a prevalecer.

Ao apoiarmos um Gaddafi, sinalizamos para o homem comum que ele só tem  isso  a esperar de nós. Quem, afora fanáticos, quererá dedicar sua vida à construção... de uma ditadura?!

Então, ou falamos o que faz sentido para os melhores seres humanos (os únicos que conseguiremos trazer para nosso lado no atual estágio da luta) ou continuaremos falando sozinhos, sem força política para sermos verdadeiramente influentes.

domingo, 28 de agosto de 2011

LIGEIRAS DOMINGUEIRAS

Só faltou dizer que o ogro come criancinhas
A pestilenta Veja está nas bancas, com mais uma matéria de capa grotesca -- desta vez, sobre a influência que Zé Dirceu exerce nos bastidores do Governo Dilma.

Foi o motivo do crime cometido pelo repórter da revista, ao tentar invadir a suíte do ex-deputado no hotel Nahoum -- tendo nele se hospedado exatamente para fins de arapongagem.

Pior: revelou-se um araponga trapalhão, que foi desmascarado e acabou tendo de escafeder-se com as calças na mão, dando calote na conta.

A direita golpista precisa desesperadamente fabricar espantalhos. Olavo de Carvalho inventou um, o Fôro de São Paulo, que não sobreviveu à minha argumentação sensata.

Picotei esse tigre de papel, antes mesmo de saltar aos olhos que o real líder da América do Sul atendia pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva e, para o bem ou para o mal, só queria garantir umas migalhinhas a mais para o povão sob o capitalismo.

Jânio tropeçou nas próprias pernas
A renúncia de Jânio Quadros voltou à baila no 40º aniversário, mas depoimentos e análises nada trouxeram de verdadeiramente novo.

Demagogo de voo curto, não conseguiu imprimir um rumo ao seu governo. Aí, quis livrar-se da tutela de um Congresso Nacional majoritariamente adverso, dando um golpe de mestre.

Pretendia voltar com poderes ampliados, nos braços do povo e tendo o apoio da elite, que o acabaria engolindo como mal menor, face à alternativa (uma presidência do esquerdista João Goulart). O ardil fracassou pateticamente, deixando JQ com cara de bobo.

Atribuir a renúncia a  forças ocultas  foi outro tiro n'água: o cidadão comum, que não elege presidentes para vê-los jogar seu voto no lixo, preferiu a piada pronta de que a expressão não passava de um eufemismo para cachaça.

O   homem da vassoura  não renunciou por causa de um mau porre. Mas, se o tivesse feito, o resultado seria exatamente o mesmo.

sábado, 27 de agosto de 2011

veja: É UM FOCO DE PESTILÊNCIA

Seja qual for o conceito que tenhamos do ex-deputado Zé Dirceu, não podemos deixar de colocarmo-nos ao seu lado neste episódio criminoso e de degradação absoluta do jornalismo, assim relatado no seu blogue:
"Depois de abandonar todos os critérios jornalísticos, a revista Veja, por meio de um de seus repórteres, também abriu mão da legalidade e, numa prática criminosa, tentou invadir o apartamento no qual costumeiramente me hospedo em um hotel de Brasília.

O ardil começou na tarde dessa 4a. feira, quando o jornalista Gustavo Nogueira Ribeiro, repórter da revista, se registrou na suíte 1607 do Hotel Nahoum, ao lado do quarto que tenho reservado. Aproximou-se de uma camareira e, alegando estar hospedado no meu apartamento, simulou que havia perdido as chaves e pediu que a funcionária abrisse a porta.

O repórter não contava com a presteza da camareira, que não só resistiu às pressões como, imediatamente, informou à direção do hotel sobre a tentativa de invasão. Desmascarado, o infrator saiu às pressas do estabelecimento, sem fazer check out e dando calote na diária devida.

O hotel registrou a tentativa de violação de domicílio em boletim de ocorrência no 5º Distrito Policial.

A revista não parou por aí.
 O jornalista voltou à carga. Fez-se passar por assessor da Prefeitura de Varginha, insistindo em deixar no meu quarto 'documentos relevantes'. Disse que se chamava Roberto, mas utilizou o mesmo número de celular que constava da ficha de entrada que preencheu com seu verdadeiro nome. O golpe não funcionou porque minha assessoria estranhou o contato e não recebeu os tais 'documentos'".
Talvez fosse o caso de acionarmos a Saúde pública, para que ela remova o foco de pestilência a céu aberto existente na Marginal do Tietê. Fede mais do que o esgoto do rio.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O FIM DO GADDAFI E O FIM DE FEIRA NAS TRIBUNAS DA ESQUERDA

Pelo número de visitas ao meu blogue nesta 6ª feira, talvez seja melhor eu nem postar mais material novo. O desempenho foi melhor assim... ou as estatísticas do Google estão malucas!

Afora as prosaicas atribulações cotidianas, o que me faltou mesmo foi ânimo, na meia horinha que tive livre durante o dia.

Um amigo certa vez se queixou de que, deixando-nos massacrar durante a ditadura militar, nós o obrigamos a reconstruir a esquerda a partir do quase nada: "O que sobrou para mim foi a borra do fundo do tacho..."

O que a esquerda diria se fosse Pinochet o
modelo desta foto-exaltação do militarismo?
Isto me veio à lembrança ao ler os  textículos  que infestam os espaços virtuais da esquerda, sobre a queda de Gaddafi. 

Um antigo crítico roqueiro, p. ex., apresenta sua nova versão para  simpathy for the devil: não defende o capeta (não há como), porém lança a mais furibunda catalinária contra os inimigos do capeta.

Omite o fundamental: se os cidadãos líbios sentiram alguma coisa, foi alívio.

O povo cubano não deixou que Fidel Castro fosse derrubado quando da invasão da Baia dos Porcos, em 1961. O povo líbio assiste impassível à derrubada de Gaddafi e até foi à praça comemorar.

Só não vê quem não quer. Ou quem, como avestruz, enterra a cabeça na areia.

Também me lembrei de como eram perspicazes e brilhantes os artigos que a esquerda outrora produzia sobre o bonapartismo militar e o caudilhismo.

Um Gamal Abdel Nasser, lider incomensuravelmente maior que Muammar Gaddafi, apanhava como Judas em sábado de Aleluia, dos brilhantes analistas que nosso lado possuía.

Correr riscos? Não é comigo...
Hoje, por dizer que o regime de Gaddafi nada mais foi do que uma tirania pessoal com tinturas anticolonialistas, só faltou me lançarem à fogueira dos hereges.

Provavelmente, daqui a alguns meses todos perceberão que eu estava certo, assim como ninguém  mais contesta que Manuel Zelaya seja um bunda mole.

Compreendi isto no exato momento em que soube da sua expulsão de Honduras trajando pijamas. Um Allende preferiria morrer a ser humilhado dessa forma.

Os atos subsequentes de Zelaya só confirmaram a tibieza que fui  herético  em identificar logo de cara (isto sem deixar de protestar contra sua deposição -- não preciso heroicizar um  banana, nem mesmo gostar dele, para defendê-lo de um golpe de estado, uma coisa não tem nada a ver com a outra).

Diziam os antigos que, em terra de cego, quem tem um olho é rei.

O mais provável é os cegos tentarem furar o olho do único que vê.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

VÍDEO MOSTRA PMs NEGANDO SOCORRO A AGONIZANTES

Assim como estou sempre me posicionando contra as posturas da Folha de S. Paulo que considero nocivas, não deixo de reconhecer os acertos do jornal, quando ele os tem.

É o caso da notícia publicada nesta 5ª feira (25) Estrebucha', diz policial militar a baleado agonizante, cujos principais trechos reproduzo, parabenizando o repórter André Caramante pelo ótimo trabalho:

Volta a um passado infame?
"Filho da puta, você não morreu ainda? Olha pra cá! Maldito. Não morreu ainda", diz uma das vozes, enquanto a imagem, em "close", mostra a cena forte: um homem pardo, caído, espumando pela boca. Os olhos dele estão paralisados, em choque. As pupilas, dilatadas. A roupa está ensopada de sangue.

Ao fundo, é possível ouvir uma comunicação entre carros da polícia e os nomes Copom (Central de Operações da Polícia Militar) e Rota, grupo especial da PM paulista. Há um veículo Astra, de cor azul, com as portas abertas.

"Estrebucha! Filho da puta", diz uma outra voz.

Há um segundo homem estendido no chão. Ele está de bruços, algemado e chora.

"Tomara que morra a caminho [do hospital]. Não vai morrer, não?", diz, com ar de deboche, um outro PM.

As cenas estão gravadas em um vídeo tornado público ontem pela Folha.com. Elas estão nas mãos da cúpula da Segurança Pública paulista há duas semanas.

Não se sabe ainda quem são os dois homens que aparecem caídos no chão e em qual circustância eles foram feridos. Também não há informações sobre onde e quando as imagens foram feitas.

Há suspeita de que o episódio tenha ocorrido em um município da Grande São Paulo e de que as imagens tenham sido gravadas pelos próprios PMs. Isso porque numa cena de crime como a que aparece no vídeo, apenas policiais têm livre acesso.

Não há registros disponíveis sobre o destino dos dois homens feridos: se estão vivos ou mortos, se foram ou não levados para o hospital ou se estão presos.

 Vídeo da TV Folha comprova a omissão de socorro por parte dos PMs

NÃO À CENSURA NA BLOGOSFERA!!!

Reproduzo notícia do portal do deputado Paulo Pimenta, que acaba de propor a realização de uma audiência pública sobre a  censura que o jornal da  ditabranda  tenta impor à blogosfera -- agindo de forma coerente com a linha editorial colaboracionista que a empresa adotava no auge do terrorismo de estado no Brasil e justificando a dúvida quanto à sinceridade de seus propósitos quando deu uma guinada de 180º no Governo Geisel. 

Apoio inteiramente a iniciativa de Pimenta, recomendando aos companheiros máxima mobilização contra esta e qualquer outra tentativa de cerceamento da liberdade de expressão que a tanto custo reconquistamos.

O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) propôs na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (da qual faz parte) a realização de uma audiência pública para debater o que ele chamou de “silêncio da mídia no caso de censura imposta pelo jornal Folha de S. Paulo ao site Falha de S. Paulo”.

Pimenta apresentou o requerimento aos demais deputados da comissão e aguarda agora sua avaliação para que, em caso de aprovação, se marque uma data e seja feito os convite para os debatedores.

Do lado da Falha o deputado propõe convidar os dois irmãos criadores do site, Lino e Mario Ito Bocchini.

Do lado da Folha, ele quer chamar para debater a censura em Brasília Otávio Frias Filho (dono da Folha ao lado de seu irmão Luís), Sérgio Dávila (diretor de redação do jornal), Taís Gasparian (advogada que criou e assina a peça de censura) e Vinicius Mota (Secretário de Redação da Folha).


 Canção de 1975 que, infelizmente,
volta a ser atual: "Mordaça"

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DIA DO SOLDADO

Amanhã (25) se comemora mais um Dia do Soldado, instituído em homenagem ao Duque de Caxias, que nasceu em 25 de agosto de 1803. A data evocou em mim duas lembranças dos  anos de chumbo.

Em 1969, um pequeno grupo de esquerda independente procurou a Vanguarda Popular Revolucionária, propondo-se a destruir, na madrugada do dia 25 de agosto, a estátua do Duque de Caxias que existe até hoje na pça. Princesa Isabel, no bairro paulistano de Campos Elísios. Havia descoberto que a base era oca, tornando facílimo mandá-la pelos ares. Só precisava de explosivos, que nós tínhamos.

O Comando estadual da VPR contava, àquela altura, com três membros: José Raimundo da Costa (Moisés), Samuel Iavelberg (Moraes) e eu (Douglas). Aprovamos a idéia, até porque queríamos, de alguma forma, reagir à captura do quarto membro, João Domingues da Silva, o Elias. Logo adiante ele morreria de hemorragia, por terem-no torturado antes que se restabelecesse suficientemente do ferimento sofrido na troca de tiros com a repressão.

Já os comandantes nacionais, avaliando que seria uma provocação inconsequente e poderia acirrar a bestialidade dos milicos contra nós, vetaram a idéia.

Meu lado racional até concordou, mas passei o resto da vida sonhando com a satisfação que sentiria ao infligir tal humilhação à ditadura. Teria sido de lavar a alma.

A segunda lembrança é de quando eu já estava preso, na PE da Vila Militar: o tenente Ailton Joaquim, considerado um dos dez piores torturadores do período pelo grupo Tortura Nunca Mais, a pavonear-se com a Medalha do Pacificador que lhe entregaram no Dia do Soldado de 1970.

Frequentemente lembrado por um episódio dos mais repulsivos -- torturou presos políticos apenas para demonstrar as técnicas das quais era mestre, durante palestra que fez a oficiais no RJ --, ele foi responsável direto por eu ter ficado para sempre com um tímpano estourado e propensão a labirintite.

Tal medalha foi igualmente instituída em homenagem a Caxias, chamado de  pacificador  por seus fãs.

Na era Médici, era comum agraciarem os carrascos da ditadura. E, em plena democracia, os militares aproveitaram o 25º aniversário da quartelada para outorgá-la a mais uma leva de personagens com esqueletos no armário -- provocação que a Nova República engoliu, de forma abjeta.

INDÚSTRIA CULTURAL DISSEMINA OBSCURANTISMO E RETROCESSO

Um dos nomes mais ilustres da resistência jornalística à ditadura militar, Alberto Dines continua firme e forte em sua trincheira no Observatório da Imprensa, brindando-nos com textos impecáveis e imperdíveis como o desta semana: Depois da Guerra Fria, a Guerra Santa, no qual dimensiona outro retrocesso (mais um!) impulsionado pela indústria cultural.

Recomendando a leitura da íntegra, destaco as linhas mestras:
"A questão religiosa está nas manchetes, capas, telinhas e monitores da mídia mundial. Há mais tempo, com mais destaque e mais espaço do que a crise econômica mundial (formalmente iniciada em setembro de 2008) e os conflitos bélicos propriamente ditos.
Novos tempos, velha intolerância
Não se trata de um enfrentamento litúrgico ou teológico, Deus não está em discussão, nem a conquista territorial dos Estados conflagrados (...). O objetivo das cruzadas do século 21 é a conquista dos corações e mentes (mais aqueles do que estas) dentro desses Estados.
...estamos testemunhando sem perceber (...) uma tentativa de paralisar o processo civilizacional que marca a humanidade há alguns milênios. Gigantesca guerrilha política, a primeira no gênero, verdadeiramente global, disfarçada em conflito confessional com o objetivo de trocar o ser humano pleno, soberano, em mero adorador de imagens e rituais.

...Defender o Estado secular não significa investir contra as religiões ou crenças, queimar templos, livros sagrados ou desrespeitar devoções. Significa apenas defender o Estado de Direito democrático e isonômico.".

terça-feira, 23 de agosto de 2011

QUEM TEM OLHOS NA NUCA NÃO VÊ A PRIMAVERA CHEGANDO

Cada vez que apresento análises alternativas aos clichês esquerdistas dominantes, recebo uma enxurrada de críticas de certos companheiros, como se fosse um herege contestando mandamentos divinos...

O marxismo nem sequer existiria se o velho barbudo não tivesse ousado lançar sua visão alternativa aos clichês anarquistas dominantes. Mas, o vezo autoritário enraizou-se de tal forma na esquerda durante o pesadelo stalinista que nunca mais conseguimos nos livrar dele por completo.

Daí a facilidade com que o inimigo afasta de nós os cidadãos dotados de espírito crítico: ao defendermos com tanto ardor regimes execráveis e execrados como o de Gaddafi, damos todos os pretextos para sua máquina de propaganda trombetear que nosso objetivo último seria estabelecer tiranias. E a indústria cultural deita e rola em cima de nós.

Comigo não, violão. A despeito de quaisquer pressões dos que encaram o futuro com a nuca, continuarei tentando discernir o que está à frente e oferecer melhores opções ao movimento revolucionário do que as hoje prevalescentes.

Pois, queiramos ou não, é o capitalismo que domina o mundo e nós vimos perdendo terreno desde a segunda metade da década de 1980.

Está na hora de começarmos a virar esse jogo. E não será com Husseins, Gaddafis, al-Assads e Ahmadinejads que recolocaremos a revolução mundial em pauta.

Pois, é disto que se trata: regimes híbridos em países isolados são facilmente cercados e inviabilizados pelas potências capitalistas, o que acaba forçando-os, para sobreviverem, a incidirem em distorções de todo tipo. Tornam-se mais úteis para o inimigo como espantalhos do que para nós como cartões de visita.

Marx sonhava com uma onda revolucionária varrendo o planeta. É uma hipótese que se tornará cada vez mais viável com o agravamento das crises cíclicas do capitalismo (as quais, mais dia, menos dia, desembocarão numa depressão talvez ainda mais terrível que a da década de 1930) e com as catástrofes ambientais que se avizinham.

Se há um sentimento comum à maioria dos povos, neste início do século 21, é o repúdio a governos que achatam os governados. Até nos países árabes, como bem destaca Vladimir Safatle no seu ótimo artigo desta 3ª feira, Outro jogo, é "sintomático que a palavra mais usada seja  respeito":
"Seus levantes (...) foram em nome do fim de uma mistura entre opressão política e desencanto econômico".
Trocando "opressão política" por "falta de verdadeira representatividade política", pode-se dizer o mesmo das revoltas européias. O povo quer respeito e quer o fim dos sacrifícios inúteis que o capitalismo putrefato lhe impõe, embora ainda não tenha consciência de que são inerentes ao sistema capitalista e só acabarão quando ele acabar.

A internet, principalmente, está sacudindo o marasmo secular. Há cada vez mais frações da massa se descobrindo como gente, "que é para brilhar, não para morrer de fome", na bela frase de Caetano Veloso.

E se recusando a ser "povo marcado, povo feliz", como disse o Zé Ramalho, completando o raciocínio do seu guru Geraldo Vandré, de que "gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente".

É entendendo, harmonizando-nos com e passando a expressar esse sentimento  tão difuso quanto poderoso, que reconstruiremos a esquerda, tornando-a novamente capaz de sacudir o mundo -- e não lambendo a bota de tiranos.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

FIM DE UMA TIRANIA

O povo líbio em festa: contra imagens não há argumentos
No jogo de xadrez, as peças menores são sacrificadas em nome da vitória final. É comum a partida acabar sem que reste um peão sequer no tabuleiro.

Na vida, isto é inconcebível e inaceitável. Se não priorizarmos a existência humana como valor supremo, propiciaremos o advento da barbárie.

Para os revolucionários, mais ainda. Existimos para defender os peões, não os reis ameaçados.

Então, é simplesmente grotesco e indefensável o alinhamento de qualquer esquerdista com déspotas como o que está sendo derrubado na Líbia e o que precisa ser derrubado na Síria.

Devemos, sim, fazer tudo que pudermos para evitar que sejam substituídos por outros tiranos e/ou joguetes dos EUA e de Israel.

Pode um revolucionário identificar-se com ISTO?!
Mas, estendermo-lhes as mãos significa trairmos nossa missão, conforme foi brilhantemente enunciada por Marx.

Cabe-nos conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização, sentenciou, com máxima clareza, o velho barbudo. Não acumpliciarmo-nos com retrocessos históricos. Jamais!

Absolutismo, feudalismo, estados teocráticos, tiranias pessoais, tudo isso foi merecidamente para a lixeira da História. E é lá que deve permanecer.

Nosso compromisso é com a construção de uma sociedade que concretize, simultaneamente, as duas maiores aspirações dos homens através dos tempos: a justiça social e a liberdade.

Muammar Gaddafi e Bashar al-Assad, brutais genocidas, não nos aproximaram dessa sociedade um milímetro sequer. São carniceiros comparáveis a Átila e Gengis Khan.

Todos deveríamos manter deles a mesma distância que mantivemos de Pol Pot a partir do momento em que ficaram comprovadas, sem sombra de dúvida, as características monstruosas do regime do Khmer Vermelho.

30 ANOS SEM GLAUBER ROCHA, GLADIADOR DEFUNTO MAS INTACTO

Hoje (22/08) se completam 30 anos da morte do baiano Glauber Rocha, o maior cineasta brasileiro de todos os tempos.

Tudo nele era trepidante, tempestuoso. Depois de realizar um filme apenas promissor sobre misticismo e consciência social (Barravento, 1962), deu um salto incrível de qualidade em apenas um ano, obtendo consagração instantânea com Deus e o Diabo na Terra do Sol, parábola delirante sobre cangaceiros e fanáticos.

O espanto e a admiração foram tão intensos que poucos críticos perceberam se tratar de um filme um tanto desequilibrado: a primeira parte, em que o casal de camponeses  Manoel  (Geraldo Del Rey) e  Rosa  (Yoná Magalhães) ingressa no rebanho do   Santo Sebastião (ersatz de Antônio Conselheiro) é muito inferior à segunda, a da passagem de ambos pelo cangaço. E não só porque o ótimo Othon Bastos deu um banho de interpretação como  Corisco, enquanto Lídio Santos (Sebastião) era amadoresco e tinha carisma zero.

Aliás, o  Corisco  glauberiano foi o melhor cangaceiro que o cinema brasileiro criou, em mais de uma dezena de filmes. Um personagem contraditório e explosivo, ora se vendo como um instrumento de São Jorge ("o santo do povo"), ora barbarizando o sertão qual endemoniado, para vingar a morte de Lampião.  

Outro grande acerto de Glauber foi o contraponto de  Corisco: o jagunço  Antônio das Mortes  (o papel da vida do grandalhão Maurício do Valle).

Antônio  mata cangaceiros e beatos a soldo do latifúndio, mas acredita estar desimpedindo o caminho para a libertação do povo, pois este deverá travar sua grande cruzada "sem a cegueira de Deus [Sebastião] e do diabo [Corisco]" - motivo pelo qual ele liquida os dois.

É o conceito que encerra o filme: a morte de  Corisco  tira  Manoel  da órbita messiânica do Bem e do Mal. Em fuga, ele corre e o oceano parece vir ao seu encontro, realizando a profecia de  Sebastião: "o sertão vai virar mar e o mar virar sertão". É claro que Glauber tinha em mente os altos mares da revolução.

O que veio, entretanto, foi o golpe militar. E a imensa depressão causada pela derrota foi expressa/purgada na obra-prima seguinte de Glauber, Terra em Transe (1967), sobre o confronto entre o político populista  Felipe Vieira  (José Lewgoy) e o direitista  Porfirio Diaz  (Paulo Autran) num país fictício com todo o jeitão de Brasil, culminando numa quartelada que tem total apoio da empresa estrangeira dominante.

Entre os dois está colocado o poeta  Paulo Martins (Jardel Filho), representando uma intelectualidade oscilante e confusa, mas que, no momento da decisão, lança-se à luta contra o golpismo (o maquiavélico  Diaz,  evidentemente, foi inspirado no  corvo  Carlos Lacerda).

É uma contundente autocrítica da esquerda brasileira transposta para as telas. O que se discute, basicamente, são os erros cometidos pelo Partido Comunista e o apoio oportunista a um político que não era verdadeiramente revolucionário nem estava à altura do momento histórico. Quando  Vieira  evita resistir para que não seja derramado "o sangue das massas", é João Goulart que está falando pela boca dele.

E, de certa forma, trata-se de um filme premonitório: o poeta não aceita a perspectiva de viver debaixo das botas e provoca a própria morte, em nome do "triunfo da beleza e da justiça". Foi mais ou menos o que fizemos nos anos seguintes, ao lançarmo-nos numa luta impossível de ser vencida -- embora, claro, não nos movesse nenhuma propensão ao suicídio, mas sim a esperança de libertar nosso povo. Tínhamos  fé cega na justeza de nossos ideais, mas a faca amolada, quem a possuía era o inimigo...

O ciclo se fechou com O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1968), um filme feito com a consciência de que era iminente o confronto armado entre a esquerda e a ditadura.

Foi uma profissão de fé na revanche histórica dos humilhados e ofendidos.   

Antônio das Mortes  entra em parafuso, repensa o papel que vinha cumprindo e acaba se reposicionando na trincheira correta, ao lado de um professor ligeiramente inspirado no médico Che Guevara (Othon Bastos) e dos fantasmas do cangaço, de Canudos e de Palmares, todos numa santa união contra o coronelismo personificado por Jofre Soares.  Finalmente, São Jorge crava sua lança no dragão.

Fora das telas, entretanto, quem acabou vencendo foi a besta-fera. E Glauber, como o  Paulo Martins  de Terra em Transe, não reencontrou seu caminho, nem inspiração, em meio à pasmaceira e ao medo.

Fez filmes repetitivos e dispensáveis, até chegar ao fundo do poço: o caótico, no mau sentido, A idade da Terra (1980), tão sem rumo no espaço que o Glauber passou quase um ano tentando montá-lo, até que, por imposição da Embrafilme, entregou qualquer coisa para exibição num festival. Comentei, então, que podíamos entrar e sair no trecho que quiséssemos, dava no mesmo...

Chegou até a levar seu estilo nervoso, com câmara na mão, à TV, fazendo intervenções  criativas  num programa dominical do SBT. Só que, estando aquelas  ousadias  meio gastas, ele foi encarado mais como atração bizarra.

No Festival de Brasília de 1978, o curta-metragem estava começando quando alguém começou a gritar no escuro:
 - Aqui é o Glauber Rocha, falando em nome das aberturas democráticas [a "distensão lenta, gradual e progressiva" do ditador Geisel]. Vim para denunciar o maior dedo-duro da História do  Brasil, que é fulano [nominou o então presidente da Fundação Cultural do Distrito Federal].
Os espectadores o calaram com apupos e berros de "respeita o trabalho dos outros!". Foi embora furibundo.

No dia seguinte, ouvi o acusado. Ele disse que o problema do Glauber era apenas não ter recebido uma subvenção com a qual contava.

Telefonei também ao Glauber, pedindo-lhe uma entrevista. Ele marcou para o começo da tarde, no seu hotel... e decolou para o RJ na hora do almoço.

Mas, todos os que curtimos intensamente o sonho de 1968 ficamos fora do eixo naquela terrível década subsequente - uns mais, outros menos.

Prefiro recordar o Glauber que lavou a minha alma com os três filmes que, até hoje, melhor expressaram o transe brasileiro.

Cai como uma luva, para ele próprio, a estrofe de Mário Faustino que Glauber encaixou em Terra em transe, como um tributo ao seu personagem que também termina como poeta suicida:
"Não conseguiu firmar o nobre pacto
entre o cosmos sangrento e a alma pura.
Porém, não se dobrou perante o facto
da vitória do caos sobre a vontade
augusta de ordenar a criatura
Ao menos: luz ao sul da tempestade.
Gladiador defunto mas intacto
(Tanta violência, mas tanta ternura)"




domingo, 21 de agosto de 2011

EMPRESÁRIOS GANANCIOSOS QUEREM IMPOR RISCO NUCLEAR AOS BRASILEIROS

Professor emérito da USP, o septuagenário Alfredo Bosi lança um alerta importantíssimo contra as pressões empresariais para que sejam impostos aos brasileiros os enormes riscos inerentes à ativação de Angra 3. 

Querem enfiar-nos goela adentro a retomada das obras de uma usina nuclar que tem grande possibilidade de repetir a catástrofe japonesa, como fui dos primeiros a advertir, no artigo Fukushima 1 é uma "bomba relógio dupla". Angra 2 e Angra 3 também, de cinco meses atrás.

Isto seria uma estupidez, uma infâmia e um crime, neste momento em que o mundo começa a acordar do pesadelo nuclear. Daí eu subscrever cada palavra e recomendar máxima divulgação deste artigo.

ANGRA 3 É UMA QUESTÃO ÉTICA
Eis o que poderá acontecer aqui...

O referendo italiano que rejeitou maciçamente as usinas nucleares é modelo de participação popular; talvez seja o caso de imitá-lo aqui

Se a construção de uma usina nuclear fosse apenas uma questão técnica, seria reduzido o número das pessoas capazes de opinar sobre o assunto. Mas os riscos a que estão sujeitas as populações que vivem perto dos reatores são inegáveis. Como nenhum cientista pode afirmar que o risco é zero, a questão passa a ser ética.

Como delegar a sorte de milhares de cidadãos à onipotência de alguns tecnocratas e aos interesses desta ou daquela empresa? Um programa sem o respaldo da opinião pública esclarecida é acintosamente antidemocrático. O referendo italiano que rejeitou maciçamente as usinas nucleares é modelo de participação popular. Talvez seja o caso de imitá-lo.

Na Alemanha, a decisão do governo de suspender o programa nuclear atendeu a um movimento cívico que exige investimento em formas de energia renováveis e seguras. Por que o BNDES se dispõe a malbaratar bilhões de dólares em Angra 3 em vez de aplicar esse capital, arrancado aos contribuintes, na difusão em larga escala daquelas formas de energia?

As empresas nucleares preferem privatizar benefícios e socializar prejuízos, no caso, perigos.

Mas não há dinheiro que possa indenizar câncer hepático ou leucemia nas crianças vítimas dos vazamentos. O cidadão brasileiro tem o direito de perguntar: o que será feito com o lixo de Angra 1, 2 e 3? Que direito temos de legar aos pósteros esse pesadelo?

O presidente Bush autorizou a remoção dos rejeitos para depósitos a serem cavados em Yucca Mountain, mas a população do Estado de Nevada e as comunidades indígenas que lá vivem há séculos rebelaram-se contra uma decisão que violava o seu território. Obama prometeu revogar o decreto do antecessor, mas o impasse continua.

...e qual seria uma consequência.
Físicos da envergadura do saudoso Mário Schenberg (que condenou a instalação de uma usina em Iguape), José Goldemberg, Pinguelli Rosa, Cerqueira Leite, Ildo Sauer e Joaquim Carvalho alertam para o caráter desnecessário da energia nuclear no Brasil. As potencialidades de nossa biomassa, bem como de outras fontes renováveis, fornecem base segura para um desenvolvimento sustentável.

Nossos cientistas são evidentemente favoráveis a pesquisas na área nuclear que tenham aplicações na biologia, na medicina e na agricultura. A energia nuclear é cara. Dados do Greenpeace: 'O preço da tarifa ao consumidor pode sair por US$ 113/MWh, contra US$ 74/ MWh da energia gerada pela biomassa e US$ 82/MWh da eólica'.

Arriscada, desnecessária, cara..., mas dirão que é limpa; desde quando lixo atômico é sinal de limpeza?

O enriquecimento do urânio depende de eletricidade gerada por combustíveis fósseis, como o carvão. Duas das minas de carvão mais poluentes dos Estados Unidos, em Ohio e em Indiana, produzem eletricidade para enriquecer urânio. É o que informa B. Sovacool no número 150 da 'Foreign Policy'.

Enfim, uma boa notícia. A OAB anunciou, em 4 de julho de 2011, que está recorrendo ao Supremo Tribunal Federal exigindo que a eventual retomada das obras de Angra 3 só possa fazer-se com autorização do Congresso Nacional e mediante nova legislação federal.

Assim o requer a Constituição de 1988. Que os parlamentares ouçam a voz dos eleitores e não se dobrem às pressões de empresários gananciosos e políticos desinformados.

sábado, 20 de agosto de 2011

SUPREMAS BATOTAS

Marco Aurélio Mello é o ministro mais brilhante e lúcido do Supremo Tribunal Federal. Foi o que constatei ao acompanhar, do começo ao fim, as quatro tensas sessões do Caso Battisti.

Na primeira, o parecer mais parcial e tendencioso da história do STF, perpetrado por Cezar Peluso, tinha convencido os ministros a revogarem, na prática, a Lei do Refúgio, segundo a qual Battisti deveria ter sido libertado tão logo o ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu o direito de viver e trabalhar no Brasil.

O placar de 5x4 tendia a se repetir na votação sobre o mérito da questão e também no tocante a quem daria a última palavra, se o Supremo ou o presidente da República.

Estava 4x3 a favor dos linchadores e faltavam os votos de Mello e Gilmar Mendes. Então, o ministro carioca pediu vistas e interrompeu o julgamento, evitando que a decisão fosse tomada naquele 9 de setembro de 2009.

Em 12 de novembro o caso voltou à pauta, com Mello proferindo um voto irrefutável, no qual desmontou quase todas as falácias de Peluso. Chegou a indignar-se ao relacionar as dezenas de trechos do processo italiano nos quais estava explicitamente consignado que o crime atribuído a Battista era político (subversão contra o Estado italiano) -- e não comum, como alegava o relator, num contorcionismo para viabilizar a extradição, já que o Brasil, por lei, não extradita perseguidos políticos.

Depois do seu longo voto, empatando o julgamento em 4x4, Mello se desculpou e saiu para atender a um compromisso urgente. A sessão teve de ser interrompida por falta de quórum.

A retomada se deu seis dias depois. Gilmar Mendes, como era favas contadas, desempatou a favor da Itália. Por 5x4 foi autorizada a extradição.

Passou-se à última batalha: o presidente da República deveria apenas providenciar a entrega ou cabia a ele dar a última palavra?

Nos seis dias transcorridos entre a 2ª e a 3ª sessões, entretanto, o ministro Carlos Ayres Britto se deu conta de quão descabido seria usurparem uma tradicional prerrogativa presidencial num sistema presidencialista. E, neste quesito fundamental, frustrou o plano dos linchadores, de  automatizarem  a extradição.

Assim, também por 5x4, a decisão passou às mãos de Lula, que, todos sabíamos, jamais repetiria o trágico erro de Getúlio Vargas -- o qual, acatando recomendação do mesmo STF, acumpliciou-se com a entrega de Olga Benário aos nazistas, ao invés de salvar a vida da mãe de uma criança brasileira. 

Foi nesse exato momento que a batalha se decidiu, encaminhando-se para uma das mais  dramáticas e significativas vitórias da esquerda brasileira nas últimas décadas. A contribuição de Mello para que se evitasse uma injustiça e uma infâmia foi inestimável.

A CHANTAGEM DO SENADOR JECA

Ele também mostrou dignidade ímpar quando o senador estadunidense Frank Lautenberg chantageou o Brasil, exigindo a entrega, a toque de caixa, do menor Sean Goldman ao pai David, caso contrário embargaria a renovação de uma isenção tarifária que beneficiava as exportações brasileiras e estava prestes a expirar. O prejuízo estimado era de cerca de US$ 3 bilhões.

Agindo como jurista e não como um vil entreguista, Mello postergou a decisão para depois do recesso do STF, a fim de que os ministros pudessem ouvir o principal interessado na questão: o menino. Ou seja, mandou às favas o ultimato do senador de Nova Jersey.

Mas, abusando grotescamente do seu poder, Gilmar Mendes, plantonista durante o recesso, cassou a decisão do colega e despachou Sean para os EUA, tranquilizando os exportadores e envergonhando os brasileiros dignos. Passamos recibo de que, dependendo do montante que estiver colocado na mesa, entregamos até nossas crianças.

RELAÇÕES PERIGOSAS

Agora, um advogado requereu o impeachment de Gilmar Mendes sob a acusação de manter conduta inaceitável para um ministro, principalmente no que tange ao relacionamento com o escritório de advocacia que emprega sua esposa e patrocina suas viagens ao exterior.

O Supremo se preparava para arquivar discretamente o pedido -- o processo não foi relacionado na pauta mas, mesmo assim, entrou em julgamento; o sucinto parecer do relator nem sequer mencionou o nome de Gilmar Mendes como acusado; e os ministros proferiam votos curtos e grossos -- quando Mello desafinou o coro dos contentes: pediu vistas.

Aí a imprensa se deu conta do que estava sendo julgado na surdina. E, claro, noticiou a batota.

Agora, ainda que prevaleça o corporativismo togado, os cidadãos brasileiros estarão sabendo como agem os membros da mais alta corte do País quando um deles é colocado na berlinda.

Marco Aurélio Mello, este sim, honra a toga.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

CORRUPTOS, OS ESPANTALHOS ÚTEIS DO CAPITALISMO

"Corrupção mata. Entender isso é fundamental para atacar um dos males que mais empacam o desenvolvimento socioeconômico e político do Brasil" - escreve Marina Silva, que saiu do Partido Verde mas continua patinhando nas águas rasas do reformismo.

Morena Marina, você se pintou... Está repetindo como papagaio a cantilena que convém ao sistema e, por isto mesmo, é martelada dia e noite pela indústria cultural.

O capitalismo, ele sim, mata.

Mesmo que um milagre divino dele extirpasse totalmente a corrupção que lhe é inerente, ainda assim continuaria malbaratando o potencial hoje existente para se proporcionar uma existência digna a cada habitante do planeta. E poderá vir até a causar a extinção da espécie humana, ao submeter nosso meio ambiente ao primado da ganância desmedida.

Jamais, JAMAIS, o prejuízo causado ao cidadão comum pela corrupção e o desperdício em todas as esferas governamentais será remotamente equiparável ao que lhe impõe o parasitismo capitalista em si, começando pelas casas de agiotagem legalizada conhecidas como bancos.

Mas, lembrando o filme Os Suspeitos (d. Bryan Singer, 1995), o grande truque do diabo é fingir que não existe.

Então, a mídia habilmente direciona a ira das massas contra os corruptos que, gerados e mantidos pelo capitalismo, não só lhe servem de biombo, como se revezam no papel de espantalhos úteis.

A contrapartida por seus privilégios é serem obrigados a suportar estigmatizações momentâneas e perda dos cargos, às vezes até uma pequena temporada na prisão, com a garantia de adiante voltarem à tona, belos e lampeiros.

São os títeres utilizados pelo diabo para que o povo não perceba qual é a causa última dos seus males.

E, como tais, preservados por aquele a quem venderam a alma: depois das shakespearianas tempestades de som e fúria significando nada, reassumem discretamente suas posições e não se fala mais nisso.

De Paulo Maluf a Fernando Collor, passando por anões, sanguessugas e mensaleiros, os envolvidos nos episódios mais emblemáticos de corrupção nunca amargaram o ostracismo definitivo. 

Como benefício adicional, a redução da política a um permanente mar de lama é tudo de que precisam os interessados em disseminar o desencanto e o egoísmo, para afastar os trabalhadores dos caminhos que levam à  sua libertação.

Enquanto tal espetáculo de sombras chinesas fornece circo e catarse inócua aos explorados, o capitalismo os continua desgraçando impunemente.

Só mataremos o monstro cortando sua cabeça. Os tentáculos crescem de novo, indefinidamente.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

DITADOR SÍRIO É CLONE DE PINOCHET - 2

Despacho desta 5ª feira da agência espanhola EFE serve como complemento do meu post anterior sobre as indiscutíveis afinidades entre a tirania síria da atualidade e a ditadura do carniceiro Pinochet nas décadas de 1970/80.

Melancolicamente, internautas que se veem como esquerdistas contrapuseram ao meu artigo a velha cantilena de que vale tudo para contrariar os EUA e Israel, inclusive endossar matanças e atrocidades.

Se vivessem no século passado, talvez defendessem Hitler porque estava sendo uma pedra no sapato do Império Britânico...

Essa postura tipicamente stalinista -- lembrem-se, colocando as conveniências soviéticas acima dos princípios revolucionários, Stalin chegou até a pactuar com a Alemanha nazista, que ficou com as garras livres para conquistar a Europa -- torna-nos inconfiáveis aos olhos dos melhores cidadãos. Estes não apoiam genocidas, nem fecham os olhos a massacres.

Eu continuarei fiel à promessa original de Marx: conduzir a humanidade para um estágio superior de civilização... ao qual jamais chegarão os Bashar al-Assads!

O único lugar para tais bestas-feras é a lixeira da História.

ONU: REPRESSÃO NA SÍRIA PODE 
SER CRIME CONTRA A HUMANIDADE

A ONU afirmou nesta quinta-feira que existem indícios de crimes contra a humanidade na sistemática repressão por parte do Governo da Síria das revoltas civis opositoras.

O alto comissariado da ONU para os Direitos Humanos divulgou um relatório que revela inúmeros casos de assassinatos, desaparecimentos, tortura e detenções ilegais no país.

"Foram evidenciados casos de violação de Direitos Humanos, com ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil, que podem representar crimes contra a humanidade, como estabelece o artigo 7 do Estatuto de Roma", afirma o relatório.

A ONU se baseou em declarações de testemunhas de "várias execuções sumárias" no marco da repressão das manifestações contra o regime do presidente Bashar al Assad e oferece as identidades de 353 vítimas dessas execuções.

O Alto Comissariado denuncia também que membros das forças de segurança sírias fizeram-se passar por manifestantes "para estimular os distúrbios" e considera desproporcional a resposta do Governo de Damasco "aos violentos incidentes causados por uma minoria dos participantes de algumas manifestações".

"O uso desproporcional da força por parte do Exército e das forças de segurança sírias vulnera as obrigações internacionais contraídas pela Síria em matéria de Direitos Humanos", acrescenta o organismo das Nações Unidas, que ressalta o espírito "majoritariamente pacífico" dos protestos civis.

O relatório destaca que a maioria de mortes durante as manifestações foram provocadas pelos disparos realizados por forças governamentais, tanto militares quanto policiais, e que existia um "modus operandi" para causar baixas entre os civis.

"Civis foram assassinados pelas tropas no terreno, franco-atiradores que estavam nos telhados e pela força aérea", afirma.

"A existência de uma aparente política de ''disparar para matar'' fica evidente pelo fato de a maioria dos ferimentos de bala nas vítimas estar localizada na cabeça, no peito e em geral na parte superior do corpo", acrescenta.

Além disso, depoimentos de desertores do Exército e de policiais revelaram que eles receberam ordens de utilizar munição real contra os manifestantes.

"Os que não disparavam contra os civis recebiam disparos pelas costas de outros oficiais da segurança ou de unidades dos "shabiha" (pistoleiros do regime)", revelaram.

"Os oficiais disparavam frequentemente de maneira indiscriminada contra os civis, a curta distância e sem aviso prévio. Muitas crianças e mulheres foram assassinadas", denuncia o Alto Comissariado, que também recolheu depoimentos de testemunhas que disseram ter sido frequente o uso de tanques, helicópteros e metralhadoras em áreas urbanas de todo o país. (fonte: Agência EFE)
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