Rui critica o "mau exemplo" |
O grande jornalista e digno companheiro Rui Martins deu uma verdadeira aula sobre asilo em sua coluna no Direto da Redação (vide íntegra aqui). Endosso, aplaudo e publico os trechos principais.
O asilo é coisa muito antiga, já existia nas civilizações antigas, para proteger perseguidos por crimes comuns. Refugiavam-se nos templos religiosos, enquanto não havia as embaixadas. Em nossa época, passaram a existir dois tipos de asilo - o diplomático e o territorial. O espírito do asilo é o de sempre ser concedido a toda pessoa que se considera perseguida e com ameaça de ser presa ou morta.
O perseguido vai a uma embaixada e pede asilo que, por uma questão humanitária, é geralmente concedido. Trata-se do asilo diplomático, que, depois de algum tempo, vai se tornar territorial, com a transferência do asilado, protegido, por salvo conduto, ao país que concedeu o asilo. O outro tipo de asilo, ocorre quando o perseguido já pede o asilo dentro do país.
Pinochet não fazia pirraças com os asilados |
Em termos de Direito Internacional, todo país é obrigado a respeitar um asilo concedido, permitindo a saída do asilado com segurança para ir ao país que o acolheu. Foi graças ao asilo que centenas de brasileiros puderam escapar da prisão, logo depois do golpe de Pinochet no Chile, refugiando-se em embaixadas de países amigos.
Ali ficaram um curto tempo, eram embaixadas lotadas de asilados. O Chile, apesar da repressiva ditadura de Pinochet, responsável por milhares de mortes, aceitou conceder salvo condutos.
Atualmente, o direito de asilo, por tantos séculos respeitado, e que chegou a ser utilizado por Voltaire e Vitor Hugo, vem sendo alvo de restrições, geralmente ditadas pelas grandes potências de direita, como EUA e Inglaterra, mas esse procedimento pode instigar pequenos países a fazerem o mesmo. Embora não tenham ocorrido atos de invasões de embaixadas com asilados, já ocorreu um sério precedente envolvendo o americano Edward Snowden, por ter revelado o mecanismo mundial de espionagem dos EUA.
Assim, quando correu a informação de que Snowden tinha embarcado no avião presidencial do boliviano Evo Morales, os EUA conseguiram forçar a União Européia a não permitir o sobrevoo de seu território pelo avião presidencial. Correndo o risco de ficar sem combustível, o avião foi obrigado a descer na capital austríaca, Viena, onde policiais invadiram o aparelho, humilhando o presidente Evo Morales e a delegação boliviana, obrigados a deixar o aparelho para ser feita uma vistoria geral com o objetivo de prender Snowden se ali estivesse.
Bumerangue: Evo humilhara Celso Amorim |
Ora, o asilo diplomático não significa sempre ser concedido dentro de uma embaixada. Pode também ser concedido dentro de um navio, avião ou prédio, que represente o país outorgante do asilo. Ou seja, os EUA desrespeitaram totalmente, em nome de sua segurança nacional, um direito mundial, reconhecido pela ONU e todos os países, ao invadir o avião do boliviano Evo Morales, onde afinal não estava Snowden.
Porém, antes dos EUA terem desrespeitado o direito de asilo e humilhado Evo Morales, presidente de um pequeno país, foi o próprio Evo Morales quem tinha desrespeitado o direito de asilo e humilhado o chanceler brasileiro Celso Amorim, pois seus soldados vistoriaram, em La Paz, o avião em que iria viajar o chanceler, pensando que nele estivesse o senador boliviano Roger Molina.
Da mesma forma, a Inglaterra desrespeita o direito de asilo concedido pelo Equador ao ativista de Wikileaks, Julian Assange, não concedendo salvo-conduto para que possa ir ao aeroporto e viajar para Quito. Atitude também imitada pela Bolívia, que não concedia salvo-conduto ao senador Molina, para deixar o asilo diplomático, concedido pela presidenta Dilma, e torná-lo territorial, indo viver no Brasil.
Zelaya recebia tratamento vip na embaixada |
Faz parte da concessão do asilo não se levar em conta o passado do perseguido. Foi o caso de Ronald Biggs, assaltante do trem pagador de Londres, perseguido pela Inglaterra mas que recebeu oficialmente o asilo concedido pelo Brasil. O presidente hondurenho, derrubado por um golpe, se asilou na embaixada do Brasil, onde tinha condições melhores que o senador boliviano, talvez em decorrência do seu cargo de presidente deposto.
O Brasil tem uma tradição, se assim se pode dizer, de conceder asilo a personalidades de direita - assim recebeu Alfredo Strossner, ditador do Paraguai; deu asilo a Marcelo Caetano, derrubado pela Revolução dos Cravos que acabou com o salazarismo em Portugal; e deu asilo ao político francês Georges Bidault, contrário à independência da Argélia e ao general De Gaulle. A concessão do asilo ao boliviano Roger Molina, embora pareça inexplicável pela presidenta Dilma, provavelmente por questões humanitárias, confirma essa regra.
Já com Cesare Battisti não se tratou de asilo, pois o italiano estava no Brasil clandestinamente e foi preso a pedido da França e depois da Itália. O processo, que se prolongou por mais de quatro anos, discutia se devia ou não ser extraditado e foi resolvido pelo ex-presidente Lula, no seu último dia de governo, negando-se a extradição e concedendo-lhe o direito de viver no Brasil.
Muitos homens dignos agiram como Sabóia |
Portanto, com os elementos acima, fica mais fácil agora para o leitor decidir se o ministro-conselheiro Eduardo Sabóia, diplomata brasileiro em La Paz, agiu corretamente ou não. Se a Bolívia agiu corretamente ao negar conceder salvo-conduto ao senador boliviano, que recebera asilo da presidenta Dilma, e ao humilhar o chanceler Celso Amorim, ao vistoriar seu avião.
Quanto a funcionários de departamentos de Polícia e de embaixadas que ajudaram pessoas a fugir, existem casos na própria Suíça, onde o chefe de Polícia, Paul Grunnigen, concedia vistos de entrada aos judeus, desobedecendo ordens do governo e, por isso, perdeu seu emprego e morreu na miséria; em Portugal, o consul-geral Aristides de Sousa Mendes desrespeitou ordens expressas do ditador Salazar, concedendo, na cidade francesa de Bordeaux, vistos para 30 mil judeus fugirem para os EUA.
E a própria esposa do diplomata e escritor Guimarães Rosa, Aracy Guimarães Rosa, que trabalhava na chancelaria do Consulado do Brasil, em Hamburgo, concedia vistos para judeus escaparem dos nazistas.
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