segunda-feira, 25 de julho de 2011

ANOS DE CHUMBO: UM 'JUSTIÇAMENTO' EQUIVOCADO - 1

Como o assunto acaba de voltar à baila, reproduzo o artigo que lancei em 26/11/2008, quando Augusto Nunes, colunista da Veja, apresentou a visão direitista de um justiçamento equivocado da ALN

OS MORTOS CONVENIENTES... E OS OUTROS

Meu ex-colega de ECA/USP, Augusto Nunes, escreveu (ver aqui) sobre um militante da ALN executado por seus companheiros em 1971.

Foi um erro terrível? Foi, claro. Nenhum verdadeiro revolucionário pode admitir que, mesmo durante uma luta de resistência à tirania, decisão tão extrema seja tomada enquanto perdurar a mínima dúvida sobre a culpa do acusado.

Quanto a  justiçamentos  em regime democrático, são simplesmente inconcebíveis e inaceitáveis. Ponto final.

Chocou-me, principalmente, saber que Márcio Leite de Toledo (foto) não teve o direito de se defender no tribunal revolucionário convocado para julgar o seu caso. Continuou cumprindo normalmente suas tarefas de militante, alheio ao que estava ocorrendo. Depois, foi emboscado e morto.

É óbvio que poderiam tê-lo convocado para o julgamento, dando-lhe a oportunidade de pronunciar-se sobre as suspeitas (não certezas) que havia contra ele. É como minha organização, a VPR, certamente procederia.

Mas, não se pode omitir, como Nunes faz, a situação catastrófica que a ALN vivia nos estertores da luta armada, tendo seus quadros dizimados dia a dia, já que a ditadura partira para o extermínio sistemático dos quadros da resistência.

A VPR não quis acreditar que o cabo Anselmo fosse espião e pagou um preço altíssimo por isto.

A ALN executou quem não era espião, mas parecia ser (acreditava-se que ele tivesse entregado à repressão Joaquim Câmara Ferreira, causando sua morte).

Trata-se de ocorrências deploráveis, mas recorrentes, nas lutas travadas em circunstâncias dramáticas, contra inimigos muito mais poderosos, como foram os casos da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

Márcio Leite de Toledo indubitavelmente merece as lágrimas por ele derramadas.

Mas também as merecem os revolucionários que sofreram torturas atrozes e depois foram abatidos como cães, em aparelhos clandestinos da repressão como a Casa da Morte de Petrópolis (RJ). Foi onde  evaporaram  meus queridos companheiros José Raimundo da Costa e Heleny Ferreira Telles Guariba.

E é repulsivo perceber que as tribunas da grande imprensa estão escancaradas para artigos como esse, mas blindadas contra os que evocam os episódios igualmente dramáticos dos companheiros que foram martirizados pelo regime militar.

A mídia anda burguesa como nunca. Recebendo, às vezes, uma pequena ajuda de esquerdistas que não tiveram coragem de pegar em armas quando esta era a única opção que restava, sob o festival de horrores do AI-5.

Continuam despeitados até hoje, por não terem ousado ir até onde fomos. E tudo fazem para desmerecer nossa luta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo, nesse caso, com o velho Clemente:"Seria preferível não se ter chegado a esse ponto (justiçamento), mas o estrago seria muito maior se houvesse hesitação". As circunstâncias no momento eram terríveis para a ALN, estavam sendo dizimados como moscas, e a guerra exige, muitas vezes, medidas duras como a tomada na ocasião.

celsolungaretti disse...

Eu entrei neste assunto em 2008 para defender a memória da luta armada do ataque de um direitista (como fiz em vários outros episódios).

Não me sinto à vontade para tomar partido numa polêmica entre antigos membros da ALN.

Apenas, quero lembrar que a apuração de culpas ficou lá para trás (bem para trás!) e o que nos cabe, agora, é extraírmos desses acontecimentos lições para o futuro -- torcendo para que não venham a ser necessárias.

Hoje se sabe que Márcio Leite de Toledo era inocente.

E eu tenho sérias dúvidas sobre o papel do capitão Charles Rodney Chandler, que a VPR "justiçou" como agente da CIA.

Ele estava estudando, como bolsista da George Olmsted Foundation, na Escola de Sociologia e Política da USP.

Dormiu com uma colega brasileira e, post coitum, revelou sua condição de oficial do Exército dos EUA.

A inconfidência chegou à VPR, que o sentenciou à morte.

Eu entrei na Organização no ano seguinte. Quando alguém me relatou o caso, fiquei pensando com meus botões que algo não encaixava no quebra-cabeças.

Agentes infiltrados nas principais escolas, a ditadura tinha aos montes. Por que precisaria de um gringo, evidentemente suspeito, para desempenhar tal papel?!

E, se fosse um auxiliar da repressão, ele estaria ciente dos riscos assumidos e não faria confissão tão melindrosa... mesmo na cama.

Havia outras hipóteses plausíveis:
- o de estar simplesmente querendo escrever um livro impactante sobre a guerrilha brasileira (nos EUA já houve até repórter branco que se maquilou para passar-se por negro e contar como era sofrer pessoalmente o racismo...);
- a de estar colhendo informações GENÉRICAS mais verídicas sobre a guerrilha para o governo estadunidense, como contraponto às versões da ditadura, que tendia a minimizar sua importância.

Enfim, o que não fazia sentido era acreditarmos que um capitão dos EUA tivesse vindo ao Brasil apenas para desempenhar uma atividade repressiva geralmente entregue a agentes de importância secundária... e muito perigosa.

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