terça-feira, 31 de janeiro de 2012

"SÓ ACREDITO NO EMPREGO DA VIOLÊNCIA EM CIRCUNSTÂNCIAS MUITO ESPECIAIS"

A mensagem que recebi do companheiro Plínio de Arruda Sampaio, em resposta ao meu artigo Nossas melhores armas são o espírito de justiça e a superioridade moral, foi exatamente a que dele esperava.

Nunca duvidei de suas convicções, mas temia que o artigo publicado na Folha de S. Paulo (ver íntegra aqui) servisse como estímulo a uma radicalização que, neste momento, só interessa à direita golpista. Houve, inclusive, quem o divulgasse euforicamente nas redes sociais, destacando e aplaudindo o apelo às armas.

Então, é-me muito gratificante ter proporcionado ao nosso imprescindível Plínio a oportunidade de esclarecer melhor sua posição.

Segue a íntegra da mensagem:

"Prezado Celso

Pelo respeito que tenho pela sua militância, venho dar-lhe uma explicação a respeito do artigo sobre o massacre do Pinheirinho.

A proposta de emprego da violência não se referia aos ocupantes daquela área mas à necessidade de que a massa trabalhadora estivesse preparada para enfrentar a burguesia.

Não ficou claro e deu essa impressão equivocada, que causou estranheza a você, à Marietta e, imagino, a muito mais gente.

Na verdade, cometi o erro de tratar de um assunto complexo como este sem o espaço requerido para uma exposição adequada. Até porque, defensor, como sou, do socialismo democrático, só acredito no emprego da violência em circunstancias muito especiais e qualificadas.

Quero agradecer-lhe pelos comentários, que me fizeram ver o erro cometido, e agradecer as elogiosas referencias à minha pessoa.

Seu amigo e admirador, Plinio"

O NOVO RECORDE DO BRADESCO E A EXACERBAÇÃO DAS CONTRADIÇÕES

Notícia desta 3ª feira, 31:
"O Bradesco, segundo maior banco privado do Brasil, aumentou seu lucro líquido em 10,04% em 2011, para os R$ 11,02 bilhões, informou nesta terça-feira a empresa.

Os ativos totais do banco atingiram em dezembro em R$ 761,5 bilhões, com alta anual de 19,5%. O valor de mercado do Bradesco alcançou os R$ 106,9 bilhões em 31 de dezembro".
Para dimensionarmos o peso que um único banco tem na economia brasileira, vale lembrar que as projeções são de que nosso PIB tenha fechado 2011 na casa de US$ 2,44 trilhões.

Se queres um monumento, olhe em torno. Os Itaús e Bradescos da vida têm muito a ver com o fato de estarmos disputando com o Reino Unido, cabeça a cabeça, a posição de sexta maior economia do planeta, mas ficarmos no 84º lugar em desenvolvimento humano (dentre 187 países avaliados) e em 97º lugar no ranking da desigualdade.

Tudo exatamente como Lênin já dizia em 1916, no clássico O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo:
"O monopólio surgiu dos bancos, os quais, de modestas empresas intermediárias que eram antes, se transformaram em monopolistas do capital financeiro. Três ou cinco grandes bancos de cada uma das nações capitalistas mais avançadas realizaram a 'união pessoal' do capital industrial e bancário, e concentraram nas suas mãos somas de milhares e milhares de milhões, que constituem a maior parte dos capitais e dos rendimentos em dinheiro de todo o país.
A oligarquia financeira, que tece uma densa rede de relações de dependência entre todas as instituições econômicas e políticas da sociedade burguesa contemporânea sem exceção: tal é a manifestação mais evidente deste monopólio.

O imperialismo é a época do capital financeiro e dos monopólios, que trazem consigo, em toda a parte, a tendência para a dominação, e não para a liberdade. A reação em toda a linha, seja qual for o regime político, é a exacerbação extrema das contradições".

UM BOM GOVERNO REAGE À IDEALIZAÇÃO DA FORÇA. E O NOSSO?

Alguém consegue imaginar Mitterrand...
O filósofo Vladimir Safatle estava inspirado ao escrever sua coluna desta 3ª feira, 31 (íntegra aqui):
"Na semana passada, esta Folha [de S. Paulo] divulgou pesquisa mostrando como a grande maioria dos entrevistados apoia ações truculentas como a internação forçada para dependentes de drogas e intervenções policiais espetaculares como as que vimos na cracolândia.

Se houvesse pesquisa sobre o acolhimento de imigrantes haitianos e sobre a posição da população em relação à ditadura militar, certamente veríamos alguns resultados vergonhosos.

Tais pesquisas demonstram como a idealização da força é uma fantasia fundamental que parece guiar populações marcadas por uma cultura contínua do medo.

É preferível acreditar que há uma força capaz de 'colocar tudo em ordem', mesmo que por meio da violência cega, do que admitir que a vida social não comporta paraísos de condomínio fechado.

Sobre qual atitude tomar diante de tais dados, talvez valha a pena lembrar de uma posição do antigo presidente francês François Mitterrand (1916-1996).
...se prestando a ISTO?
Quando foi eleito pela primeira vez, em 1981, Mitterrand prometera abolir a pena de morte na França. Todas as pesquisas de opinião demonstravam, no entanto, que a grande maioria dos franceses era contrária à abolição.
Mitterrand ignorou as pesquisas. Como se dissesse que, muitas vezes, o governo deve levar a sociedade a ir lá aonde ela não quer ir, lá aonde ela ainda não é capaz de ir. Hoje, a pena de morte é rejeitada pela maioria absoluta da população francesa.
Tal exemplo demonstra como o bom governo é aquele capaz de reconhecer a existência de um potencial autoritário nas sociedades de democracia liberal e a necessidade de não se deixar aprisionar por tal potencial".
Então, como não dá para ressuscitarmos o inesquecível François, o jeito é cobrarmos de Dilma e Lula a mesma coragem política de Mitterrand: que honrem as bandeiras em nome das quais lhes outorgamos três mandatos. 

Começando por não trocarem mais sorrisos e afagos com os representantes do Opus Dei que encabeçam o projeto de fascistização do País.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O QUE É ISTO, COMPANHEIRO?!

VÁ LÁ QUE O LULA PERDOE O QUE O COLLOR FEZ NO PASSADO. 

MAS, RELEVAR O QUE O ALCKMIN ESTÁ FAZENDO NO PRESENTE É DEMAIS!!! 

PIOR DO QUE ISTO, SÓ SE O LULA FOR CLICADO SORRIDENTE AO LADO DO BRILHANTE USTRA...

CONIVENTE COM A FASCISTIZAÇÃO, O PT SERÁ POR ELA TRAGADO

"O que o PT parece perder de vista é que, como sempre acontece na história com os partidos fracos, gelatinosos, dispostos a todas as concessões e vilanias, a sua política policial se voltará, mais cedo ou mais tarde, contra ele mesmo. E isso pode acontecer logo que, despido de sua auréola e credibilidade por força da violência que criou e tem gerido, deixe de ser um instrumento útil nas garras da fauna de bilionários que hoje se alimenta do Estado. Nesse momento, o criador será entregue como repasto para sua criatura."

A advertência é do filósofo Bajonas Teixeira de Brito Jr., num extenso artigo que deve ser lido e avaliado com muita atenção pelos cidadãos que não aceitam viver debaixo das botas: O Brasil reinventa o totalitarismo – a nova máquina policial, publicado no Congresso em Foco (ver íntegra aqui).

Eis os trechos principais:

Não é fácil compreender como o ovo da
serpente pôde ser chocado no governo do PT
"Há muitos sintomas que hoje indicam a eclosão de uma forma peculiar de totalitarismo no Brasil... [e] ainda temos que descobrir o que está por trás dos traços totalitários que se avolumam.

Observamos esses traços se ramificarem em diversas direções: nas alterações (sempre para cima) dos contratos bilionários das empreiteiras; nas concessões inconstitucionais para as obras da Copa e outros megaeventos esportivos, que (...) assumem a forma de um efetivo Estado de Exceção, com as garantias constitucionais anuladas em benefício da especulação imobiliária e outros grandes interesses econômicos; o mesmo aparece nos projetos colossais, como o do Plano Nacional de Banda Larga, em que salta aos olhos o modo com que, como faca quente sobre a manteiga, os 'parceiros' do governo federal infringem ou denunciam os acordos no mesmo dia em que os firmam e obtém os privilégios que Estado algum concederia.

Por fim, o que provoca estremecimento e pavor, temos as operações policiais destinadas aos pobres e aos movimentos sociais, cada vez mais aparatosas em que se pode admirar a pujança do aparelhamento da repressão: helicópteros blindados em sobrevôo rasante, enormes carros blindados, viaturas novinhas em folha, armaduras articuladas com proteção amortecedora e design futurista, semelhantes às dos soldados americanos no Iraque, veículos especiais para transporte rápido de grande quantidade de cavalos, utilização da cavalaria como técnica de cerco e perseguição, etc.

"...estamos dentro de uma espiral
de violência e repressão..."
Uma atenção especial merece esse último aspecto, a força repressiva, em vista da escalada da violência policial que se cristalizou em diversos acontecimentos repulsivos nos últimos tempos.

Os fatos (...) deixam pouca margem a dúvidas. Sua concentração em janeiro de 2012, é sintomática. Estamos dentro de uma espiral de violência e repressão policial que ultrapassa a média histórica, já extremamente alta, que caracterizou sempre a história de um país elitista e discriminador. Um tripé repressivo, que envolve o judiciário, a polícia e a política, manipulando uma consciência pública cada vez mais debilitada (...) está bem montado e, tudo indica, atuará daqui para frente sempre com maior ferocidade. Estamos já muito além de acontecimentos episódicos e passageiros. Há por trás de tudo isso um comércio de armamento, viaturas, blindados, helicópteros, munições, armas, etc. O Rio de Janeiro já é palco de uma das maiores feiras mundiais, a Feira Internacional de Segurança, para a aquisição de armamentos destinados à repressão pública.

O que já está em prática é um projeto [de  superpolícia], que foi articulado pelo então ministro da defesa, Nelson Jobim, que evocou à época a 'expertise' adquirida pelo exército em conflitos urbanos na missão do Haiti... Uma conclusão que se pode tirar nessa altura é a seguinte: se um ministro da defesa é quem articula um projeto policial, em que o exército, a marinha e aeronáutica são peças decisivas, então o inimigo contra o qual o país pretende se defender é um inimigo interno. Ao longo da história, nos regimes totalitários, o ponto crucial foi sempre o domínio sob o aparato policial visando a liquidação do 'inimigo interno'.

A repressão direcionada contra o "inimigo
interno" é característica do totalitarismo
O que não é fácil de compreender é como, no governo de um partido que sempre se disse comprometido com as causas populares, foi chocado o ovo da serpente. Enquanto há pouco mais de uma década discutia-se ainda o absurdo da existência de duas polícias, a militar e a civil, e se falava na extinção de uma delas para a consolidação do sistema democrático, o que acompanhamos nos últimos tempos foi o reforço de toda a maquinaria policial: o uso da Polícia Federal contra mobilizações sociais (...), a criação da Força Nacional de Segurança Pública, a mobilização das Forças Armadas para operações em favelas, o fortalecimento da divisão da polícia em Civil e Militar, a quase que autonomia dos batalhões especiais, como o Bope.

O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) disse (...) que a Policia Militar transformou em 'praça de guerra' a ação de reintegração de posse da área invadida do Pinheirinho...

Mas como é possível tanto cinismo, se os instrumentos dessa guerra foram criados por esse governo e por sua base política?"

domingo, 29 de janeiro de 2012

NOSSAS MELHORES ARMAS SÃO O ESPÍRITO DE JUSTIÇA E A SUPERIORIDADE MORAL

Convidado pela Folha de S. Paulo a expressar a posição contrária à  blietzkrieg sobre Pinheirinho, como contraponto à defesa do cumprimento cego de decisões errôneas e desumanas da Justiça feita por um tal de João Antonio Wiegerinck, o grande Plínio de Arruda Sampaio produziu uma análise corretíssima da doença, mas receitou um remédio letal para o paciente que pretende curar e para muitos mais: a defesa das ocupações pela via armada (ver íntegra aqui). Eis sua argumentação:
"Pacífica, despolitizada e sem organização, essa população tem aceitado a situação intolerável sem recorrer à violência. Até quando?

Isso vai continuar acontecendo enquanto os partidos de esquerda deixarem de cumprir seu papel de conscientizar e organizar essa massa, para que ela resista a esses ataques de armas na mão.

Na hora em que isto for uma realidade, não haverá violência, porque a consciência dessa realidade será suficiente para manter os cassetetes na cintura".
A revolta do Plínio é pra lá de justificada e compreensível. Seu impecável relato dos acontecimentos mostra mesmo uma situação inaceitável numa democracia. Mas, se a esquerda conscientizar e organizar a massa das ocupações, para que resista aos jagunços fardados com armas na mão, vai se tornar ela própria parte do confronto.

Aí, as hipóteses serão apenas duas:
    "Há soldados armados, amados ou não,
    quase todos perdidos de armas na mão"
    • organizando tão somente os ocupantes, não os explorados e excluídos em geral, as lições do passado apontam para um quadro bem diferente do sonhado por Plínio, com os cassetetes permanecendo, sim, na cintura, mas porque substituídos por fuzis e lança-chamas --ou seja, a esquerda e os ocupantes acabariam esmagados pelos efetivos a serviço da propriedade, cujo poder de fogo, claro, é infinitamente superior;
    • se a esquerda partir para a organização dos trabalhadores e excluídos em geral, no sentido de respaldarem a resistência de armas na mão aos crimes consentidos pelo Executivo e avalizados pelo Judiciário (como foi o caso do Pinheirinho), a radicalização de parte a parte inevitavelmente desembocará numa luta armada como a que foi travada contra a ditadura de 1964/85.
    Nada indica que o desfecho seria diferente hoje.

    Daquela vez, estavam bloqueados todos os caminhos democrátivos para a contestação do regime implantado mediante golpe e sustentado por meio do terrorismo de estado. Entre resignarmo-nos à lei do mais forte ou lutarmos contra o arbítrio, alguns milhares fizemos a opção mais digna, pegando em armas a despeito de estarmos plenamente conscientes do quanto a correlação de forças nos era desfavorável.

    Fomos heróis. Fomos mártires. Fomos massacrados.

    "Nos quartéis lhes ensinam antigas lições
    de morrer pela pátria e viver sem razões"
    Atualmente, embora a democracia formal sirva como biombo para a ditadura do capital, ela pelo menos nos garante a possibilidade de tocarmos os corações e esclarecermos as mentes. Graças, principalmente, à quebra do monopólio da formação de opinião que a internet nos possibilitou, estamos pouco a pouco, com trabalho de formiguinha, estimulando em novos contingentes o desenvolvimento de uma consciência crítica e antagônica ao capitalismo. Ampliamos e rejuvenescemos nossos efetivos a olhos vistos.

    Já predominamos na web e isto nos deu fôlego suficiente para vitórias antes improváveis, como a que obtivemos no Caso Battisti e ao rechaçarmos o atentado à liberdade de expressão perpetrado em São Paulo, quando a Marcha da Maconha foi reprimida.

    Mas, a mídia a serviço das más causas ainda consegue fazer com que 82% dos paulistanos aprovem uma resposta policial para um problema social, como foi o caso na cracolândia. E isto apesar das evidências gritantes de que, além de desumana, a operação fracassou rotundamente, a ponto de a própria Polícia Militar admitir que os usuários de drogas foram apenas esparramados por, pelo menos, 27 outros pontos da cidade (ver aqui). 

    Então, com todo o respeito que Plínio de Arruda Sampaio, com sua exemplar trajetória de lutas, merece dos que travamos o bom combate, desta vez ele foi traído pela emoção. A análise serena nos recomenda que:
    • continuemos levando sempre em conta a correlação de forças --ou seja, que não radicalizemos as lutas além de nossa capacidade real;
    • não forneçamos trunfos e pretextos para a direita golpista que mostrou suas garras na USP, na cracolândia e no Pinheirinho;
    • prossigamos disseminando nossas idéias em escala cada vez mais ampla e resistindo às investidas autoritárias com as armas do espírito de justiça e da superioridade moral, não com armas de fogo.
    O que faltou em Pinheirinho não foram necessariamente armamentos. Se, posicionados ao lado dos coitadezas da ocupação, lá estivessem, digamos, 50 mil cidadãos pacíficos e determinados, provavelmente isto teria sido "suficiente para manter os cassetetes na cintura".

    Vamos é trabalhar para termos 50 mil bons cidadãos no lugar certo e na hora certa, da próxima vez.

    CAÇAPA CANTADA

    "O Governo Geraldo Alckmin lança, de afogadilho, uma retumbante operação policial para dispersar viciados em crack por toda a cidade de São Paulo, apenas mudando de lugar um problema social.

    A mesma coisa fez o hediondo delegado Sérgio Fleury, quando ainda atuava no radiopatrulhamento, lá por 1966: com a truculência que lhe era inerente, barbarizou a  boca do lixo.

    As prostitutas apenas passaram a atuar em outros sítios e a darem menos bandeira por uns tempos, até tudo voltar ao normal.

    Este filme está em vias de ser reprisado. Já foi medíocre da primeira vez." (post de 06/01/2012 deste blogue, ver íntegra aqui) 

    "A ocupação da Polícia Militar na cracolândia espalhou usuários de drogas por pelo menos 27 bairros da capital. Entre os dias 10 e 22, a PM recebeu, pelo 190, 1.038 ligações de moradores de várias regiões da cidade reclamando de ‘noias’ na porta de casa.

    Alguns desses lugares já eram ocupados por usuários de drogas e agora estão com movimento mais intenso. Em outros pontos, moradores dizem que nunca haviam visto consumo de crack perto de casa." (notícia de 27/01/2012 do "Jornal da Tarde", ver íntegra aqui)

    UM SAMBA DO MILICO DOIDO NO PORTAL DO GOVERNO DE SP

    Grandes e eternos Demônios da Garoa!
    "Joaquim José,
    que também é
    da Silva Xavier,
    queria ser dono do mundo
    e se elegeu Pedro II.
    Das estradas de Minas,
    seguiu pra São Paulo
    e falou com Anchieta,
    o vigário dos índios.
    Aliou-se a Dom Pedro
    e acabou com a falseta:
    da união deles dois,
    ficou resolvida a questão
    e foi proclamada
    a escravidão"
    (Sérgio Porto,
    Samba do crioulo doido)

    A linha do tempo do site da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo está mais para linha do contratempo, conforme pode ser constatado aqui

    Além da justificativa grosseira do golpismo --a afirmação, retirada anteontem (27/01) sob vara, de que os forças policiais acumpliciados com a quebra da normalidade constitucional teriam traído seu dever para se porem "solidárias às autoridades e ao povo" (ver relato do episódio aqui)--, há também um estupro grosseiro da História, referente ao ano de 1970. Este:
    "O Comando de Operações Especiais da Polícia Militar foi criado em 13 de março de 1970, logo após incidentes com grupos de guerrilha liderados pelo ex-capitão Carlos Lamarca. O COE funciona como tropa reserva do Comandante Geral da Polícia Militar, e tem como missões: operações especiais policiais militares; busca e captura de procurados em locais de difícil acesso...", etc.
    Portanto, em 13 de março foi criada uma unidade para atuar em situações como a malograda perseguição ao comandante Carlos Lamarca no Vale do Ribeira... que só seria iniciada no dia 20 de abril!!!

    Então, onde está escrito "logo após", leia-se "38 dias antes".

    A mesma confusão pode ser constatada no louvaminhas verbete Comando de Operações Especiais da Wikipedia (ver aqui), evidentemente de autoria fardada. 
    "Em 1970, no estado de São Paulo, Vale do Ribeira, vinham sendo registradas atividades típicas de insurgência, ações típicas de guerrilha, tendo como chefe o ex-Cap EB Carlos Lamarca e sendo que para lá, foram deslocados contingentes militares reforçados que incluíam, obviamente, homens pertencentes à milícia estadual. Em um dos combates havidos, o Aspirante a Oficial PM Alberto Mendes Junior foi tomado como prisioneiro pelos rebeldes, sendo, depois friamente assassinado.

    Podemos considerar este fato - a morte do PM Alberto Mendes Junior - como a célula-máter da criação do COE, em 13 de março de 1970. O fato, dentre outras implicações, evidenciou a necessidade de se constituir uma unidade especializada, no âmbito da Polícia Militar, para desenvolver operações de contra-guerrilha".
    Aí o  samba do milico  fica mais  doido  ainda, pois a morte do tenente ocorreu no dia 10 de maio.

    A hipótese mais plausível é que tenham criado o COE como um reforço para o aparato repressivo destinado a combater uma eventual guerrilha rural em São Paulo (*), e estejam sendo obrigados a manter a data de 13/03/1970 por ser a que consta na papelada oficial.

    Só que, para a novela ficar mais piegas, resolveram apresentar o COE como uma resposta aos eventos de abril e maio. Quem iria notar?

    O atento companheiro baiano Ismar C. de Souza, militante do movimento negro e pesquisador de assuntos dos  anos de chumbo, notou... e me deu a dica. Daí estarem agora aprendendo, da pior maneira, que mentiras oficiais não permanecem em pé sem uma censura para as escorar.

    Fica, enfim, mais uma vez comprovado o viés propagandístico das versões que a ditadura apresentava dos acontecimentos e suas viúvas mantêm até hoje. Nunca deram a mínima para a veracidade histórica; seguiam, isto sim, o manual de guerra psicológica.

    * àquela altura, iludidos pelas balelas que o comandante Chizuo Ozawa lhes impingiu nas sessões de tortura, os militares acreditavam que a área de treinamento guerrilheiro da VPR se localizasse em Goiás.

    sábado, 28 de janeiro de 2012

    POLÍCIA DE SP É FLAGRADA DE NOVO EXALTANDO A DITADURA MILITAR

    "Em 31 de março de 1964 iniciou-se a Revolução, desencadeada para combater a política sindicalista de João Goulart. Força Pública e Guarda Civil puseram-se solidárias às autoridades e ao povo."

    Este parágrafo aberrante, tratando a quartelada de 1964 como Revolução (com inicial maiúscula!) e justificando a participação da Força Pública e da Guarda Civil no golpe contra o presidente constitucional do País, constava até esta 6ª feira (27) da página virtual da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, alojada no portal do Governo paulista.

    Ilustrando-o, havia uma imagem apoteótica da Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, a maior arregimentação da classe média lograda pelos conspiradores durante a preparação do cenário para a derrubada de Goulart. Em primeiro plano, um oficial fardado.

    Como a permanência deste entulho autoritário veio à tona exatamente no momento em que a escalada autoritária do Governo Alckmin recebe críticas generalizadas, a SSP correu a deletar texto e foto. O ano de 1964 foi apagado da linha do tempo, que agora salta diretamente da criação da Polícia Científica em 1956 para a instituição do Departamento de Trânsito em 1967.

    Ao portal Terra foi encaminhada nota afirmando o seguinte:
    "O texto relacionado ao ano de 1964 não reflete o pensamento da Secretaria da Segurança Pública e foi retirado do site. A SSP agradece a observação, sempre atenta, da imprensa".
    A última atualização da página havia sido efetuada em 2010 --ou seja, 25 anos depois da virada dessa página infame da nossa História, a SSP continuava exaltando o arbítrio e o totalitarismo... à custa dos impostos dos contribuintes de São Paulo!

    NA DERRUBADA DE GOULART, A ROTA
    ESTAVA "APOIANDO A SOCIEDADE"?!

    E não se tratou de caso isolado: também a unidade mais truculenta da Polícia Militar paulista, a Rota, vangloriava-se no seu site da seguinte  campanha de guerra
    "Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, apoiando a sociedade e as Forças Armadas, dando início ao regime militar com o Presidente Castelo Branco" (o grifo é meu).
    Indignado com esta exaltação do golpismo e, noutro trecho, com os autoelogios da Rota ao seu papel de coadjuvante das Forças Armadas na repressão aos cidadãos que pegaram em armas contra a ditadura militar, enderecei carta aberta ao então governador José Serra em outubro de 2008.

    Tive de repetir a dose com os governadores Alberto Goldman e Geraldo Alckmin, escrever mais de duas dezenas de textos (ver balanço aqui) e esperar quase três anos para ver suprimida, pelo menos, a referência à derrubada de Goulart.

    Até então, a PM descumprira promessa feita ao portal Brasil de Fato, de eliminar tais absurdos; e Serra, respondendo a uma pergunta que lhe enderecei na sabatina da Folha de S. Paulo, admitira publicamente que tal retórica era despropositada, sem que Goldman (o vice a quem transmitira o cargo para disputar a eleição presidencial) tomasse qualquer providência.

    Até que Ivan Seixas --também ex-preso político e meu companheiro nesta denúncia-- cientificou a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, cujo firme posicionamento finalmente demoveu Alckmin da intransigência que ele e os outros governadores tucanos vinham mantendo. Em  setembro de 2011!

    Salta aos olhos que o ranço totalitário ainda não foi extirpado da polícia paulista, daí o papel chocante que vem desempenhado ultimamente, com tanta  convicção: na USP, na cracolândia e no Pinheirinho, foram os brucutus da ditadura que atuaram --prendendo, batendo, arrebentando e expulsando.

    Não os efetivos policiais de um estado de direito.

    sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

    PARA RELATORA DA ONU, JUDICIÁRIO DE SP TRANSGREDIU LEIS INTERNACIONAIS

    Relatora especial das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik avalia como "gravíssimas" as violações de direitos humanos cometidas pela Polícia Militar de São Paulo no Pinheirinho.

    Em extensa entrevista à repórter Eleonora de Lucena, da Folha.com, Raquel revela ter exigido a imediata suspensão do cerco policial e a formação de uma comissão de negociação independente para decidir o destino das famílias escorraçadas da área.

    Ela enviou um apelo urgente às autoridades brasileiras, que a ONU fará chegar à missão permanente do Brasil em Genebra. Cabe a esta notificar o Ministério das Relações Exteriores que, por sua vez, fará contato com a prefeitura de São José dos Campos, o governo paulista e órgãos do governo federal. O prazo para resposta à ONU é de 48 horas.

    Eis os principais trechos da entrevista de Raquel, cuja íntegra pode ser acessada aqui:
    "......enviei um apelo urgente às autoridades brasileiras, chamando atenção para as gravíssimas violações no campo dos direitos humanos que estão acontecendo no processo de reintegração de posse no Pinheirinho. Posso apontar várias dessas violações. Minha base legal é o direito à moradia adequada, que está estabelecido nos pactos e resoluções internacionais assinados pelo Brasil e que estão em plena vigência no país.

    O grande pano de fundo é que não se remove pessoas de suas casas sem que uma alternativa de moradia adequada seja previamente equacionada, discutida em comum acordo com a comunidade envolvida. Não pode haver remoção sem que haja essa alternativa. Aqui se tem uma responsabilização muito grave do Judiciário, que não poderia ter emitido uma reintegração de posse sem ter procurado, junto às autoridades, verificar se as condições do direito à moradia adequada estavam dadas. E não estavam.

    O Judiciário brasileiro, particularmente do Estado de São Paulo, não obedeceu à legislação internacional. A cena que vimos das pessoas impedidas de entrar nas suas casas e de pegar seus pertences antes que eles fossem removidos para outro local --isso também é uma clara violação. Isso não existe! Nenhuma remoção pode deixar a pessoa sem teto. Nenhuma remoção pode impor à pessoa uma condição pior do que onde ela estava. São duas coisas básicas.
    Nenhuma remoção pode ser feita sem que a comunidade tenha sido informada e tenha participado de todo o processo de definição do dia da hora e da maneira como isso vai ser feito e do destino de cada uma das famílias.
    Tudo isso foi violado. Já violado tudo isso, de acordo com a legislação da moradia adequada, tem que fazer a relação dos bens. Remoção só deve acontecer em último caso. Isso foi absolutamente falho.
    Não pode haver uso da violência nas remoções, especialmente com crianças, mulheres, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção. Vimos cenas de bombas de gás lacrimogêneo sendo jogadas onde tinham mulheres com crianças e cadeirantes. Coisa absolutamente inadmissível.
    As autoridades têm 48 horas para responder ao apelo. Confirmando ou não as informações de violação. (...) O apelo é mandado para a missão permanente do Brasil em Genebra, que manda para o Ministério das Relações Exteriores e o MRE é quem faz o contato com a prefeitura, o governo do Estado e os órgãos do governo federal para responder.
    ...[hoje] faço um pronunciamento público. Nele peço que seja imediatamente suspenso o cerco policial, que se estabeleça uma comissão de negociação independente, com a participação da prefeitura, governo do Estado, governo federal e representação da própria comunidade, para que se possa encontrar uma solução negociada para o destino da área e das famílias. Que é a questão principal: o destino das famílias".

    BLITZKRIEG EM PINHEIRINHO FOI "BARBÁRIE", DIZ DILMA. BRAVÍSSIMO!!!

    A presidente Dilma Rousseff, no Fórum Social 2012, somou sua voz à indignação nacional contra a truculência mais uma vez desencadeada pela Polícia Militar paulista contra os excluídos.

    O que aconteceu em Pinheirinho foi "barbárie", disse ela.

    Foi barbárie, dizemos todos os que penamos 21 anos sob uma brutal ditadura e não assistiremos passivamente às sorrateiras tentativas de restabelecerem o primado da repressão como resposta aos problemas sociais --mais um passo de uma caminhada que poderá conduzir a novo estupro da nossa liberdade, se não esmagarmos o ovo da serpente enquanto é tempo.

    Dilma está certa quanto aos limites da atuação do governo federal no caso. Mas, o PT não tem tal inibição e precisa colocar a militância protestando na rua, até para honrar os seus princípios, sua história e sua mística: É UM PARTIDO QUE NÃO TEM O DIREITO DE OMITIR-SE DIANTE DA BARBÁRIE! 

    Eis o relato do enviado da Folha de S. Paulo a Porto Alegre, Felipe Bächtold:

    "Em reunião fechada ontem com movimentos sociais em Porto Alegre, a presidente Dilma Rousseff fez críticas contundentes à reintegração de posse na área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos (a 97 km de São Paulo).
    A Folha ouviu seis participantes do encontro. Segundo eles, Dilma se referiu à operação da Polícia Militar paulista como 'barbárie' e disse que não esperava que ocorresse dessa maneira.

    Falou ainda que o modelo usado na reintegração, realizada no domingo passado, nunca será adotado pelo governo federal.

    Mas, ainda segundo os espectadores da reunião, a presidente disse que o país é uma federação e que o caso estava sob responsabilidade de um Estado e do Judiciário, o que limita a atuação do governo federal".

    quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

    REINTEGRAÇÃO DE POSSE OU ARBITRARIEDADE PLENA?

    Outro excelente texto alheio cujos principais trechos transcrevo (a íntegra está aqui) por concordar inteiramente com as avaliações do autor, o veterano jornalista Jânio de Freitas. Trata-se de sua coluna desta 5a. feira, O que houve em Pinheirinho?.

    A ação realizada pelo governo paulista por intermédio de sua Polícia Militar em Pinheirinho, São José dos Campos, usou o nome técnico de 'reintegração de posse'. Algum juiz chamaria, com base no direito que aprendeu, de reintegração de posse o que houve em Pinheirinho? Ou haveria como fazê-lo com base nos artigos e princípios reunidos pela Constituição?

    O governo Alckmin e o prefeito de São José dos Campos, ainda que há muito sabedores de que a reclamada reintegração exigiria a instalação das 2.000 famílias desalojadas, não incomodaram nesse sentido o seu humanitarismo de peessedebistas.

    Seja (...) o que for que [os ocupantes] tenham feito, o direito de defesa está na Constituição como integrante legítimo da cidadania. E se foi utilizado, duas razões o explicam.

    Uma, a ação policial de maneiras e formas não autorizadas pelo mandado de reintegração de posse, por inconciliáveis com os limites legais da ação policial.

    Segunda razão, a absoluta inexistência das alternativas de moradia que o governo Alckmin e o prefeito Eduardo Cury tinham a obrigação funcional e legal de entregar aos removidos, para não expulsar, dos seus forjados tetos para o danem-se, crianças, idosos, doentes, as famílias inteiras que viviam em Pinheirinho há oito anos.

    ...ficam ali caracterizadas as responsabilidades de quem faltou com seus deveres e, por ter faltado, recorreu à arbitrariedade plena: tiros e vítimas de ferimentos, surras com cassetetes e partes de armamentos (mesmo em pessoas de mãos elevadas, indefesas e passivas, como documentado); destruição não só das moradas, mas (...) das posses mínimas que podem ter as pessoas ainda carentes de invasões para pensar que moram em algum lugar.

    O que houve em Pinheirinho, São José dos Campos, SP, não foi reintegração de posse.

    Essa expressão do direito não se destina a acobertar nem disfarçar crimes. Entre eles, o de abuso de poder contra governados.

    O 'MONSTRO DA MAMADEIRA' E OS MONSTROS DA LEI E ORDEM

    A coluna desta 5a. feira de Rogério Gentile na Folha de S. Paulo, Injustiça brasileira, expõe um caso semelhante ao da Escola Base --aquela acusação igualmente precipitada e bombástica (assédio sexual) que, em 1994, um delegado ávido por holofotes fez aos proprietários de uma escola para crianças em São Paulo. 

    A mídia sensacionalista açulou a turba e os coitados tiveram a escola depredada, além de quase serem linchados. Depois, ficou provado que eram inocentes.

    É revoltante ao extremo. Transcrevo-a na íntegra.

    Daniela Toledo do Prado tinha 21 anos quando foi acusada por uma médica, em uma sala de emergência, de cometer um crime pavoroso: matar a própria filha, uma criança de um ano e três meses, com uma overdose de cocaína.

    Em estado de choque, sem conseguir dizer quase nada em sua defesa, foi presa e levada pelos policiais, sob gritos de "vagabunda", para a cadeia, onde foi espancada.

    Seu rosto ficou desfigurado. Teve a clavícula e a mandíbula quebradas. Perdeu a audição do lado direito -uma das detentas enfiou e quebrou uma caneta em seu ouvido. Apesar dos gritos, ninguém a socorreu e, somente após duas horas, foi levada, em coma, para o hospital.

    Trinta e sete dias depois, porém, foi solta quando um laudo provou que não era cocaína o pó branco achado na mamadeira e na boca da menina. Mesmo assim, a Justiça só a absolveu em 2008, dois anos após perder a filha e, como ela costuma dizer, a sua própria vida.

    Desempregada, evita até hoje sair de casa sozinha por medo de apanhar em razão da repercussão do caso -era chamada de "monstro da mamadeira". Toma antidepressivos, assim como seu filho de oito anos; diz sofrer dores fortes na cabeça e convulsões. "Não me esqueço do delegado. Dizia ter aberto o corpo de minha filha, que estava cheio de cocaína."

    Embora terrível, o caso de Daniela não é uma exceção no Brasil. Cerca de 205,5 mil pessoas, ou 40% do total, estão encarceradas, muitas há anos, sem julgamento. São os chamados "presos provisórios", confinados frequentemente nas mesmas celas de criminosos condenados.

    Quantos, de fato, são culpados e deveriam mesmo estar presos? Impossível saber. Os que um dia conseguirem provar sua inocência poderão recorrer à própria Justiça em busca de indenização. Daniela, após tanto sofrimento, conseguiu. Ganhará módicos R$ 25 mil e uma pensão mensal vitalícia de R$ 414. Isso, claro, se o governo Alckmin, que nega culpa do Estado no episódio, não conseguir reverter a decisão.

    P.S.: pesquisando o caso para esclarecer a dúvida de um leitor, descobri que ele é pior ainda do que parece. Tratou-se de uma ARMAÇÃO para desqualificar Daniela, que havia denunciado um quintanista de medicina por ESTUPRO. Há um extenso relato aqui. Minhas sinceras desculpas por ter fornecido informação incompleta.

    CUBA NUMA SINUCA DE BICO: ITAMARATY AUTORIZA ENTRADA DA BLOGUEIRA

    Para sair de uma sinuca dessas, só o
      lendário  Carne Frita (ver vídeo abaixo)...
    Como eu venho dizendo desde o primeiro momento, fez-se uma tempestade em copo d'água acerca da viagem da blogueira Yoani Sánchez ao Brasil. Se as autoridades cubanas houvessem tido o bom senso de não atrapalharem um mero evento cultural (a estréia do documentário Conexão Cuba-Honduras, no próximo dia 10), seria apenas e tão somente uma noticia de pequena relevância, como tantas outras.

    No entanto, negaram a Yoani Sánchez autorização para sair do país, esta apelou à presidente Dilma Rousseff, o senador Eduardo Suplicy acionou a Comissão de Relações Exteriores e o caso acabou assumindo proporções que não deveria nem precisava ter.

    Agora o Itamaraty acaba de anunciar a concessão do visto de entrada a Yoani.

    O ônus da intransigência foi esta sinuca de bico na qual Cuba se colocou: ou cede e dá o braço a torcer, ou não cede e cria um atrito totalmente desnecessário com um governo que lhe tem sido simpático.

    Cuba causa muito mais mal a si mesma
    do que Yoani seria capaz de lhe causar
    Alguns criticarão a decisão da presidente Dilma Rousseff, sem atentarem para o fato de que era pra lá de previsível: depois de repudiar enfaticamente o apedrejamento de Sakineh Ashtiani e prometer que não relativizaria o respeito aos direitos humanos, o que mais ela poderia fazer? Desmoralizar-se na primeira  prova dos nove  a que seu discurso é submetido?

    Falharam, isto sim, os diplomatas cubanos, que não souberam passar aos dirigentes do seu país um quadro mais realista do lado brasileiro do  imbroglio, deixando que perseverassem no erro.

    O Carlos Lungarzo e eu temos sido atacados por assumirmos posição diferente da dos que se colocam incondicionalmente ao lado dos governos que lhes são simpáticos, mesmo quando estes estão viajando na maionese.

    No criticado artigo Minha posição sobre a blogueira cubana (ver aqui), eu tentava justamente evitar que um episódio menor se tornasse um pomo da discórdia entre os dois países. Vale lembrar:
    "...eu prefiro que a pressão [para autorizarem a viagem de Yoani] seja de esquerdistas autênticos (sem vezo autoritário) sobre o governo cubano. Não da presidente Dilma, do Senado, nem mesmo de parlamentares bem (Suplicy) ou mal intencionados.

    Não é uma questão entre nações, mas sim de visões diferentes sobre como deve ser exercido o poder popular".
    Moral da história: nem sempre os capachos, os bajuladores e os fanáticos são os que prestam o melhor serviço a quem tem de posicionar-se em situações delicadas. Foi o que os reis aprenderam da pior maneira possível, às vezes perdendo a coroa e até a cabeça no curso do aprendizado...

     Se você acha que a foto foi só um pretexto para eu
    colocar este vídeo do Carne Frita... acertou em cheio!

    quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

    GIANNAZI: BLITZKRIEG EM PINHEIRINHO É "GRANDE TRAGÉDIA HUMANITÁRIA"

    O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) vai pedir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Comissão de Direitos Humanos da OEA "uma profunda investigação dos atos da juíza da 6a. vara de São José dos Campos, Márcia Faria Loureiro, e da presidência do Tribunal de Justiça que avalizou a decisão de retirar mais de 6 mil moradores do bairro do Pinheirinho, causando uma grande tragédia humanitária que afrontou e violou a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos elementares, inclusive de crianças, mulheres grávidas e idosos".

    A intenção foi anunciada no site de Giannazi (ver aqui), que está finalizando o dossiê a ser encaminhado ao CNJ e à OEA.

    Participante das negociações para que o episódio tivesse desfecho pacífico, ele estranhou "o comportamento da juíza em manter a todo o custo a execução da liminar, mesmo com a suspensão por 15 dias do processo da massa falida, acordado no dia 18 de janeiro".

    A suspensão visava exatamente dar tempo aos governos federal, estadual e municipal para encontrarem outra solução que não fosse a transformação do Pinheirinho numa "praça de guerra", conforme bem definiu o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República.

    "Qual o motivo que levou ao apressamento da retirada dos moradores se a massa falida, responsável pelo pedido de reintegração de posse estava suspendendo o processo na perspectiva de uma saída negociada e pacifica?" --indaga Giannazi. 

    Ele também levanta um ponto que me causara idêntica estranheza: a desobediência à liminar do Tribunal Federal de Recursos, suspendendo a desapropriação. Havendo conflito entre a Justiça estadual e federal, cabia ao Governo Alckmin aguardar que o Superior Tribunal de Justiça o dirimisse.

    Na minha opinião, a pressa em criar-se um fato consumado foi suspeitíssima.

    ESTRATÉGIA DE TENSÃO

    O jornalista Hélio Gaspari, em sua coluna desta 4a. feira (25), também veio ao encontro de uma afirmação que eu faço desde o primeiro momento: a de que o Governo Alckmin buscou e forçou o confronto (Gaspari responsabiliza também os organizadores da ocupação e a a Prefeitura de São José):
    "Na operação militar que desalojou 1.600 famílias da área ocupada do Pinheirinho, em São José dos Campos, ganhou quem jogou na tensão. Conseguiram mobilizar 1,8 mil PMs, numa operação que resultou em dois dias de choques, no desabrigo de 2.000 pessoas, dez veículos destruídos, quatro propriedades incendiadas e 34 presos.
    A gleba foi invadida em 2004 e está avaliada R$ 180 milhões. É o caso de se perguntar o que poderia ter sido feito ao longo de sete anos para evitar que o maior beneficiado pelo espetáculo fosse a massa falida de uma empresa do financista Naji Nahas, que deve R$ 17 milhões à prefeitura".
    Faltou Gaspari acrescentar que a mesma estratégia da tensão está sendo adotada na USP e na cracolândia, o que caracteriza algo maior e mais perigoso: um processo de fascistização, que eu vejo como balão de ensaio e ponta de lança do golpismo em escala nacional. Se não for detido, vai se radicalizar cada vez mais e servir como modelo para os reacionários de outros Estados.

    Finalmente, repito um alerta que já lancei: o reinício das aulas na USP se dará sob os piores augúrios, depois da provocativa expulsão de seis estudantes durante as férias, reeditando os tempos nefandos da ditadura militar e seu decreto 477. 

    Se a tropa de ocupação e o reitor imposto não saírem até lá, haverá graves turbulências e talvez até vítimas fatais. A contagem regressiva está em curso.

    terça-feira, 24 de janeiro de 2012

    UMA ÚLTIMA PALAVRA SOBRE A MORTE DE WILMAN VILLAR

    O valoroso companheiro Carlos Lungarzo, que há mais de três décadas milita na Anistia Internacional (seções argentina, brasileira, estadunidense e mexicana), pôs-se a investigar seriamente o episódio do novo preso de consciência que morreu ao fazer greve de fome em Cuba. Eis os trechos principais de seu artigo Wilman Villar: dissidente ou quê? (integra aqui) :
    "'Desacato' [acusação a Villar] é uma figura criminal que existe no Brasil e outros países com tradição autoritária, mas é ignorada em países realmente democráticos.

    Em Cuba, como no Brasil, a noção de  desacato  é um resíduo da mentalidade escravocrata, combinada, no caso de Cuba, com a tradição stalinista, e no Brasil, com a do Estado Novo.

    Saber se Villar bateu na esposa é bem difícil. Raramente podemos conferir se um crime cometido em nosso bairro foi real ou foi 'plantado' pela polícia. Aliás, os argumentos cubanos são sempre similares. Todos os que têm alguma discordância com o sistema são agentes imperialistas, ou criminosos comuns, bandidos, mercenários, estupradores, etc.

    Quem é Villar?

    Os dados sobre Wilman Villar Mendoza têm especialmente três fontes: o próprio governo cubano, sua esposa, Maritza Pelegrino Cabrales, e o professor Elizardo Sánchez, fundador e presidente da CCDHRN [Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional].

    Segundo relatos da esposa, no dia 2 de novembro de 2011, Willman participou na cidade de Contramaestre (na província de Santiago, no extremo oriente da Ilha) de um ato de protesto pacífico exigindo liberdades e direitos humanos. Ele era membro da Unión Patriótica de Cuba, um grupo de oposição moderada, vinculado com a ONG das Damas de Blanco, irmãs, viúvas e mães de vítimas da repressão. Maritza afirma que ele foi detido nesse mesmo dia. Outros artigos que não especificam sua fonte registram como data de captura o dia 14 de novembro.
    Segundo a esposa, Wilman foi submetido a um julgamento que durou menos de uma hora, durante o qual nenhuma pessoa foi autorizada a entrar, incluída ela, e no qual não houve advogado. O réu foi proibido, segundo isto, de apresentar qualquer alegação em sua defesa.

    Ele foi condenado a quatro anos de prisão sob a acusação de 'desacato', e logo no dia 25 de novembro começou uma greve de fome, enquanto permanecia em regime isolado. Maritza conseguiu vê-lo pela última vez em 29 de dezembro. Algumas agências indicam a duração da greve em 50 dias, mas o começo em 25 de novembro é mencionado por quase todas as fontes, o que significa 56 dias.
    Desde a captura de Wilman até sua morte em 19 de janeiro de 2012, a esposa, que continuava militando com as Damas de Blanco, foi ameaçada várias vezes pela polícia, que lhe advertiu que suas filhas de 5 e 7 anos poderiam ser colocadas sob a tutela do Estado. Sabe-se que alguns contatos fora de Cuba informaram a Maritza que Wilman tinha morrido em 19 de janeiro. Ele foi enterrado num pequeno cemitério de Contramestre, mas a assistência de amigos ou simpatizantes foi proibida.
    O governo cubano divulgou uma nota (...) onde se relata a captura, processo e condenação de Villar numa forma totalmente diferente:
    O documento oficial diz que Villar tinha sido detido por pedido de sua sogra (cujo nome não menciona) por ter agredido a sua esposa em público. Essa agressão teria ocorrido em 7 de julho de 2011, ou seja, cinco meses antes de sua detenção.

    O texto oficial afirma que, apesar de ter agredido a sua esposa, a justiça cubana permitiu a Villar responder o processo em liberdade, mas, logo em seguida, este se teria vinculado a grupos conspiradores contra o governo. Um detalhe interessante é que o comunicado acusa Villar de ter atacado os policiais que acudiram em defesa de sua esposa no dia do conflito conjugal. Mas, por outro lado, o julgamento do réu foi em novembro, e aparentemente pelo mesmo delito (desacato).

    Seria um exercício de maniqueísmo tentar distribuir culpas e identificar bandidos e mocinhos. Cuba foi alvo de enorme quantidade de atos terroristas da direita, de bloqueio e de diversos tipos de conspiração internacional. Não sabemos se teria sido fácil estabelecer um regime democrático e humano, compatível com o modelo de sociedade imaginado pelo marxismo.

    Mas, o que é claro é que nunca o governo cubano, nem mesmo nos primeiros momentos da Revolução, admitiu qualquer forma de dissidência.

    Portanto, é uma ingenuidade surpreender-se de que o governo cubano não considere Villar um dissidente. Para o governo da Ilha, dissidentes são sempre inimigos, de diferente grau e sujeitos a diferentes punições".
    Democraticamente, Lungarzo escreveu um segundo artigo, contemplando o contraditório: Caso Wilman: a voz de Cuba (íntegra aqui ).

    Ele e eu continuamos acreditando na possibilidade --e necessidade!!!--- de regimes que não sejam nem capitalistas, nem autoritários. São os únicos que podem vingar em escala internacional no século 21, era da internet e do repúdio cada vez mais generalizado a tudo que tolha a liberdade pessoal dos cidadãos.

    Enquanto a imagem do socialismo continuar associada ao esmagamento do indivíduo, o capitalismo terá imensamente facilitada a faina para perpetuar-se quando sua função histórica já está esgotada. Vai se manter senhor do mundo e nós permaneceremos restritos a países isolados e periféricos --cujos sabotados e embargados regimes, por impossibilidade material de oferecerem aos governados tudo que Marx prometeu, acabam recorrendo ao autoritarismo contra os insatisfeitos. É um círculo vicioso que precisamos desesperadamente romper, para podermos almejar de novo a revolução internacional.

    Ou seja, os maiores beneficiários de episódios como o de Villar são nossos inimigos. E não adianta taparmos o sol com a peneira. Ninguém que tenha um mínimo de espírito crítico acredita em versões oficiais maquiladas; só fanáticos as engolem.

    O que temos é de impedir que tais episódios aconteçam. Então, a verdadeira contribuição que devemos dar à gloriosa revolução de Che e Fidel é fazer chegar às autoridades cubanas nosso inconformismo com mortes inúteis e desastrosas como a de Zapata e de Villar. Distorcê-las e acumpliciarmo-nos a elas só faz aumentar o desgaste da nossa imagem, dificultando o ascenso revolucionário neste momento que nos é tão propício.

    segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

    O QUE O PT ESPERA PARA REAGIR À FASCISTIZAÇÃO EM SP?

    Passando por cima de uma decisão da Justiça (*) e antecipando-se à solução negociada que estava bem encaminhada e possibilitaria um desfecho pacífico, o Governo Alckmin novamente deu demonstração estúpida de força, desta vez contra os coitadezas escorraçados da Ocupação Pinheirinho.

    Tudo que havia a ser dito sobre a fascistização em curso no estado de São Paulo, balão de ensaio e ponta de lança do golpismo em escala nacional, eu já disse no recente artigo Terrorismo na USP: tentaram mandar o Sintusp pelos ares.

    O novo episódio vem exatamente na esteira dos anteriores, intensificando a escalada de agressões aos movimentos organizados e aos sacos de pancada de sempre, os excluídos.

    Só me resta renovar o alerta aos petistas: seu partido, como bem notou o colunista Melchiades Filho (vide aqui), está acomodatício e condescendente diante da sucessão de descalabros autoritários da dupla Alckmin-Kassab. Age segundo as conveniências da política menor, sem perceber que está em jogo algo muito maior e extremamente preocupante.
    Os versos de Brecht caem como uma luva nesta situação:
    Primeiro levaram os negros
    Mas não me importei com isso
    Eu não era negro
    Em seguida levaram alguns operários
    Mas não me importei com isso
    Eu também não era operário
    Depois prenderam os miseráveis
    Mas não me importei com isso
    Porque eu não sou miserável

    Depois agarraram uns desempregados
    Mas como tenho meu emprego
    Também não me importei

    Agora estão me levando
    Mas já é tarde.
    Como eu não me importei com ninguém
    Ninguém se importa comigo.
     
    * Havia uma ordem em contrário do Tribunal Federal de Recursos --que, entretanto, acabou sendo desautorizada pelo STJ depois que este post já estava no ar. Ainda assim, por que tanto açodamento? Por que não esperar que o conflito de jurisprudência fosse dirimido? A pressa em criar um fato consumado foi suspeitíssima.
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