domingo, 31 de maio de 2009

NOVA LAMBANÇA DA "FOLHA": NÃO DÁ PRA NÃO RIR...

A Folha de S. Paulo é um jornal que perdeu o rumo. Está à deriva.

Pois, embora não se veja nenhum interesse nas ruas pela concessão de um terceiro mandato consecutivo ao presidente Lula, a Folha se deu ao trabalho de realizar, por meio do DataFolha, uma pesquisa sobre essa possibilidade quase inexistente, por vários motivos:
  1. Lula precisaria aceitar e, até agora, tem afirmado que não aceitará;
  2. a Proposta de Emenda Constitucional foi apresentada por um parlamentar puxa-saco, mas, até agora, não conseguiu a adesão do número suficiente de congêneres necessário para que seja iniciada a tramitação;
  3. para ser aprovada, precisaria passar por duas comissões da Câmara Federal e duas do Senado, além de receber, em quatro votações, a anuência de três quintos dos congressistas, número bem difícil de ser atingido;
  4. a emenda estabelece a realização de um plebiscito em setembro, de resultado incerto;
  5. eminentes juristas já avaliaram que a emenda é inconstitucional, portanto haveria uma batalha jurídica no caso de sua aprovação;
  6. o PSDB e o DEM já declararam que usariam de todas as manobras facultadas pela legislação para retardar a tramitação da emenda, de forma a impossibilitar que esse roteiro seja cumprido até outubro, data final para a virada de mesa;
  7. vários ministros do STF já anteciparam que, mesmo sendo tal pacote aprovado pelo Legislativo, acabará fulminado pelo Supremo.
Então, se o terceiro mandato consecutivo é uma aberração sob todos os pontos de vista e tem chance infinitesimal de virar realidade, por que o autoproclamado principal jornal do País lhe confere tamanho destaque a ponto de fazer dele a manchete da principal edição da semana, a de domingo?

Para piorar ainda mais a performance jornalística da Folha, no próprio título do seu editorial dominical o jornalão admite que se trata de um "assunto encerrado", mas com uma argumentação que é um verdadeiro primor de hipocrisia:
"...a proposta da 're-reeleição' para o presidente petista não alcança, pelos dados da pesquisa, densidade suficiente para se impor.

"Ao contrário: com 49% dos entrevistados contra a ideia, e 47% a seu favor, comprova-se acima de tudo o quanto haveria de arriscado na manobra.

"A possibilidade de instituir-se uma fratura profunda de opiniões, em assunto diretamente ligado à estabilidade institucional, surge com clareza - e, do frio registro dos números às vicissitudes de um entrechoque real no debate público, certamente esse potencial divisivo tenderia a intensificar-se gravemente."
Ou seja, mais do que as sete razões acima alinhavadas, o que inviabilizaria mesmo o terceiro mandato é o resultado da pesquisa do DataFolha!

Ou o jornal superestima alucinadamente sua importância ou está recorrendo a um malabarismo retórico para tentar justificar a manchete indefensável. Fico com a segunda opção: maquiavelismo de baixa categoria.

Aqueles a quem os deuses querem perder, primeiro enlouquecem. Eis a melhor explicação para a nova lambança domingueira desse jornal que já se expusera ao ridículo absoluto no episódio da ficha policial falsificada de Dilma Rousseff.

A Folha está sofrendo de megalomania delirante, cujo sintoma mais evidente é essa obsessão em produzir factóides políticos que caem no vazio.

sábado, 30 de maio de 2009

CONFLITO ÁRABE-ISRAELENSE: TEMOS DE DESMONTAR A MÁQUINA DE MOER CARNE

Aleluia! Depois de longo e tenebroso inverno, encontro, finalmente, um editorial da Folha de S. Paulo que posso tranquilamente recomendar aos meus leitores: o da edição deste sábado (30), Israel persiste no erro.

Como não sou sectário, faço questão de reproduzi-lo na íntegra, até como incentivo para que a Folha produza outros com a mesma integridade jornalística:
Há 42 anos, desde que derrotou vizinhos árabes na Guerra dos Seis Dias e ocupou, entre outras áreas, o território palestino na margem ocidental do rio Jordão, Israel deslancha ali um programa de assentamentos injustificável, que agride o direito internacional. Sob Barack Obama, a Casa Branca volta a insistir no óbvio: o abandono dessa anexação sorrateira é crucial para a existência do Estado palestino.

O primeiro assentamento na Cisjordânia foi erguido sete meses após a vitória israelense. Implantaram-se outros 120 desde então, quer pela omissão, quer pela ação deliberada de diversos governos israelenses, sem importar a coloração partidária ou ideológica.

Foram vários os pretextos alegados para o que deveria restringir-se a uma ocupação militar temporária, pronta para ser desmobilizada mediante um acordo de paz. De saída, a propaganda dizia ser necessário consolidar, com a colonização civil, a conquista militar e assim garantir aquela margem territorial de segurança para futura barganha. Uma leva de colônias foi fixada no extremo leste da região.

Depois, no final dos anos 1970, governos de direita invocaram o risco de Israel ser dividido em dois e implantaram mais uma série de assentamentos, agora pulverizados por todo o território. A expansão continua em vigor.

De pretexto em pretexto, chegou-se ao paroxismo. Mais de 280 mil israelenses (4% da população de Israel) vivem hoje nos assentamentos da Cisjordânia, dificultando mais ainda o futuro estabelecimento de um Estado palestino. Para dar segurança aos assentados, o Exército israelense ali sustenta uma miríade de bloqueios rodoviários e postos de controle, que transtornam o cotidiano dos palestinos.

Decretar o fim da expansão desses assentamentos é o mínimo a exigir de Israel neste momento, a fim de que se abram perspectivas para a retomada de negociações com os palestinos. O premiê Binyamin Netanyahu, entretanto, afirma que vai permitir o "crescimento natural" dessas colônias. Uma provocação irresponsável, além de cinismo na perpetuação do esbulho.
De resto, discordo dos motivos (principalmente religiosos) alegados para a implantação de Israel onde está, mas não vejo como reverter o fato consumado sem um banho de sangue que não deve ser desejado por nenhum ser humano digno deste nome.

Então, o melhor caminho seria mesmo o recuo de Israel às fronteiras iniciais (de maio/1948), o estabelecimento de um estado palestino e um esforço sincero de todas as partes envolvidas para dar um fim à beligerância na região.

Se, entretanto, Israel mantiver sua intransigência quanto à devolução dos territórios de que apossou-se manu militari a partir da guerra árabe-israelense de 1948, e os árabes continuarem não admitindo a existência de Israel, o mínimo de sensatez manda que se descarte, de uma vez por todas, a estratégia sanguinária de exporem-se as populações civis a massacres, em iniciativas sem perspectiva nenhuma de êxito.

Vou explicar melhor. Nem coligados os países árabes conseguiram até agora derrotar Israel, então salta aos olhos e clama aos céus que nenhuma dessas nações obterá êxito isoladamente.

Teriam de combater o estado judeu todas juntas, sob um comando único e respeitado (as divergências entre elas são tão profundas que nunca seguiram verdadeiramente uma estratégia conjunta, apenas enfrentaram Israel ao mesmo tempo, mas como se lutasse cada uma por si).

O JOGO DUPLO DOS FEUDAIS ÁRABES - O que impede uma guerra santa dessas? O fato de os mandatários das nações árabes temerem muito mais revoluções em seus próprios paises do que odeiam Israel. São e representam privilegiados que empenham-se, acima de tudo, em manter seus privilégios.

Daí quererem mesmo é evitar qualquer possibilidade de que a mobilização contra Israel acabe se voltando contra eles; povo armado é povo perigoso. Daí virem sabotando-a e até reprimindo-a através dos tempos, embora mantenham a retórica antiisraelense da boca pra fora.

Movimentos fundamentalistas tentam virar o jogo com agressões insensatas a Israel, para provocar retaliações. Sonham com uma situação na qual os judeus provoquem tamanha indignação que os dirigentes das nações árabes, mesmo a contragosto, sejam obrigados a lançar uma nova guerra santa.

Isso nunca acontece. E o que essa gente faz é atrair desgraças para seu povo. Velhos, mulheres e crianças são dizimados por conta disso.

Então, a esquerda mundial deveria negar qualquer apoio a essa estratégia de provocações irresponsáveis.

O grande vilão pode ser Israel, mas quem impede o êxito de qualquer campanha militar contra o estado judeu são os dirigentes das nações árabes, com seu jogo duplo.

O caminho do enfrentamento vitorioso a Israel passa por revoluções prévias nos países árabes. A batalha tem de ser travada primeiramente em cada país, desalojando do poder essa elite nauseabunda (ainda feudal em várias nações) e estabelecendo governos populares. Estes, sim, travariam unidos a guerra contra Israel.

Caso contrário, fanáticos continuarão eternamente cutucando a onça com vara curta, Israel respondendo com as piores carnificinas (como forma de intimidação) e a esquerda fazendo discursos inflamados que não resolvem nada.

Temos de desmontar essa máquina de moer carne, de um jeito ou de outro.

Com o estabelecimento de uma paz duradoura seria bem melhor.

Mas, se tiver de ser pela guerra, que se crie, pelo menos, o cenário certo, para que o sangue não continue sendo derramado em vão.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A IMPRENSA TEM O RABO PRESO COM O SISTEMA. A ANISTIA INTERNACIONAL, NÃO.

Durante a ditadura de 1964/85, qualquer semelhança da realidade das ruas e dos porões com as notícias, interpretações e opiniões da grande imprensa era mera coincidência.

Embora a censura e as intimidações ajudassem a manter a ordem unida nos veículos mais importantes, houve também muita colaboração voluntária com o regime militar.

Para sabermos o que realmente acontecia em nosso país, éramos obrigados a acompanhar dia após dia transmissões de rádios estrangeiras, na esperança de que colocassem no ar algo sobre o Brasil.

De vez em quanto, alguém obtinha revistas e jornais de outros países que traziam matérias esclarecedoras, botando-os para circular entre os amigos confiáveis, até perderem a tinta de tão manuseados.

Os veículos alternativos também conseguiam furar o bloqueio informativo, vez por outra.

Mas, o certo é que a esmagadora maioria da população brasileira ignorava as atrocidades e os fracassos do regime (até epidemia de meningite era escondida dos cidadãos!!!), além de ser levada a crer em versões exageradíssimas dos êxitos.

"Alvíssaras, há 24 anos a imprensa é livre para noticiar o que quiser!" - dirão os cândidos. O único problema é que a imprensa mantém o colaboracionismo voluntário... com o sistema. E nem precisa de censura e intimidações para mantê-la no caminho da desinformação programada.

Vai daí que o melhor editorial sobre a situação brasileira não foi produzido por veículo de imprensa. Nenhum foi capaz de, em apenas quatro parágrafos, dizer tudo que se deve dizer sobre o Brasil de hoje:
"A sociedade brasileira permaneceu profundamente dividida em termos de realização dos direitos humanos. A expansão econômica e os projetos sociais apoiados pelo governo contribuíram para algumas reduções das disparidades socio-econômicas. Entretanto, apesar das modestas melhoras na diminuição da pobreza, a desigualdade na distribuição de renda e de riquezas continuou sendo uma das maiores da região. Enquanto isso, as violações de direitos humanos que afetam milhões de pessoas que vivem na pobreza não receberam praticamente nenhuma atenção. As comunidades mais pobres permaneceram sem conseguir ter acesso a serviços necessários. Além disso, vivenciaram um elevado grau de violência praticada por quadrilhas criminosas e sofreram violações sistemáticas de direitos humanos por parte da polícia.

"As comunidades urbanas marginalizadas continuaram tendo de enfrentar as consequências de viver sem proteção social suficiente. Além disso, sofriam as consequências de políticas de desenvolvimento urbano discriminatórias e da falta de qualquer provimento de segurança pública. Em consequência disso, muitas dessas comunidades acabam presas em favelas ou em sub-habitações, onde vivem encurraladas entre a violência dos criminosos e os abusos da polícia.

"Nas zonas rurais, trabalhadores sem terras e povos indígenas foram intimidados e ameaçados com violência e com expulsões forçadas. A expansão agro-industrial e projetos de desenvolvimento governamentais e privados reforçaram a discriminação social e a pobreza que há décadas afetam as comunidades rurais. Os direitos humanos e constitucionais dessas comunidades foram regularmente desconsiderados, seja pela falta de acesso à Justiça e a serviços sociais, seja por violência e intimidação das empresas de segurança privadas irregulares que protegem interesses econômicos poderosos.

"Muitas das pessoas que defendem os direitos humanos de comunidades marginalizadas, entre as quais estão advogados, líderes sindicais e ativistas comunitários, foram criminalizadas pelas autoridades e ameaçadas por aqueles cujos interesses desafiam."
Trata-se da abertura do capítulo sobre o Brasil do Informe Anual 2009 da Anistia Internacional.

Voltamos aos maus tempos em que precisávamos recorrer a estrangeiros para ficarmos sabendo o que acontecia em nosso país.

E ainda temos de baixar a cabeça, envergonhados, quando recebemos pitos como o do coordenador da Anistia Internacional para assuntos brasileiros, o britânico Tim Cahill, que constatou:

"Existe um conceito infeliz no Brasil de que os direitos humanos só defendem bandidos. Tal conceito é popularizado e utilizado por pessoas que têm interesse em mantê-lo. Isso ajuda na justificação de políticas de comportamento repressivo, como as megaoperações no Rio de Janeiro ou a ideia de que os índios ameaçam os interesses econômicos do Mato Grosso do Sul. Várias ações governamentais no Brasil acabam sendo executadas para satisfazer àqueles que não acreditam nos direitos humanos."

Irrespondível.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

VOLTANDO AOS MAUS TEMPOS

CHARGE DE CLEUBER (clique para ampliar)
http://www.tracodeguerrilha.blogspot.com/

O mês é outubro e o ano, 1962. Em todos os países há pessoas com o ouvido colado nos rádios e lançando olhares angustiados para o céu, à beira do pânico.

Nunca estiveram tão presentes nas mentes e tão opressivas nos corações as imagens dantescas dos genocídios de Hiroshima e Nagasaki. Era concreta a possibilidade de repetição daqueles horrores em escala muito mais ampla.

É que os EUA, ao obterem provas fotográficas da existência de silos de mísseis soviéticos em Cuba, deram um ultimato à URSS, exigindo sua imediata remoção.

A União Soviética, inicialmente, não cedeu. Pelo contrário, ao saber que os norte-americanos haviam iniciado um bloqueio naval e aéreo de cuba, despachou uma frota que o tentaria romper.

Um único disparo e começaria a reação em cadeia! Estava-se a um passo da guerra nuclear entre duas nações que acumulavam poder destrutivo suficiente para exterminar a espécie humana.

Foram 13 dias que apavoraram o mundo, enquanto se desenvolviam tensas negociações entre os governos de John Kennedy e Nikita Kruschev. Nunca os estadunidenses compraram tanto cimento e tijolo como nesse período em que construíram sofregamente abrigos nucleares em suas casas.

A histeria coletiva inspirou um episódio magistral da série de TV Além da Imaginação, sobre vizinhos que, ao confraternizarem numa festa, recebem a notícia de que a guerra atômica pode estar começando.

O único que havia transformado seu porão em abrigo, nele entrincheira-se com a família, negando acesso aos demais, por não haver mantimentos, água e espaço físico para tanta gente.

Quando os outros estão pondo abaixo a porta, empunhando tacos de beisebol e outras armas improvisadas, chega o desmentido: rebate falso. Mas, suas reações primitivas e egoístas durante a emergência revelara a todos como eles realmente eram, sob o verniz da hipocrisia social.

KRUSCHEV OBTÉM CONCESSÕES.
KENNEDY, HOLOFOTES


A crise dos mísseis cubanos terminou com cada lado cedendo um pouco e o mundo suspirando aliviado.

Os EUA concordaram em, posteriormente e sem alarde, retirarem mísseis similares que haviam instalado na Turquia. Comprometeram-se, ainda, a nunca mais realizarem ou estimularem invasões de Cuba, como a que a CIA e exilados cubanos haviam tentado em abril daquele ano na Baía dos Porcos. Eram estes os acontecimentos que haviam motivado os soviéticos a exibirem também o muque.

Kruschev, por sua vez, ordenou o desmantelamento dos silos e a retirada dos mísseis, saindo do episódio com uma vitória real (obtivera as contrapartidas desejadas) e uma derrota propagandística, pois concordou em manter secretas as cláusulas que lhe eram favoráveis.

De quebra, as superpotências decidiram colaborar para que novos sobressaltos fossem evitados, tendo sido instalada uma ligação telefônica direta (o famoso telefone vermelho) entre Kennedy e Kruschev, para que se entendessem antes dos pequenos problemas virarem grandes crises.

Nos EUA e em grandes capitais européias, houve júbilo incontido. Cidadãos festejavam nas praças e parques, lotavam os bares. Casais redescobriram a atração sexual, estranhos iam para a cama depois de trocarem duas palavras [O número de crianças nascidas nove meses depois foi muito superior ao habitual...].

A explosão de vida sucedeu aos augúrios de morte. Emblematicamente, a música até então ignorada de quatro jovens de Liverpool decolaria para a consagração mundial, tornando-se a trilha sonora da maior revolução de costumes que o mundo já vivenciou.

CHERNOBIL: 6,6 MILHÕES
FORAM CONTAMINADOS

Mas, se diminuiu consideravalmente a ameaça de que a guerra fria entre EUA e URSS se tornasse quente e radioativa, nem por isso a energia atômica deixou de provocar pesadelos e paranóias.

Em abril de 1986, um acidente nuclear na usina soviética de Chernobil, na Ucrânia, liberou uma nuvem de radioatividade que atingiria a URSS, Europa Oriental, Escandinávia e Reino Unido.

Grandes áreas da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia foram muito contaminadas, expondo 6,6 milhões de pessoas e tornando necessárias a evacuação e reassentamento de aproximadamente 200 mil habitantes.

A ONU computou 56 mortes decorrentes do acidente na primeira década, estimando que outras 4 mil ainda viriam a ocorrer; o Greenpeace retrucou que esses números eram bem inferiores aos reais. A usina foi desativada.

Por que estou evocando dois episódios tão deprimentes? Pelo simples motivo de que isso pode acontecer de novo. Está no noticiário:
  • a Coréia do Norte realiza testes nucleares repudiados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e vistos com apreensão pela Coréia do Sul e Japão;
  • um vazamento de material radioativo na usina de Angra 2, ocorrido em 15 de maio último, só foi comunicado à população 11 dias depois, com a garantia de que os seis empregados afetados não correm maiores riscos [Houve tempo para se preparar bem a versão tranquilizadora, mas não me surpreenderei se a história estiver sendo malcontada].
O acidente no reator de Three Mile Island, bem menos grave que o de Chernobil, motivou nos EUA o lançamento da campanha No Nukes, com a participação de músicos famosos como Jackson Browne, Bonnie Raitt e Graham Nash.

Três décadas depois eles continuam protestando, agora contra um projeto de lei que amplia o estímulo a empreendimentos ligados à energia nuclear.

É mais do que tempo de fazermos algo semelhante por aqui. A população de Angra dos Reis e municípios próximos seria a primeira a agradecer.

terça-feira, 26 de maio de 2009

CESARE BATTISTI: DA DEPRESSÃO À ESPERANÇA

CHARGE DE CLEUBER (clique para ampliar)
http://www.tracodeguerrilha.blogspot.com/

Quando travamos uma batalha de opinião, nem tudo é premeditado. Há trunfos que nos vêm a calhar e, às vezes, nem percebemos de imediato sua relevância

Assim, foram as primeiras reações ao meu texto Cesare Battisti: da depressão à esperança que me fizeram perceber o quanto pode ser útil na luta que travamos para que tal episódio tenha o desfecho justo.

Vale a pena contar como tudo se passou.

Na semana retrasada, a convite do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti, estive em Brasília para acompanhar a audiência pública com o ministro Tarso Genro, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal , sobre o Caso Battisti. Aproveitando o ensejo, acertei visita a Cesare na "Papuda".

O Sylvio Costa, diretor do aguerrido site Congresso em Foco, propôs que eu escrevesse sobre esse nosso primeiro encontro, com ênfase no fato de Cesare e eu termos vários pontos de contato em nossas histórias de vida.

Aceitei com entusiasmo, pensando, principalmente, na repercussão que obteríamos junto aos centros de decisão de Brasília, público-alvo do site. A matéria entrou no ar 6ª feira passada.

Como se tratou de um trabalho realizado profissionalmente, a autorização para reprodução segue a sistemática do site: publicação dos dois primeiros parágrafos, seguida de link para que seja lido o restante no Congresso em Foco.

O texto é oportuno, sobretudo, por mostrar o lado humano de Cesare Battisti, que a grande imprensa teima em sonegar dos seus leitores, para não conflitar com o ogro que tendenciosamente lhes impinge.

Daí a importância de o divulgarmos tanto quanto possível, neste período que antecede a decisão do STF sobre o pedido de extradição de Battisti (prevista para junho).

Peço um especial empenho dos meus leitores em publicá-lo e/ou repassá-lo:

CESARE BATTISTI: DA DEPRESSÃO À ESPERANÇA

Estou à espera de que Cesare Battisti seja trazido a um escritório do Centro de Internamento e Reeducação "Papuda", para que nós (vim com uma deputada e uma companheira do comitê de solidariedade) conversemos com ele numa mesa de canto, enquanto funcionários prosseguirão com seus afazares de rotina, ao redor.

Meus sentimentos são contraditórios. Para começar, fiquei surpreso com as características pouco opressivas deste presídio-modelo. Em 1970/71, quando fui preso político da ditadura militar, estive em terríveis centros de tortura como os DOI-Codi's de SP e RJ, e o quartel da PE na Vila Militar (RJ); e, de passagem, fiquei conhecendo o Presídio Tiradentes e o Deops de SP, igualmente soturnos. Além de haver mais tarde visitado um amigo, preso comum que cumpria pena no Carandiru, captando tanta energia negativa no ar que em nada me surpreendeu, em 1992, o massacre dos 111 detentos, iniciado exatamente no Pavilhão 9 que impressão tão má me causara.

E, depois de escrever mais de 60 textos em defesa de Battisti nos últimos meses, acabando por me tornar porta-voz do "Cesare Livre", inquieta-me a possibilidade de não ter tanta empatia com o homem como tenho com sua causa. Várias vezes já me decepcionei ao travar contato com os famosos do noticiário.

Battisti não me reconhece de imediato, mas abre um largo sorriso quando somos apresentados. Abraçamo-nos, sem que nenhum segurança se preocupe com a possibilidade de eu lhe passar sorrateiramente algum contrabando. Decididamente, não o consideram perigoso.

Aparenta exatamente os 54 anos que tem. É loquaz, fala rapidamente e enfatiza suas palavras com gestos, como bom italiano. Na sua agitação, às vezes assume, de relance, poses meio caricatas.

Tendo atuado como jornalista profissional nos 34 anos seguintes à minha passagem pelos porões e prisões da ditadura, sei que uma série de fotos do Cesare, feitas por um profissional, invariavelmente conterá muitas que o tornarão simpático aos leitores, enquanto outras tantas vão lhe dar aparência esquisita, desagradável. Invariavelmente, são as segundas que a grande imprensa brasileira pinça para ilustar as notícias sobre ele. Goebbels explica...

Olho no olho, percebo ser Cesare um homem pacato, do tipo não-faz-mal-nem-a-uma mosca. Nada do olhar de pedra dos verdadeiros assassinos, seja os que matam por dinheiro, seja os que o fazem em nome de causas (conheci exemplares dos dois universos). Pelo que valer, saí de lá convencido de que seria mesmo incapaz de haver cometido os três-assassinatos-que-eram-quatro a ele tardiamente imputados pela Justiça italiana.

Crimes simultâneos

É que, anos depois de condená-lo pelo que ele realmente fez (ter militado num grupúsculo de ultraesquerda e participado de algumas das chamadas expropriações, sem que nelas fosse derramado sangue), a Itália o levou de volta ao tribunal, a partir unicamente do testemunho de delatores premiados: o que o acusou e os que foram incumbidos de corroborar a acusação. Sabendo como eram montados os processos brasileiros dos anos de chumbo, bastou-me ler esse material para sentir o cheiro inconfundível de armação...

Parece que os Torquemadas brasileiros tinham mais zelo na montagem de suas farsas. Duas ações armadas em que Cesare haveria apertado o gatilho ocorreram no mesmo dia, em localidades distantes, de forma que sua presença física em ambas era materialmente impossível. Então, os trapalhões italianos trataram de tapar o sol com a peneira, reescrevendo a acusação de forma que ele passasse a figurar apenas como autor intelectual de um dos crimes -- o que não impede nossos jornalões e revistonas de continuarem até hoje atribuindo-lhe quatro homicídios, sem ressalvas.

Quando o refúgio humanitário que o ministro da Justiça Tarso Genro concedeu a Battisti foi publicado no Diário Oficial, em janeiro último, ele e todos nós começamos a preparar-nos para sua libertação. Até montamos esquemas de segurança para o Dia D, temerosos de algum atentado articulado pela extrema-direita italiana ou pelas viúvas da ditadura brasileira.

Dá para imaginar-se o impacto que lhe causou a estapafúrdia decisão do Supremo Tribunal Federal de mantê-lo preso, contra a lógica jurídica e o bom-senso dos leigos. Afinal, já se haviam passado quase dois anos desde que fora aprisionado no território brasileiro, a mando do STF, por crimes supostamente cometidos alhures.

Concedido o refúgio, que até agora tem sido invariavelmente reconhecido pelo próprio Supremo como fator determinante do arquivamento de processos de extradição, era de esperar-se que, no mínimo, aguardasse em liberdade o cumprimento das últimas formalidades jurídicas.

Negativo. O STF manteve a prisão e até sinalizou que poderia neste caso adotar decisão diferente de todos que lhe foram até hoje submetidos. De quebra, a Itália articulou uma das mais avassaladoras pressões a que uma decisão soberana do Executivo brasileiro foi submetida por governo estrangeiro, com o apoio explícito de boa parte da mídia brasileira.

Battisti mergulhou em profunda depressão, tendo de tomar medicamentos pesados, não conseguindo mais um sono repousante nem tendo paciência para ler seja lá o que fosse.

Então, fico comovido quando ele me confessa: ao receber meu livro Náufrago da Utopia, que lhe remeti pelo correio, obrigou-se a lê-lo, por considerar ser essa sua obrigação. Mas, a narrativa o prendeu tanto que acabou devorando-o e... retomando o gosto pela leitura. O bloqueio fora quebrado.

Fez-me lembrar meu próprio tempo de preso. Passado o pior período da tortura e incomunicabilidade, que para mim durou dois meses e meio, continuava com a mente turvada pelos traumas, misturando realidade e imaginação.

Mas, o companheiro da cela ao lado conseguiu que lhe trouxessem os livros existentes no quartel, pois, cardíaco, precisava de algo que o acalmasse. Reivindiquei e acabei obtendo o mesmo tratamento.

Foi a leitura dos chatíssimos manuais militares e relatos sobre Caxias, e depois dos volumes de Julio Verne (uma dádiva dos céus: sua obra completa estava pegando pó naquela biblioteca marcial!), que me devolveu a clareza de raciocínio.

Não esperava que, um dia, seria o Julio Verne de alguém. Nem mesmo quando o pessoal do comitê me enviou a mensagem de Battisti, com um parágrafo marcante:
“Acabo de ler seu livro. Um mergulho no passado, através das grades. Como tudo se parece! Alegrias e misérias, sonhos quebrados, decepções, mas o coração aguenta e os sentimentos se fortalecem, são mais claros. O sonho continua, são os meios para realizá-los que mudam”.
Aos 58 anos, já não tenho confiança irrestrita no que dizem pessoas a quem, por um ou outro motivo, convém me agradar. Daí a satisfação que senti ao captar sinceridade em Battisti! Meu passado de repórter me faz acreditar, aí sim totalmente, na leitura que faço das expressões dos interlocutores.

Outro motivo para eu citar esta frase é o de que as entrevistas com Battisti estão proibidas na “Papuda”, então sou obrigado a reconstituir nossa conversa pelas anotações que fiz precariamente (para não dar muito na vista) e pelo que retive na memória. Então, é algo inteiramente dele, para dar uma idéia de como se expressa.

Motivos da perseguição

Passemos à sua visão sobre a via crucis que percorre desde a prisão na Itália em 1979, passando por exílios no México, França e Brasil, afora os países que atravessou na fuga (Espanha, Portugal, Ilha da Madeira, Ilhas Canárias). Vou reproduzir, entre aspas, as frases de Battisti que consegui anotar, transmitindo o restante com minhas palavras, mas seguindo sua linha de raciocínio.

“Eu não sou ninguém, sou só um instrumento para a luta contra o que representou 1968 na história da humanidade”, diz ele, aludindo à pouca importância que teve durante a militância. Seu grupo, os Proletários Armados para o Comunismo, estava a anos-luz de distância das poderosas Brigadas Vermelhas, p. ex., não passando de mais um entre os aproximadamente 500 agrupamentos de ultraesquerda na Itália dos anos de chumbo.

Por que passou depois a sofrer perseguição tão encarniçada? Porque “1968 ainda não acabou”, deixando sementes que continuam a inspirar projetos de mudança, alternativas ao capitalismo globalizado que aí está. Então, as forças reacionárias querem desacreditar esse legado, “caracterizando 1968 como um movimento criminoso”.

Atirar Battisti numa masmorra italiana teria, portanto, alto valor simbólico: “Eu represento a criminalização do pós-1968”.

E como se explica o fato de que muitos dos que querem ver Cesare extraditado são antigos comunistas, como o presidente Giorgio Napolitano? “Nosso enfrentamento nas fábricas era contra o sindicalismo do PCI, não contra a democracia cristã.” Antes de pegarem em armas, os grupos de ultraesquerda já tinham como inimigos diretos os comunistas italianos, que tentavam de todas as formas evitar o crescimento da influência dos autônomos.

Estes adquiriam cada vez peso, conseguiam colocar “mil pessoas na rua de um dia para outro”, enquanto os comunistas não empolgavam mais os trabalhadores jovens. “Houve um episódio muito noticiado na época, em que o PCI convocou um congresso para reagir à ascensão dos autônomos nas fábricas, mas seus representantes acabaram sendo escorraçados.”

Então, quando parte desses autônomos pegaram em armas contra os atentados direitistas e contra a aliança histórica entre o comunismo e a democracia-cristã, tiveram pela frente, como principais repressores, os próprios comunistas. Por conta da experiência acumulada na luta contra Mussolini, “o PCI é que tinha experiência de guerrilha, não a democracia-cristã; foi nosso inimigo nº 1”.

É para evitar que seja trazido à tona o papel histórico deplorável do PCI durante as décadas de 1970 e 1980 que antigos comunistas desenvolvem tamanho esforço para encarcerar quem conquistou prestígio literário. “Poucos têm credibilidade para falar nisso em nível internacional. Quando eu me tornei escritor, virei uma ameaça.”

Neste sentido, um dos nomes mais emblemáticos dos excessos cometidos pela Itália durante a repressão aos ultras, o subprocurador Armando Spataro, é quem municia Walter Maierovitch com as informações (extraídas de inquéritos e processos) que este repassa em sua coluna da CartaCapital. “É um torturador documentado. Quantos morreram por causa dele, executados nas ruas! Ele é quem deveria ir preso, da mesma forma como os torturadores da Argentina estão sendo presos agora!”

Solidariedade financeira dos amigos

A companheira que me acompanhou na visita garantiu que Cesare estava bem mais animado quando saímos. Sem ter parâmetros para julgar, também tive a impressão de que seus passos eram mais leves na despedida, quase como quem quisesse dançar.

Faz sentido. Transmiti-lhe a avaliação de que tudo converge para o arquivamento do processo de extradição, sem análise de mérito, no julgamento que o STF deverá marcar para junho.

Como ele sabe que já participei de várias cruzadas semelhantes, deve ter levado a sério meu prognóstico. Tanto que, meio relutante a princípio, acabou revelando o que fará quando reconquistar a liberdade.

Viverá de e para a literatura. “Mesmo porque estou precisando muito de recursos, desde 2004, por causa das perseguições, não consigo ganhar a vida trabalhando. Hoje estou vivendo da solidariedade dos amigos.”

Neste sentido, pretende morar no Rio de Janeiro ou São Paulo, “que é onde as editoras estão”. Quer atuar na divulgação dos seus livros, pois, deixados ao léu, sem empenho do autor, “não acontece nada”.

Convidará sua filha mais velha, Valentina, para vir morar com ele no Brasil, mesmo porque ela é biogeneticista e aqui encontrará bom campo para seu trabalho.

Quanto à outra filha, de 14 anos, “é melhor que, por enquanto, continue morando com a mãe”.

De resto, o fim da depressão veio acompanhado por uma trégua que a hepatite B concedeu a Cesare: “Nos últimos dois meses ela me deixou em paz...”.

E, aliviado com a liberação, por ordem judicial, do livro cuja única cópia estava na memória do computador apreendido pela Polícia Federal, Battisti trata agora de escrever os dois capítulos que faltam. Seu título: Ao pé do muro.

Trata-se do segundo volume da trilogia sobre suas andanças e desventuras desde que lhe cancelaram o asilo político na França, entremeadas por lembranças da militância.

O já lançado Minha Fuga Sem Fim aborda, exatamente, a atuação (muitas vezes escusa) do lobby italiano junto aos políticos, a Justiça e a mídia franceses, no sentido de que fosse desconsiderada no seu caso a legislação de forte conteúdo humanístico do tempo de François Mitterrand.

O terceiro também já tem nome: Ser Bambu, aludindo à flexibilidade do caniço, como símbolo do jogo-de-cintura necessário para quem enfrenta adversidades como as de Cesare.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

PAUSA PARA REFLEXÃO

Dúvidas atrozes que tiram o sono dos petistas e de agrupamentos caudatários:

1) Dilma Rousseff terá saúde para concorrer à Presidência da República em 2010?

2) Suas chances eleitorais sobreviverão ao "fator Tancredo Neves" (o temor do eleitorado de que quem acabe governando seja o vice)?

Então, já surgem, aqui e ali, balões de ensaio sobre caminhos para assegurar-se um terceiro mandato consecutivo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fala-se em plebiscito e até na convocação de uma nova Constituinte (óbvio cavalo de Tróia para legitimar a mudança das regras de um jogo já em curso).

Por enquanto, tudo não passa de boatos e especulações. Então, vou alinhavar aqui alguns argumentos contrários ao queremismo, na esperança de que Dilma dê a volta por cima e de que Lula honre a promessa de não aceitar a reeleição no ano que vem:
  1. O PT não conquistou o poder com e para os trabalhadores, apenas assumiu o governo, com um programa ambíguo e um leque de alianças altamente questionável (obteve vitórias em duas eleições presidenciais nas quais fez enormes concessões ao grande capital e à politicalha convencional, tanto que depois foi obrigado a comprar o apoio de fisiológicos para garantir sustentação no Congresso);
  2. Então, se não organizou o povo para a tomada de poder nem fez uma revolução, seria oportunismo apresentar como revolucionária uma virada de mesa para evitar a entrega do governo a outras forças políticas;
  3. As alegações de que o povo exige Lula, justificadas pela aprovação que ele obtém em pesquisas de opinião, repetem o trágico equívoco cometido em 1963, quando o PCB concluiu que a esquerda já estava no poder porque, no plebiscito presidencialismo x parlamentarismo, o primeiro venceu por 82,1% contra 17,9% (percentuais, aliás, próximos aos melhores alcançados por Lula...);
  4. Massa desarmada e com conscientização política incipiente, apesar da superioridade numérica, não é páreo para os profissionais do golpismo, como ficou demonstrado no Brasil de 1964 (nem mesmo o povo chileno, muito mais politizado e aguerrido, conseguiria depois barrar o pinochetazzo);
  5. Quando constata que, pela via democrática, ficará indefinidamente fora do poder, a direita acaba unindo-se em torno dos seus núcleos mais radicais, como ocorreu em 1954 (quando teria destituído Vargas se este não houvesse, com o suicídio, revertido a derrota iminente) ;
  6. É ilusório acreditar que Barack Obama não reagirá da mesmíssima forma de seus antecessores a uma ameaça em país realmente importante na geopolítica mundial (se antecedentes valem alguma coisa - e como valem! - os EUA continuarão apoiando golpes articulados pela direita unida contra governos de esquerda no Brasil);
  7. Uma mudança casuística das regras do jogo eleitoral retirará da esquerda a superioridade moral, permitindo que a direita acumule forças travestida de defensora da democracia;
  8. Tentativas desesperadas só se justificam em situações desesperadas, o que não é o caso, pois uma vitória eleitoral de Serra vai obrigar a esquerda a repensar sua estratégia e táticas, mas não determinará o fim do jogo;
  9. A velha e boa dialética hegeliana nos ensina que há uma permanente interação entre fins e meios, de forma que a escolha dos meios errados acaba levando a um fim diferente do almejado (ou, em outras palavras, maquiavelismos e atalhos levam a muitos lugares, mas não à revolução);
  10. Por último, é bom lembrarmos que, na mitologia, aqueles que se deixavam seduzir pelo canto das sereias acabavam por elas assassinados.

domingo, 24 de maio de 2009

SERRA ESTIMULA DELAÇÃO

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O governo de São Paulo incentivará frequentadores de bares e restaurantes a denunciarem estabelecimentos que estejam descumprindo a ridícula lei antifumo, a partir de sua entrada em vigor no mês de agosto.

Quem quiser atuar como alcaguete voluntário, precisará lastrear suas acusações com provas (fotos, vídeos) ou depoimentos de testemunhas. Mesmo nada se pagando, exigir-se-á serviço completo.

Além de desperdiçar seu tempo, o serviçal do Serra desempenhará papel que até a Bíblia caracteriza como indigno. E vai estar estimulando a indústria das multas, como se os pequenos comerciantes já não estivessem sendo tributados além do suportável, há muito tempo.

Há uma legislação sensata, que discrimina espaços para fumantes e não-fumantes. Ir além disto é não só um exagero, como um oportunismo: não passa de uma daquelas cruzadas engana-trouxas a que administradores recorrem para fingirem estar fazendo algo quando faltam recursos para realizações realmente relevantes e necessárias.

Basta haver queda na atividade econômica e na arrecadação para os governos lançarem essas medidas que garantem espaço no noticiário a um custo irrisório. Quando termina a época de vacas magras, a espuma vai para o ralo e se recoloca o foco nos projetos sérios.

Numa cidade tão poluída, não é crível que o fumo passivo, sozinho, traga consequências tão terríveis como, p. ex., a concentração absurdamente alta do enxofre no diesel, que mata 3 mil pessoas por ano na capital paulistana, segundo Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo.

Ademais, o disk-baforadas do Serra servirá como incentivo para as pessoas de mentalidade repressiva, que passam a vida querendo limitar direitos alheios.

Não-fumantes costumam ser histericamente antifumantes. Consideram-se agredidos por qualquer fumacinha que alguém exale no outro quarteirão. Então, por pirraça, vão mesmo agir como os Judas dos donos de bares e restaurantes, que serão obrigados a cobrar mais ou reduzir custos (com prejuízo da qualidade) para compensarem o desembolso com as multas.

Portanto, quem dedurar, estará prejudicando não só o proprietário do estabelecimento, como também seus usuários.

O que mais me deixa pasmo é a contribuição dada por um antigo militante de esquerda para fazer-se de cada cidadão um delator em potencial. O que ele quer estimular, o advento de uma sociedade policialesca como a do 1984 orwelliano, com os filhos espionando os pais para denunciá-los às autoridades?

Em tempo: não sou nem nunca fui fumante.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

COM CESARE NA "PAPUDA"


Foi emocionante o encontro com Cesare Battisti, que relato no longo texto hoje (22) colocado no ar pelo site Congresso em Foco http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=28263

Como ele dissera, numa mensagem a mim repassada pelos companheiros do comitê, mesmo havendo um oceano de distância e a diferença de uma década, nossas experiências tinham sido muito parecidas: "Alegrias e misérias, sonhos quebrados, decepções, mas o coração aguenta e os sentimentos se fortalecem, são mais claros".

Pessoalmente, Battisti é um sujeito afável e, sem sombra de dúvida, inofensivo. Conheci os homens de ferro da esquerda e deu para perceber claramente que nosso companheiro italiano não é um deles.

Nem eu. Se fosse sincero comigo mesmo, teria reconhecido que a luta armada não era para mim no exato instante em que, participando da equipe precursora para a instalação de uma escola de guerrilhas no Vale do Ribeira (SP), coloquei um animalzinho na minha mira e, vendo-o tão gracioso e inconsciente do perigo, não tive forças para apertar o gatilho.

"Nós sabemos: / o ódio contra a baixeza / também endurece os rostos! / A cólera contra a injustiça / faz a voz ficar rouca!", disse o grande Brecht. Mas, não é bem assim. Os humanistas estão predispostos a sofrerem como vítimas, mas não a matarem como os guerreiros.

Num filme recente sobre Nelson Mandella, atribui-se a ele uma resposta exemplar, a um interlocutor que lhe pergunta se seria capaz de matar por seus ideais: "Eu seria capaz de morrer por esses ideais".

Da mesma forma, Battisti e eu somos do tipo dos que morrem por suas causas. Demo-nos mal por iludirmos a nós mesmos, querendo acreditar que fôssemos também capazes de matar. Pagamos um preço bem alto por isso.

De resto, foi emocionante escrever novamente uma matéria jornalística tão complicada, depois de dois anos. A última havia sido aquela em que narrei minha visita à reitoria da USP ocupada pelos estudantes.

A orientação do Congresso em Foco foi de fazer não uma entrevista, mas relatar o encontro de dois personagens com trajetórias de vida similares. Fácil de falar, difícil de fazer.

Mais ainda tendo de levar em conta a rede de difamação da extrema-direita, que certamente me acusará de cabotinismo (o que já faz, aliás, tentando desqualificar minha atuação como porta-voz do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti).

Então, tinha de colocar meus sentimentos na matéria, mas não a ponto de ofuscar o personagem principal.

Teria ficado mais apropriado, jornalisticamente, se um terceiro descrevesse o nosso encontro, mas não havia como viabilizar isso.

Pensei até em narrar tudo na terceira pessoa, referindo-me a mim mesmo como "Celso", mas conclui que soaria artificial.

Enfim, fiz o possível para sair-me bem da empreitada, tentando conciliar os três papéis que estava desempenhando simultaneamente: o de revolucionário solidário ao Cesare, o de porta-voz do Cesare Livre e o de jornalista.

Não dava para posar de repórter imparcial: eu já tomei partido há muito tempo. Então, só me restava deixar bem claro para os leitores (boa parte dos quais já deveria saber disto, aliás) que se tratava do relato de alguém engajado, não de um observador neutro.

Aliás, não existem observadores neutros. O que existem são jornalistas simulando uma isenção que verdadeiramente não têm.

Eu sempre preferi o jogo franco.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

SERÁ QUE EU VOU VIRAR BOLOR?

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"Venho me apegando aos meus sonhos
e à minha velha motocicleta.
Não gosto do pessoal da Nasa,
cadê meu disco voador?
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor,
será que eu vou virar bolor?"
(Arnaldo Dias Baptista)

Atingir tal ou qual idade deixa de ser realmente importante para nós depois de completarmos 18 anos. Aí já estamos na posse de todos os nossos direitos civis, podemos votar, dirigir quaisquer veículos, assistir a todos os filmes e peças que quisermos.

Mas, em termos simbólicos, continuamos acreditando que, quando totalizamos um certo número de décadas, nossa vida muda.

A Geração 1968, p. ex., conviveu com aquela palavra-de-ordem das barricadas parisienses, "não confie em ninguém com mais de 30 anos!". Houve até uma musiquinha oportunista por aqui aproveitando a onda.

Esperei com impaciência o fatídico dia em que eu deixaria de ser confiável para os contestadores do stablishment. Mal acabara de despertar, fui correndo me olhar no espelho, para ver se tinha sofrido uma metamorfose durante o sono. Que alívio! Continuava o mesmo de sempre, mais para bicho-grilo do que para caretão (era o tempo em que editava revistas de rock)...

Aos 50, entretanto, tomei a decisão de mudar toda a minha vida, saindo de um casamento desgastado, procurando uma nova companheira, tendo filhos. Foi só coincidência ou, realmente, chegar àquela idade mexeu com minha cabeça? Sei lá...

No ano passado, o grande pensador Luiz Inácio Lula da Silva colocou outra pedra no meu futuro, ao dizer que os sexagenários, ou se tornam conservadores como ele, ou têm um parafuso solto na cabeça.

O pior é que David Mamet, o melhor dramaturgo estadunidense das últimas décadas, estava com exatos 60 anos ao dar entrada no cemitério dos mortos-vivos (que saudades do Henfil!). Foi quando declarou:

"Como quase todos os liberais americanos, consumo produtos de corporações e muitas vezes anseio por eles. Então, por que sempre vociferar contra as grandes empresas e dizer que são a encarnação do mal? Percebi que nem tudo está sempre errado à minha volta. Que aceitar uma sociedade de livre mercado é muito mais condizente com a minha experiência de vida do que a visão que eu mantinha antes – a crença de que uma sociedade em que o estado intervém é melhor. E, ainda, que não posso abominar todos os que são de direita, porque convivo com eles no trabalho, na reunião de pais e mestres, na minha rua, e gosto de muitos deles".

Será que, em outubro de 2010, eu também vou virar bolor? Quero crer que não.

Talvez porque as geringonças fabricadas pelas grandes empresas nunca tenham sido fundamentais para mim. Algumas me proporcionam conforto e simplificam minha vida, claro. Mas, já passei muito tempo sem elas e posso voltar a fazê-lo, sem traumas.

Quando começava minha carreira, conheci um veterano jornalista do Diário do Comércio (SP), chamado Waterlando João Alípio, que garantia ser capaz de sobreviver mesmo que a civilização acabasse: sabia caçar, pescar e não se incomodava de viver no meio do mato.

Sem chegar a tal exagero, acho que também conseguiria, mesmo que a duras penas, adaptar-me a um mundo pós-apocalíptico. Sou um bocado teimoso.

Da perspectiva que tenho nestes tristes trópicos, que me desculpe o Mamet, tudo está realmente sempre errado à minha volta. O tal do livre mercado me fornece qualquer coisa que queira comprar, desde que, com sangue, suor e lágrimas, consiga pagar as prestações. De quebra, às vezes me faz comer o pão que o diabo amassou por conta de uma recessão que não causei.

Cá com meus botões, nunca deixarei de pensar que, dispensando tudo que é parasitário e inútil (bancos, governos, burocracias, propaganda, cursos burrificantes, objetos de luxo e mil etceteras), cada cidadão do País e do planeta poderia dispor do necessário para uma existência realmente digna -- trabalhando muito menos do que agora.

Também abomino uma sociedade em que o Estado mete o nariz em tudo e até grampeia nossos telefones. Aliás, estou com Proudhon e não abro:

"Ser governado é ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, identificado, doutrinado, aconselhado, controlado, avaliado, pesado, censurado, comandado por outros que não têm nem o título nem a ciência, nem a virtude. (...) Depois, ao menor resmungo, à primeira palavra de reclamação, reprimido, multado, enforcado, hospitalizado, espancado, desarmado, garroteado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído, e por cúmulo, jogado, ludibriado, ultrajado, desonrado".

Mas, quem disse que a estatização é a única opção em relação ao livre mercado? Por que não podemos nos associar livremente para criarmos outro tipo de sociedade, com os cidadãos assumindo e repartindo as funções hoje desempenhadas pelo Estado?

Isso era bem mais difícil de viabilizar no século 19 do que agora. Só falta vontade política e - por que não dizer? - espírito de luta. Isto os contemporâneos de Proudhon tinham muito mais do que nós.

Finalmente: quanto às pessoas de direita, não vou destratá-las apenas por serem escravas do sistema. Afinal, além de brasileiro cordial, sou cristão. Perdoo os que não sabem o que dizem.

Por tudo isto, confio em que, tanto quanto o eterno Mutante, eu não vá virar bolor. Aos 60 ou aos 100 anos.

Vai ver que tenho mesmo o tal parafuso solto...

terça-feira, 19 de maio de 2009

CASO DA AGRESSÃO A ESTUDANTES DA MOOCA TEM DESFECHO AUTORITÁRIO

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O Conselho de Pais e Professores da Escola Estadual Professor Antônio Firmino de Proença, na Mooca (zona leste de São Paulo), depredada na última quinta-feira por um grupo de alunos revoltados com as cenas de brutalidade e abuso de poder por eles presenciadas, decidiu pedir à Secretaria da Educação a imediata remoção do cargo do diretor que, por incompetência e pusilaminidade, chamou a polícia para resolver um problema que um educador de verdade jamais delegaria a outrém (nem mesmo ao Juizado de Menores, que é quem deve ser acionado em tais ocorrências), daí decorrendo agressões chocantes a um estudante de 14 anos e outro de 16, que provocaram a justa indignação dos colegas, dando origem a distúrbios cuja inteira responsabilidade foi do referido diretor poltrão e da polícia truculenta, cuja punição exemplar acaba também de ser anunciada pelo governador José Serra. ESTA SERIA A NOTÍCIA PUBLICADA, CASO ESTIVÉSSEMOS NUMA VERDADEIRA DEMOCRACIA.

O conselho de pais e professores da Escola Estadual Professor Antônio Firmino de Proença, na Mooca (zona leste de São Paulo), depredada na última quinta-feira por um grupo de alunos, decidiu expulsar oito deles. Seis por terem iniciado o quebra-quebra e dois por terem sido o pivô de toda a confusão. ESTA FOI A NOTÍCIA QUE SAIU NO JORNAL, IGUALZINHA ÀS DO TEMPO DA DITADURA, QUE JÁ NÃO ESTÁ MAIS NO PODER MAS CONTINUA ENTRANHADA NA SOCIEDADE.

Em junho de 1968, quatro secundaristas fomos também transferidos compulsoriamente do colégio no qual estudávamos, o MMDC, na mesma Mooca. Havíamos parado a escola numa noite de sexta-feira, em protesto contra atitudes autoritárias da diretora e outras arbitrariedades.

A transferência compulsória, na verdade, é um subterfúgio para evitar a contestação de decisões frágeis. A expulsão impede a matrícula em outra instituição da rede estadual e só deixa ao punido o caminho de lutar por sua revogação, o que acabará conseguindo, comprovada a injustiça; no entanto, até lá terá perdido o ano letivo.

A transferência compulsória, se aceita, permite a matrícula imediata em outra escola estadual, mas impede o recurso à Secretaria da Educação. É pegar ou largar; os pais acabam sempre pegando.

Eremias Delizoicov e eu chegamos a defender nossa posição diante da Associação de Pais e Mestres: mesmo sendo um adolescente de 16 anos e outro de 17, mantivemos a calma e apresentamos argumentos sensatos, enquanto pais reacionários se alteravam por não conseguirem nos responder à altura. Um deles teve de ser contido para não nos agredir.

O professor que apoiou explicitamente nosso movimento, Mário Hato, não só foi desaconselhado a participar dessa reunião, como obrigado a deixar o MMDC logo depois. Iniciou carreira política pelo MDB, vindo a ser vereador, deputado estadual e federal (foi um dos constituintes de 1988).

Dos punidos, Maria Palácios é hoje uma das principais sociólogas baianas.

Diego Perez Hellin leciona português na rede pública, depois de haver pegado em armas contra a ditadura e passado mais de dois anos preso.

Como também participou da resistência e foi preso político este que vos escreve.

O Eremias foi assassinado com 35 tiros pela repressão, aos 18 anos de idade. Há um Centro de Documentação e uma rua com seu nome. É pouco.

Da diretora que todos os alunos repudiavam, ninguém mais ouviu falar.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

IMPRENSA MARROM


Raras vezes encontrei uma carta de leitor tão pertinente e bem escrita como a que reproduzo abaixo, publicada hoje (18) no Painel do Leitor da Folha de S. Paulo. Concordo e subscrevo.

"A foto da ministra Dilma Rousseff com as duas mãos na cabeça, com expressão apreensiva e, de acordo com a Folha, segurando a peruca, informa? Explica os fatos?

Alguns homens públicos, quando se submetem às sessões de quimioterapia, raspam os cabelos. O governador Mário Covas, ao aparecer em público com os cabelos raspados, nunca teve em destaque esse fato, tampouco sofreu constrangimento no seu processo de doença.

Por razões culturais, para as mulheres, a representação simbólica da perda dos cabelos é diferente. A Folha e os profissionais de imprensa precisam ficar atentos a essas diferenças de gênero. Caso contrário, como acontece com a foto publicada na Folha, vão cometer atos profundamente desrespeitosos.

A mulher e a política Dilma Rousseff, no tratamento do câncer, devem ser tratadas com respeito e solidariedade. A delicadeza é uma dimensão da ética e precisa orientar o exercício do jornalismo."
JACIRA VIEIRA DE MELO (São Paulo, SP)

HÁ DOIS ANOS, O MOVIMENTO ESTUDANTIL RENASCIA


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A vitoriosa ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo, paradigma para iniciativas semelhantes que começaram a pipocar por todo o País, está completando dois anos neste mês de maio.

Enojado com o comportamento de alguns veteranos das ocupações de 1968, que não só se colocavam do outro lado da trincheira como se punham a emitir repulsivas declarações reacionárias, fiz questão de levar minha solidariedade aos estudantes.

Daí resultou o texto abaixo, um daqueles de que mais me orgulho na produção recente. Não poderia faltar neste blog.

POR DENTRO DA REITORIA OCUPADA

A última segunda-feira de maio é ensolarada, uma exceção no invernal outono paulistano. As pessoas ao redor da reitoria da Universidade de São Paulo, ocupada pelos estudantes desde o dia 3, mostram aquela animação habitual de quem reencontra o calor e o céu azul, após vários dias frios e cinzentos.

Conversam, brincam, confraternizam. Há líderes de servidores públicos se revezando num alto-falante para instruir/entreter quem chegou adiantado à reunião da categoria que terá lugar ali mesmo, ao ar livre. Ninguém parece preocupar-se com uma invasão da Polícia Militar, para cumprir o mandado de reintegração de posse concedido pela Justiça.

Uma barricada de pneus diante da entrada é a vitrine da ocupação. De que realmente servirá, caso cheguem brutamontes bem treinados e equipados, que têm a violência como realidade cotidiana? Quase nada. Mas, os símbolos têm papel importante nas batalhas em que o grande objetivo estratégico é a conquista de corações e mentes.

Diante da única porta de entrada, alguns estudantes do esquema de segurança fazem a triagem dos visitantes. Basta ter uma carteirinha de aluno ou professor da USP para entrar sem problemas. Como não sou uma coisa nem outra, levo alguns minutos para convencê-los de que não vim brincar de 007.

Como credencial, apresento meu livro Náufrago da Utopia, que por acaso trago comigo. Agrada-lhes o caderno iconográfico, com muitas fotos do movimento estudantil de 1968. Meio convencidos de minhas boas intenções, deixam que eu vá parlamentar com a Comissão de Comunicação (ou rótulo que o valha). Acompanhado, por enquanto.

Lá decidem que eu posso circular à vontade pela reitoria ocupada, liberando meu cicerone/vigia para outras tarefas. Uns 15 estudantes rodeiam meia dúzia de computadores, uns digitando e os outros palpitando.

Cuidam de manter o blog da ocupação no ar, de selecionar e imprimir textos que serão expostos nos quadros de avisos e paredes. E também de mandar mensagens de esclarecimento aos jornalistas que falam mal da ocupação. [Como se isso adiantasse. Tirando honrosas exceções, a imprensa se colocou contra os estudantes, às vezes dissimuladamente, outras da forma mais panfletária e caluniosa, como fez a Veja São Paulo, que os acusou de “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros”.]

A diferença mais marcante em relação às ocupações antigas é, exatamente, o esquema de comunicação sofisticado da atual, incluindo TV por Internet e “rádio livre”. De resto, sinto-me como se tivesse entrado num túnel do tempo e desembarcado naquele mês de julho de 1968 em que a Faculdade de Filosofia da rua Maria Antônia (SP) esteve ocupada para servir como QG das iniciativas em apoio da Greve de Osasco, lançando a nova onda que (como agora) rapidamente se alastrou.

Os mesmos colchonetes espalhados por um salão em que repousam alguns sentinelas cansados, após a vigília da madrugada – período mais propício para uma operação policial, exigindo, portanto, cuidados redobrados (e muita disposição para enfrentar o frio).

Os mesmos jovens com roupas coloridas e brilho no olhar, convencidos de que estão fazendo História, embora alguns ainda sejam imberbes.

Os mesmos mosaicos de textos e imagens compondo um visual agradavelmente anárquico. [O pôster mais hilário é o do governador José Serra fazendo mira com um fuzil e os dizeres “José Serra, nada mais nos U.N.E.”. Que ingenuidade, deixar-se fotografar em pose tão incompatível com sua aura e seu passado!]

Sou capaz de apostar que, se fizesse uma “excursão” como a que estou fazendo, a reitorazinha teria chiliques, pois, à “anarquia criativa”, deve preferir os ambientes burocratizados, assépticos e sem vida, a julgar pelo que revela nas entrevistas: faz musculação, esteira e escova nos cabelos, usa terninhos de estilo clássico, quer corrigir pálpebras e bochechas com cirurgia plástica.

Deuses, o que faz uma farmacêutica numa posição dessas? Serão esses os temas que uma reitora deve tratar na imprensa, quando sua universidade vive a maior crise das últimas décadas? [De quebra, é uma ingênua que, a mando ou com autorização do governador, pede reintegração de posse e depois paga o mico de ver o mandado judicial descumprido, já que os estudantes não engoliram o blefe e Serra teme as conseqüências desse presumível confronto sobre suas ambições políticas.]

Apesar de toda a grita demagógica dos direitistas empedernidos e dos cristãos-novos do reacionarismo, não há sinais visíveis de depredação ou vandalismo. Aliás, os estudantes criaram um sem-número de comissões, para cuidar de cada detalhe “administrativo” da ocupação, zelando pelo patrimônio público. Até permitem que os faxineiros continuem cumprindo sua função de manter limpas as várias dependências, indiferentes ao “perigo” de que o “inimigo” possa infiltrar-se camuflado com macacões.

O que não funciona mesmo são os caixas eletrônicos de bancos, nos quais foram colados avisos de “sem dinheiro”. Uma fração infinitesimal da usura consentida pela Justiça e abençoada pelo sistema foi detida. Vem-me à lembrança uma música de Sérgio Ricardo, ídolo dos universitários responsáveis pelas ocupações de quatro décadas atrás: “Os bancos e caixas-fortes/ que eram rocha, se quebraram/ e um rio de dinheiro correu”.

À saída, lanço um último olhar a esses jovens belos, brilhantes e idealistas, aparentemente tão frágeis, mas dispostos a enfrentar a tropa de choque da PM, se isso for necessário. Espero, torço para que não venha a ser.

Volto para o mundo real da desigualdade, da competição e da ganância, depois de um breve reencontro com o faz-de-conta revolucionário. Ciente de que há um longo caminho a percorrer até que os voluntários da utopia voltem a ser em número suficiente para tentarem ir além do faz-de-conta.

E, mesmo assim, esperançoso, pois um passo importante está sendo dado, com esse renascer do movimento estudantil que ora se delineia. É tudo de que precisamos, a renovação e oxigenação da esquerda, depois de tantas desilusões e defecções.

As pedras voltam a rolar.

P.S. – Já me preparava para expedir este texto em várias direções quando foi anunciado que, "a pedido" dos reitores da USP, Unicamp e Unesp, bem como do presidente da Fapesp, Serra reformulou um e deu nova interpretação a outros quatro daqueles decretos contestados pelos estudantes, funcionários e professores por ferirem a autonomia universitária. Conseqüentemente, os “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros” é que estavam certos. Seus detratores, se tivessem um mínimo de dignidade, lhes pediriam desculpas publicamente.

domingo, 17 de maio de 2009

MINO JOGA SUA ÚLTIMA CARTA: IGUALA BATTISTI A BIN LADEN (!)


Meninos mimados nos irritam, mas lhes damos um desconto por serem imaturos.

Já septuagenários mimados, quando não têm sequer a atenuante da senilidade, são insuportáveis.

Mino Carta acostumou a ver-se como os bajuladores o apresentam, ou seja, algo entre Júpiter Capitolino e um imperador da Roma dos césares.

Então, as evidências de que o Caso Cesare Battisti marcha para o único desfecho possível à luz da lei e jurisprudência brasileiras – o arquivamento do processo de extradição movido pela Itália e a imediata libertação do escritor italiano – fizeram Mino Carta perder as estribeiras e até o senso de ridículo: acaba de cometer um artigo sarcástico na aparência, furibundo na essência, cujo principal objetivo é induzir os leitores a associarem a imagem de Battisti à de Osama Bin Laden ( Asilo Político a Bin Laden, http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=4091 ).

Secundariamente, ele desfere o que pensa serem raios, mas não passam de resmungos de mau perdedor, contra o ministro da Justiça Tarso Genro, a quem culpa pelo fracasso de sua cruzada rancorosa.

Segundo Mino, há uma “doutrina, clara e insofismável, a assemelhar profundamente Cesare Battisti e Bin Laden, ambos combatentes de uma causa bélica”. Este sofisma infame o acompanhará ao túmulo, como contraponto aos méritos que acumulou na defesa da liberdade de expressão durante a ditadura militar.

É o simplismo habitual dos caçadores de bruxas: 1) pega-se um demônio; 2) forçam-se comparações fantasiosas entre ele e um ser humano; 3) condena-se o último à fogueira.

Então, como Bin Laden hoje é o estereótipo do terrorista aos olhos do cidadão comum, Mino Carta atropela a verossimilhança para equipará-lo a Battisti, comportando-se como um aprendiz de Maquiavel a aplicar a lógica de Torquemada.

TERRORISTA E GENOCIDA COMO BUSH - Bin Laden tem o perfil clássico do terrorista. É um cidadão que, exasperado com as matanças infligidas à população civil dos países árabes, resolveu pagar na mesma moeda: ao invés de lutar ao lado do povo, isolou-se numa clandestinidade extrema e foi travar sua guerra particular contra o eixo Israel/EUA.

Ao erigir os civis em alvo de uma vingança genocida, Bin Laden fez-se merecedor da execração universal, tanto quanto deveria ser execrado o terrorista George W. Bush pelos massacres de civis no Iraque (praticados sob falso pretexto, o que o igualou a Hitler no episódio do incêndio do Reichstag) e Afeganistão.

Já Battisti integrou, na década de 1970, um dos aproximadamente 500 grupúsculos de esquerda que pegaram em armas contra o terrorismo da extrema-direita (muito mais letal!) e a aliança espúria do Partido Comunista Italiano com a mafiosa Democracia-Cristã, que levou ao desespero os autênticos revolucionários, ao garantir a sobrevida do capitalismo até onde a vista alcançasse.

Foi um fenômeno político, indubitavelmente um desatino, mas não uma escalada de marginalidade. Assim a Itália o entendeu na época, ao introduzir uma legislação de exceção para combater a subversão contra o Estado (enquanto a tortura grassava solta e impune nos porões, seguindo as pegadas das ditaduras sul-americanas).

E assim reza a sentença expedida contra Battisti em processo de cartas marcadas, sem provas materiais, lastreado unicamente em delações premiadas e com lei aplicada retroativamente para agravar a pena.

Ao perceber que, face às especificações da Lei do Refúgio brasileira, jamais obteria a extradição de Battisti pelo que ele é e pelo que reconheceu ser ao condená-lo, a Itália tentou mesmerizar os tupiniquins com uma mágica canhestra, maquilando crimes políticos como comuns.

Mino Carta e Wálter Maierovitch engajaram-se de corpo e alma na campanha goebbeliana de satanização de Battisti. Não só deturparam os fatos referentes à sua militância nos Proletários Armados para o Comunismo, como repassaram aos brasileiros as mentiras italianas sobre o passado de Battisti, apresentando como marginal quem era esquerdista desde criancinha, seguindo a tradição familiar.

Agora, vendo seu castelo de cartas ruir, Mino ousa comparar um homem que recuou horrorizado diante das matanças cometidas por seus companheiros, com outro que as considera justificadas pelos objetivos maiores; um homem que depôs as armas há três décadas e desde então leva existência pacata e produtiva, com um guerreiro que jamais abdicou da luta; um homem que desempenhou papel dos mais secundários nos anos de chumbo e só atingiu a notoriedade ao ser erigido em bode expiatório pela Itália, com um dos carbonários que mais impactaram a História em todos os tempos.

Aqueles a quem os deuses querem perder, primeiramente enlouquecem. Mino acaba de atingir o ponto mais baixo da longa carreira.

Em benefício de sua biografia, é hora de resignar-se à derrota iminente como o adulto amadurecido que deveria ser, ao invés de continuar reagindo com pirraças de criança mimada.

sábado, 16 de maio de 2009

POLICIAIS CONVULSIONAM ESCOLA E SERRA PROMETE CÂMERAS (!)


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Recapitulando. Dois alunos de uma tradicional escola paulistana (a Antônio Firmino de Proença, na Mooca), com idades de 14 e 16 anos, estavam proibidos de frequentá-la em outros períodos por "mau comportamento", mas a invadiram anteontem (14), pulando o muro.

O diretor chamou a polícia. Esta usou gás de pimenta contra ambos, que estavam escondidos no banheiro, depois entrou e os agrediu. Os colegas se revoltaram e começou o quebra-quebra, que teve como saldo 47 vidraças, 25 cadeiras, 27 mesas, quatro lixeiras e um banco quebrados.

No day after, o Governo Serra continuou se comportando segundo o figurino das administrações reacionárias: anunciou a instalação de 11 mil câmeras nas escolas estaduais, para colocar os alunos sob vigilância permanente, no melhor estilo Big Brother (o do 1984 orwelliano, não o lixo global...).

De resto, está cada vez mais evidenciado que a revolta dos estudantes foi uma reação às condições deploráveis em que encontravam-se seus dois colegas ao serem retirados do banheiro.

Quanto ao diretor do estabelecimento, eis o coroamento do seu papel no episódio, segundo comentário que um aluno enviou ao meu blogue (anonimamente, claro, para evitar represálias): "Eu estava lá, e vi quando os 2 alunos saíram do banheiro chorando e pelo que eu ouvi eles também apanharam dos policiais, e vi que o diretor sabia que eles estavam apanhando no banheiro, e ficou na porta para que ninguem entrasse".

Reitero, ainda mais enfaticamente: se não sabe a diferença entre educador e repressor, tem de ser removido o quanto antes do cargo!

E é inaceitável que esteja alegando tráfico como desculpa. Não foi encontrada droga nenhuma com os dois alunos; ademais, se eles fossem traficantes, já teriam sido expulsos há muito tempo, e não proibidos de frequentar a escola em determinados períodos.

O diretor colocou a si próprio em xeque-mate: ou errou antes, não expulsando traficantes; ou errou agora, açulando a polícia contra jovens inofensivos e mentindo para tapar o sol com a peneira.

Prefiro acreditar em quem tem credibilidade: as vítimas. Explicaram ter pulado o muro para acessarem a internet nos computadores da escola. Fico com a versão que faz sentido.

Finalmente: extinguiram o Juizado de Menores? Caso contrário, a intervenção policial terá sido mais abusiva ainda.

Aguardam-se do Governo Serra punições (aos policiais e ao diretor), explicações (à opinião pública) e pedidos de desculpas (a todos os alunos). É o mínimo que se pode esperar de quem um dia presidiu a UNE.

Quanto às tais câmeras, o decoro me impede de apontar o local mais apropriado para sua inserção...

UMA RUA (QUE NÃO É MAIS) CHAMADA TORTURADOR


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Meu artigo Uma Rua Chamada Torturador, de 27/02/2008 (abaixo reproduzido), agora tem um final feliz: os vereadores de São Carlos (SP) aprovaram, por unanimidade, a mudança do nome da Rua Sérgio Paranhos Fleury para Rua D. Helder Pessoa Câmara.

Personagens repulsivos, patéticos ou meramente insignificantes dão nome a uma infinidade de rodovias, ruas, avenidas e praças brasileiras. Antigamente, ao ver na placa uma homenagem descabida, eu até me indignava. Com o tempo, passei a encarar o fenômeno de forma mais condescendente, como parte da geléia geral brasileira, tão bem retratada pelos compositores do tropicalismo.

Mário Hato, que foi meu professor de Química no colegial e depois fez carreira política, explicou-me que há um acordo de cavalheiros no Legislativo: vereadores e deputados não vetam as propostas louvaminhas dos seus colegas, salvo em casos extremos – como o ocorrido quando o hoje deputado estadual Carlos Giannazi tentou fazer com que escolas da rede pública reverenciassem a memória dos revolucionários Carlos Marighella e Carlos Lamarca. A bancada de extrema-direita reagiu de forma exacerbada.

Para melhor acomodar vaidades póstumas, chega-se a atribuir vários nomes à mesma rua: para cada trecho, um homenageado. Se fosse descendente de algum desses pseudo-figurões, eu me sentiria ofendido: por que uns são lembrados ao longo de uma estrada inteira e outros têm de se contentar com míseras centenas de metros de uma via secundária?

Meu companheiro de lutas Eremias Delizoicov, que era menor de idade quando tomou a decisão de confrontar uma ditadura bestial e acabou sendo assassinado aos 18 anos, com 35 balaços cravados no corpo, virou nome de uma rua que ninguém conhece, onde ninguém sabe ir e que ninguém jamais viu.

É muito pouco para quem perdeu tanto. Tenho me empenhado em conseguir que, pelo menos, uma escola paulistana receba o nome do Eremias, mantendo viva a lembrança do seu sacrifício – até porque é como estudante que nós, os amigos de infância, nos recordamos dele. Está difícil.

Já a Câmara Municipal de Ribeirão Preto acaba de decidir que uma via pública desse simpático município paulista receberá o nome de Juarez Guimarães de Brito, com a seguinte inscrição na placa indicativa da rua: "patriota brasileiro assassinado pela Ditadura Militar".

Fico pensando em como o bom Juvenal (o nome-de-guerra pelo qual o conhecíamos) receberia a qualificação de "patriota". Era um internacionalista, adepto fervoroso da liberdade e justiça social para todos os povos e nações.

Enfim, vale a intenção e é merecidíssima a homenagem a quem deixou uma cátedra universitária para ser professor de humanidade na guerrilha. Sua obsessão em planejar exaustivamente as ações armadas, de forma a reduzir a um mínimo a possibilidade de derramamento de sangue, chegava a ser comovente.

Preferiu, até o fim, correr riscos do que causá-los a outros. Era quem mais se aproximava do homem novo que tínhamos como meta: o indivíduo livre da ganância e do egoísmo, totalmente voltado para o bem comum, que construiria a si próprio à medida que fosse construindo a sociedade nova.

LESA-HUMANIDADE – No outro extremo, a cidade paulista de São Carlos houve por mal ter uma rua com o nome de Sérgio Paranhos Fleury, o que levou os grupos Tortura Nunca Mais de SP e RJ a protestarem energicamente:

– Este delegado de Polícia, integrante do Esquadrão da Morte, em São Paulo nos anos de 1960, tornou-se um dos principais agentes do terrorismo de Estado que se instaurou em nosso país oficialmente após o AI-5. (...) Entendemos que tal "homenagem" produz uma memória que enaltece os crimes de lesa-humanidade cometidos por estes agentes.

Trocando em miúdos: atuando no radiopatrulhamento de São Paulo, Fleury organizou um grupo de extermínio semiclandestino chamado Esquadrão da Morte, que, aparentemente, queria livrar a sociedade de suas ervas daninhas.

Requisitado pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social, alcançou repercussão nacional ao comandar a operação que resultou na morte do guerrilheiro Carlos Marighella. Graças à censura, a opinião pública não foi informada das torturas brutais mediante as quais chegou ao seu alvo, nem que organizou a emboscada de forma tão canhestra que o fogo cruzado acabou matando também uma policial e o motorista de um veículo que trafegava na região.

Responsável por um festival de horrores, incluindo a execução de prisioneiros como Devanir José de Carvalho, Fleury ainda cedia seu sítio como aparelho clandestino para os serviços sujos da repressão. Por lá passou Eduardo Leite, o Bacuri, no longo calvário que antecedeu seu assassinato.

Apesar das evidências gritantes da responsabilidade de Fleury nos crimes do Esquadrão da Morte, a ditadura militar não deixava que o bravo promotor Hélio Bicudo o colocasse na cadeia. Chegou até a criar uma lei com o único objetivo de impedir que, pronunciado, Fleury tivesse de aguardar preso o julgamento.

O guarda-chuva protetor só foi retirado quando Bicudo conseguiu provar que Fleury não eliminava marginais em benefício da sociedade, mas sim para fazer jus às recompensas de um grande traficante, empenhado em livrar-se da concorrência. Moralistas, os generais admitiam acobertar um justiceiro, mas não um capanga da contravenção.

Para piorar, com o fim da luta armada haviam terminado também as recompensas que os empresários direitistas ofereciam pela prisão ou morte dos revolucionários; e os rapinantes da repressão já não podiam mais apropriar-se dos bens de suas vítimas, outra das fontes de renda que lhes permitira viver muito acima de suas posses.

Fleury, dono de uma lancha, teria morrido ao cair na água. Falou-se muito em queima de arquivo: sem conseguir mais sustentar o vício que teria (cocaína), ele estaria exigindo dinheiro de seus antigos financiadores para não trombetear o que sabia. Como entre eles havia até sádicos que atuaram como torturadores voluntários de presos políticos, dá para imaginar o efeito devastador de uma chantagem dessas... e as prováveis conseqüências.

Nem mesmo os neo-integralistas gostam de mirar-se num exemplo desses, preferindo esquecer que Fleury existiu. Os vereadores de São Carlos provavelmente não sabiam de quem se tratava.

Independentemente do desfecho deste episódio, será sempre uma gota d’água no oceano. Uma busca no Google revela a existência, p. ex., de várias ruas com o nome de Filinto Muller, o torturador-símbolo da ditadura getulista, que chegava a ser comparado aos carrascos da Gestapo.

Para não falar das avenidas Presidente Médici que há no País inteiro, homenageando quem nunca foi presidente eleito pelo povo, mas sim ditador empossado pelas baionetas, sendo responsável pelo período mais tenebroso da História brasileira.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

POLÍCIA COLOCA EM POLVOROSA EX-ESCOLA DE SERRA

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A memória do governador paulista José Serra parece já estar sendo afetada pela... ida de S. Exa., com malas e bagagens, para o campo da direita.

Pois, como muitos enfatizamos quando o presidente Lula proferiu aquela frase das mais infelizes sobre sexagenários que continuam revolucionários, idade não implica, necessariamente, o abandono de ideais.

Comentando o tumulto ocorrido na escola em que estudou entre 1955 e 1959, a Antônio Firmino de Proença (no bairro paulistano da Mooca), Serra disse: "No meu tempo não tinha isso. Não me lembro de ter acontecido".

Ora, eu estudei a partir de 1962 no então Ginásio Estadual MMDC, também na Mooca, e logo no ano do meu ingresso houve um protesto dos alunos contra a tentativa da diretora de impor a obrigatoriedade do uniforme escolar.

É que o curso era noturno e quem já trabalhava teria dificuldade para efetuar a troca de roupa.

O protesto então ocorrido também pode ser caracterizado como tumulto: as três pistas descendentes da av. Paes de Barros foram interrompidas e os alunos gritavam palavras-de-ordem bem ofensivas contra a diretora, na linha de que a profissão dela seria mais antiga ainda que a de educadora...

A diferença não foi, portanto, a inexistência de tumulto, mas sim o comportamento civilizado da polícia, que soube agir como quem está lidando com estudantes e não com marginais.

Já a polícia do governador Serra conseguiu transformar em batalha campal o que começou como um incidente banal: dois alunos entraram na escola pulando o muro, por estarem proibidos de frequentá-la em outros períodos, devido a seu "mau comportamento".

O diretor, absurdamente, chamou a polícia. Se não é capaz de resolver sozinho uma situação dessas, tem mais é de ser removido imediatamente do cargo.

Autorizar a entrada da polícia numa escola tem de ser sempre a última opção, esgotadas todas as outras (ou quando a ameaça é realmente grave, como a presença de traficantes, de pessoas armadas, etc.).

A corajosa polícia de Serra, ao ser informada de que os alunos estavam escondidos no banheiro, preferiu não correr riscos: atirou gás de pimenta para obrigá-los a sair.

Se estudantes menores de idade (um tem 14 anos e o outro, 16) são tratados desta maneira, dá para imaginarmos o quanto os direitos constitucionais dos verdadeiros contraventores devem estar sendo pisoteados.

Exibição tão gratuita de violência -- ambos foram, além disto, agredidos, segundo dizem os colegas e eu acredito -- revoltou os demais alunos, provocando revolta e depredações.

Eis o saldo da desastrada operação policial: dois adolescentes na delegacia, 47 vidraças, 25 cadeiras, 27 mesas, quatro lixeiras e um banco quebrados

Inquirido sobre seus sentimentos em relação a um episódio tão deprimente ter ocorrido em sua antiga escola, Serra declarou: "Ficaria [igualmente] chateado se fosse em qualquer [outra] escola".

Concordo. Exatamente por isto, Serra tem de punir de forma exemplar os policiais poltrões, incompetentes e truculentos que agiram numa escola como se estivessem invadindo o QG do Fernandinho Beira Mar.

E colocar o diretor do Firmino de Proença numa função mais adequada a suas aptidões, como, p. ex., a de burocrata que passa o dia carimbando papelada e não precisa administrar pessoas em situações de crise.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

REFÚGIO DE BATTISTI É APOIADO PELA CÂMARA E SENADO

"Eu cheguei a ouvir que o Supremo Tribunal Federal poderia dizer que não compete ao presidente da República julgar sobre esse assunto. Não acredito que o Supremo vá fazer isso”, declarou o ministro da Justiça Tarso Genro, referindo-se à possibilidade de o STF tornar definitiva sua decisão sobre o Caso Battisti, desalojando o presidente Lula de seu atual papel de última instância nos processos de refúgio humanitário.

A frase, proferida na audiência pública que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal promoveu nesta terça-feira (12) sobre o refúgio concedido ao escritor italiano Cesare Battisti, foi uma farpa com endereço certo: o presidente do STF Gilmar Mendes, que fizera essa afirmação indefensável ao ser sabatinado pelo jornal Folha de S. Paulo.

Foi um passo em falso de Mendes, ao admitir a hipótese de que o STF extinga, na prática, a Lei do Refúgio, segundo a qual o caso de Battisti já está decidido, só cabendo ao Supremo arquivar o processo de extradição movido pela Itália e colocá-lo o quanto antes em liberdade.

Ou seja: até agora, o STF tem sempre reconhecido que não lhe cabe apreciar o mérito de processos como o de Battisti, depois de o refúgio ter sido concedido pelo Ministério da Justiça, em consonância com a lei que rege tal instituto humanitário. Todos foram simplesmente extintos pelo STF.

Mendes admitiu não só que o Supremo pudesse tomar decisão totalmente diferente desta vez, como antecipou uma das mudanças: o Judiciário usurparia a prerrogativa do Executivo de ser a última instância no processo, impedindo que Battisti viesse a recorrer ao presidente Lula.

É altamente impróprio o presidente da mais alta corte do País, em relação a um processo que ainda será por ela julgado, não só manifestar-se favoravelmente a algo que não está na lei atual, como dar a entender que os outros ministros acompanharão, como vaquinhas de presépio, seu entendimento. Ainda mais não sendo, nem sequer, o relator do processo em questão.

De resto, a audiência pública – à qual compareci – revelou que a concessão de refúgio humanitário a Battisti tem o aval tanto da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, como da sua congênere do Senado. E a quase totalidade dos parlamentares presentes, inclusive os senadores Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque, apoiou enfaticamente a posição de Genro. A única exceção foi o deputado Paes de Lira (PTC-SP), o qual, entretanto, honestamente admitiu que acusados de crimes muito piores do que os atribuídos a Battisti já receberam asilo ou refúgio entre nós.

Ele defende a mudança da postura tradicional do Brasil, de abrigar perseguidos de todas as nações e orientações ideológicas. Genro, evidentemente, destacou que a soberania brasileira será atingida se der a este caso tratamento diferente de todos os demais que já lhe foram submetidos, ainda mais o fazendo sob descabidas e arrogantes pressões italianas:

"Seria perturbador se o Supremo Tribunal Federal mudasse a jurisprudência para o caso Battisti para atender a demanda de um país [Itália] que não respeita as decisões do Brasil. Tendo o STF julgado em todas as situações, e mais graves, seguindo o despacho dado pelo ministro da Justiça, tenho a convicção de que isso [extradição] não vai acontecer".
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