sábado, 31 de agosto de 2013

O QUE O SENADOR POMO DA DISCÓRDIA ALEGA

Ao ogro vermelho e sua prole...
Depois que a União Soviética se deformou a ponto de tornar-se um terrível estado policial, nenhum revolucionário comprometido com a componente libertária da transformação da sociedade tem o direito de acreditar piamente no que governos autoritários de esquerda afirmam, nem a obrigação de descartar automaticamente as alegações dos que se dizem por eles perseguidos.

Então, em nome do direito ao contraditório, reproduzo aqui o depoimento que o senador Roger Pinto Molina, pivô de uma das piores lambanças da diplomacia brasileira em todos os tempos, deu à Folha de S. Paulo

Não posso afiançar a veracidade de nada do que ele afirmou, nem tenho os meios práticos para ir averiguar eu mesmo com quem está a verdade. 

Mas, até por ter constatado a mediocridade do Judiciário boliviano no episódio dos 12 corinthianos laçados como bode expiatórios de um homicídio culposo do qual apenas um poderia ser o autor, não calarei eu também o senador Molina. 

...sempre preferirei a Rosa vermelha e seu legado.
Deixo que ele fale, pois é assim que os homens de esquerda formados na tradição de Rosa Luxemburgo ("A verdade é revolucionária") fazem. 

No mínimo, como vacina para evitar-se o mal que abateu a URSS e tornou execrável a imagem da esquerda, retardando por mais de um século a revolução mundial: o stalinismo.

Sou do departamento de Pando, uma das regiões mais atrasadas da Bolívia. Meu pai era do campo, minha mãe trabalhava em casa, e em algum momento tivemos um pequeno comércio, que foi o que nos permitiu estudar. Era uma pequena mercearia, que vendia alimentos. Trabalhei muito para conseguir estudar. Em minha região não havia uma universidade, então tive que ir para outra cidade. Minha família não tinha condições de pagar uma universidade. Trabalhei no banco Ganadero, na área de crédito, por dez anos.

Tenho uma base cristã de princípios, sou evangélico batista, e sempre entendi que o trabalho social que as igrejas fazem é fundamental.

Fui presidente do tribunal eleitoral, vereador, deputado, depois governador [de Pando], deputado novamente, senador e hoje tenho um mandato até fevereiro de 2015. Ocupei vários cargos, no Senado, deputado, vice-presidente do Senado. O principal foi o chefe da oposição no Senado no último ano.

Molina: corrupto ou perseguido?
[O então deputado] Evo Morales era alguém com quem convivi nos primeiros anos no Congresso. Era um amigo, com quem eu podia jogar futebol. E jogamos várias vezes juntos, tenho fotos.

De maneira contínua ele me convidou para participar desse projeto político, ou parte desse projeto. Tínhamos uma visão diferente. Sempre acreditei que o tema da coca fosse a matéria-prima para o narcotráfico e era preciso atacar isso. Ele defendia a coca. Eu acreditava na liberdade, no direito privado, na propriedade das coisas e consciente de que era necessário reduzir a coca.

Quando chegou ao governo, Evo nos convidou de novo ao palácio, umas três ou quatro vezes. Ele queria que fizéssemos parte do seu governo. Nós achamos que era mais importante ajudá-lo nos temas sociais, da luta contra a miséria, com isso nós nos comprometemos.

Mas logo veio um processo de decomposição e violência do governo que atribuo à presença cubana e ao processo de linchamento político.

Depois que Cuba e Venezuela intervieram de forma direta [formando parcerias com o governo], ele teve outro tipo de política e comportamento muito mais agressivos. Então se estabelece como política de seu governo acabar com a oposição. E começa a perseguir de maneira sistemática todos os ex-presidentes, ex-governadores.

Todos os governos de esquerda querem é chegar, mudar a Constituição, adequá-la a eles, porque têm um objetivo, consolidar-se no governo, não importa como.

Sabóia: indiscutivelmente, um herói.
Nenhum desses governos se vai por vontade própria, de forma democrática. Ou seja, é o modelo chavista-cubano. E claro que nós nos opomos a isso. Queríamos que houvesse um Estado, uma República, que havia que se conservar a constitucionalidade.

O modelo cubano é que o se chama de "segundo paredón". Hoje em dia já não te matam, mas te destroem, te desqualificam e te acusam de maneira sistemática.

No meu caso, começa no ano de 2008, quando o governo leva gente para a minha região e há confrontação e morrem camponeses, como fruto da violência que foi gerada pelo governo.

Eu estava em La Paz, era chefe da oposição. Não tinha nada a ver com o governo departamental.

Não estava nem perto. Tenho uma propriedade na região desde os anos 80, mas ela não foi invadida. Poderia dizer o contrário, mas não seria verdadeiro. Tem 1.150 hectares e umas 650 cabeças de gado. É pequena.

O governo começa a inventar processos de todo tipo. Inventam uma acusação de que eu causei dano ao Estado pela venda de um terreno.

A liberdade é indissociável do socialismo e do anarquismo
Totalmente falso. Fui condenado à revelia apenas porque empresas destinaram recursos para uma universidade pública, que formou milhares de estudantes.

O juiz que primeiro me julgou disse que deveriam fazer um monumento para mim. Abriram 22 processos. Dez eram por desacato. Havia cerco judicial.

Descobriram-se três ou quatro planos para me assassinar. Detiveram-me por 45 dias, violando a Constituição, em prisão domiciliar. Vêm de maneira mais seguida as ameaças de mortes, chegando a um ponto insuportável. Então se descobre um plano para me sequestrar.

Isso me levou a tomar uma decisão do pedido de asilo. Eu estava atacando os interesses do verdadeiro setor forte do governo Evo Morales, que é o tema da droga.

Hoje em dia, retornar à Bolívia é pouco menos que um suicídio para mim. Se você escuta Morales, como ele fala, o pouco respeito que tem pelas pessoas, tenha a plena segurança de que voltar à Bolívia [para mim] é uma sentença de morte.

O isolamento na embaixada era insuportável. Em algum momento, disse "bom, por que não termino isso de uma vez?". Na primeira vez parece estranho, porque sou cristão. Mas à medida que o tempo passa, isso volta à mente, "seria tão simples e amanhã tudo estaria acabado". Saboia começou a se preocupar. E então ele me disse ter três opções, e a terceira era cumprir os objetivos que havia dito a presidente Dilma [quando da concessão do asilo], que era preservar minha vida.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

TÓFFOLI: QUERIDINHO DOS BANQUEIROS... CUJOS PROCESSOS RELATA

Como é a cara do deslumbramento com o poder? Assim.
Quem acompanha meu trabalho sabe que eu tenho uma razoável taxa de acertos em posicionamentos e previsões. 

Mas, evidentemente, infalível não sou. E meu maior erro, de um bom tempo para cá, foi ter apoiado José Antonio Dias Tóffoli para ministro do Supremo Tribunal Federal.

Naquele segundo semestre de 2009, os ministros Gilmar Mendes e Cezar Pelluso agiam de maneira gritantemente parcial em todos os trâmites referentes a Cesare Battisti. As perspectivas para o julgamento do pedido de extradição italiano eram as piores possíveis. Então, quando o presidente Lula indicou para o STF um advogado inexpressivo, sem currículo à altura e até suspeito de más práticas, cometi um erro que costumo recriminar nos outros: posicionei-me utilitariamente. Mea maxima culpa.

Pensava com meus botões que ele jamais conseguiria ser pior do que Mendes e Peluzo, a aliança do reacionário por conveniência com o reacionário por carolice.

Só que Mendes contra-atacou, dando entrevistas em que pôs em xeque a qualificação de Tóffoli.  Foi o bastante para boa parte da grande imprensa, que obedecia à sua batuta, fazer coro indignado. Até em editoriais. 

Atenção: Tóffoli é o papagaio de pirata, não o beijoqueiro
Aí Toffoli e Mendes conversaram a sós... e o segundo mudou diametralmente de posição. Passou a endossar o novo  colega; e o PIG, obediente, se calou. 

Não foi surpresa nenhuma para nós quando Tóffoli  já empossado, se declarou impedido para julgar o Caso Battisti. Sabíamos que alguma contrapartida haveria. E até adivinhávamos qual seria. Esta mesma. 

Agora, O Estado de S. Paulo revela que Toffoli NÃO se declarou impedido para relatar processos que envolvem o Banco Mercantil do Brasil, instituição para a qual deve até as calças. E que as prestações dos seus dois empréstimos (totalizando R$ 1,4 milhão) foram, magnanimamente, reduzidas de 1,35% para 1%. Como diria um humorista,  isto é que é bondade da boa...

Tóffoli também NÃO se declarou impedido para atuar nos processos do advogado Roberto Podval, aquele criminalista que o convidou para assistir a um casório na ilha italiana de Capri, com as (nababescas)  despesas de hospedagem todas pagas. 

NEM para relatar no STF uma ação envolvendo um adversário político do seu irmão José Ticiano Dias Tóffoli.

Vamos ver se o STF, que tanto critica o corporativismo no Congresso Nacional, será agora capaz de cortar a própria carne. Caso contrário, concluiremos que toda aquela retórica empolada não passava de conversa pra boi dormir.

ATÉ O CARRASCO PINOCHET CONCEDIA LOGO OS SALVO CONDUTOS!!!

Rui critica o "mau exemplo"
O grande jornalista e digno companheiro Rui Martins deu uma verdadeira aula sobre asilo em sua coluna no Direto da Redação (vide íntegra aqui). Endosso, aplaudo e publico os trechos principais.

O asilo é coisa muito antiga, já existia nas civilizações antigas, para proteger perseguidos por crimes comuns. Refugiavam-se nos templos religiosos, enquanto não havia as embaixadas. Em nossa época, passaram a existir dois tipos de asilo - o diplomático e o territorial. O espírito do asilo é o de sempre ser concedido a toda pessoa que se considera perseguida e com ameaça de ser presa ou morta.

O perseguido vai a uma embaixada e pede asilo que, por uma questão humanitária, é geralmente concedido. Trata-se do asilo diplomático, que, depois de algum tempo, vai se tornar territorial, com a transferência do asilado, protegido, por salvo conduto, ao país que concedeu o asilo. O outro tipo de asilo, ocorre quando o perseguido já pede o asilo dentro do país.

Pinochet não fazia pirraças com os asilados
Em termos de Direito Internacional, todo país é obrigado a respeitar um asilo concedido, permitindo a saída do asilado com segurança para ir ao país que o acolheu. Foi graças ao asilo que centenas de brasileiros puderam escapar da prisão, logo depois do golpe de Pinochet no Chile, refugiando-se em embaixadas de países amigos. 

Ali ficaram um curto tempo, eram embaixadas lotadas de asilados. O Chile, apesar da repressiva ditadura de Pinochet, responsável por milhares de mortes, aceitou conceder salvo condutos.

Atualmente, o direito de asilo, por tantos séculos respeitado, e que chegou a ser utilizado por Voltaire e Vitor Hugo, vem sendo alvo de restrições, geralmente ditadas pelas grandes potências de direita, como EUA e Inglaterra,  mas esse procedimento pode instigar pequenos países a fazerem o mesmo. Embora não tenham ocorrido atos de invasões de embaixadas com asilados, já ocorreu um sério precedente envolvendo o americano Edward Snowden, por ter revelado o mecanismo mundial de espionagem dos EUA.

Assim, quando correu a informação de que Snowden tinha embarcado no avião presidencial do boliviano Evo Morales, os EUA conseguiram forçar a União Européia a não permitir o sobrevoo de seu território pelo avião presidencial. Correndo o risco de ficar sem combustível, o avião foi obrigado a descer na capital austríaca, Viena, onde policiais invadiram o aparelho, humilhando o presidente Evo Morales e a delegação boliviana, obrigados a deixar o aparelho para ser feita uma vistoria geral com o objetivo de prender Snowden se ali estivesse.
Bumerangue: Evo humilhara Celso Amorim

Ora, o asilo diplomático não significa sempre ser concedido dentro de uma embaixada. Pode também ser concedido dentro de um navio, avião ou prédio, que represente o país outorgante do asilo. Ou seja, os EUA desrespeitaram totalmente, em nome de sua segurança nacional, um direito mundial, reconhecido pela ONU e todos os países, ao invadir o avião do boliviano Evo Morales, onde afinal não estava Snowden.

Porém, antes dos EUA terem desrespeitado o direito de asilo e humilhado Evo Morales, presidente de um pequeno país, foi o próprio Evo Morales quem tinha desrespeitado o direito de asilo e humilhado o chanceler brasileiro Celso Amorim, pois seus soldados vistoriaram, em La Paz, o avião em que iria viajar o chanceler, pensando que nele estivesse o senador boliviano Roger Molina.

Da mesma forma, a Inglaterra desrespeita o direito de asilo concedido pelo Equador ao ativista de Wikileaks, Julian Assange, não concedendo salvo-conduto para que possa ir ao aeroporto e viajar para Quito. Atitude também imitada pela Bolívia, que não concedia salvo-conduto ao senador Molina, para deixar o asilo diplomático, concedido pela presidenta Dilma, e torná-lo territorial, indo viver no Brasil.

Zelaya recebia tratamento vip na embaixada
Faz parte da concessão do asilo não se levar em conta o passado do perseguido. Foi o caso de Ronald Biggs, assaltante do trem pagador de Londres, perseguido pela Inglaterra mas que recebeu oficialmente o asilo concedido pelo Brasil. O presidente hondurenho, derrubado por um golpe, se asilou na embaixada do Brasil, onde tinha condições melhores que o senador boliviano, talvez em decorrência do seu cargo de presidente deposto.

O Brasil tem uma tradição, se assim se pode dizer, de conceder asilo a personalidades de direita - assim recebeu Alfredo Strossner, ditador do Paraguai; deu asilo a Marcelo Caetano, derrubado pela Revolução dos Cravos que acabou com o salazarismo em Portugal; e deu asilo ao político francês Georges Bidault, contrário à independência da Argélia e ao general De Gaulle.  A concessão do asilo ao boliviano Roger Molina, embora pareça inexplicável pela presidenta Dilma, provavelmente por questões humanitárias, confirma essa regra.

Já com Cesare Battisti não se tratou de asilo, pois o italiano estava no Brasil clandestinamente e foi preso a pedido da França e depois da Itália. O processo, que se prolongou por mais de quatro anos, discutia se devia ou não ser extraditado e foi resolvido pelo ex-presidente Lula, no seu último dia de governo, negando-se a extradição e concedendo-lhe o direito de viver no Brasil.
Muitos homens dignos agiram como Sabóia 

Portanto, com os elementos acima, fica mais fácil agora para o leitor decidir se o ministro-conselheiro Eduardo Sabóia, diplomata brasileiro em La Paz, agiu corretamente ou não. Se a Bolívia agiu corretamente ao negar conceder salvo-conduto ao senador boliviano, que recebera asilo da presidenta Dilma, e ao humilhar o chanceler Celso Amorim, ao vistoriar seu avião.

Quanto a funcionários de departamentos de Polícia e de embaixadas que ajudaram pessoas a fugir, existem casos na própria Suíça, onde o chefe de Polícia, Paul Grunnigen, concedia vistos de entrada aos judeus, desobedecendo ordens do governo e, por isso, perdeu seu emprego e morreu na miséria; em Portugal, o consul-geral Aristides de Sousa Mendes desrespeitou ordens expressas do ditador Salazar, concedendo, na cidade francesa de Bordeaux, vistos para 30 mil judeus fugirem para os EUA. 

E a própria esposa do diplomata e escritor Guimarães Rosa, Aracy Guimarães Rosa, que trabalhava na chancelaria do Consulado do Brasil, em Hamburgo, concedia vistos para judeus escaparem dos nazistas.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O 'RESGATE FANTÁSTICO' E O DIREITO DE ASILO: PINGOS NOS II

O episódio do  resgate fantástico  foi, como sempre, abordado nos espaços virtuais da esquerda chapa-branca com mentalidade de Fla-Flu. O diplomata Eduardo Sabóia tinha de ser satanizado a qualquer preço e as trapalhadas do Governo, justificadas a qualquer preço. Vai daí que a postura deste blogueiro provocou estranheza, por estar desconectada da  linha justa, a  única aceitável.

Então, em meio a tantas e tão densas trevas, é importante destacar um artigo que produziu alguma luz: Uma diplomacia estudantil (clique p/ acessar), do jornalista e historiador Elio Gaspari.

Principalmente este trecho, que ajuda a entender a linha adotada cá neste humilde espaço em que ainda se cultiva o pensamento crítico (o qual --pasmem!-- era uma bandeira de boa parte da esquerda em 1968, antes que fosse reentronizado o maniqueísmo stalinista):
"A maneira como a diplomacia de Lula e da doutora [Dilma] lidaram com o instituto do asilo revela desrespeito histórico com um mecanismo que protegeu centenas de brasileiros perseguidos por motivos políticos. Ele ampara gregos e troianos. Em 1964, brasileiros asilaram-se na embaixada boliviana. Anos depois, oficiais golpistas bolivianos asilaram-se na embaixada brasileira e o governo esquerdista do general Juan José Torres deu-lhes salvo-condutos em 37 dias. 
Carlos Lacerda asilou-se por alguns dias na embaixada de Cuba e João Goulart pediu asilo territorial ao Uruguai. Em poucos meses, o governo do marechal Castello Branco concedeu salvo-condutos a todos os asilados que estavam em embaixadas estrangeiras. 
Já o do general Médici, vergonhosamente, fechou as portas de sua representação em Santiago nos dias seguintes ao golpe do general Pinochet e dezenas de brasileiros foram obrigados a buscar a proteção de outras bandeiras. 
...O direito de asilo é uma linda tradição. Não se deve avacalhá-lo".
O rolo compressor dos portais, sites e blogues  alinhados incondicionalmente com o governo federal só leva em conta um objetivo imediato e menor: obter alguma vantagem nas escaramuças da interminável rinha travada com os partidos de direita, disputando nacos de governo sob o capitalismo (e sem nenhuma disposição real de dar fim ao pesadelo capitalista!).

Este velho guerreiro que vos escreve continua com seu olhar, sua mente e suas esperanças voltadas para o dia em que, afinal, a esquerda recolocará em pauta a tomada do poder e a transformação em profundidade da sociedade brasileira, ao invés de continuar se conformando com o papel de dócil gestora do capitalismo brasileiro.

E, como lutas de verdade (não essas briguinhas de compadres entre PT e PSDB) expõem seus participantes a muito perigo, é importantíssimo para nós que seja mantida a integridade de institutos como o do asilo político. Em circunstâncias dramáticas como as da resistência à ditadura militar, o direito de asilo geralmente faz a diferença entre a vida e a morte dos que travam o bom combate.

O que valem, como seres humanos, os pugilistas cubanos que queriam ficar ricos na Europa ou o tal senador boliviano acusado de corrupção? Muito pouco, talvez nada. Exatamente por isto, nem de longe justificam que, deixando de protegê-los quando nos cabia tal papel, forneçamos pretexto para que, futuramente, governos de outras tendências políticas neguem proteção a nossos companheiros de ideais --que, estes sim, valem muito!

O Caso Battisti foi, simplesmente, a maior vitória da esquerda brasileira de um bom tempo para cá, depois de uma infinidade de episódios semelhantes que terminaram muito mal para os militantes revolucionários, aqui e alhures. Os porta-vozes da direita cansaram de bater na tecla de que o Brasil deveria dar ao escritor italiano o mesmo tratamento que deu aos boxeadores caribenhos, despachando-o sumariamente para Berlusconi.

Com Lula no poder, tal ladainha não resultou. E se fosse José Serra o presidente? Decerto correria a vergar-se à imposição italiana, pois foi esta a posição que manifestou em várias entrevistas. E talvez usasse, como justificativa, exatamente o mau precedente que abrirmos para agradar aos irmãos Castro.

Então, eu sempre tenho em mente que  a rua é de duas mãos, antes de me posicionar. O que hoje nos beneficia pode se voltar contra nós no futuro, como um bumerangue.

E, francamente, se salvar um Roger Pinto qualquer é o preço a pagarmos para garantir a salvação do próximo Battisti, eu o pagaria mil vezes!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

PALMAS PARA O DIPLOMATA HUMANITÁRIO! VAIAS PARA OS OMISSOS E OS FARSANTES!

Todos saíram diminuídos dessa comédia de erros... 
O Brasil concedeu, porque quis, asilo a um senador boliviano considerado mero criminoso pelo governo de Evo Morales.

Mas, tal governo negava salvo-conduto para o político oposicionista deixar o país em segurança. Com isto, transgredia indiscutivel e grosseiramente as leis internacionais.

As autoridades brasileiras não recorreram à OEA, à ONU ou a quem quer que seja para desatar o nó. Preferiram continuar negociando indefinidamente com a Bolívia, mesmo sabendo que estavam sendo  enroladas

Um diplomata compassivo arriscou a carreira para salvar a vida do senador, cuja saúde declinava perigosamente em função do longo período mantido no que acabava sendo um cárcere privado.

Como recebeu apoio parlamentar e militar, não se sabe exatamente em que condição atuou: pode haver surpreendido seus superiores, mas também pode ter-lhes dado conhecimento ou, mesmo, seguido suas orientações. A única certeza é que ele não concordou em ser bode expiatório, pois agora se indigna com tal possibilidade.

Ele é o ÚNICO personagem digno e louvável da comédia de erros em questão.

Se a iniciativa foi realmente dele, Eduardo Sabóia deve ser aclamado como HERÓI.

Se seus superiores o estimularam a tirar a castanha do fogo para não queimarem as próprias mãos, temos de aplaudir seu espírito humanitário e vaiar os farsantes. 
...com exceção do digno Sabóia.

Não sei o que é pior, omitir-se de um problema ou resolvê-lo com falsidades e encenações, trocando até um ministro para salvar as aparências (mas, compensando-o com uma designação honrosa). País que quer ser protagonista da política internacional, ao invés de uma mera república das bananas, não pode sair pela tangente toda vez que enfrentar uma situação complicada. 

Dois trechos das declarações do diplomata Sabóia me sensibilizaram muito:
"Não me arrependo e aceito as consequências. Ouvi a voz de Deus. Estou amparado pela Constituição e pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil. Fiz uma opção por um perseguido político, como a presidente Dilma fez em sua história"
"Você imagina ir todo dia para o seu trabalho e ter uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai? E você é quem a impede de receber visitas. Aí vem o advogado e diz que, se ele se matar, você será o responsável. O senador estava havia 452 dias sem tomar sol, sem receber visitas. Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi. O asilado típico fica na residência [do embaixador], mas ele estava confinado numa sala de telex, vigiado 24 horas por fuzileiros navais"
Ele exagerou na comparação com o DOI-Codi, mas se trata de mero detalhe. O fundamental  é: quem deixou a situação se deteriorar a tal ponto, não tem moral para punir Sabóia. NENHUMA!

domingo, 25 de agosto de 2013

UMA DEFESA INCRÍVEL DE GILMAR DOS SANTOS NEVES EM 1962

Na partida decisiva das oitavas-de-final da Copa do Mundo de 1962, o Brasil voltaria para casa se fosse derrotado pela Espanha. Mas começou perdendo: 0x1.

E a desvantagem poderia ter sido maior. Em dado momento, bola levantada na área brasileira, o goleiraço Gilmar saiu para esmurrá-la na marca do pênalti, evitando a cabeçada de um atacante adversário. Só que, com ele trombando, foi para o solo e parecia fora de ação.

O talentoso ponta-esquerda Gento apanhou o rebote na meia-lua, deu um chute certeiro por cobertura e se preparava para comemorar o gol quando Gilmar, tomando impulso com a mão e o pé esquerdos, conseguiu alçar-se na perpendicular, saltando como um golfinho, para espalmar a bola com a mão direita.

Assisti ao teipe no dia seguinte, pois ainda não havia transmissão direta pela TV. E foi a defesa mais incrível e inverossímil que vi na vida.

Valeu uma Copa do Mundo para o Brasil, pois, a partir de um 0x2, nossa Seleção não teria como virar o jogo e seguir adiante na competição.

Infelizmente, este lance magnífico não entrou no filme oficial da Copa. 

Então, do grande atleta e grande homem que foi Gilmar dos Santos Neves, falecido neste domingo aos 83 anos de idade, a principal lembrança que ficará é a do garoto Pelé chorando no seu ombro, em 1958, daquela primeira vez em que os brasileiros pudemos, aliviados, orgulhosos, eufóricos, soltar o grito preso na garganta: A TAÇA DO MUNDO É NOSSA!!!

P.S.: demorou, mas acabei revendo a grande defesa do Gilmar. E constatei que não foi tudo isto, embora seu reflexo haja sido admirável e decisivo para a conquista brasileira. Vocês podem vê-la e ler mais sobre a minha saia justa aqui.

A FRASE DO DIA

"Quem é burro,

pede a Deus que 

o mate e ao diabo 

que o carregue." 

(um 'tributo' aos que 

levantam bola para o 

inimigo marcar o ponto)

sábado, 24 de agosto de 2013

OS MÉDICOS CUBANOS, O BARÃO DE ITARARÉ E O GRANDE BARDO

ano é 1930. As tropas insurgentes de Getúlio Vargas vêm do RS para tentarem tomar a capital federal (Rio de Janeiro). Os efetivos leais ao presidente que elas querem depor, Washington Luiz, esperam-nas na cidade de Itararé, divisa entre SP e PR. Canta-se em prosa e verso aquela que será a mais formidável e sangrenta das batalhas.

Mas, nem um único tiro é disparado: antes, o presidente bate em retirada, entregando o poder a uma junta governativa.

Ironizando, o grande humorista Aparício Torelly escreve que, como nada lhe reservaram no rateio de cargos governamentais entre os vencedores, ele próprio se outorgaria a recompensa:
"O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve".
Uma  batalha que não houve  é o desfecho para o qual se encaminha a pendenga entre associações médicas e o Governo Federal, pois inexiste qualquer base legal para elas se queixarem à Justiça ou chamarem a polícia, numa retaliação corporativa à importação de profissionais cubanos. É tudo blefe, dos mais patéticos.

Se algum energúmeno tentar, vai perder e se desmoralizar. Ponto final.

Quanto ao  presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, que prometeu orientar os médicos do Estado a não corrigirem eventuais erros dos cubanos, está simplesmente aconselhando-os a incorrerem no crime de  omissão de socorro

Merece não só perder a  boquinha, como ser excluído da profissão e até processado criminalmente. Ao invés do juramento de Hipócrates, segue o juramento de hipócrita, colocando as suas pirraças acima da integridade física e até da vida dos pacientes. 

No que tange ao xis do problema, o Ministério da Saúde deveria ter encaminhado o assunto de uma forma mais perspicaz, exortando as entidades médicas a assumirem o compromisso de garantir o atendimento dos coitadezas dos grotões, dentro das disponibilidades orçamentárias da Pasta.

Se prometessem e cumprissem, maravilha.

Se alegassem ser-lhes impossível fornecer tal garantia, então não teriam moral para criar empecilhos à solução alternativa que as autoridades resolvessem adotar. Simples assim.

Sendo leigo em medicina, não me porei a discutir se os cubanos estão ou não suficientemente qualificados para cuidar de cidadãos brasileiros. 

Mas, pragmaticamente, as pessoas sem antolhos ideológicos decerto concluirão que a presença de quaisquer médicos nas comunidades carentes é melhor do que deixá-las em completo abandono. Se os doutores caribenhos se dispõem a trabalhar nas mesmas condições que os mercenários brasileiros recusam, então temos mais é de ser-lhes gratos. Simples assim... de novo!

Além da  batalha de Itararé, este vergonhoso episódio e o destaque desmesurado que lhe é dado pela imprensa canalha me fez lembrar Shakespeare: trata-se de muito barulho por nada elevado à enésima potência...

P.S.: depois de escrito este artigo, veio à tona o estranho esquema de pagamentos adotado no programa Mais Médicos. O dinheiro vai para as autoridades cubanas, que repassam só uma parte para os doutores, confiscando mais da metade. A colunista que aludiu a  condição análoga à escravidão  exagera, mas não deixa de ter certa razão. E, com isto, passaram a existir fundamentos legais para o questionamento do programa nos tribunais. Os responsáveis pela lambança deram, de mão beijada, a munição que faltava para os anticomunistas e/ou corporativistas extremados. Afora isto, o advogado geral da União, Luís Inácio Adams, declarou  parecer  a ele que os médicos caribenhos não têm direito a asilo político, se o solicitarem. Mas, como não cabe à AGU alterar a Constituição, tal direito continua existindo e o asilo tem de ser assegurado, não questionado, independentemente do que pareça ou deixe de parecer ao Adams.

LUTHER KING TINHA UM SONHO. BARACK OBAMA TEM UM DRONE

"Obama ficará na história como o presidente dos drones [aviões não tripulados]. E os negros sempre fomos mais desconfiados de atitudes como matar inocentes dentro e fora do país. 

Obama pendeu mais para o lado da hegemonia americana do que para aquilo pelo que Luther King morreu. 

Não vamos nos esquecer do irmão David Miranda, detido no aeroporto em Londres, pois também sabemos o que é ter nossos direitos violados

Os legados de Luther King e Obama são o oposto. Um é sigilo, falsidade e drones. O outro, sonhos, verdade e justiça. 

Luther King disse 'Eu tenho um sonho', enquanto Obama diz 'Eu tenho um drone'."

A avaliação é de Cornel West, professor da Universidade Princeton e uma das vozes negras mais influentes dos EUA, referindo-se ao cinquentenário do histórico discurso proferido por Martin Luther King diante de mais de 200 mil pessoas, nos degraus do Lincoln Memorial, como parte da Marcha de Washington por Empregos e liberdade. 

A manifestação, no dia 28 de agosto de 1963, foi o momento mais marcante da campanha que levou à aprovação do Civil Rights Act of 1964 (Ato de Direitos Civis de 1964) e do 1965 Voting Rights Act (Ato de Direitos do Voto de 1965), garantindo total igualdade de direitos para os negros em termos legais; e o discurso de Luther King (vídeo abaixo) é tido como um dos maiores da História. 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

TERRA DOS INTIMIDADOS E LAR DE UM SÓ VALENTE

Hoje USA deve ser lido United Shit of America
O último e único herói dos EUA, Bradley Manning, permanecerá sequestrado por, pelo menos, 11 anos e 8 meses, 1/3 da privação da liberdade que lhe será imposta, como covarde retaliação, por seus captores.

Motivo: ter agido como cidadão exemplar, ao denunciar a seu povo as aberrantes ilegalidades cometidas na surdina pelos governantes do país. O justo é exemplarmente martirizado, para que os demais temam expor as arbitrariedades e injustiças.


O rei nunca esteve tão nu. E nunca foi tão fácil constatarmos sua nudez.

Torturas deixaram Manning em frangalhos
Minha total solidariedade à vítima de mais este linchamento com verniz legal  made in USA

Meu absoluto desprezo por seus sequestradores e pelo presidente negro que se mostra uma completa decepção, descumprindo promessas solenes como as de garantir a transparência  das atividades governamentais e desmontar o centro de torturas de Guantánamo.

Barack Obama não passa de um  pai Tomás  com visual moderninho.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

BEIJO GAY... E DAÍ?!

São chocantes as reações iradas ao beijo trocado entre o jogador Emerson e um amigo na noite do último domingo. Expõem a enorme carga de preconceitos ainda existente na sociedade brasileira. 

A rejeição extremada do homossexualismo perdeu a razão de ser quando uma das maiores ameaças à sobrevivência da nossa espécie passou a ser o excesso de pessoas, e não mais a falta.

Antes, era importante direcionar-se o sexo para a procriação, atendendo à prioridade de se gerar mais braços para o trabalho e repor as perdas com guerras, pestes e penúria; agora, o planeta agradeceria se, digamos, 75% dos humanos virassem homossexuais da noite para o dia, deixando de se reproduzirem.

As religiões expressam realidades remotas e, como tais, são péssimas guias comportamentais para a atualidade. A ojeriza da Igreja Católica aos anticoncepcionais e abortos é, no mínimo, asnática (para não dizermos criminosa!). 

Hoje -e enquanto persistir o quadro presente- não há prejuízo real nenhum para a sociedade com a ausência de restrições à busca do prazer, salvo os sensatos limites de que ninguém deve ser coagido a coisa nenhuma e impúberes precisam ser resguardados de práticas para as quais não estão fisica e emocionalmente amadurecidos.  

O resto são grotescas tentativas de limitar a liberdade alheia. Extremamente nocivas, como todo e qualquer autoritarismo.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O PRESIDENTE DA CBF TAMBÉM SURRUPIOU OBRAS DE ARTE?

É o que o Juca Kfouri insinua (vide aqui). Dizendo não conhecer o apartamento de José Maria Marin, o jornalista afirma haver escutado "dos que já tiveram a honra de lá estar que seus quadros são dignos de decorar as paredes de palácios".

E, com fina ironia, arremata:
"Como, por exemplo, o dos Bandeirantes".
Ou seja, Kfouri sugere que Marin também teria levado  souvenirs  de sua passagem pela sede do Executivo paulista, entre maio/1982 e março/1983, quando substituiu o licenciado governador biônico (*) Paulo Maluf, do qual era vice. 

Se non è vero, è ben trovato. Afinal, continua vivo na nossa memória aquele patético episódio de 2012, quando, disfarçadamente, Marin embolsou a medalha que deveria entregar a um jogador do Corinthians, durante a cerimônia de premiação dos campeões da Copa São Paulo de Futebol Júnior. 

Não foi, contudo, tão sorrateiro a ponto de passar despercebido para um atento câmera da TV Bandeirantes, que flagrou o furto. 


Daquela vez, a cleptomania marinesca acabou sendo exibida em rede nacional de TV. 

E agora, estaria escancarada nas paredes do seu luxuoso apê --aquele cujo elevado consumo de energia elétrica foi, segundo outra denúncia de Kfouri, pago durante muito tempo pelo vizinho, pois o distraído Marin teria esquecido de desmembrar as contas, ao alugar-lhe o apartamento ao lado.

* eleito indiretamente pelos deputados estaduais, pois a ditadura militar proibira eleições diretas.

domingo, 18 de agosto de 2013

UM VÍDEO RARO DE LEONARD COHEN: "THE STRANGER SONG"

The stranger song foi um caso de amor à primeira audição: adorei quando a fiquei conhecendo, logo nos créditos iniciais da obra-prima de Robert Altman, McCabe & Mrs. Miller (1971). 

Trata-se de um western outonal, sobre jogador que decide trocar a vida errante pela posição de dono de bordel  numa rústica comunidade mineira. Por aqui recebeu títulos asnáticos tanto no cinema (Onde os homens são homens) quanto em vídeo e DVD (Jogos e trapaças). 

O Youtube agora me revelou que Cohen já a apresentara no Festival da Ilha de Wight de 1970 (os dois vídeos citados estão abaixo).

Curioso, garimpei a origem da canção e descobri que ela consta do álbum de 1967 do Cohen! 

Trata-se, portanto, de um caso raro de música que  casou  melhor com o filme do que se tivesse sido composta especialmente para ele.

Recomendo com entusiasmo.

A CANÇÃO DO ESTRANHO

É verdade que todos os homens que você conheceu eram jogadores
que diziam ter largado o jogo
cada vez que você lhes dava abrigo.
Eu conheço este tipo de homem,
é difícil segurar a mão de qualquer um
que a esteja erguendo ao céu para se render,
que a esteja erguendo ao céu para se render.

E então, varrendo os coringas que ele deixara para trás,
você descobre que ele não te deixou muito, nem mesmo uma risada.
Como todo jogador, ele estava esperando a carta
tão rara e oportuna
que ele jamais precisaria jogar outra partida.
Ele era apenas outro José procurando uma manjedoura,
Ele era apenas outro José procurando uma manjedoura.


E então, apoiando-se no peitoril da sua janela,
um dia ele dirá que sentiu-se tentado
a ficar com seu amor, calor e abrigo.
Mas, em seguida, tirando de sua carteira
um velho folheto de horários de trens, ele dirá:
quando cheguei, eu lhe avisei que era um errante,
quando cheguei, eu lhe avisei que era um errante.

Agora outro errante parece
querer que você ignore os seu fracassos,
como se fossem o fardo de algum outro.
Oh, você já viu este tipo de homem antes,
com braço hábil distribuindo as cartas,
mas que agora está enferrujado do cotovelo ao dedo.
E ele quer trocar o jogo que pratica por abrigo.
Sim, ele quer trocar o jogo que conhece por abrigo.

Ah, você odeia ver outro homem cansado
abaixar sua mão,
como se estivesse desistindo do sagrado jogo de pôquer.
E enquanto ele conta seus sonhos na hora de dormir,
você nota que há uma estrada
enrolando-se feito fumaça sobre o ombro dele,
enrolando-se feito fumaça sobre o ombro dele.

Você diz a ele para entrar e se sentar,
mas alguma coisa te faz virar,
a porta está aberta, você não consegue fechar seu abrigo.
Você tenta a maçaneta da rua,
ela se abre, não tenha medo.
É você, meu amor, você que é a estranha.
É você, meu amor, você que é a estranha.



Bem, eu estive esperando, eu tinha certeza
de que nos encontraríamos entre os trens que aguardávamos.
Acho que é hora de subir a bordo de outro,
por favor, entenda, eu nunca tive um mapa secreto
para chegar ao âmago deste
ou de qualquer outro assunto.
Quando ele conversa deste jeito,
você não sabe o que ele pretende.
Quando ele fala deste jeito,
você não sabe o que ele pretende.

Vamos nos encontrar amanhã, se preferir,
pela praia, embaixo da ponte
que estão construindo sobre algum rio infinito.
Então, ele salta da plataforma
para o vagão-leito que está quente.
Você percebe, ele só está atrás de outro abrigo.
E você percebe que ele nunca lhe foi estranho.
E você diz OK, na ponte ou em algum lugar mais tarde.

E então varrendo os coringas que ele deixara para trás...

E apoiando-se no peitoril da sua janela...

Quando cheguei, eu lhe avisei que era um errante.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

"O DIREITO DE NOS ABORRECER" - 2ª TEMPORADA

Detesto novelas desde que assisti a um ou dois capítulos da primeira a ser lançada na TV brasileira, justamente no ano agourento de 1964: o dramalhão O direito de nascer

Foi o que bastou. Decidi que jamais ficaria refém da  máquina de fazer doidos, acorrentado à poltrona noite após noite. 

E, para quem está habituado à linguagem cinematográfica, como exaspera a lentidão novelesca! É insuportável o destaque dado a acontecimentos e personagens insignificantes, apenas para  encher linguiça  enquanto o ibope compensar (se a audiência despenca, a chatice é liquidada a toque de caixa, para dar lugar a outra tão medíocre quanto...).

Para piorar, agora há  novelões  até na política, como o julgamento do mensalão. Por critérios estéticos, não merecia ter ficado em cartaz nem por uma semana.

Então, não há muito o que dizer sobre a 2ª temporada, salvo que desvia a atenção de lutas e bandeiras muitíssimo mais importantes para quem tenta despertar o Brasil do pesadelo capitalista.
Quem te viu...

Só me resta repetir o óbvio:
  • esquemas de corrupção do tipo do  mensalão  não constituem exceção, mas sim regra;
  • os petistas só podem queixar-se do rigor inusitadamente adotado desta vez, num vivo contraste com a pizza  em que costuma(va)m terminar os episódios denunciados;
  • fico estarrecido com a ingenuidade de antigos companheiros de luta, que acreditaram poder incidir impunemente nas práticas características da política canalha, sem adivinharem que isto forneceria à imprensa burguesa um enorme trunfo contra a revolução à qual seus nomes continuam associados (a meu ver de forma errônea, pois se tornaram entes do  sistema).
Torço para que os Robespierres do STF não consigam encarcerar o José Dirceu e o José Genoíno. Seria um flagrante exagero e eu detesto ver bodes expiatórios pinçados para purgar culpas coletivas.
...quem te vê.

Mas, gostaria muito que ambos tivessem a humildade de fazer uma sincera autocrítica, pedindo-nos desculpas pelo imenso mal que causaram aos ideais nos quais um dia acreditaram... e nós continuamos acreditando até hoje.

Em O Estrangeiro, de Albert Camus, o personagem Mersault é condenado à morte por um assassinato cometido em legítima defesa, mas percebe que, na verdade, está sendo punido pela aparente insensibilidade com que acompanhou o enterro da mãe.

Da mesma forma, querem a cabeça do Zé pelo que zilhões de outros fizeram e fazem, mas sua culpa maior é haver se deslumbrado tanto com o poder que enfeixou sob o capitalismo, a ponto de aceitar noitadas com prostitutas de luxo como retribuição pelos favores prestados  aos imundos do mundo dos negócios.

Aqueles a quem os deuses querem perder, primeiramente enlouquecem. 

domingo, 11 de agosto de 2013

GALVÃO BUENO É PACHECÃO, MERCENÁRIO OU AMBOS?

Tostão, de atuações inesquecíveis na campanha do tri, foi craque com  a bola e é craque com o teclado. Trata-se de um dos poucos comentaristas esportivos que compensa lermos, depois da morte do também ex-jogador Sócrates. 

Sua coluna deste domingo, 11 (vide íntegra aqui), é simplesmente brilhante. Vale a pena destacarmos dois parágrafos, nos quais, discorrendo sobre as fulgurantes atuações de veteranos como Seedorf, Alex, Zé Roberto e Juninho, Tostão vem ao encontro de uma das minhas afirmações mais reiteradas a de que existe um verdadeiro abismo separando nosso decadente futebol do hoje praticado na Europa:
"O baixo nível técnico do Brasileirão facilita para os que sabem jogar, veteranos ou não. Muitos discordam. Uns, por convicções técnicas, usam de argumentos, mesmo quando não existem, para dizer que está tudo bem. Há ainda os  pachecões, os Policarpos Quaresmas, que acham antipatriota criticar o que é nosso. Existem também os interesses econômicos, de que não se deve desvalorizar o produto futebol.
Durante e após os 8 a 0 [sapecados pelo Barcelona no Santos], muitos --não digo quem porque são inúmeros-- se concentraram nas críticas na falta de empenho dos jogadores e de planejamento da diretoria do Santos. Esqueceram do mais importante, a absurda diferença técnica entre os dois clubes. Mas isso é proibido falar, para não desvalorizar nosso futebol".
Só não sei se ele coloca Galvão Bueno na categoria dos  pachecões, dos intere$$ado$ em preservar o produto futebol, ou em ambas.. 

"...POIS O AMOR É UMA LUTA QUE SE GANHA..."

"Ave, meu pai,
o teu filho morreu. 
Ave meu pai, 
o teu filho morreu. 

Sem ter nação para viver,
sem ter um chão para plantar,
sem ter amor para colher,
sem ter voz livre pra cantar.
É, meu pai morreu.

Salve meu pai, o teu filho nasceu.

É preciso ter força para amar,
pois o amor é uma luta que se ganha.
É preciso ter terra para morar
e o trabalho que é teu, ser teu,
só teu, de mais ninguém. 

Salve meu pai, teu filho cresceu.


E muito mais, é preciso não deixar
que amanhã, por amor, possas esquecer
que quem manda na terra tudo quer
e nem o que é teu bem vai querer dar,
por bem não vai, não vai. 

Salve meu pai, o teu filho viveu"

(Edu Lobo, "Canção da Terra")

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

OS 5 ANOS DE UM BLOGUE DE RESISTÊNCIA

O blogue Náufrago da Utopia completa cinco anos de existência nesta 5ª feira, 8.

No post inaugural (vide aqui), com a sinceridade habitual, eu admiti que nunca almejara ser blogueiro, mas foi a opção que me restou quando minhas maiores metas não deslancharam:
"Em novembro/2005, ao lançar meu livro de estréia, 'Náufrago da Utopia', acreditava ter desimpedido os caminhos para meu projeto maior: propor um novo ideário para a esquerda, retomando, num contexto mais propício, as propostas neo-anarquistas da geração 68. 
Mas, passados dois anos e meio, nada marchou como eu esperava. 
O 'Náufrago' não concretizou seu potencial, mantendo-se apenas como um cult para algumas dezenas de pessoas e uma referência para alunos e professores de História.
Não encontrei espaço para meu  great come back  à grande imprensa, sonho que jamais abandonei. Só que, como nunca, as tribunas estão hermeticamente fechadas para os articulistas de esquerda, salvo os que construíram sua reputação num passado distante e continuarão sendo suportados enquanto durarem, mas não substituídos.
Vai daí que a nova utopia singra os mares meio sem rumo, incapaz de encontrar seu porto seguro".
Na minha visão daquele momento, um blogue de verdade serviria para ir acumulando forças, à espera de dias melhores. O que eu tinha, O Rebate, era apenas um depósito dos textos que eu redigia semanalmente para o site coletivo homônimo. Decidi fazer as coisas direito, produzindo textos diários, para conquistar um público mais amplo e mantê-lo interessado.

O projeto acabou me encantando, pois veio ao encontro de outra antiga paixão: os circuitos marginais. Quantos esforços desenvolvemos, na década de 1970, para difundir nossas obras diretamente às pessoas, escapando do controle da indústria cultural! 

As precárias coletâneas que editávamos com tiragem de mil exemplares continuam pegando pó na minha estante, como marcos de uma fase talvez ingênua, mas muito gratificante. O que encarávamos como resistência cultural era, também, uma forma de travarmos o bom combate. Se não produziu resultados mais expressivos, ao menos ajudou-nos a manter a sanidade, durante as terríveis trevas ditatoriais.

Então, aos poucos, o blogue foi tomando forma.

De um lado, cumprindo meu dever de sobrevivente de uma guerra trágica, defendi a memória da resistência à ditadura militar e prestei tributo aos companheiros que nela lutaram, aproveitando todas as oportunidades para lembrar seus nomes e seus feitos, honrando seu sacrifício. 

Muitas informações sequer registradas em livros estão presentes no blogue, pois, mais que o antigo Repórter Esso, posso me considerar uma  testemunha ocular da História: estava no palco dos acontecimentos e os observei com os olhos do jornalista que viria a me tornar, tanto quanto com o olhar do militante em ação (para ser absolutamente sincero, eles ficaram impressos na minha memória, mas os desafios imediatos exigiam tanto de mim que só os pude digerir, interpretar e aprofundar depois, no recesso compulsório, qual sejam as intermináveis horas que tinha para preencher nos cárceres militares, passada a fase dramática das torturas).

Também resgatei e trouxe para o blogue o melhor da minha experiência  jornalística, chegando a digitar e atualizar longos textos que escrevera profissionalmente, como o dedicado à época de ouro da MPB, tão extenso que fui obrigado a dividi-lo em cinco posts.

E, se nunca se criaram as condições para lançar meu sonhado livro teórico com mínima possibilidade de atingir um público mais amplo do que as poucas centenas de leitores que habitualmente consomem tais obras (veneno  para as livrarias) no Brasil, fui colocando no blogue, pouco a pouco, tudo que eu tinha para dizer. Talvez sejam irrelevâncias, talvez ainda venham servir para apontar caminhos às novas gerações de revolucionários. Quem sabe?

Mas, ao alertar para as terríveis ameaças que o capitalismo nos inflige, ao sobreviver muito além de sua  vida útil, tornando-se cada vez mais parasitário e nefasto, creio ter, pelo menos, cumprido o papel de estimular discussões extremamente necessárias.

Poucos se dão conta de quão grande é o risco da espécie humana não subsistir por mais um século, nem da premência com que precisamos agir, para salvarmos a humanidade da extinção. O meu papel eu tenho cumprido.

Finalmente, o Náufrago serviu como tribuna para as muitas lutas que tenho travado, algumas vitoriosas, outras não. Esta é a sua faceta mais conhecida, daí eu considerar dispensável estender-me no assunto. 

Basta mencionar que, além dos aproximadamente 250 diferentes textos redigidos ao longo da cruzada pela liberdade de Cesare Battisti, o blogue defendeu o ex-etarra Joseba Gotzon, vítima menor do mesmo espírito revanchista da direita européia; Julian Assange, Bradley Manning e Edward Snowden, que escancararam para o mundo a nudez do rei; a iraniana Sakineh Ashtiani, quase-vítima da intolerância medieval; o cineasta Roman Polanski, quase-vítima do moralismo mais rançoso; o movimento estudantil em geral e os universitários da USP em particular (pois submetidos a controle policial como nos piores tempos da ditadura militar); e outros humilhados e ofendidos no dia a dia brasileiro.   

Acredito que o balanço seja positivo. E peço encarecidamente aos companheiros e amigos que ajudem a difundir o acervo nele armazenado, pois não basta plantarmos as sementes, elas precisam ser irrigadas. E a colheita almejada está muito além do alcance dos meus esforços pessoais. 
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