domingo, 31 de julho de 2011

QUEM CHOCOU O OVO DA SERPENTE?

Muito esclarecedora a análise enviada de Berlim para a Folha.com por Carolina Vila-Nova, Europa foca islã e deixa de ver extremismo de direita. Eis os trechos principais: 
"Nos últimos dez anos, seguindo a orientação da política externa americana, a Europa centrou sua atenção no combate ao extremismo islâmico e subestimou a ameaça potencial da extrema direita, deixando de monitorar seu crescimento na região.
Um desses radicais, Anders Breivik, chocou a até então estável Noruega no último dia 22 com dois ataques que mataram 77 pessoas.
...enquanto a Europa investigava as comunidades muçulmanas - e fomentava indiretamente a islamofobia, base da extrema direita -, vários países tiveram aumento da representação de partidos de direita populista em escala nacional e da ocorrência de atos de extremismo.
'...demos uma atenção exagerada às comunidades islâmicas aqui', avalia Joerg Forbrig, do German Marshall Fund em Berlim.
'Seguimos a agenda ditada pelos EUA, (...) mas não analisamos a situação regional bem o suficiente para transformar isso também em prioridade', diz.
O cientista político da Universidade Livre de Berlim Hajo Funke diz que 'nos últimos anos, o cenário da extrema direita na Alemanha cresceu em termos de atos de violência, lenta mas firmemente, havendo cerca de mil casos por ano'. Segundo ele, 'desde a reunificação, do país, em 1990, mais de 300 pessoas já foram mortas nessas ações'.
O mapa da extrema direita é bem diverso ao redor da Europa. Em alguns países, seu crescimento é ilustrado pela participação de partidos no governo ou no Parlamento em proporções inéditas - na casa dos dois dígitos. É o caso de Itália e Holanda.
Em outros países, houve um aumento da ação extremista que não se traduziu em aumento da representação política, como na Alemanha.
Há um terceiro grupo de países em que ambos os fenômenos se articularam, como Áustria, Hungria e a Escandinávia de modo geral.

Embora bebam de um repertório ideológico comum - anti-imigração, anti-integração, anti-Islã -, há também diferenças regionais.

No Leste Europeu, onde há poucos imigrantes e poucos muçulmanos, o alvo preferencial dos extremistas são minorias tradicionais, como ciganos e judeus - casos de Bulgária, Romênia, Hungria.

Já no norte europeu, o movimento aparece como uma reação a políticas que favoreceram a chegada de refugiados e migrantes econômicos, muitos muçulmanos - casos de Dinamarca e Holanda.

Para Forbrig, 'esses partidos responderam a incertezas e medos da sociedade europeia. São países que passaram por mudanças maciças nos últimos 20 anos'.

Na análise do especialista, 'o aumento da imigração traz uma diversidade que confronta as pessoas. Há dúvidas sobre a capacidade de integração dos migrantes, temor da presença de muçulmanos e do fundamentalismo islâmico e preocupação com a crise econômica e o futuro'.

Uma explicação para o crescimento dos partidos de direita é que 'eles souberam responder a esses medos...'".
Nenhuma surpresa: açular o lumpesinato contra os judeus, concentrando neles a responsabilidade pela hiperinflação e a penúria sobrevindas após a derrota na 1ª Guerra Mundial, foi a bandeira que levou a extrema-direita alemã ao poder.

O antissemitismo já era sua palavra de ordem nº 1 quando um obscuro cabo começou a discursar nas cervejarias e rapidamente afirmou-se como o mais eloquente porta-voz da intolerância.

Quase um século depois, a mesma prática de canalizar as insatisfações generalizadas contra um bode expiatório de ocasião produziu o mesmo resultado: carnificina.

Só que as fúteis tentativas de repetir a História tendem a terminar em farsas, ainda que sangrentas. Não houve ninguém capaz de lançar-se como o novo Hitler e o candidato a Benito Mussolini redivido acabou revelando uma constrangedora afinidade com um personagem mais antigo: Caio Júlio César Augusto Germânico, mais conhecido pelo apelido de Calígula.

sábado, 30 de julho de 2011

BAÚ DO CELSÃO: O TORTURADOR QUE VIROU BICHEIRO

Escrevi o artigo abaixo em abril/2007. Mais de quatro anos depois, continua 
tudo praticamente na mesma, com o personagem principal se mantendo 
como um dos principais chefões da jogatina ilegal em Niterói e 
sendo um grande financiador de escolas de samba.

EX-TORTURADOR É CHEFÃO DA MÁFIA DO BINGO

Uma de suas muitas detenções,
em 2007; acaba sempre saindo.
Mais uma vez o ex-capitão do Exército Ailton Guimarães Jorge freqüenta o noticiário policial, agora como um dos 25 contraventores cuja prisão foi pedida pela Polícia Federal, sob a acusação de explorarem jogos de azar no País, inclusive subornando membros do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, ele já havia sido condenado em 1993 por envolvimento com o jogo-do-bicho, ao lado de outros 13  banqueiros, pela juíza Denise Frossard. Sabia-se que eles todos eram responsáveis por, pelo menos, 53 mortes.

Pegaram seis anos de prisão cada, a pena máxima por formação de quadrilha. Mas, em dezembro de 1996 estavam todos de volta às ruas, beneficiados por liberdade condicional ou indultos.

Não são só os crimes atuais que fazem do  Capitão Guimarães  um personagem emblemático do que há de pior neste país. Ele é o mais notório exemplo vivo do banditismo inerente aos órgãos de repressão da ditadura militar.

A outra celebridade capaz de rivalizar com ele nesse quesito já morreu, ao que tudo indica como um  arquivo apagado  pelos próprios cúmplices: o delegado Sérgio Paranhos Fleury, em cujo benefício os militares chegaram até a criar uma lei, com o único propósito de mantê-lo fora das grades.

O Capitão Guimarães atuava na II seção (Inteligência) da PE da Vila Militar (RJ), que, como todas as equipes de torturadores da ditadura, auferia ganhos substanciais ao capturar ou matar militantes revolucionários.

Tudo que era apreendido com os resistentes e tivesse algum valor, virava butim a ser rateado entre aqueles rapinantes. Jamais cogitavam, p. ex., devolver o dinheiro aos bancos que haviam sido  expropriados  pelos guerrilheiros urbanos. Numerário, veículos, armas e até objetos de uso pessoal iam sempre para a  caixinha  do bando. De mim, até os óculos roubaram.

Havia também as vultosas recompensas oferecidas pelos empresários fascistas. Estes acertaram inclusive uma tabela com os órgãos de repressão: dirigente revolucionário preso valia tanto; integrante de  grupo de fogo, um pouco menos, e assim por diante.

Depois desta edição da Veja, a
censura no Brasil passou a ser total
Ocorre que, em novembro de 1969, como conseqüência das torturas aplicadas por Ailton Guimarães Jorge e seus comparsas, morreu o estudante Chael Charles Schreier. O episódio repercutiu pessimamente no mundo inteiro e no próprio Brasil, onde a revista Veja fez uma matéria-de-capa histórica sobre as torturas.

As Forças Armadas decidiram, então, proibir que a unidade de Inteligência de cada Arma fosse à caça por sua própria conta. 

Unificaram o combate à luta armada no quartel da PE da rua Barão de Mesquita (Tijuca), que passou a ser a sede do DOI-Codi/RJ, integrado por oficiais da II Seção do Exército, do Serviço de Informações da Aeronáutica (Sisa) e do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), mais investigadores da polícia civil.

A equipe do Ailton Guimarães Jorge, até como punição pela morte do Schreier, foi alijada desse vantajoso esquema. Então, quando cheguei preso lá, em junho de 1970, aqueles rapinantes estavam desesperados com a falta de grana.

Tinham se habituado a um padrão de vida mais elevado e já não conseguiam subsistir apenas com o soldo. Tentavam de todas as maneiras convencer seus superiores de que mereciam ser readmitidos no combate à luta armada, em vão.

Foi por isso que, em 1974, a equipe de torturadores da PE da Vila Militar envolveu-se com contrabandistas: como forma de obter a renda adicional que tanto lhe fazia falta. 

Mas, tornaram-se ambiciosos demais. Tentaram roubar dos outros bandidos uma carga particularmente valiosa, houve troca de tiros e a matéria fecal foi para o ventilador...  

O Exército instaurou um Inquérito Policial-Militar contra soldados, cabos, sargentos e quatro oficiais, inclusive o tenente Ailton Joaquim (um dos 10 piores torturadores do período, segundo o Tortura Nunca Mais) e o capitão Aílton Guimarães Jorge.

Justiça poética – As investigações foram conduzidas com o método que o Exército invariavelmente utilizava. Então, aqueles notórios torturadores acabaram conhecendo na própria pele a tortura. Houve até caso de assédio sexual à esposa de um dos acusados, por parte dos seus próprios colegas de farda!

Como o Élio Gaspari relata em A ditadura escancarada, o caso acabou, entretanto, em pizza:
"Todos os indiciados disseram em juízo que o coronel do 1PM lhes extorquira as confissões. A maioria deles sustentou que, surrados, assinaram os papéis sem lê-los. Num procedimento inédito, os oficiais do Conselho de Justiça decidiram que o processo tramitaria em segredo. Durante o julgamento a promotoria jogou a toalha, e, em maio de 1979, os 21 acusados foram absolvidos. 
O caso voltou ao STM, cinco ministros recusaram-se a relatá-lo, e, por unanimidade, confirmou-se a absolvição. 
O Superior Tribunal Militar, hoje.
Nos anos 70, inocentou a gangue da PE.
A sentença baseou-se num só argumento: ‘Tudo o que se apurou nestes autos, o foi, exclusivamente, através de confissões, declarações e depoimentos extrajudiciais, retratados e desmentidos posteriormente em juízo, sob a alegação de violências e ameaças praticadas durante o IPM'".
Ora, todos os IPMs instaurados contra os resistentes poderiam ser anulados pelos mesmíssimos motivos. Dois pesos, duas medidas.

A carreira militar do Capitão Guimarães, ficou, entretanto, comprometida. Nos quartéis, ele seria sempre visto como ovelha negra e apenas tolerado. Então, pediu baixa e foi capitanear o jogo-do-bicho, conforme narra o Gaspari:
"Coube ao bicheiro Tio Patinhas consertar a vida de Ailton Guimarães Jorge. (...) O processo do contrabando ainda tramitava (...) quando ele se transferiu formalmente para a contravenção, levando a patente por apelido e diversos colegas como colaboradores. 

Começou como gerente do banqueiro Guto, sob cujo controle estavam quatro municípios fluminenses. Um dia três visitantes misteriosos tiraram Guto de casa e sumiram com ele. (...) Tio Patinhas passou-lhe a banca. 

Em três anos o Capitão Guimarães foi de tenente a general, sentando-se no conselho dos sete grandes do bicho, redigindo as atas das reuniões, delimitando as zonas dos pequenos banqueiros. Seu território estendeu-se de Niterói ao Espírito Santo. 

Seguindo a etiqueta de legitimação social de seus pares, apadrinhou a escola de samba Unidos de Vila Isabel e virou a maior autoridade do Carnaval, presidindo a liga das escolas do Rio de Janeiro. 

Rico e famoso, adquiriu uma aparência de árvore de Natal pelas cores de suas roupas e pelo ouro de seus cordões. Tornou-se um dos mais conhecidos comandantes da contravenção carioca.
Tão desfigurado o Eremias ficou que
a repressão anunciou o morto errado
Do seu tempo da PE ficou-lhe o guarda-costas, um imenso ex-cabo que, como ele, começara no crime organizado da repressão política".
Esse cabo, Marco Antônio Povorelli, pesava 140 quilos e lutava judô. No final de 1969, ao tentar prender meu companheiro Eremias Delizoicov, que tinha apenas 18 anos, foi por ele atingido com um disparo no braço. 

Povorelli e os outros torturadores/meliantes retalharam então o Eremias com 35 tiros, tornando impossível até sua identificação (só souberam quem era pelas digitais).

Depois, em junho de 1970, unicamente por ter sabido que eu era amigo do Eremias desde a infância, ele fez questão de vingar-se em mim pelo final prematuro de sua carreira de judoca: estourou meu tímpano com um fortíssimo tapa de mão aberta. Nunca mais tive audição normal, apesar das três cirurgias por que passei.

Eram esses os ratos de esgoto dos quais a ditadura servia-se para combater os heróis e mártires da resistência.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O SAMBA DOS FASCISTAS DOIDOS

"Joaquim José,
que também é da Silva Xavier,
queria ser dono do mundo
e se elegeu Pedro Segundo.

Das estradas de Minas,
seguiu pra São Paulo
e falou com Anchieta.

O vigário dos índios
aliou-se a D. Pedro
e acabou com a falceta.

Da união deles dois
ficou resolvida a questão
e foi proclamada a escravidão"
(Sérgio Porto,
Samba do crioulo doido)

A companheira Flávia Leitão chamou minha atenção para uma nova trincheira virtual da extrema-direita: a picaretagem futurológica.

Como principal vedete da nova tendência, ela aponta Laura Botelho, cujo blogue é este aqui  

Eis alguns trechos do que a Flávia me relatou:
"Ela é uma espécie de guru em profecias apocalípticas para o ano que vem.

Tem a cara de pau de dizer às pessoas que elas devem morrer para passar a outro estado de consciência, quando o mundo, daqui a alguns meses, tornar-se palco de guerras e catástrofes. Aconselha as pessoas a não procurarem ajuda de espécie nenhuma em momentos de aflição, a se deixarem morrer!!!

Ela também é bastante mencionada em outros blogues (nos quais ela usa codinomes diferentes) e numa comunidade do Orkut chamada Profecia Maia 2012.

Aliás, o Olavo de Carvalho é um 'mestre' reverenciado pelos membros dessa comunidade.

Pode ser paranóia mas, esses 'gurus' fascistas estão fazendo uma gororoba horrível com assuntos sobre 2012, guerras contra extraterrestres, teorias de conspirações, arqueologia, etc.
E indicam alguns vídeos e áudios sobre conspirações como as que a Laura Botelho sugere sobre o Lula, a Dilma e o Battisti".
Curioso, fui verificar o que havia sobre o Cesare e encontrei isto aqui:
"PAC - Proletários Armados pelo Comunismo - Proletari Armati per il comunismo -  foi um  grupo armado fundado em 1977 na Inglaterra (sic!) e dissolveu se três anos mais tarde. O tal terrorista, assassino e combatente do PAC - Cesare Battisti - fazia parte desse grupo.

Você faz idéia do que esse sujeito sabe sobre 'guerrilhas' urbanas? Sobre seus participantes na história do comunismo e ditadura no mundo?

Pois é... pense nisso. Ele não está aqui à toa. Veio a serviço.

Temos que ir atrás das 'baleias', pois elas são muitas e são grandes!!!  Se você não as vê, não é porque não existam, apenas você não tem informação sobre elas.

É hora de acordar para ver as BALEIAS!!!"
Fica o registro. Não devemos subestimar tais maluquices, pois é deste caldo de cultura que surgem terroristas ensandecidos como o norueguês.

Vale lembrar que já houve um bizarro episódio histórico no Brasil envolvendo um debilóide da mesma laia (tanto que também era obcecado por discos voadores) e a extrema-direita.

Em 1968, os militares da chamada  linha dura  estavam empenhados em radicalizar ainda mais o regime, promovendo o fechamento total (que acabaria vindo com o AI-5). Então, incentivaram um lunático chamado Aladino Félix, vulgo  Sábado Dinotos, a efetuar ações armadas, espalhando panfletos fajutos nos locais para que elas fossem imputadas à esquerda. Uma versão tupiniquim do incêndio do Reichstag, enfim.

Liderando um bando de soldados e sargentos da Força Pública, a Polícia Militar da época, Félix (foto) foi responsável por 12 explosões de bombas e um assalto a banco. A ação mais espetaculosa: mandar pelos ares alguns carros do estacionamento localizado diante do prédio do Deops.

Os aprendizes de feiticeiros eram descuidados: uma unidade policial alheia ao esquema de acobertamento prendeu o guru.

E este. ao ser torturado, confessou que agira sob orientação do general Jayme Portela, chefe da Casa Militar da Presidência da República...

quinta-feira, 28 de julho de 2011

FUTEBOL DE SONHO

Não é só o Barcelona que mantém viva a arte futebolística: nesta 4ª feira Santos e Flamengo nos conduziram num túnel do tempo, de volta à gloriosa década de 1960, quando partidas decisivas terminavam com placares elásticos como Santos 7x4 Corinthians (1964) e Cruzeiro 6x2 Santos (1966).

Foram magníficos os lampejos do garoto Neymar, autor do mais belo gol deste Brasileirão, o terceiro do Santos.

E se viu a diferença entre nossa mais brilhante revelação e o craque amadurecido, completo: Ronaldinho Gaúcho não só foi o maestro do Flamengo, criador das principais ações ofensivas, como marcou os três tentos que acabaram sendo determinantes da vitória rubronegra. 


O quarto do Flamengo foi um primor de habilidade e inteligência: sabendo que os jogadores da barreira santista saltariam, cobrou a falta com um chute rasteiro, que passou por baixo deles.

Marcelinho Carioca também inventou um macete desses: ameaçava chutar, mas refugava. Os zagueiros pulavam e, quando estavam descendo, viam passar o arremate pouco acima de suas cabeças.

Assistindo ao maravilhoso Santos 4x5 Flamengo, com direito a um sem-número de outros lances perigosos e a um pênalti desperdiçado, fiquei me lembrando do Mundial que jogamos no lixo porque o técnico cabeçudo abriu mão dos fulgurantes talentos de Ronaldinho Gaúcho e Neymar.

Dunga bem merece o ostracismo no qual se encontra.

UM FILHO DA PÁTRIA QUE FOGE À LUTA: BRILHANTE USTRA

Embora adorem cerimônias cívicas e hinos, os militares brasileiros nem sempre se colocam à altura dos modelos que cultuam.

O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra -- aquele que, segundo a frase imortal do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, “emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar” -- faz jus ao nome: fecha-se como uma ostra quando confrontado com seus  feitos. A ele não se aplica o "verás que um filho teu não foge à luta". Nem de longe.

Desde que a atriz Bete Mendes, ainda no (des)Governo Sarney, o identificou como o antigo comandante do DOI-Codi, principal centro de torturas paulista durante os  anos de chumbo, Ustra evita o confronto com seus acusadores. Alega inocência, mas age como o culpado que, indubitavelmente, é.

Baseia-se nos relatórios secretos militares -- aqueles que o Governo nunca consegue encontrar, mas a extrema-direita virtual utiliza dia e noite como munição propagandística -- para escrever livros e artigos que, fosse este um país sério, acarretariam a ele punição idêntica às impostas no 1º mundo a quem nega a existência do Holocausto.

Pois é exatamente isto o que Ustra faz por aqui: ataca as vítimas de um genocídio, tentando desacreditá-las para tornar menos chocantes os atos praticados por seus algozes, esbirros de uma tirania tão bestial quanto boçal.

Suas bravatas, contudo, restringem-se ao teclado e aos discursos falaciosos que profere quando  desagravado  por seus pares no Clube Militar. Os veteranos do arbítrio ajudam uns aos outros, no afã de evitar que os esqueletos saiam de seus abarrotados armários.

Da prova dos nove no único campo de honra que restou, a Justiça, ele quer distância. Alega que sufocaram sua verdade mas, quando teve a oportunidade de a expor, preferiu orientar seu advogado a tentar, de todas as maneiras, obter o arquivamento, sem julgamento do mérito da questão, do primeiro processo que lhe foi movido pela irmã e pela ex-companheira de Luiz Eduardo Merlino.

A defesa chutou em todas as direções: desde que Angela Mendes de Almeida não comprovara a união com o jornalista assassinado no DOI-Codi (perseguidos políticos têm obrigatoriamente de se casar, mesmo durante uma terrível ditadura?!) até que a ação carecia de razão de ser, pois só visava obter uma declaração de que Ustra era assassino, sem pleitear qualquer forma de reparação.

A primeira saída pela tangente foi impugnada pela corte, mas a segunda colou. Então, Ustra preferiu ver extinto o processo em função de uma filigrana jurídica do que sustentar a própria inocência. Para bom entendedor...

Pior ainda fez no processo que lhe movia, também em 2008, a Família Teles: quis escapar à responsabilidade por seus atos, transferindo-a totalmente para a  gloriosa  corporação, ao protocolar uma contestação segundo a qual "agiu como representante do Exército, no soberano exercício da segurança nacional".

Ou seja, sugeriu formalmente que o Exército tomasse seu lugar no banco dos réus, conforme se constata neste trecho:
"O Exército brasileiro é uma pessoa jurídica, sendo que, pelos atos ilícitos, inclusive os atos causadores de dano moral, praticados por agentes de pessoas de direito público, respondem estas pessoas jurídicas e não o agente contra o qual têm elas direito regressivo. (...) Todas as vezes que um oficial do Exército brasileiro agir no exercício de sua funções, estará atraindo a responsabilidade do Estado".
A corte, certamente inspirada em exemplos como o do julgamento dos dirigentes nazistas em Nuremberg, declarou Ustra torturador, pois há uma responsabilidade pessoal e intransferível, sim, em quem cumpre ordens que constituem crime contra a humanidade.

Agora, na segunda ação relativa ao assassinato de Merlino -- desta vez por danos morais --, Ustra não teve sequer a coragem de se colocar frente a frente com seus acusadores, olho no olho. Optou por não comparecer à audiência desta 4ª feira em São Paulo.

As seis testemunhas -- inclusive o antigo titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi -- confirmaram que Merlino foi barbaramente torturado sob as ordens e com a participação de Ustra, daí decorrendo a gangrena nas duas pernas e a morte.

E o próprio advogado do torturador, Paulo Esteves, admite implicitamente a culpa do seu cliente, como se depreende da notícia publicada na Folha de S. Paulo:
"Esteves disse que o principal (sic) argumento da defesa do ex-chefe do órgão repressor na ação é que, caso tivessem ocorrido de fato os crimes, eles já estariam prescritos e, por isso, Ustra não poderia ser punido".
Evidentemente, o eminente jurista Fábio Konder Comparato replicará que assassinato decorrente de tortura é, tanto quanto a própria tortura, crime hediondo e imprescritível.

Mas, importante mesmo é a atitude.

A Pátria e o Exército de Caxias estão constatando que têm, sim, filhos que fogem à luta, da forma mais vexatória, como coelhos assustados.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

DIANTE DA LEI (HOJE)

Diante da lei está um porteiro. Um cidadão de país dito democrático chega a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que, por determinação da juíza, não pode permitir-lhe a entrada.

Quase um século depois, vi-me repetindo o enredo kafkiano.

A porta em questão foi a da 20ª Vara Cível, no Fórum João Mendes.

E eu não me conformei em esperar, como o fictício homem do campo da Checoslováquia; pedi ao porteiro que transmitisse à juíza minha solicitação de ingresso.

Ele tinha em mãos a lista dos poucos que poderiam ser admitidos na audiência de testemunhas de acusação contra o coronel reformado Carlos Brilhante Ustra, na ação por danos morais que lhe movem a irmã e a antiga companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino.

Gato escaldado por uma má experiência em Brasília -- tive de sair correndo até a Cia. do Terno para poder assistir ao julgamento de Cesare Battisti no STF, já que calça e casaco não bastavam --, cheguei cedo e com traje formal completo, inclusive gravata. Sacrifício inútil.

A desculpa para manter imprensa e público do lado de fora foi a exiguidade de espaço.

Como se isto fosse motivo suficiente para tornar  fechada  uma audiência aberta!

Aleguei ser defensor dos direitos humanos e veterano da resistência ao arbítrio, reconhecido por dois governos como vítima da ditadura.

Aleguei ter estado preso no DOI-Codi que Brilhante Ustra comandou, terrível centro de torturas e palco de cruéis assassinatos.

Aleguei ter perdido amigos e companheiros queridos nas mãos de carrascos como o que está sendo processado.

O porteiro voltou com a resposta da juíza: infelizmente não havia mesmo espaço, blablablá, e depois seria entregue um relato aos interessados. [Evidentemente em juridiquês, ou seja, frio como gelo...]

Fiquei curioso: quem era, afinal, esta juíza que tão insensivelmente me batia com a porta da lei na cara?

Consultei o Google e fiquei sabendo que foi aprovada no vestibular de 1995.

Talvez nem tivesse nascido quando eu quase morria no DOI-Codi do Rio de Janeiro, irmão gêmeo daquele que Brilhante Ustra comandou na rua Tutóia.

Quando aproximadamente 20 companheiros que conheci pessoalmente -- um deles meu amigo de infância -- eram assassinados pelas bestas-feras do arbítrio.

Quando juiz nenhum ousava ir nos porões onde seres humanos éramos massacrados.

E são tão poucos os que hoje reconhecem o heroísmo dos heróis e o martírio dos mártires!

E são tantos os indiferentes à luta quase suicida que travamos para livrar o Brasil do despostimo (ou, pelo menos, evitar que o povo brasileiro carregasse o opróbrio de haver docilmente consentido em ser tiranizado)!

Não, senhora juíza, nós merecemos respeito.

Se já nos negam o direito de ver exemplarmente punidos aqueles que nos torturaram e trucidaram nossos irmãos de ideais, que, pelo menos, esses monstros respondam por seus crimes no tribunal das consciências.

Que todos saibam -- que as novas gerações, principalmente, saibam  -- quem foi Brilhante Ustra e o festival de horrores que ele comandou, pela boca de suas vítimas -- as quais, elas sim, passaram muito tempo obrigadas a  sufocar  sua  verdade, quase enlouquecendo de tanta dor e tanta raiva!

O grito é tudo que nos resta, agora. E se gritamos, é para sermos escutados.

Até isto V. Ex.ª  nos tirou, senhora juíza, ao trancar a porta do seu tribunal, impedindo que fossem ouvidos de viva voz os torturados e que a imprensa transmitisse toda a carga emocional da audiência!

Muitos silenciavam sobre as atrocidades durante os anos de chumbo. Em 1985, eu acreditei que nunca mais me depararia com este silêncio cúmplice.

Hoje, não tenho mais tal certeza. Só imenso pesar e extrema indignação.

DIANTE DA LEI (ONTEM)

(conto magistral de Franz Kafka, 
escrito em Praga, entre 1914 e 1915)

Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se, então, poderá entrar mais tarde.

É possível - diz o porteiro - mas agora não.

Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:

Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas, veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.

O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta.

Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. 

O homem, que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:

Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.

Durante todos esses anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. 

Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião.

Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. 

Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:

O que é que você ainda quer saber? - pergunta o porteiro. Você é insaciável.

Todos aspiram à lei - diz o homem. Como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?

O porteiro percebe que o homem já está no fim e, para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra:

Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e a fecho.

PODVAL DÁ O SERVIÇO E DEIXA TOFFOLI EM TOGA JUSTA

Confirmado o óbvio: o criminalista Roberto Podval admitiu ao repórter Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo, ter sido ele quem bancou a hospedagem do ministro José Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, num nababesco hotel da ilha italiana de Capri.

Cidadãos perspicazes tiveram a certeza disto logo no primeiro momento, quando Toffoli afirmou ter pagado ele próprio as passagens aéreas, calando-se, entretanto, sobre a conta do Capri Palace Hotel (cujas diárias variam de R$ 1.400 a R$ 13,3 mil).

Como Podval, num primeiro momento, também se recusara a tocar no assunto, nada mais fácil do que depreender-se a verdade.

Para o criminalista, "não há impedimento legal" em agraciar velhos amigos e o fato de Toffoli estar relatando casos em que ele atua como advogado é irrelevante:
"Quem me conhece sabe que não faço e nem sei fazer lobby. Seria absurdo acreditar que convidei o ministro com interesse em alguma causa".
O representante da caserna no Ministério de Dilma Rousseff, o inacreditável Nelson Jobim, também saiu em defesa de Toffoli, na mesma entrevista em que trombeteou ter sido eleitor de José Serra na última eleição:
"É uma decisão pessoal. Conheço muito bem o Toffoli, ele tem absoluta independência".
Parece a ninguém ocorrer que uma atitude destas -- cabular um julgamento pelo fútil motivo de assistir a um casório -- constitui, nada mais, nada menos, um escárnio aos trabalhadores Ainda mais partindo de um ministro da mais alta corte do País.

Se ela for considerada normal e válida, a Justiça Trabalhista jamais poderá aceitar de novo que faltas injustificadas ao trabalho tenham como consequência a demissão por justa causa. A lei não é igual para todos?

E, dê ou não alguma contrapartida, um magistrado não pode, jamais, aceitar favores e agrados de quem está envolvido nos processos que ele julga. Isto é o óbvio ululante.

Ficando provado que Toffoli não favoreceu, como ministro, os interesses de Podval, ainda assim não poderá deixar de receber a mais severa admoestação, por sua conduta gritantemente antiética.

Se houver prevaricado, tem de não só sofrer processo de impeachment, como ser processado criminalmente pelo Ministério Público Federal.

"Seja, porém, o vosso falar: sim, sim; não, não. Pois todo o mais será sugerido pelo Maligno." (Mateus, 5:37)

HOJE É DIA DE OUVIRMOS A VERDADE SOBRE O DOI-CODI DE USTRA

Serão ouvidas hoje (27/07) as testemunhas arroladas pela Família Merlino na ação por danos morais que move contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusando-o de responsável pelo assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino nas dependências do DOI-Codi/SP, que ele comandava, há exatas quatro décadas.

A audiência terá lugar no Fórum João Mendes, no centro velho de São Paulo, a partir das 14h30. Vão depor Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho, Leane de Almeida, Otacílio Cecchini e Ricardo Prata Soares, que foram companheiros de militância de Merlino no Partido Operário Comunista; o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vanucchi; e o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos.

Eis um bom relato do Coletivo Merlino sobre os motivos e antecedentes dessa batalha judicial:
"Inconformada [com a impunidade dos torturadores dos anos de chumbo, sacramentada pelo STF], a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado em 19 julho de 1971 nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, retomando a digna luta de sua mãe, D. Iracema, moveu, em 2008, uma ação declaratória na área cível contra o coronel reformado do Exército Brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra.

A ação, subscrita pelos advogados Fábio Konder Comparato e Anibal Castro de Sousa, não pretendia nenhuma indenização pecuniária. Angela Mendes de Almeida, ex-companheira do jornalista, e Regina Merlino Dias de Almeida, sua irmã, pretendiam apenas o reconhecimento moral de que ele foi morto em decorrência das terríveis torturas que sofreu nas dependências do DOI-Codi de São Paulo. O coronel Ustra foi comandante daquele destacamento de outubro de 1969 a dezembro de 1973.
 Durante esse período estiveram presas nessa unidade cerca de 2 mil pessoas. Entre elas, 502 denunciaram torturas e pelo menos 40 foram assassinadas.
Luiz Eduardo Merlino tinha 23 anos e era um rapaz bonito e talentoso. Ainda que jovem já havia construído uma brilhante trajetória profissional como jornalista no Jornal da Tarde, na Folha da Tarde e no Jornal do Bairro, bem como no jornal alternativo Amanhã.
Merlino: torturado até a morte
  Era um militante admirado e combativo do POC (Partido Operário Comunista) e acabava de voltar de uma viagem à França, feita para estreitar contatos com a IV Internacional.
Foi preso em casa de sua mãe, em Santos, dia 15 de julho de 1971, levado para o DOI-CODI de São Paulo, na Rua Tutóia, onde, conforme o livro Direito à Memória e à Verdade, editado pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça, 'foi torturado por cerca de 24 horas ininterruptas e abandonado numa solitária, a chamada  cela-forte, ou  x-zero’.

Em 19 de julho a família recebeu a notícia de que ele tinha se suicidado, jogando-se embaixo de um carro na BR-116, na altura de Jacupiranga, quando estaria sendo conduzido ao Rio Grande do Sul para 'reconhecer' companheiros. O laudo necroscópico atestando esta versão foi assinado pelos médicos legistas Isaac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini.
Porém o corpo não aparecia. Apesar disso familiares localizaram o corpo de Merlino no IML de São Paulo, com marcas de tortura, numa gaveta, sem nome. Depois disso o caixão foi entregue à família fechado.
Diversos militantes denunciaram, na Justiça Militar e em várias ocasiões, sua tortura e seu abandono, particularmente Guido Rocha, que esteve com ele na  cela-forte...
A ação declaratória para o caso Merlino, proposta em 22 de outubro de 2007 e acolhida em 8 de abril de 2008 pelo juiz Carlos Abrão,  corria na 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo... Mas o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou um agravo de instrumento do advogado do torturador Ustra, suspendendo o processo.

Em seguida, (...) três desembargadores manifestaram-se sobre o agravo interposto pelo advogado de Ustra. Por dois votos contra um aceitaram tal ponto de vista e o processo foi extinto. Através de seus advogados, os familiares de Merlino recorreram então ao Superior Tribunal de Justiça, mas o relator do caso não considerou o recurso, que foi então arquivado em março de 2010.

A ação declaratória na área cível tem sido o recurso que familiares de mortos e desaparecidos têm utilizado para que o Estado brasileiro seja considerado responsável por estes crimes, já que a via penal está bloqueada. Boa parte das decisões foi favorável a este reconhecimento.

A primeira ação declaratória que, para além do Estado, apontava como responsável por torturas o coronel Ustra foi movida pela família Teles (Amelinha, César e Criméia) e teve decisão favorável no julgamento em primeira instância, em 2008.

No entanto, o processo do mesmo tipo no caso da morte de Merlino foi extinto na primeira instância, não chegando sequer a ser julgado em seu mérito. A decisão já relatada do Tribunal de Justiça de São Paulo, posteriormente encampada pelo STF, baseou-se em um argumento  técnico, o de que uma ação declaratória não era propícia para estabelecer 'uma relação jurídica' entre o réu, Ustra, e as proponentes, pois o que se pretendia era, na verdade,  'a declaração da existência de um fato'.
A Justiça o declarou 'torturador'.
E poderá acrescentar 'assassino'
 Haveria 'falta de interesse de agir' das proponentes da ação, já que não pretenderiam extrair da sentença nenhuma consequência, como por exemplo, uma indenização.
Os dois votos pela extinção deixaram claro seu aspecto  técnico, não implicando  nenhum juízo de valor sobre qualquer ato supostamente praticado pelo réu.

Por isso, em 2010, os advogados dos familiares de Merlino (Fábio Comparato, Claudineu de Melo e Anibal Castro de Sousa) entraram com uma nova ação, ainda na área cível, contra o coronel Ustra, que implica em um ressarcimento por danos morais.

Esses são os meandros da Justiça brasileira e os caminhos  técnicos  na área jurídica que se impõem para que seja possível conhecer a verdade. Esses são os limites colocados pela Lei de Anistia e pela decisão do STF.

Nenhum ressarcimento ou reparação paga uma vida ceifada. Memória, verdade e justiça são os objetivos que devem ser fixados no horizonte para um Brasil livre da impunidade para com o terrorismo de Estado".

SOLIDARIEDADE A RUI MARTINS

Conclamo os companheiros a oferecerem ao valoroso Rui Martins a solidariedade que ele sempre dedicou às causas justas, aderindo ao abaixo-assinado (acesse aqui) contra a intenção de o afastarem, cassarem ou expulsarem do Conselho de Emigrantes .

Acertadamente, o texto da petição apresenta tal represália às críticas pertinentes de Rui como "um atentado à liberdade de expressão garantida pela nossa democracia" e "um ato de inquisitorial de intolerância que deve ser repudiado, para não se transformar num perigoso precedente de retorno a métodos de um passado ainda recente".

terça-feira, 26 de julho de 2011

RESCALDO DE UM ATENTADO DEBILÓIDE

O filósofo Vladimir Safatle continua sendo responsável por alguns dos fugazes lampejos de vida inteligente que ainda encontram brecha no  inferno pamonha  engendrado pela indústria cultural.

No artigo Um fantasma na Europa, ele disseca o atentado norueguês com base nas leituras que Theodor Adorno e Max Horkheimer fizeram do totalitarismo contemporâneo, acertando na mosca:
"...o fascismo conseguira se colocar como um modelo de forma de vida. No caso, uma forma de vida constituída através da transformação de comportamentos patológicos em norma social, de temáticas que normalmente aparecem em delírios paranoicos no conteúdo de discursos políticos tacitamente aceitos.

Assim, delírios de perseguição se normalizavam por meio da crença de que um elemento estranho estava infectando a bela totalidade de nosso corpo social. Elemento que destruiria, com o beneplácito de cosmopolitas ingênuos, nosso caráter nacional naquilo que ele teria de mais especial.

Força e disciplina eram convocadas para restaurar esse corpo quase moribundo separado de seu solo, mesmo que tal solo seja hoje uma fazenda de produtos orgânicos.

Por sua vez, delírios de grandeza animavam discursos que pregavam a amplidão redentora da nação. A identidade era, assim, elevada à condição de sistema defensivo ameaçado, e, por isso, compulsivamente afirmado.

Não por acaso, palavras como 'limite', 'fronteira', 'território' tornavam-se os significantes centrais do discurso político. A defesa da identidade se tornava uma patologia.
 Lembrar isso, após o massacre em que um norueguês islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita matou dezenas de jovens do Partido Trabalhista, é só uma forma de insistir como alguns não aprendem nada com a história.
 Tal como o direitista americano que, meses atrás, atirou contra uma deputada democrata em Tucson contrária a leis mais duras contra a imigração, o que temos aqui é simplesmente alguém que quer realizar tal forma de vida fascista com as próprias mãos.
Eles não querem esperar os partidos xenófobos ganharem para 'eliminar' os imigrantes. Preferem passar ao ato, literalizando o discurso que ouvem todos os dias".
 Vou além: a tralha que a indústria cultural despeja nas telinhas e telonas, pura lavagem cerebral, martela o tempo todo a noção de que a ameaça aos  bons, aos  normais  e  saudáveis, são os  maus, os  aberrantes  e  doentios   que vêm ameaçar o status quo, principalmente o  terrorista  e o  serial killer.

Enquanto o capitalismo solapa as próprias bases da existência humana, suas patéticas vítimas são tangidas a  sentirem  a sociedade como um  bem  a ser preservado das investidas de vilãos mefistofélicos que vêm de fora para a destruir, com o apoio de alguns traidores de dentro.

Então, não há motivo para estranharmos que o debilóide norueguês tenha levado às últimas consequências  aquilo que vem sendo plantado na sua cabeça dodói desde criancinha -- é, p. ex., o que se vê na série Harry Potter, o mundinho paradisíaco da escola de bruxaria ameaçado pelo caos que um Bin Laden de nariz achatado personifica.

A escola destruída no episódio (por enquanto...) final não se confunde, no imaginário dos videotas, com as lembranças traumáticas do WTC posto abaixo?

anulação do diferente  é a mensagem que os meios propagam sem parar, tangendo as pessoas à defesa obsessiva de um status quo que, ele sim, é a verdadeira ameaça à paz, à felicidade e à própria sobrevivência da espécie humana; e  imunizando-as  contra o antídoto oferecido pelos que, via transformação da sociedade, as tentam salvar.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

ANOS DE CHUMBO: UM 'JUSTIÇAMENTO' EQUIVOCADO - 2

Uma visão de esquerda do mesmo episódio acaba de ser dada por Renato Martinelli, que foi companheiro de militância de Márcio Leite de Toledo na ALN e é autor do livro
Um grito de coragem - memórias da luta armada. Reproduzo seu artigo na 
íntegra.  E, se Carlos Eugênio da Paz, por ele criticado, quiser replicar, 
o  espaço será também concedido, evidentemente.

O ASSASSINATO DE MÁRCIO, 
REVIVIDO APÓS 40 ANOS

A ALN supôs que Márcio Leite fosse culpado da
cilada contra Marighella... mas estava errada.
Márcio Leite de Toledo foi assassinado na tarde do dia 23 de março de 1971, há mais de 40 anos, quando  atraído para uma cilada preparada por aqueles que até então julgava seus  companheiros. 

A iniquidade cometida contra o militante da ALN, ocorreu após alguns meses da traição de José da Silva Tavares, que levou à prisão, tortura  e ao assassinato de Joaquim Câmara Ferreira, sucessor de Carlos Marighella no comando da organização revolucionária que combatia a ditadura,  instaurada pelas elites brasileiras, com o apoio dos Estados Unidos, em 1º de Abril de 1964.

Em 23 de março de 1971, Márcio compareceu ao fatídico “encontro” de peito aberto, certo de que era a oportunidade que estava aguardando para colocar na mesa e quiçá resolver as divergências até então existentes entre ele e os “companheiros do comando”; tratamento que consta em um texto recuperado, no qual Márcio expõe as suas críticas e divergências com a direção da ALN.

Marighella foi assassinado em 4 de novembro de 1969, quando atraído pela repressão para um “encontro”; Câmara Ferreira foi assassinado no dia 23 de outubro de 1970, igualmente atraído para um “encontro”.

Joaquim Câmara Ferreira foi
outro mártir da Resistência.
Valorosos companheiros e companheiras foram assassinados pelos agentes do sistema de repressão organizado pela ditadura; muitos deles quando atraídos para um “encontro”.


 Márcio Leite de Toledo, igualmente foi assassinado, vítima de um erro stalinista, disseram-me à época, quando compareceu a um “encontro”, só que ao invés de atraído pela repressão assassina, desta vez, o foi por um grupo de companheiros comandados por Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, então com 20 anos de idade.

O mesmo Carlos Eugênio, o “último comandante militar da ALN”, como é literalmente denominado na recente entrevista, hoje com 60 anos de idade, reitera os mesmos injustos e infundados argumentos cometidos no passado, através da declarada certeza sobre as futuras, portanto supostas atitudes do companheiro Márcio, caso não tivesse sido executado.

Eugênio, assombro-me, como que ungido da capacidade de prever o futuro, afirma textualmente em sua recente entrevista:  “Preferia que não tivéssemos precisado chegar a esse ponto, mas tenho certeza que os danos seriam maiores se houvesse hesitado”.

Afinal..., pergunto: A quais benditos futuros danos está se referindo o entrevistado na sua absurda previsão!?

Que grande lástima, que falta de respeito à vida e à memória de Márcio Leite de Toledo, um militante de primeira hora da ALN, um denodado combatente da luta do povo brasileiro contra a ditadura civil-militar, instaurada no país em 1964.

ANOS DE CHUMBO: UM 'JUSTIÇAMENTO' EQUIVOCADO - 1

Como o assunto acaba de voltar à baila, reproduzo o artigo que lancei em 26/11/2008, quando Augusto Nunes, colunista da Veja, apresentou a visão direitista de um justiçamento equivocado da ALN

OS MORTOS CONVENIENTES... E OS OUTROS

Meu ex-colega de ECA/USP, Augusto Nunes, escreveu (ver aqui) sobre um militante da ALN executado por seus companheiros em 1971.

Foi um erro terrível? Foi, claro. Nenhum verdadeiro revolucionário pode admitir que, mesmo durante uma luta de resistência à tirania, decisão tão extrema seja tomada enquanto perdurar a mínima dúvida sobre a culpa do acusado.

Quanto a  justiçamentos  em regime democrático, são simplesmente inconcebíveis e inaceitáveis. Ponto final.

Chocou-me, principalmente, saber que Márcio Leite de Toledo (foto) não teve o direito de se defender no tribunal revolucionário convocado para julgar o seu caso. Continuou cumprindo normalmente suas tarefas de militante, alheio ao que estava ocorrendo. Depois, foi emboscado e morto.

É óbvio que poderiam tê-lo convocado para o julgamento, dando-lhe a oportunidade de pronunciar-se sobre as suspeitas (não certezas) que havia contra ele. É como minha organização, a VPR, certamente procederia.

Mas, não se pode omitir, como Nunes faz, a situação catastrófica que a ALN vivia nos estertores da luta armada, tendo seus quadros dizimados dia a dia, já que a ditadura partira para o extermínio sistemático dos quadros da resistência.

A VPR não quis acreditar que o cabo Anselmo fosse espião e pagou um preço altíssimo por isto.

A ALN executou quem não era espião, mas parecia ser (acreditava-se que ele tivesse entregado à repressão Joaquim Câmara Ferreira, causando sua morte).

Trata-se de ocorrências deploráveis, mas recorrentes, nas lutas travadas em circunstâncias dramáticas, contra inimigos muito mais poderosos, como foram os casos da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

Márcio Leite de Toledo indubitavelmente merece as lágrimas por ele derramadas.

Mas também as merecem os revolucionários que sofreram torturas atrozes e depois foram abatidos como cães, em aparelhos clandestinos da repressão como a Casa da Morte de Petrópolis (RJ). Foi onde  evaporaram  meus queridos companheiros José Raimundo da Costa e Heleny Ferreira Telles Guariba.

E é repulsivo perceber que as tribunas da grande imprensa estão escancaradas para artigos como esse, mas blindadas contra os que evocam os episódios igualmente dramáticos dos companheiros que foram martirizados pelo regime militar.

A mídia anda burguesa como nunca. Recebendo, às vezes, uma pequena ajuda de esquerdistas que não tiveram coragem de pegar em armas quando esta era a única opção que restava, sob o festival de horrores do AI-5.

Continuam despeitados até hoje, por não terem ousado ir até onde fomos. E tudo fazem para desmerecer nossa luta.

"MAMÃE, EU QUERO..."

O presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, declarou à imprensa espanhola que se encontrará com a presidente Dilma Rousseff para discutir "a possibilidade de um apoio estatal que ajude a bancar a permanência de Neymar no Brasil".

Alega que "o governo tem grandes empresas que investem no esporte".

Tudo bem, então por que não vai diretamente à Petrobrás ou à Caixa Econômica Federal, ao invés de bater na porta do Palácio do Planalto com pedido tão descabido?

"É uma questão de Estado" -- justificou, ou por desconhecer totalmente o que isso quer dizer, ou por estar aplicando a  lógica  característica dos parasitas.

De resto, para que não me acusem de parcialidade, quero deixar bem claro meu endosso à participação de governos no financiamento do estádio corinthiano, pois parece não haver outra maneira de finalizá-lo em tempo para a abertura do Mundial 2014 -- MAS, DESDE QUE ATÉ O ÚLTIMO CENTAVO SEJA, O QUANTO ANTES, RESTITUÍDO AOS COFRES PÚBLICOS.

domingo, 24 de julho de 2011

PESAROSO E ENVERGONHADO

Com justa indignação, o colunista Elio Gaspari escreveu que a presidente Dilma Rousseff  certamente lamenta as execuções de Federico García Lorca e Victor Jara pelos fascistas espanhóis e chilenos, mas pode estar agindo da mesmíssima maneira que Getúlio Vargas e Emílio Garrastazu Médici, cujos governos alinhavam-se com Franco e Pinochet, lixando-se para suas vítimas:
"O governo brasileiro dá um discreto apoio ao ditador sírio Bashar al Assad que, em quatro meses de repressão, matou cerca de 1.500 pessoas.

Os manifestantes sírios cantam um hino que, numa tradução livre, chama-se 'Pede pra Sair, Basher'. O autor da canção seria Ibrahim Qashoush, cujo corpo, degolado, foi achado num rio no início do mês..."
O vice-ministro sírio Fayssal Mikdad esteve empesteando o Brasil na semana passada, manteve um encontro com o chanceler Antonio Patriota e dele só recebeu afagos, como os elogios às reformas políticas do carniceiro Assad.

Apesar do nome,  nosso ministro das Relações Exteriores se comporta exatamente como José Carlos de Macedo Soares e Mario Gibson Barbosa, seus antecessores a serviço dos ditadores Vargas e Médici.

O que posso dizer? Meu pesar e minha vergonha não têm limites.

sábado, 23 de julho de 2011

PROMOTOR ACUSA: TOFFOLI INCORREU EM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Marum: é vergonhoso para
a magistratura nacional...
Recebi de Jorge Marum, promotor de Justiça e professor de Direito Constitucional, a seguinte mensagem:
"É uma vergonha para a magistratura nacional que o ministro José Dias Toffoli tenha sido presenteado com viagem e estadia em hotel de luxo na Ilha de Capri por um advogado que tem causas passíveis de serem julgadas por ele.
Lembro que o artigo 9º, inciso I, da Lei 8.429-92 qualifica como improbidade administrativa 'receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público'.
Com a palavra, o Ministério Público Federal".
...que Toffoli tenha
aceitado tais mordomias
Discípulo do grande Dalmo de Abreu Dallari e firme defensor dos direitos humanos, o Jorge colocou o dedo na ferida: ministros do Supremo Tribunal Federal não são intocáveis.

Como quaisquer mortais, devem responder por seus desmandos, seja quando aceitam mordomias de quem não poderiam aceitar, seja quando mantêm preso um cidadão que a Lei mandava soltar (caso do sequestro a que Cezar Peluso submeteu Cesare Battisti a partir de 31/12/2010).

Os dois se fizeram merecedores de impeachment -- mas, claro, o segundo episódio foi muito mais grave, já que um cidadão permaneceu arbitrariamente detido por mais de cinco meses.

O Jorge exorta o Ministério Público a agir. Concordo em gênero, número e grau.

CHAME O LADRÃO!

"Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa, santa criatura
Chame, chame, chame lá
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão"

Alvo preferencial das tesouras da ditadura militar, o sempre criativo Chico Buarque bolou em 1974 um estratagema para suas composições não serem obsessivamente dissecadas pelos censores, sempre à procura de pêlo em ovo: passou a enviá-las às  donas solanges  da vida com a assinatura inventada de Julinho da Adelaide.

A artimanha deu tão certo que até uma entrevista do tal Julinho foi publicada na Última Hora, conforme se vê aqui.

É óbvio que o segredo não duraria muito. Mas, permitiu que se tornassem bem conhecidas "Jorge Maravilha" ("E como já dizia Jorge Maravilha/ Prenhe de razão/ Mais vale uma filha na mão/ Do que dois pais voando") e "Acorda Amor".

Esta última é uma limonada feita com o limão do pesadelo que assombrava a todos nós, opositores do arbítrio: o da campainha soando no meio da noite, para anunciar que iríamos ser sequestrados, torturados, mortos.

[Dois anos depois de sair das prisões militares, fui despertado em plena madrugada por alguém que dizia estar procurando uma determinada família. Alegou saber a posição do apartamento mas não o andar, de forma que, começando pelo 21º, estaria acordando os moradores dos apês de final 3, um após outro. Nunca soube se era verdade ou, o mais provável, uma verificação policial. Mas, ao abrir a porta já me preparava para o pior. E depois não consegui pregar o olho...]

Peruas Veraneios com chapas 'frias' eram
a marca registrada dos órgãos de repressão
Chico/Julinho fez humor em cima do horror, ao destacar a inversão de valores: a polícia transformada em ameaça e o ladrão, em defensor.

Foi o que me acorreu, ao ler que as duas principais associações de juízes brasileiros saíram em defesa de José Antonio Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal que ausentou-se de uma sessão de julgamento para viajar à ilha de Capri, na Itália, onde participou da nababesca festa de casamento de um grande advogado.

Ou seja: para ambas, nada existe de errado em faltar no trabalho por motivo banal e em, possivelmente, ter suas despesas de hospedagem e deslocamentos bancadas por quem atua como criminalista em dois processos dos quais Toffoli é relator (o cabulador de julgamentos garantiu ter pagado do seu bolso as passagens aéreas, negando-se, entretanto, a falar sobre os demais custos -- mesma atitude do anfitrião Roberto Podval).

"Os casos de suspeição previstos em lei são referentes apenas a relação de amizade íntima ou inimizade capital entre o magistrado e a parte e jamais em relação ao advogado", afirmou, em nota, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Gabriel Wedy, esquecendo-se de discorrer sobre os casos de suspeição previstos na ética.

"O caso não tem essa gravidade. Juízes, promotores e advogados convivem a vida toda", disse Nelson Calandra, da Associação dos Magistrados Brasileiros, repetindo a ladainha dos políticos acusados de corrupção: "todo mundo faz igual". 

Trabalhando em comunicação empresarial, eu cheguei a editar o jornal que uma multinacional farmacêutica enviava aos médicos. O sucesso da linha de produtos da empresa  dependia inteiramente que os doutores os indicassem a seus pacientes. Daí os frequentes convites para que os discípulos de Hipócrates (ou não passariam de  hipócritas?) curtissem agradáveis fins de semana em cruzeiros marítimos, com todas as despesas pagas.

Eu era obrigado a noticiar com destaque e muitas fotos tal absurdo, para despertar nos não convidados a vontade de fazerem por merecer o convite na vez seguinte. E as associações de médicos também nada viam de errado em tal prática.

Chame, chame o ladrão, chame o ladrão!
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