sexta-feira, 31 de outubro de 2008

CHEGA DE PATINARMOS SEM SAIR DO LUGAR!

A Folha de São Paulo informa que "Tarso volta a questionar AGU e cobra punição a torturador", mas o "advogado geral da União, José Antonio Dias Toffoli diz não ter motivo para rever parecer".

Significativo mesmo é o cala-a-boca ordenado aos fiéis vassalos do rei: "O Palácio do Planalto determinou a seus subordinados que não alimentem publicamente a polêmica".

De acordo com o jornal, o presidente procede como tem sempre procedido nas crises entre defensores dos direitos humanos e os que advogam a impunidade eterna dos carrascos: "Lula, segundo a Folha apurou, quer evitar que a polêmica se prolongue e exponha, mais uma vez, o governo em relação ao tema. Em agosto, Tarso e Vanucchi defenderam a punição de torturadores, abrindo uma crise com as Forças Armadas que se estendeu durante semanas e só foi abafada depois da intervenção do presidente".

Daquela vez, a "intervenção do presidente" veio ao encontro da posição das Forças Armadas. Estamos assistindo apenas à reprise de um filme medíocre e que acabou mal: o mocinho morreu no fim.

E não se trata só da habitual paúra de quem nunca teve grandeza para envergar uma faixa presidencial, como se depreende deste outro trecho da matéria: "Antes de finalizar o parecer, a AGU buscou a opinião de diferentes ministros. Venceu a corrente que prefere evitar confrontos com o Ministério da Defesa, de Nelson Jobim, e as Forças Armadas".

Vai daí que "setores insatisfeitos com o parecer da AGU pressionam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que interceda em favor de uma mudança no texto", mas estão perdendo tempo, porque "não há, por ora, nenhuma movimentação na Presidência para essa revisão".

O ministro Tarso Genro (Justiça) e o secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi esperneiam para tentar conseguir uma saída honrosa, mas a única que lhes resta é a porta da rua.

E todos aqueles que buscam uma condenação inequívoca da ditadura de 1964/85 e dos culpados pelas atrocidades então cometidas, melhor farão se travarem a luta, a partir de agora, junto à sociedade. A fase dos gabinetes palacianos está esgotada.

A anistia que os carrascos concederam a si próprios em 1979 é o grande obstáculo para que se faça justiça plena. Há que se levantar a bandeira da revogação dessa lei e substituição por outra, gerada em liberdade e coerente com os valores civilizados.

Chega de patinarmos sem sair do lugar!

P.S.: ver também "PARECER BRILHANTE USTRA" REVELOU A VERDADEIRA FACE DO GOVERNO LULA, no blog O Rebate ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2008/10/parecer-brilhante-ustra-revelou.html )

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

NELSON, EU NÃO SOU GAY

Em Ayrton, o Herói Revelado, a mais nova biografia de Senna, o jornalista Ernesto Rodrigues garante: o episódio que mais causou sofrimento ao piloto, "em toda a sua vida", foi o de ter sua orientação sexual colocada em questão por Nelson Piquet, em janeiro de 1988.

Senna dera uma alfinetada no rival Piquet, ao responder a uma pergunta de jornalista sobre o motivo de ele andar sumido da imprensa: "É para o Piquet poder aparecer um pouco".

A resposta veio quente: "Ele anda desaparecido para não ter de explicar à imprensa brasileira por que não gosta de mulher".

Segundo o biógrafo, Senna ficou arrasado e, de bate-pronto, decidiu processar Piquet. Depois desistiu da idéia.

É interessante compararmos o estresse de Senna com a indiferença de Gilberto Kassab, diante de insinuação semelhante, feita pela campanha de Marta Suplicy.

Ou com a rápida assimilação, pelos brasileiros, da novidade de que o jogador Ronaldo fazia programas com travestis. Não houve indignação furibunda, apenas piadas e sarcasmos que não causaram maiores danos.

Ou seja, o Brasil mudou muito nos últimos 20 anos, coroando a revolução de costumes iniciada em 1968. Está consagrado o entendimento de que adultos podem buscar prazer como bem entenderem, desde que haja consentimento mútuo e não se transgridam as leis que protegem a minoridade, vedam violência excessiva, etc.

Coube a um conjunto quase esquecido - João Penca E Seus Miquinhos Amestrados - popularizar a nova atitude em 1983, ao fazer blague com o tabu homofóbico em seu cover de "Tell Me Once Again", do Light Reflections.

A letra debochada de "Calúnias (Telma, Eu Não Sou Gay)" foi um verdadeiro achado:
"Eu deixei aquela vida de lado
E não sou mais um transviado
Telma, eu não sou gay
E o que falam de mim são calúnias..."

Depois de tudo isso, os marqueteiros da política ainda acreditaram que pudessem virar uma eleição explorando os velhos preconceitos. Tiraram zero em sociologia e outro zero em ética.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

POR QUE A PM AFASTOU O CORONEL DO CASO SANTO ANDRÉ?

A PM trocou o comandante do inquérito que deveria apurar as trapalhadas cometidas pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) no Caso Santo André. Resta saber se foi para produzir mais luz ou, pelo contrário, apagar a pouca que existia, mediante uma atuação mais eficaz no encobrimento da verdade dos fatos.

O coronel Eliseu Teixeira, sem isenção nenhuma, assumira a defesa incondicional do Gate.

Quando começou a ser desmascarada pela TV Globo a balela de que a invasão policial havia sido precipitada por um disparo de Lindemberg, o coronel se manteve irredutível.

Aí a sobrevivente Nayara confirmou em entrevista coletiva o que já ficara evidenciado a partir do teipe gravado no momento dos acontecimentos e das conclusões do perito independente contratado pela emissora: não houvera tiro nenhum, só uma operação de inoportunidade e incompetência extremas, que acabou provocando a morte de quem se queria salvar.

Como 2 e 2 são quatro, a opinião pública imediatamente concluiu que a verdade era a que se depreendia de teipe, perito e Nayara; e que a mentira estava do lado de sempre.

Foi quando o coronel tentou salvar a situação com uma frase patética, dizendo que o tiro não era "fator primordial" para avaliar-se se a ação do Gate fora ou não desastrosa.

Insultou a inteligência de todos que acompanhavam o caso.

Se houvera tiro, ainda se poderia desculpar uma invasão que deu todo tempo do mundo para Lindemberg atirar em Eloá.

Sem tiro, a única conclusão possível é que tal invasão foi inconsequente, sem planejamento adequado e executada da forma mais canhestra.

Segundo a PM, o coronel Eliseu Teixeira foi botinado do inquérito "devido à repercussão da coletiva" de Nayara. Por ter sido flagrado mentindo ou porque não conseguiu bolar uma mentira convincente para tapar o sol com a peneira? Eu cravaria a segunda opção, sem pestanejar...

De tudo isso, o que mais deveria preocupar o cidadão comum é: se a PM mente descaradamente num episódio que meio mundo estava acompanhando, o que não fará nos demais?

Desta vez, por acaso, havia uma poderosa emissora de TV esmiuçando o episódio. E das outras vezes, quando ninguém desmistifica as mentiras?

Quantos inocentes não terão sido abatidos por engano e depois dados como "bandidos reagindo à prisão"?

Quantos não estarão cumprindo penas imerecidas?

Quantas pessoas honestas não terão sido colhidas por fogos cruzados que uma polícia competente evitaria provocar?

Não era só o comandante do inquérito que precisava ser trocado. É a própria filosofia que norteia a truculenta atuação policial em São Paulo e aqueles que por ela respondem nos altos escalões.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

DEMOROU UMA ETERNIDADE...

Notícia da Folha de S. Paulo de hoje (28):

"O ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, ameaçou ontem se demitir caso a AGU (Advocacia Geral da União) mantenha a defesa do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, em processo no qual é acusado de ter sido torturador durante o período da ditadura militar (1964-1985).

"(...) O ministro afirmou que vai pedir ao presidente Lula, caso a AGU não recue, para deixar o ministério. De acordo com Vannuchi, a peça de defesa de Ustra produzida pela União será utilizada por muitos torturadores em suas defesas."

Meu artigo Governo Escolhe Seu lado: o de Brilhante Ustra (dia 23):

"Tarso Genro e Paulo Vannuchi, respectivamente ministro da Justiça e secretário nacional de Direitos Humanos, sofreram uma derrota acachapante, com a decisão tomada pela União de assumir a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel..."

"...a dignidade impõe que se afastem de um governo que os desautoriza a cada momento".

Enfim, conforme reza a sabedoria popular, antes tarde do que nunca...

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR JOSÉ SERRA

Exmo. Sr. Governador José Serra,

como admirador que sou de sua trajetória idealista, mormente no período anterior ao golpe militar que desencadeou o arbítrio, as perseguições políticas e a prática continuada e generalizada de atrocidades em nosso país, quero crer que suas convicções democráticas e seu apego aos valores civilizados continuem os mesmos de quando V. Exa. presidia a UEE e a UNE.

Entre o momento de sua opção pelo exílio para garantir a integridade física e a própria sobrevivência, em 1964, e o feliz reencontro com a pátria amada, em 1978, muitos fatos escabrosos aconteceram. A censura férrea então imposta à imprensa, bem como as intimidações que os usurpadores do poder praticavam sistematicamente contra os jornalistas, devem ter impedido que algumas ocorrências relevantes lhe chegassem ao conhecimento no Chile e Estados Unidos, onde V. Exa. desenvolvia brilhante carreira acadêmica.

Um deles foi a criação, dentro do atual 1º Batalhão de Polícia de Choque Tobias de Aguiar (teve diversos nomes até receber este definitivo em 1975), das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), uma unidade incumbida de combater a guerrilha urbana e que, depois de massacrados os combatentes da resistência à ditadura pela via armada, passou a aplicar os mesmos métodos de torturas e assassinatos contra criminosos comuns.

A bestial execução de três jovens inocentes de classe média por parte dos carrascos da Rota 66, em 1975, fez com que a opinião pública se desse conta da existência de grupos de extermínio legalizados a aterrorizarem a população dos bairros pobres de São Paulo.

O excelente livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, documentou 4.200 casos de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como vítimas, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros (muitas vezes sem antecedentes criminais). Os inocentes atingidos por engano seriam em maior número do que os verdadeiros criminosos - cuja condição, claro, não eximia os policiais do dever de entregá-los à Justiça, ao invés de simplesmente abatê-los, como faziam.

Tudo é revoltante nos relatos de Barcellos: a impunidade dos criminosos que, nas raras vezes em que alguém ousava denunciá-los, eram julgados pelos próprios colegas de corporação; as arbitrariedades de toda ordem, como alterações nos cenários dos crimes, destruição dos documentos das vítimas, aceitação de depoimentos contraditórios e até ameaças aos profissionais íntegros que tentassem não envolver-se nessas farsas; a impotência das famílias que, sem recursos para custear advogados e exigir justiça, acabavam se conformando com a execução covarde de seus entes queridos...

Endeusada pelos jornais popularescos e sanguinários, a Rota era a menina dos olhos de Paulo Maluf, que lhe deu total liberdade de ação quando governador e depois, em suas campanhas políticas, sempre prometeu colocá-la na rua.

Os excessos cometidos pela Rota eram tão frequentes e chocantes que o jornal Folha de S. Paulo chegou a exigir, em editorial (06/02/1983), que o governo estadual desativasse a Rota, dando fim à sua "legenda sanguinária":
- O método de operação consagrado pela Rota e imitado, nos últimos tempos, por outras unidades da PM não é apenas essencialmente ilegal, porque baseado na detenção de "suspeitos" identificados por uma nebulosa intuição policial; não é só atentatório aos direitos humanos, porque conduz frequentemente à eliminação sumária desses "suspeitos" ou à extração de confissões mediante sevícias; é também intrinsecamente incapaz de conter a escalada da criminalidade, mas ao contrário a alimenta com doses de violência cada vez mais desatinada.

Mas, perguntaria V. Exa., por que estou a relembrar esses acontecimentos infames, referentes a um passado que nos envergonha e entristece?

Simplesmente porque, neste ano de 2008, em plena vigência da democracia, o 1º Batalhão de Choque Tobias de Aguiar - Rota destaca no seu site, com indisfarçável orgulho, os atentados que cometeu contra a democracia:
"Marcando, desde a sua criação, a história desta nação, este Batalhão teve seu efetivo presente em inúmeras operações militares, sempre com participação decisiva e influente, demonstrando a galhardia e lealdade de seus homens, podendo ser citadas, dentre outras, as seguintes campanhas de Guerra:
(...) - Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, dando início à ditadura militar com o Presidente Castelo Branco;
- Campanha do Vale do Rio Ribeira do Iguape, em 1970, para sufocar a Guerrilha Rural instituída por Carlos Lamarca..."

Ou seja, o batalhão (hoje totalmente identicado com a Rota, a ponto de incorporar essa sigla funesta a seu nome) se vangloria de haver ajudado a derrubar um presidente legítimo e ainda mente quanto à fracassada campanha de Registro, quando 5 mil militares não conseguiram anular os gatos-pingados que estavam sendo treinados por Lamarca, sem que este tivesse instituído guerrilha rural nenhuma até aquele momento.

A retórica do site continua sendo a mesmíssima dos tempos da ditadura, embora, com a volta do Brasil à civilização, os atos antes vilipendiados estejam sendo vistos na correta perspectiva de resistência à tirania, enquanto a justa condenação cai sobre os mandantes e executantes do terrorismo de estado vigente naquele terrível início dos anos 70. Eis a voz do passado que continua ecoando no presente, à custa dos impostos pagos pelos contribuintes paulistas:

"Mais uma vez dentro da história, o Primeiro Batalhão Policial Militar 'Tobias de Aguiar', sob o comando do Ten Cel Salvador D’Aquino, é chamado a dar seqüência no seu passado heróico, desta vez no combate à Guerrilha Urbana que atormentava o povo paulista.

"Havia a necessidade da criação de um policiamento enérgico, reforçado, com mobilidade e eficácia de ação.

"(...) Surge então o embrião da Rota, a Ronda Bancária, que tinha como missão reprimir e coibir os roubos a bancos e outras ações violentas praticadas por criminosos e por grupos terroristas."

Hoje, quando já se conhece o festival de horrores resultante desse "policiamento enérgico", é inadmissível que os espaços virtuais do Governo do Estado continuem se prestando à exaltação do extermínio e das práticas hediondas.

"Desativar a Rota", pedia a Folha de S. Paulo há 25 anos. Não só escapou dessa medida profiláxica, como continua até hoje sendo enaltecida pelo aparelho policial como uma tropa de elite, a exemplo daquela do Rio de Janeiro (cuja atuação real, aliás, está muito longe das fantasias literária e cinematográfica fascistóides).

Então, Governador, em nome do seu passado de exilado e em consideração ao passado de todos nós que permanecemos aqui e fomos barbarizados, peço-lhe que, pelo menos, determine que as peças de comunicação do seu Governo passem a ser as aceitáveis numa democracia.

Isto se não lhe apetecer tomar a atitude mais pertinente, que já está atrasada em um quarto de século: desativar a Rota!

Respeitosamente,

CELSO LUNGARETTI
EM: 28/10/2008

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ELEIÇÕES SEM NADA

Cantei a bola nos dois artigos que escrevi antes do 1º turno: foram eleições sem opções e sem esperanças.

Só havia candidatos do sistema. Fernando Gabeira acabou sendo o único que pareceu remotamente vir na contramão, devido à desigualdade de recursos que fez lembrar as antigas campanhas de "o tostão contra o milhão".

Mas, com seus elogios ao capitalismo, seus recuos das antigas posições "radicais" e as médias que andou fazendo junto aos mercadores da fé e aos senhores da guerra, logo dissipou as tênues esperanças que restavam.

Não era mais Gabeira, embora continuasse usando o rótulo. Virou Qualquer-Coisa. E, como Fernando Qualquer-Coisa, perdeu.

Assim como Marta deixou de ser Suplicy há muito tempo, mas continua usando o sobrenome que hoje não passa de rótulo.

Foi como Suplicy que ela venceu uma vez -- e tão-somente porque escondeu do eleitorado que já deixara de sê-lo, na verdade.

Sem o digno sobrenome, o que sobra? Uma sexóloga de TV com todo jeitão de dondoca daslu. Que nunca seria candidata petista no tempo em que o partido era ideológico. E, agora, mostrou ser uma mala sem alça até mesmo para o PT fisiológico...

Os analistas da imprensa destacam a cristalização de uma nova direita em São Paulo, abarcando o que restou do velho udenismo, do adhemarismo, do janismo, do quercismo e do malufismo, em amálgama nauseabundo com forças de esquerda que guinaram à direita (o velho PCB, o tucanato...).

O certo é que a costura desses restos mortais numa nova criatura política, com Serra no papel de Dr. Frankenstein, foi muito facilitada pela extremada rejeição da classe média paulistana a Marta Qualquer-Coisa e ao próprio petismo.

Pesam contra Marta os estigmas de introdutora de taxas extremamente antipáticas, como a do lixo; de construtora de dois túneis unanimemente tidos como superfaturados, mal concebidos e mal executados; e de arrogante quando criticada, como da vez em que destratou uma dentista cujo consultório fora inundado pelas enchentes e da outra vez em que mandou os torturados pela espera infinita nos aeroportos relaxarem e gozarem.

O PT, por sua vez, carrega o desgaste do mensalão e da traição a suas bandeiras históricas, como a de repúdio aos bancos e ao grande capital. Em vez de governar para os pobres e para a classe média, como prometera, está governando para os muito pobres (que lhe dão votos) e os muito ricos (que lhe garantem poder).

Nada a estranhar, portanto, em que tenha transformado em inimiga a classe média mais encorpada e influente do País, a de São Paulo.

O quadro, depois das eleições municipais, é desalentador.

De um lado o PT reformista/assistencialista, sem a mais remota veleidade de romper as amarras de um modelo econômico que perpetua a desigualdade e a exclusão social.

Do outro, o novo bloco conservador capitaneado pelo PSDB, com o DEM reduzido a coadjuvante de luxo.

E o velho centrão, com o PMDB à frente, barganhando seu apoio no atacado e no varejo.

Pior do que isto, só mesmo o boato de que Lula estaria prestes a desembarcar do PT e vestir uma fantasia de tucano, para ajudar a eleger Serra em 2010, com a contrapartida de ser ele o candidato presidencial em 2014.

Só o fato de que esta hipótese hoje não choca ninguém já é um atestado eloquente do descrédito dos políticos, sem exceção, aos olhos do cidadão comum.

Se consumada, será a ignomínia suprema.

domingo, 26 de outubro de 2008

UM GENUÍNO TORTURADO

As viúvas da ditadura, em seus sites e redes de propaganda totalitária, sempre acusaram o petista José Genoíno de haver amarelado quando os militares o aprisionaram no Araguaia.

Eu nunca tive motivos para simpatizar com Genoíno.

Como jornalista, detestei seu comportamento numa das tentativas que fez para abafar o escândalo do mensalão em seu nascedouro. Marcou-se uma coletiva para o então tesoureiro do PT Delúbio Soares explicar-se e o Genoíno avocou a sua condução, em vez de delegar a função a um profissional de comunicação, como seria correto.

Agiu com uma arrogância sem limites, terminando por encerrar a entrevista intempestivamente quando uma pergunta desagradou a ele, Genoíno. Pegou o constrangido Delúbio pelo braço e o arrastou para fora da sala.

Assistindo pela TV, fiquei indignado não só por Genoíno ter tratado os coleguinhas da ativa a pontapés, como também pela pusilaminidade dos mesmos. Até durante a ditadura, quando as ameaças eram bem reais, havia jornalistas que não se deixavam intimidar. Ahora no más...

E, como revolucionário, jamais esquecerei do descrédito que Genoíno e os demais mensaleiros trouxeram para nossos ideais. Uns poucos deslumbrados e corrompidos pelo poder foram suficientes para que o cidadão comum passasse a desmerecer o sacrifício, o heroísmo e o martírio da totalidade dos resistentes.

Houve um tempo em que a pergunta pipocava sempre nas palestras que eu fazia: "Os que estiveram na luta armada contra a ditadura, são todos iguais ao Genoíno e ao Zé Dirceu?".

Mas, é maniqueísmo acreditar que maus feitos posteriores contaminem o passado de alguém. Eu levo em conta as contradições que cada indivíduo carrega dentro de si, capazes de torná-lo herói num momento e vilão em outro, ao sabor das circustâncias e da forma como reage a elas.

É comum vermos personagens históricos resistirem bravamente às piores adversidades mas traírem suas convicções no momento do triunfo, embriagados pela sensação de onipotência que advém das vitórias.

Então, por maior que fosse minha antipatia pelo Genoíno atual, sempre vi com ressalvas as acusações que faziam ao seu passado.

Teria revelado detalhes genéricos sobre a guerrilha do Araguaia? Ora, sob torturas pesadas é dificílimo alguém deixar de falar algo. O que importa mesmo é se o militante deu informações vitais ou não.

Como não se citasse o nome de nenhum guerrilheiro preso ou morto por causa de uma delação de Genoíno, logo deduzi: inexistiam pecados capitais dos quais pudessem responsabilizá-lo e estavam, com a habitual má fé, a magnificar os venais.

A outra peça de acusação é uma foto em que Genoíno, prisioneiro, aparece confortavelmente instalado. Foi espalhada na região do Araguaia, junto com a promessa de que os guerrilheiros receberiam o mesmo tratamento civilizado, caso se rendessem.

Só mesmo quem nunca passou pela tortura pode exigir de um preso que aguente suplícios terríveis apenas para impedir que tirem uma foto sua em tal ou qual cenário.

Hoje, a Folha de S. Paulo traz o depoimento de um caminhoneiro que, como soldado do Exército, presenciou os maus tratos a Genoíno em 1972: "Vi ele apanhando muitas vezes, levando choques elétricos. Pegavam ele algemado, com capuz na cabeça, levavam até o fim da pista [de pouso] e batiam nele".

Vou repetir aqui todo o trecho final da matéria do repórter Sérgio Torres, que dá uma boa idéia da forma como o preso era tratado. Que cada leitor decida se é o Genoíno do passado quem merece críticas, ou seus sórdidos detratores do presente (os quais, aliás, há muito deveriam estar respondendo pelos crimes de difamação e calúnia, que cometem de forma continuada).

"'Genoino conversava normalmente com a gente [os soldados], não mostrava resistência. Apanhava para falar. Metiam o pau no cara', contou o caminhoneiro.

"Na base, o preso passou a dormir, acorrentado e algemado, dentro de um buraco cavado na terra. De vez em quando, relembra o ex-soldado, o prisioneiro era levado para sobrevôos de helicóptero e avião. Na volta, ocorriam novas sessões de torturas, com choques elétricos aplicados por uma maquineta que os militares chamavam de 'magnésio'.

"'Genoino pulava, gritava, chorava muito. A gente sentia que ele estava machucado. Eu saía de perto. Depois, ele ficava triste, calado.'

"Pereira disse ter vontade de reencontrar Genoino. Acha que o deputado o reconheceria. "Tivemos muito contato. Ele era muito inteligente, falava da faculdade. Ele pedia revistas para passar o tempo, era muito pacífico, parecia arrependido de tudo, não era agressivo. Eu tinha muita dó dele."

"O ex-militar lembra, ainda, que o prisioneiro costumava ser levado para a floresta. 'Ele ia no mato, voltava, estava todo chupado de mosquito. Genoino passou maus momentos.'"

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

DESAFINANDO O CORO DOS CONTENTES

Carlos Heitor Cony escreveu um grande livro em 1974: Pilatos.

Ele tentara sinceramente contribuir para a revolução brasileira. Como resultado, caiu em desgraça com o sistema, incluindo os poderosos da mídia.

As pessoas de esquerda que antes o estimulavam a travar a luta justa, não demonstraram o mínimo interesse em suas agruras, deixando que se virasse sozinho na rua da amargura.

Quem lhe ofereceu um salva-vidas foi um antípoda ideológico: Adolpho Bloch. Direitista até a medula, empregou Cony por solidariedade de judeu para com judeu. E deve ter ficado satisfeito, pois confiou-lhe até a posição de seu ghost writer.

A reação do Cony à derrota dos seus melhores ideais, ao abandono a que foi relegado pelos companheiros e à frustração de ver os brasileiros tão eufóricos com o milagre econômico quanto indiferentes ao massacre dos militantes revolucionários, veio na forma desse livro perturbador.

Pilatos mostra um Brasil em que todos os personagens buscam apenas satisfazer as necessidades e impulsos primários. Não há nenhum sentimento nobre. Idealismo, solidariedade, compaixão, afeto, dignidade, tudo isso caiu em desuso. Cada um cuida de si e tenta levar vantagem sobre os outros.

O título foi inspirado num trecho do "Samba Erudito", de Paulo Vanzolini: "Aí me curvei/ Ante a força dos fatos/ Lavei minhas mãos/ Como Pôncio Pilatos".

Ou seja, Cony jogou na cara dos brasileiros: "Já que vocês não quiseram viver num país de verdade, então chafurdem nessa lama". Pois era o Brasil do milagre que ele estava, com lentes distorcidas, retratando.

Tudo isso me veio à lembrança face à reação da nossa esquerda diante da gravíssima fala de um ministro do Governo Lula enaltecendo a ditadura de 1964/85 e da mais grave ainda participação da Advocacia Geral da União num processo contra o torturador Brilhante Ustra, não só assumindo sua defesa como fincando posição no sentido de que as atrocidades cometidas pelo regime militar teriam sido mesmo arquivadas pela Lei de Anistia.

Quando o Governo Lula passa como um rolo compressor sobre valores sagrados da esquerda, como o instituto do asilo político, a opção pelas soluções negociadas nas greves de fome com inspiração idealista, a integridade dos habeas corpus, a restrição das Forças Armadas a suas missões constitucionais e o caráter tirânico e genocida do regime militar, aquela banda de música geralmente estridente, mas que depende dos mecenas planaltinos, emudece.

Entre os princípios que lhe cabe defender como herdeira de uma tradição secular e as conveniências da politicalha sórdida, a opção é sempre pela segunda.

Assim, mais uma heresia será consentida. Brilhante Ustra, até ontem, era um dos piores vilãos que a esquerda queria ver encarcerados. Hoje é o acusado que a Advocacia Geral da União defende, sem que ninguém proteste. Amanhã, talvez, acabe se tornando o companheiro Brilhante Ustra, se isto convier ao PT.

Dá vontade de também lavar as mãos, como Pôncio Pilatos.

Mas, isto seria facilitar as coisas para os mercadores de ideais. Continuarei representando a pedra no sapato deles, a defender hoje tudo que eles pregavam ontem e convenientemente esqueceram.

Então, a minha música não será o Samba Erudito, mas sim a Let's Play That, do também superlativo Jards Macalé:

"Quando eu nasci
um anjo louco, muito louco,
veio ler a minha mão.
Não era um anjo barroco,
era um anjo muito louco, torto,
com asas de avião.

"Eis que esse anjo me disse,
apertando minha mão,
com um sorriso entre dentes:
vai, bicho, desafinar
o coro dos contentes,
vai, bicho, desafinar
o coro dos contentes."

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

GOVERNO LULA ESCOLHE SEU LADO: O DE BRILHANTE USTRA

Se ainda havia alguma dúvida quanto à posição do Governo Lula diante da ditadura de 1964/85 e as atrocidades por ela cometidas, está dirimida: coloca-se mesmo ao lado dos totalitários.

Quem fala por Lula é o ministro das Minas e Energia Edison Lobão, que acaba de fazer rasgados elogios ao período de arbítrio, questionando até seu caráter de uma verdadeira ditadura; e o ministro da Defesa Nelson Jobim, que se manifesta e age como porta-voz no governo dos contingentes mais retrógrados das Forças Armadas.

Tarso Genro e Paulo Vannuchi, respectivamente ministro da Justiça e secretário nacional de Direitos Humanos, sofreram uma derrota acachapante, com a decisão tomada pela União de assumir a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, no processo que lhes-é movido pelos procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero.

Os procuradores pleitearam a responsabilização pecuniária desses militares da reserva pelas mortes e sevícias ocorridas durante o período de 1970/76, quando estiveram à frente daquele centro de torturas. Ou seja, que fossem declarados culpados pelos crimes e práticas hediondas cometidos sob seu comando e repusessem tudo que a União despendeu em reparações a suas vítimas.

Dos 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP, a grande maioria sofreu as torturas de praxe (espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, asfixia, etc.), acrescida de uma exclusividade do local: a cadeira-do-dragão, cujos assento e encostos para os braços e cabeça eram revestidos de metal, para aumentar a potência das descargas que a vítima, amarrada, recebia. Vladimir Herzog foi um mártir brasileiro bestialmente assassinado na cadeira-do-dragão.

A União tinha três caminhos a escolher: entrar no processo ao lado dos procuradores, permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Fez uma escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional subscrita pelo Brasil e as recomendações da ONU. O Governo Lula nos tornou párias da civilização.

Em sua defesa dos carrascos, a Advocacia Geral da União invocou a anistia autoconcedida pela ditadura no ano de 1979, que nada mais representou do que um habeas-corpus preventivo para quem sabia ter incidido em assassinatos em massa (incluindo as mortes durante as sessões de tortura e a execução a sangue-frio de prisioneiros que estavam sob a guarda do Estado), sevícias as mais brutais, sequestros (até de crianças!), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.

A TORTURA ERA REGRA, NÃO EXCEÇÃO - Esta evolução dos acontecimentos, entretanto, está longe de ser inesperada, vindo ao encontro do que escrevi quando Genro e Vannuchi promoveram uma audiência pública para discutir a punição dos torturadores, no final de julho.

Lula, por meio de Jobim, desautorizou qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei da Anistia.

Genro tentou maquilar a derrota como vitória, propondo que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, acusando-os de terem cometido crimes comuns. Segundo ele, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora do guarda-chuva protetor da Lei da Anistia.

De imediato, eu adverti que:
* a tortura nunca fora um excesso cometido por meia-dúzia de aloprados nos porões, mas sim uma política de Estado que, embora não assumida formalmente, nem por isso deixara de ser menos efetiva, tendo sido implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando;
* que o atalho proposto por Genro impediria a responsabilização dos mandantes, permitindo apenas o enquadramento dos executantes;
* que daria aos acusados uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens;
* que não representaria a verdadeira justiça, ficando-se longe de passar o período realmente a limpo; e
* que o caminho judicial seria tão longo e os recursos protelatórios à disposição dos réus, tantos, que poucos deles (ou nenhum) acabariam recebendo a sentença definitiva em vida.

Audir dos Dantos Maciel morreu nesse meio-tempo. Brilhante Ustra, septuagenário, já sofreu crises cardíacas.

E as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia, doravante, terão como adversária a União, que oficializou sua posição de endosso à impunidade dos carrascos.

Então, fica cada vez mais evidenciado que não se fará justiça sem suprimir-se mais este entulho autoritário. A anistia de 1979 tem de ser revogada, em nome das vítimas da ditadura mais brutal que o Brasil já conheceu e de nosso auto-respeito como Nação. Que se levante a bandeira correta e justa, de uma vez por todas!

Quanto a Genro e Vannuchi, a dignidade impõe que se afastem de um governo que os desautoriza a cada momento.

Assim como a dignidade impõe ao presidente Lula que renuncie à pensão de prejudicado pela ditadura que vem recebendo há décadas e restitua cada centavo aos cofres públicos.

Por uma questão de coerência: quem se alinha com os déspotas e verdugos, moralmente não merece reparação de vítima. É o mesmo caso do Cabo Anselmo.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

CASO SANTO ANDRÉ: A VIDA RETOCOU A ARTE

Esses novos bárbaros engendrados/mesmerizados pela sociedade de consumo crêem mais na tecnologia do que em Deus.

Estão sempre em busca de geringonças high-tech com uma evoluçãozinha (real ou ilusória) qualquer, pois o brinquedinho antigo de nada vale quando já existe uma nova geração.

Empenham-se obsessivamente em serem modernos na aparência, pois é só o que têm; sua essência é um vácuo.

E, mais do que nunca, desligaram-se da História: o passado absolutamente não lhes diz respeito. O mundo surgiu quando abriram os olhos e terminará quando baixarem à cova.

O suicídio de Getúlio Vargas, p. ex., é para eles um acontecimento tão distante e desinteressante quanto o de Sócrates (para o caso de algum deles estar me lendo, esclareço: refiro-me ao filósofo ateniense obrigado a ingerir cicuta lá por 400 a.C., não ao ex-jogador de futebol, que continua firme e forte).

Vai daí que o velho sempre lhes parece novo, pois ignoram as luzes que o passado fornece para iluminar o presente.

Nem pensariam em assistir a um filme que, vez por outra, passa na TV a cabo (já nem falo de cinematecas e cineclubes, pois é algo que para eles não existe): A Montanha dos Sete Abutres, do grande Billy Wilder.

O jeitão de um filme preto-e-branco de 1951 é suficiente para que imediatamente o qualifiquem de museu e troquem de canal, em busca dos videoclips da moda.

Mas, mesmo que tivesse as características formais de uma produção de 2008, creio que não conseguiria captar-lhes a atenção.

Infelizmente, o espectador brasileiro de hoje se tornou igual ao estadunidense de uns 20 anos atrás, tão bem definido por Paulo Francis: caso não ocorresse uma pancadaria, uma morte, uma perseguição de carros, uma grande explosão ou uma cena de sexo a cada três minutos, dormia na poltrona.

Enfim, o que eu quero dizer é que A Montanha dos Sete Abutres tem tudo a ver com o Caso Santo André.

Mostra um mineiro preso em velhas ruínas indigenas e um repórter ambicioso (Kirk Douglas) que o encontra, pode resgatá-lo de imediato, mas o convence a ficar lá, enquanto extrai todos os dividendos jornalísticos dessa situação.

Manipula a tudo e a todos: a esposa do mineiro, para posar de semiviúva; o xerife, que lhe concede o direito de controlar como lhe bem entender o acesso ao local; o empreiteiro responsável pela obra de salvamento, para que vá pelo caminho mais longo, esticando ao máximo a duração do espetáculo.

Na véspera do grand finale, entretanto, o mineiro morre de pneumonia. E o abutre responsável pelo desfecho trágico acaba também destruído, pelos remorsos.

O episódio de Santo André também tendia a ser resolvido muito antes, sem tragédia, caso a imprensa não montasse seu circo.

A partir do momento em que o tal Lindemberg virou atração de mídia, passou a representar um papel diferente; afinal, não é qualquer zé mané que tem essa raríssima chance de desfrutar não uns minutinhos ocasionais de fama, mas nada menos que 100 horas.

Deu no que deu. Agora a ex-namorada está enterrada no caixão e ele passará o melhor de sua vida enterrado numa prisão, se os outros detentos não o matarem antes.

O pior é que houve uma multiplicação dos abutres. No filme havia apenas um; o título brasileiro se refere ao nome indigena da montanha em que o mineiro ficou meio soterrado.

Em Santo André eram bem mais do que sete. E nenhum deles demonstrou o mínimo remorso, ao contrário do personagem cinematográfico.

A vida não apenas imitou a arte, mas também a retocou. Para pior.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

ARENA DE GLADIADORES DO CAPITALISMO PUTREFATO

Um ex-cunhado meu foi economiário durante toda sua trajetória profissional. Entrou office-boy e acabou gerente.

Certa vez me contou que, quando sua agência era assaltada, a maior preocupação dos funcionários era apressarem os bandidos, para que dessem o fora com a grana antes da chegada da polícia: sabiam que os brucutus da lei mandariam bala para todo lado, sem consideração pela vida deles e dos clientes.

E eu fiquei conhecendo o Massacre do Carandiru em detalhes, porque trabalhava na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes quando o episódio ocorreu.

A soldadesca atirou porque estava apavorada com a fumaça, gritaria e confusão. Então, por despreparo, descarregou o medo no gatilho.

O coronel Ubiratan, coitado, nada pôde nem poderia fazer para controlar a tropa (o grande culpado foi o governador Fleury, que ordenou uma invasão desnecessária para exibir seu muque, depois convenceu o secretário da Segurança Pública a segurar o rojão). Oficial que se colocasse entre os matadores fardados e seus alvos acabaria recebendo bala também.

É o que já aconteceu um sem-número de vezes nas guerras. Na do Vietnã, p. ex., havia mais oficiais estadunidenses mortos pelo fogo amigo do que pelos disparos do inimigo...

Então, nada há a estranhar em que a ação policial em Santo André tenha sido uma comédia de erros com final trágico.

Mesmo assim, a polícia tem uma atenuante: incompetência não é crime.

Já os abutres da imprensa não têm nenhuma. Passaram o tempo todo capitalizando um drama em benefício próprio, para saciar a bisbilhotice doentia de seu público.

Não se preocuparam em momento algum com a vida dos patéticos personagens alçados a atração momentânea da arena de gladiadores do capitalismo putrefato.

Comprovaram que a ética do jornalismo foi levada de roldão pela competição e ganância. Está tão morta quanto a tal Eloá.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O FALCÃO DE ONTEM E DE HOJE

Quem leu meu livro Náufrago da Utopia sabe que não tenho simpatia nenhuma por Rui Falcão.

É que, em 1986, quatro jovens petistas tiveram a má idéia de ressuscitar os assaltos a bancos como forma de conseguir recursos para a revolução.

Foram presos e isto deu farta munição propagandística aos adversários do PT: "Vejam, eles não mudaram nada, continuam criminosos..."

Então, o PT se viu naquela bifurcação entre os princípios e as conveniências -- e, como sempre, tomou o caminho errado.

Em vez de repudiar aquela iniciativa desastrosa (a ditadura já havia sido despachada para a lixeira da História, não mais se justificando, portanto, o recurso à luta armada), mas manter solidariedade pelo menos humanitária aos quatro de Salvador, o PT simplesmente abandonou-os às feras. Fingiu que não era com ele. Preocupou-se tão-somente com os votinhos que poderia perder nas eleições que se avizinhavam.

Mas, como o País se redemocratizara pela metade, havia ainda uma extrema-direita muito bem estruturada, forte, principalmente, no aparelho policial.

Então, os quatro de Salvador passaram a ser alvo das maiores arbitrariedades. Transferiam-nos sem aviso para qualquer lugar do Brasil onde algum banco tivesse sido assaltado. Faziam reconhecimentos fajutos, no afã de atirar sobre suas costas um rosário de processos. Não deixavam que seus advogados - nem mesmo a OAB! - lhes dessem assistência jurídica durante essas investigações.

Finalmente, veio à tona um plano para simular uma rebelião na prisão de Salvador e, aproveitando a confusão, executar os quatro. Para tanto, já havia sido até roubada dinamite de uma pedreira.

Foi quando eles decidiram entrar em greve de fome, embora tivessem quase ninguém a apoiá-los -- apenas um ou outro revolucionário da velha escola.

A pedido do pai de um deles, meu conhecido, entrei nessa luta, tentando por todas as maneiras fazer com que a greve de fome repercutisse na mídia. Bati num sem-número de portas fechadas.

Vivi dias desesperadores, sempre assombrado pelo fantasma de que adviriam mortes ou sequelas permanentes caso eu não conseguisse cumprir bem minha missão.

A insistência e o acaso me favoreceram. Um dossiê meu acabou sendo levado ao ministro da Justiça, que acionou o governador da Bahia. Foi negociada uma solução humanitária e a greve acabou bem para os quatro, que sobreviveram para contar a história.

Pouco depois, numa reunião de bairro do PT, em que se travavam discussões políticas, vi o Rui Falcão combinando algo com meia-dúzia de paus-mandados, na hora do cafezinho.

Mal o debate recomeçou, o Falcão tomou a palavra e disse que eu e os quatro de Salvador éramos cães danados. Foi a senha para seus seguidores também me atacarem, da forma mais exacerbada. Reprovavam-me por, em nome da solidariedade revolucionária, ter feito sozinho o que o PT deixara de fazer: salvar a vida e a integridade física de quatro (mesmo que desatinados) companheiros.

Acabei desistindo do PT. Segui os passos dos militantes das várias tendências de esquerda que já não conseguiam mais conviver com o oportunismo reformista e o autoritarismo stalinista de dirigentes como o Rui Falcão.

ESCARAMUÇAS ELEITOREIRAS - Esta longa introdução foi para, honestamente, informar aos leitores que eu não sou nem um pouco isento no que se refere ao Rui Falcão. Para mim, ele personifica tudo que o PT tem de pior.

Hoje, ele aparece na Folha de S. Paulo assinando um artigo de contestação a outro texto que foi publicado no mesmo espaço, do ex-prefeito Celso Pitta.

São aquelas acusações mútuas de sempre, então não vale a pena perdermos tempo com a defesa que Pitta fez de sua gestão, nem com a defesa que Falcão faz da gestão Marta Suplicy. O eleitorado paulistano já julgou as duas - negativamente. Domingo que vem, despachará Marta Suplicy para o mesmo limbo em que se debate Celso Pitta.

O mais anedótico é o trecho final da diatribe de Falcão:
- São Paulo tem agora a oportunidade de eleger um governo comprometido com a democracia, com as maiorias sociais, com a descentralização, com a transparência e com a utilização criteriosa dos recursos públicos. Quem se recorda do governo Pitta não deve reincidir no erro. Nesta eleição, São Paulo tem a chance de avançar, inovar, acompanhar o ritmo do Brasil do governo Lula. Isso é o que está em jogo. Isso é o que interessa.

Ora, o comprometimento do governo anterior de Marta Suplicy com a democracia foi expresso, p. ex., na imposição de um mundaréu de taxas ao contribuinte, aproveitando a anuência de uma Câmara Municipal cooptada graças àqueles métodos que todos estamos carecas de saber quais são.

Com as maiorias sociais, na distribuição de migalhas de lazer e em acesso barato a um transporte coletivo que logo atingiria o ápice da deterioração ("porque gado a gente marca/ tange, ferra, engorda e mata/ mas com gente é diferente", cantou o Vandré que todos esqueceram).

A descentralização, nesse e nos demais governos, significa apenas a multiplicação de balcões de trocas (melhorias x votos) e de práticas piores ainda.

A utilização criteriosa dos recursos públicos ficou a anos-luz de distãncia dos túneis Rebouças e Cidade Jardim.

A demonização de rivais é o expediente de quem já não tem esperanças para oferecer. Antes, era "vote no PT em nome da verdadeira justiça social". Agora é "vote no PT porque a alternativa é pior".

Bush satanizou Osama e Saddam. O PT satanizou Pitta, Maluf, Collor, ACM e que tais, mas faz composições com eles quando lhe convém, como fez com os três últimos.

Quanto ao ritmo do Brasil do governo Lula, se a referência é a crescimento econômico, ainda está longe dos anos do milagre brasileiro. Não consegue igualar sequer o obtido por uma ditadura hedionda.

Resta saber se o nosso objetivo é só isso que o capitalismo pode nos dar -- quase nada -- ou a colocação do imenso potencial produtivo da atualidade a serviço do bem comum.

Continuo atrás do sonho de Marx. Uma sociedade em que cada um dê sua contribuição, no limite de suas possibilidades, para que as necessidades de todos sejam atendidas. Uma sociedade em que possamos desenvolver plenamente nossas potencialidades, libertos dos grilhões da necessidade. O reino da liberdade, para além da necessidade.

Não me contento com espetáculos do crescimento, muito menos com um tão insatisfatório como o atual. E que logo será levado de roldão pelas contradições intrínsecas do capitalismo -- cuja superação pela via revolucionária saiu da pauta do PT, mas não da minha.

domingo, 19 de outubro de 2008

"O PT FOI ENGOLIDO PELO ATRASO"

Entrevistado pela Folha de S. Paulo, o sociólogo Francisco de Oliveira, professor aposentado da USP e um dos intelectuais historicamente mais identificados com PT, deu as seguintes razões para a provável vitória de Gilberto Kassab sobre Marta Suplicy:

"...a administração de Kassab está muito fresca na memória, enquanto a de Marta já tem quase quatro anos de distância. Isso hoje é muito importante devido à imediaticidade da mídia.

"São Paulo é uma cidade bastante conservadora. Se você retoma a história brasileira, o populismo paulista sempre foi de direita: Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Paulo Maluf.

"...a centralidade econômica de São Paulo [como sede de sede de grandes empresas, bancos, associações empresariais, etc.] leva a cidade para a direita.

"As indústrias saíram de São Paulo. São Paulo não é mais uma cidade proletária: é uma cidade de serviços e de um setor informal imenso, cuja identificação de classe é muito ambígua, muito perpassada pelo fenômeno da sobrevivência.(...) A cidade se desproletarizou na forma clássica e ganhou um enorme exército de trabalhadores informais... (que) votam na direita devido ao imediatismo. É gente que quer benefícios imediatos, sem esperar por transformações estruturais."

DE PARTIDO DOS TRABALHADORES A PARTIDO DOS POBRES

O desalento de Francisco de Oliveira é maior ainda em relação ao partido no qual, como tantos outros brasileiros ilustres, depositou sua melhores esperanças:

- O PT, como força transformadora, foi engolido pelo atraso... [suas políticas não] são políticas de ajustamento, não são políticas sociais transformadoras - elas se ajustam à realidade. O Bolsa Família é uma política de ajuste, uma política conformista. E isso reflete essa situação um tanto ambígua de uma classe que não é classe, desse enorme exército informal que representa mais de 50% da força de trabalho. Então, o PT foi engolido pelo atraso. A modernização das políticas sociais é uma regressão da classe para a pobreza, enquanto o movimento histórico vai da pobreza para a classe.

Engolido pelo atraso, o PT haveria deixado, segundo o sociólogo, de ser um partido dos trabalhadores para se tornar um partido dos pobres.

Além disto, ao profissionalizar-se e burocratizar-se, teria dado aos seus dirigentes a condição de se tornarem "uma nova fração de classe" (ou seja, eles estariam aburguesados).

Se tudo isso for verdade - na minha opinião, é - resta saber como deveremos lidar com o filho que geramos e formamos com imenso carinho, mas hoje só nos causa tristeza e decepção.

Uma coisa é certa: não merece mais ser encarado como o menos pior nas disputas eleitorais, que fazia jus, pelo menos, a nosso voto útil.

Pois, como bem ressaltou Francisco de Oliveira, as diferenças hoje existentes entre o PT e as demais forças conservadoras, "do ponto de vista das políticas decisivas, (...) são quase irrelevantes".

sábado, 18 de outubro de 2008

OPERAÇÃO SATIAGRAHA: UM NINHO DE VÍBORAS

Por haver decaído a ponto de se tornar pouco mais do que um house organ da extrema-direita, a Veja já não é considerada fonte confiável em nenhum sentido, por parte de muitas pessoas de esquerda.

Isso, entretanto, não passa de um macartismo às avessas.

Se é certo que alguns de seus enfoques são extremamente tendenciosos, não podemos impugnar igualmente as entrevistas publicadas.

Mesmo porque, para conservar a pouca credibilidade que ainda lhe resta, a Veja não ousaria deturpar as palavras de cidadãos com poder de fogo para impor retratações, se lhes colocarem na boca aquilo que não disseram.

Então, vale a pena destacar aqui trechos da entrevista do presidente da CPI dos Grampos, o deputado Marcelo Itagiba (PMDB/RJ), que também é delegado da Polícia Federal, sobre a Operação Satiagraha, publicada na Veja que está na bancas (edição 2083, 22/10/2008)

"Existe no país um conluio entre detetives particulares, funcionários de operadoras e prestadores de serviço às operadoras para a prática da interceptação ilegal, seja para obtenção de extratos telefônicos, seja para identificação de linhas para interceptação. (...) O que descobrimos agora é que esses arapongas também vêm agindo em associação com a estrutura de estado. As instituições estão se utilizando dessas organizações clandestinas para investigações oficiais e, mais grave ainda, para desenvolver ações ilegais.

"...na investigação instaurada contra as práticas criminosas do senhor Daniel Dantas (...) misturaram-se negócio, política e polícia no mesmo balaio. Para apurar as ações criminosas do banqueiro, que não são poucas, as autoridades se autoconcederam uma licença para fazer qualquer coisa. Além da engrenagem oficial, acionou-se um braço paralegal, sem vínculo formal com o estado, mas agindo protegido sob sua responsabilidade e orientação. Eles certamente estão na linha de frente das ações clandestinas. São ex-policiais e agentes aposentados da própria Abin, encarregados de fazer o chamado trabalho sujo, ou seja, tudo o que é ilegal, clandestino.

"A existência desses 'paras' está mais do que demonstrada, na medida em que pessoas estranhas aos órgãos envolvidos foram, como já se sabe, contratadas para certas tarefas e receberam dinheiro para fazer determinados serviços. Tudo de maneira secreta, clandestina, sem o conhecimento formal das instituições. Já há um depoimento confirmando que o gabinete do ministro Gilmar Mendes foi alvo de ataque eletrônico, provavelmente de uma escuta ambiental. O grampo de seus telefones certamente deriva desse aparato clandestino a serviço da Abin e da PF. Essa associação entre o oficial e o clandestino atenta contra a democracia, por mais nobres que sejam seus objetivos.

"...os depoimentos já prestados mostram que o delegado responsável pela Operação Satiagraha, Protógenes Queiroz, o doutor Paulo Lacerda e outros servidores da Abin faltaram com a verdade. O diretor da Abin mentiu ao Congresso. Eles procuraram escamotear a gigantesca participação da Abin. No início, disseram que eram uns quatro ou cinco agentes. Já sabemos que são mais de cinqüenta – isso sem contar os arapongas que atuaram à margem do aparato oficial.

"...defendo que aqueles que faltaram com a verdade devem ter o indiciamento solicitado por crime de falso testemunho. Quando instrumentos clandestinos passam a ser utilizados e se esconde sua utilização, mesmo que para pegar um criminoso do quilate de Daniel Dantas, você está usando a paralegalidade. Ou seja: a ação está revestida de legalidade, mas é absolutamente ilegal.

"O doutor Lacerda prestou relevantes serviços ao país quando foi diretor da Polícia Federal. Mas ele extrapolou. A Abin não pode participar diretamente de uma operação tipicamente policial, não pode ter mercenários à sua disposição e não pode lidar com material clandestino. Das duas, uma: ou o doutor Paulo Lacerda sabia de tudo e deve ser responsabilizado; ou ele não sabia de nada e também deve ser responsabilizado por isso. Deve ser punido por ação ou por omissão. Depois do que já se descobriu, não vejo condições de ele voltar a dirigir um órgão subordinado à Presidência da República. O presidente deveria demitir todos os servidores públicos que de alguma forma se envolveram com essa operação paralegal.

"Existe uma disputa dentro do governo entre um grupo que deseja a fusão das teles (Brasil Telecom e Oi) e outro que não deseja. O grupo que não desejava a fusão perdeu. Os que queriam e os que não queriam estão arrumando uma enorme confusão. Esse processo de fusão vai conspurcar o governo do presidente Lula. Essa disputa tem objetivos vinculados a 2010. Talvez esteja aí a verdadeira razão da participação da Abin. Os grupos do PT no governo estão se digladiando para controlar o processo, quem sabe de olho em um futuro financiamento de campanha."

E EU COM ISSO?

Recebi com indiferença a ação policial contra Daniel Dantas, pois já não estou mais em idade de acreditar que a prisão de um banqueiro delinquente vá resolver todos os problemas do Brasil.

Para mim, o crime não está no fato do banqueiro ser delinquente, mas sim no de ser banqueiro. A atividade, em si, é delinquente, na minha opinião e na de Brecht ("O que importa o roubo de um banco diante do crime inominável de fundar-se um banco?").

Mas, quando a dupla Protógenes/De Sanctis tentou passar por cima do habeas corpus concedido por quem tinha autoridade para concedê-lo (pouco importando se é um magistrado polêmico como o Gilmar Mendes), aí a coisa mudou de figura.

Entrei na briga unicamente na defesa do instituto do habeas corpus, pois já representou e pode voltar a representar a diferença entre a vida e a morte dos revolucionários.

Quanto aos personagens desse imbroglio, desde o início eu afirmei: não havia mocinhos, só bandidos.

Para um revolucionário da minha geração, polícia é sempre polícia: trata-se da repressão, nossa inimiga, já que tem como missão preservar o status quo.

Aquela esquerda que trocou os princípios pelas migalhas palacianas, contentando-se em agir como força auxiliar desse PT domesticado que aí está (na melhor das hipóteses, um partido reformista, sem a mais remota nuance revolucionária), recriminou-me acerbamente a heresia de não aceitar a Polícia Federal e a Abin como as novas vanguardas da revolução brasileira...

No entanto, cada vez mais, os fatos vão provando que eu estava certo ao não tomar partido numa briga entre duas facções mafiosas do sistema.

Como também estive certo em não me solidarizar aos policiais civis que provocaram um confronto com a PM de José Serra.

Desde que acompanho a política, há mais de 40 anos, sempre que manifestantes tentam invadir o Palácio do Governo para fazer com que o governador lhes conceda audiência na marra, o resultado é o mesmo: pancadaria.

Então, não serei eu a servir de caixa de ressonância para uma evidente provocação com fins eleitoreiros.

Encarei essa briga entre policiais da mesma maneira que o clássico de amanhã, São Paulo x Palmeiras. Como bom corinthiano, gostaria mesmo é que ambos perdessem...

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

IMPRENSA TOUPEIRA E ESQUERDA AVESTRUZ

Os petistas ainda cultivam a imagem de perseguidos pela grande imprensa, mesmo estando hoje acumpliciados aos realmente poderosos.

Fingem estar vivendo naquele clima da década de 1980, quando os empresários se dispunham a deixar o País caso Lula fosse eleito presidente da República.

Atualmente, pelo contrário, os grandes capitalistas estão todos acertando novas maracutaias e trombeteando os recordes de faturamento que a política econômica companheira lhes proporciona.

Quanto à imprensa, anda cada vez mais dócil, até escondendo os escorregões retóricos de Brancaleone e seu incrível exército.

Refiro-me a duas notícias que foram colocadas no ar pela Folha OnLine, mas sonegadas dos leitores da edição impressa, que é aquela que realmente repercute.

Então, como não saiu na Folha de S. Paulo, ficou mais fácil para as avestruzes enterrarem a cabeça na areia, deixando passar em branco a repulsiva apologia que o ministro das Minas e Energia Edison Lobão fez da ditadura de 1964/85.

Na Europa, historiador que nega a existência do Holocausto vai para a prisão. Aqui, ministro de Estado pode negar à vontade nossa versão particular de Holocausto, pois a esquerda finge que o problema não é com ela.

Oportunistas e lacaios do poder, certos progressistas dão muito mais importância à defesa da néo-homófoba Marta Suplicy e dos policiais civis que apanharam da PM do José Serra.

Deixaram de seguir os princípios revolucionários, só se mobilizando agora por interesses subalternos. Tornaram-se meros peões no tabuleiro político-eleitoral.

Voltando à censura auto-imposta pela Folha, a mais saborosa de todas as declarações que o presidente Lula deu em Moçambique escapou ao correspondente do jornal, mas não ao competente Daniel Gallas da BBC Brasil, cujo texto foi aproveitado na íntegra pela Folha On-Line.

Queixando-se da falta de tempo para realizar tudo que pretende, Lula saiu-se com esta:
- O que eu quero dizer é o seguinte: é que o mandato de um presidente é de cinco (sic) anos. No tempo em que você tinha os faraós e os imperadores, aí as coisas aconteciam. E essa é uma inquietação que eu tenho.

Segundo Gallas, foi uma frase proferida em tom bem-humorado.

Mas, claro, nenhum editor de política que se norteasse por critérios exclusivamente profissionais a ignoraria, até pelo que tem de anedótico: não é todo dia que um presidente verbaliza tão candidamente o quanto lhe agradaria permanecer no poder além do que lhe facultam as regras democráticas, inclusive cometendo o ato falho de acrescentar um ano ao seu mandato...

O editor da Folha de S. Paulo, entretanto, preferiu limitar-se ao relato anódino do seu correspondente, deixando de lado o material infinitamente mais trepidante que tinha em mãos.

Então, Brancaleone lhe fica devendo a cortesia de não ter tornado mais conhecida sua fantasia de igualar-se a Ramsés e Calígula; e um integrante do seu incrível exército, a de não ter tornado mais conhecida sua condição de viúva da ditadura, que até hoje continua fiel ao totalitarismo.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

PT + TFP = PTFP

Jornalistas costumam ver com olímpico desprezo as seções de cartas de leitores, por eles apelidadas de muro das lamentações.

No entanto, uma leitora campineira da Folha de S. Paulo, na edição desta quinta-feira, foi responsável por uma das frases mais certeiramente sarcásticas sobre a derrapada da campanha de Marta Suplicy, ao insinuar homossexualidade de Kassab: "Tradição, família e propriedade passaram a fazer parte dos ideais defendidos pelo PT?".

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

DEU A LOUCA NO PT

Parece que ando secando até pimenteira. Foi só eu aplaudir a atitude de Marta Suplicy, por ter se recusado a adotar o posicionamento homofóbico que uma platéia de pastores evangélicos cobrava dela num evento da campanha do 1º turno, eis que derrapa melancolicamente e acaba consentindo no golpe mais sujo dos últimos tempos.

Macaco velho, no meu post de sábado passado (Um Elogio Para Marta Suplicy) eu não botei minha mão no fogo quanto à manutenção da sua coerência face à derrota iminente: "estou torcendo para Marta não recuar das posições que sustentou corajosamente há algumas semanas".

Dito e feito. O desespero, mau conselheiro, levou os marqueteiros do PT a tentarem virar o jogo com um chute na virilha do Gilberto Kassab. E Marta, que nunca soube perder, mandou os princípios às favas, acreditando que tais insinuações torpes lhe proporcionariam ganhos eleitorais.

O objetivo, claro, foi o de combater a ascensão de Kassab em redutos eleitorais petistas da periferia de São Paulo. É lá que a pecha de bicha não-assumida poderia roubar votos do atual prefeito.

No entanto, como bem apontou Eduardo Suplicy, a candidata do PT está sendo fortemente rejeitada pela classe média paulistana, que até agora não a perdoou por sua frase inconsequente diante da exasperante espera que estava sendo imposta aos passageiros nos aeroportos. Não relaxaram nem gozaram. Preferiram esperar a hora certa para dar o troco a Marta.

Tudo de que ela não precisava, neste momento, é pisar noutro valor que está muito arraigado na classe média: a convicção de que cada ser humano tem o direito de procurar prazer como bem entender, desde que não seja com crianças e haja consentimento mútuo.

Então, qualquer que seja o saldo dessa tática vil, Marta perde.

Se, apesar de sua campanha haver descido ao esgoto, ela for derrotada nas urnas, terá dilapidado também seu capital moral, a um ponto tal que dificilmente se reerguerá.

E se, surpreendentemente, conquistar a vitória eleitoral, seu brilho será tão empanado que de quase nada vai lhe servir.

Ambições presidenciais, nem pensar! Que partido, para disputar a eleição mais importante de todas, apostará numa candidata identificada com preconceitos fascistóides?

Aqueles a quem os deuses querem perder, primeiramente enlouquecem.

GOT TO REVOLUTION, DELFIM NETTO!

"O pior é que a artificilidade dos descaminhos do dinheiro acaba comprometendo o real: a produção, distribuição e consumo dos bens de que os seres humanos carecem. Quando desaba a economia de papel, a economia real entra em recessão, como entrará agora. (Celso Lungaretti, É Por Não Ser Sólido Que Se Desmancha no Ar, 12/10/08)

"Graças aos abusos, à fértil imaginação que dispensa a moralidade e aos equívocos da política monetária (...), o sistema financeiro, que deveria servir à economia real (a do PIB e do emprego), ameaça destruí-la. (Delfim Netto, Pânico Inútil, 15/10/08)

Pena que ele já esteja um tanto velho para dar o passo seguinte: admitir que, sendo o setor financeiro aquele que dá a tônica no capitalismo globalizado, este último se tornou antagônico aos objetivos dos seres humanos: ao invés de servir à produção e ao emprego, ameaça destruir a ambos.

Got to revolution, Delfim Netto!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

MINISTRO DE LULA ENALTECE A DITADURA MILITAR

Em nome dos valores que nortearam sua criação e afirmação, o Partido dos Trabalhadores não pode omitir-se diante das declarações que o ministro de Minas e Energia Edison Lobão acaba de dar, enaltecendo a ditadura militar.

Em nome da coerência com os princípios democráticos e valores civilizados, que tem por missão defender, o Governo Lula precisa exonerá-lo o quanto antes.

Qualquer outra atitude representará o atestado definitivo de falência moral e política, tanto do PT quanto do Governo Lula.

Participando de um evento em SP, Lobão fez elogios entusiásticos ao ditador Ernesto Geisel e ao regime militar, que, para ele, "foi um momento em que o Brasil reencontrou seu futuro, sua vocação para o desenvolvimento."

Segundo Lobão, aquela fase de torturas e genocídios não deve nem mesmo ser qualificada como ditadura, pois "ditadura mesmo foi com o Getúlio [Vargas]".

Para o ministro de Lula, o período de arbítrio mais recente não passava de "um regime de exceção, autoritário, com Constituição democrática, que fazia eleições regularmente".

Deu para entender? "Regime de exceção, autoritário", todos sabem, equivale a ditadura. Lógica também não é o forte desse ministro que começou na Arena (partido de sustentação do regime militar), passou pelo PFL/DEM e agora é um dos representantes do PMDB no Governo Lula.

As eleições feitas "regularmente" (ou seja, nem sempre, pois podiam ser suspensas por ordem da caserna) não impediam que os eleitos fossem destituídos, quando não se vergavam suficientemente aos tiranetes de plantão. Até governadores acabaram defenestrados e o Congresso Nacional várias vezes esteve fechado para expurgos.

Afora, claro, o fato de que durante 21 anos o Brasil teve seus presidentes da República eleitos "regularmente" pela alta oficialidade militar e mais ninguém.

Finalmente, a tal "Constituição democrática" tinha o nome alternativo de Ato Institucional nº 5 e completará 40 anos no próximo dia 13 de dezembro. Eis alguns dos seus trechos:

Art 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.

§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.

Art 3º - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.

Parágrafo único - Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos.

Art 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.

Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:

III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados lugares;

c) domicílio determinado,

§ 1º - o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.

Art 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, mamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.

§ 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares.

Art 7º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.

Art 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

Art 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.

domingo, 12 de outubro de 2008

É POR NÃO SER SÓLIDO QUE SE DESMANCHA NO AR

Dá-me tédio ler os augúrios sinistros, inclusive do FMI, sobre o derretimento dos mercados nos próximos dias úteis. O que mais se poderia esperar? Está apenas acontecendo o previsível e o inevitável

Vêm-me à lembrança os versos de uma velha canção do Gilberto Gil: "quem sabe tudo, diz logo/ fica sem nada a dizer".

Já no comecinho de julho eu dizia que a turbulência nos mercados nada mais era do que a volta das velhas crises cíclicas do capitalismo que Marx tão bem dissecou.

Antes, os hiatos eram menores. Hoje, com a profusão de recursos à disposição do sistema, consegue-se retardar muito mais sua eclosão. Mas, não indefinidamente. E o que é represado, desencadeia-se com virulência redobrada.

O certo é que a desigualdade básica do capitalismo impede que os consumidores potenciais tenham recursos para adquirir todos os bens almejados.

Então, como um dos imperativos para o bom funcionamento do sistema é aumentar-se cada vez mais a produção de bens e a oferta de serviços, a solução foi oferecer-se aos cidadãos créditos e mais créditos, para comprarem imediatamente e pagarem nos meses ou anos seguintes.

Cidadãos, instituições e países passaram a conviver com uma contabilidade maluca, pois a tendência é ficarem sempre correndo atrás do que gastaram a mais. Saldam as dívidas antigas e vão contraindo novas, ainda mais impagáveis. Até que perdem o pé e afundam.

O pior é que a artificilidade dos descaminhos do dinheiros acaba comprometendo o real: a produção, distribuição e consumo dos bens de que os seres humanos carecem.

Quando desaba a economia de papel, a economia real entra em recessão, como entrará agora.

Sabe-se lá quantos anos passaremos apertando os cintos por causa da desordem inerente ao capitalismo e cujos culpados imediatos são os agentes financeiros.

E, depois que sofridamente sairmos da recessão, sabe-se lá quantos anos de trégua teremos, até que tudo aconteça de novo.

O certo é que não há guerras, catástrofes nem quaisquer empecilhos REAIS impondo a redução da produção e a penúria das pessoas. Os seres humanos pagam pela irracionalidade de um sistema econômico baseado na ganância e na competição.

E pagam, principalmente, por não terem se decidido a instaurar outro, baseado no bem comum e na cooperação.

sábado, 11 de outubro de 2008

UM ELOGIO PARA MARTA SUPLICY

Quem acompanha meu trabalho, sabe que não morro de amores por Marta Suplicy.

Os motivos são vários, mas vou me limitar ao principal: ela simbolizou, para mim, a transição do PT ideológico, formado por sindicalistas e membros da Resistência à ditadura militar, para o PT fisiológico, que passou a buscar o poder a qualquer preço.

Simplesmente, nunca teve o perfil de candidata do partido quando o PT era aquele saudoso Partido dos Trabalhadores que não existe mais. Sexóloga de TV, tinha como única credencial ser esposa do valoroso Eduardo Suplicy, que merece todo meu apreço e respeito. Agora, nem isto ela é mais.

Ressalva feita, vou elogiá-la, porque desta vez ela merece: teve a dignidade de não renegar sua convicções ao sabor dos interesses eleitoreiros.

Num debate com pastores no Colégio Batista Brasileiro, durante a campanha do 1º turno, contrariou os interlocutores: "Eu não aceitaria campanha contra os homossexuais. Quem conhece a minha história sabe disso, e até pela minha formação como psicanalista, não poderia ser diferente."

Também se posicionou contra a obrigatoriedade de ensino religioso.

O presidente Lula participou nesta sexta-feira (10) de um evento com 50 líderes evangélicos e tentou colocar panos quentes: "Vocês já foram vítimas de muito preconceito no país. Portanto, vocês não podem retribuir esse preconceito".

Marta, é claro, não foge à regra dos políticos e também faz lá suas concessões.

P. ex., está disposta a abrir uma exceção na Lei Cidade Limpa, deixando que as igrejas evangélicas voltem a enfeiar São Paulo com seus letreiros descomunais (um tremendo erro).

Também pretende autorizar a realização da Marcha Para Jesus na av. Paulista (o que será justo caso a Marcha do Orgulho GLBT continue ocorrendo lá, mas o melhor mesmo seria liberar o cartão postal da cidade apenas para eventos de espectro mais amplo, como o reveillon).

Como sempre prefiro elogiar do que criticar, estou torcendo para Marta não recuar das posições que sustentou corajosamente há algumas semanas.

Se ela exceder minhas expectativas, compensará um pouco a decepção que Fernando Gabeira me causou, também no departamento de caça ao voto dos evangélicos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

GABEIRA E O BEZERRO DE OURO

Foi emocionante a arrancada de Fernando Gabeira (PV) na reta final da eleição para prefeito do Rio de Janeiro, evitando que Marcelo Crivella (PRB) chegasse ao 2º turno. Os três jovens torturados e executados no Morro da Providência não morreram em vão.

Mas, não demorou para Gabeira jogar um balde de água fria no nosso entusiasmo, bajulando ontem (8) o eleitorado de Crivella: "Eu tenho muita simpatia pelo avanço dos evangélicos em alguns lugares do mundo, como Estados Unidos e Brasil, ocupando postos importantes. Eu sou independente e posso dar a todas as religiões o tratamento e o respeito que merecem", disse.

Omitiu que associações neo-pentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Renascer só podem ser consideradas religiões no sentido de que remontam ao culto do Bezerro de Ouro.

E o único ponto de contato que têm com templo é o de que seus antecessores foram dele expulsos por Cristo, como vendilhões.

Utilizando técnicas de lavagem cerebral, arrancam até o último centavo dos otários que caem nas suas garras. Se fôssemos um país sério, com uma Justiça séria, já teriam sido fechadas há muito tempo, por praticarem um rosário de crimes, principalmente o de estelionato.

Em todos os lugares onde atuam, sua influência é das mais conservadoras e reacionárias possível. Ajudam a levar e a manter no poder excrescências como George W. Bush, cujo primarismo troglodita destoa até mesmo nos EUA.

Enfim, depois de ter descoberto virtudes insuspeitas no capitalismo, Gabeira agora declara simpatia por seus delinquentes.

O que é isso, companheiro? Vale a pena conquistar a prefeitura do RJ, ao preço de perder a própria alma?

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

RESISTIR É PRECISO

Desde janeiro de 2007 disponibilizo meus artigos semanais no blog O Rebate. E, em agosto de 2008, passei a fazer comentários mais ligeiros sobre os principais acontecimentos, diariamente, neste blog Náufrago da Utopia.

Embora só tivesse enunciado isto formalmente no mês passado, o que eu fiz, desde o primeiro momento, foi tentar provar que se pode ser revolucionário no século 21, sem resvalar para o jacobinismo (ou seja, respeitando os direitos humanos) nem para o fanatismo (ou seja, praticando o pensamento crítico).

Embora tenha conquistado algum prestígio virtual, continuo quase ignorado pela grande imprensa, que não me ouve nem mesmo quando produz matérias sobre assuntos aos quais estou intimamente ligado, não me contrata, nem me publica. O máximo que tenho obtido são espaços nas seções de leitores para protestar contra as desinformações mais gritantes.

Mas, como disse um jornalista amigo ao resenhar o Náufrago da Utopia, eu sou um sujeito muito teimoso. Passei 34 anos sem desistir de estabelecer a verdade sobre injustiças que sofri como preso político, até que consegui. E estou há quase dois anos tentando provar que as análises corretas podem impor-se a despeito da evidente má vontade da mídia patronal e da mídia chapa-branca, bem como do culto à certificação que se consolidou no Brasil nas últimas décadas.

Apenas me graduei em jornalismo, nunca fiz pós nem MBA, jamais suportei jornadas caça-níqueis de atualização, tendo detestado cada minuto que nelas passei como repórter, cumprindo determinadas pautas. A exemplo dos revolucionários de outrora, fui sempre buscar por mim mesmo o conhecimento que me fazia falta.

Quem acompanha meu trabalho sabe que tenho média de acertos bem maior que a dos me(r)dalhões do sistema. E que corro muito mais riscos do que eles.

Foi o que fiz no último dia 2 de julho, quando a turbulência nos mercados apenas começava. Em meu artigo CRÔNICA DA ESTAGFLAÇÃO ANUNCIADA ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2008/07/crnica-da-estagflao-anunciada.html
), não tive dúvidas em antecipar a gravidade da tempestade que se formava, nem em reabilitar as análises marxistas sobre crises cíclicas do capitalismo, tão desacreditadas pelos economistas a serviço da manutenção do status quo:

"...a alternância de fases de expansão e retração econômicas marca o capitalismo desde o seu início. Por que desta vez seria diferente? De onde os doutos economistas tiraram a idéia de que o crescimento agora seria ininterrupto? Isto me parece mais expressão de desejo do que análise isenta.

"...A desigualdade (...) continuou caracterizando o capitalismo, com a agravante de que os formidáveis avanços científicos e tecnológicos das duas últimas décadas criaram plenas condições para proporcionar-se a cada habitante do planeta o suficiente para uma existência digna.

"Em vez disso, o que houve foi um incremento ad absurdum das atividades parasitárias, totalmente inúteis para o ser humano, cuja expressão mais conspícua, claro, são os bancos, amos e senhores do capitalismo atual.

"E, para que os bens e serviços continuassem sendo consumidos independentemente do poder aquisitivo insuficiente dos consumidores, expandiu-se a oferta de crédito também ad absurdum. Então, desde as nações até as famílias passaram a operar com as contabilidades mais insensatas, em que as contas nunca fecham e os débitos, impagáveis, são sempre empurrados para o futuro.

"É sobre esse pano-de-fundo de artificialidade básica que se projeta a atuação dos grandes especuladores do mercado financeiro, cujo campo de ação foi enormemente ampliado pelo advento da internet.

"Atribuir-lhes (ou às autoridades que não os policiaram suficientemente) a responsabilidade pela estagflação anunciada é tão falacioso agora quanto, p. ex., na quebra da Bolsa em 1929. O nome do vilão sempre foi outro: capitalismo."

Que cada um julgue se eu andei certo ou errado ao anunciar que estávamos às vésperas de uma nova crise cíclica do capitalismo, com a única diferença de que os recursos atuais possiblitaram que ela fosse represada por mais tempo do que no passado (tendendo, portanto, a ter virulência bem maior).

No entanto, já houve manifestação semelhante por parte de um autor respeitável. No final de setembro, o historiador Eric Hobsbawm, que escreveu A Era da Revolução, A Era do Capital, A Era do Império e A Era dos Extremos, afirmou estar havendo “um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista”, provocado, principalmente, pela ocorrência de “uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado”. E acrescentou:

"É claro que qualquer 'retorno a Marx' será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas autogeradas com dimensões políticas e sociais." [o que não passa de uma forma rebuscada de proclamar a atualidade das análises marxistas sobre as crises cíclicas do capitalismo...]

De minha parte, continuarei teimosamente oferecendo análises que o sistema desconsidera e não são lastreadas em autoridade certificada de nenhuma espécie.

E, se mais sites e portais se fecharem para mim como se fecharam todas as portas da grande imprensa, ainda assim vocês poderão acompanhar o meu trabalho nos dois blogs, dia após dia.

Resistir é preciso.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

REAÇÕES TÍMIDAS E TARDIAS A UMA HECATOMBE ANUNCIADA

A Segunda-Feira Negra comprova que estamos mesmo no olho do furacão. Então, é mais do que tempo de descartarmos as interpretações simplistas da crise, dadas pelos que estão acumpliciados com o verdadeiro vilão: o capitalismo.

Atribuir a convulsão atual a um mero desleixo das autoridades que deveriam evitar a transformação do mercado financeiro em cassino não passa de conversa para boi dormir. A alternância de fases de expansão e retração econômicas marca o capitalismo desde o seu início, não havendo base concreta nenhuma para apregoar-se o fim dessa História...

Segundo Marx, o pecado original do capitalismo é que, como os assalariados não recebem de volta o valor total dos bens que produzem, estão impedidos de adquiri-los todos, daí o descompasso entre o estoque de produtos oferecidos e o poder aquisitivo dos consumidores.

Até a metade do século passado, isto se reequilibrava de formas dramáticas: desde as queimas de café para evitar a queda do preço internacional do produto até as guerras, que geravam um mercado cativo para a produção excedente, na forma de armamentos.

Com o advento das armas nucleares, entretanto, os conflitos entre potências passaram a ter o pequeno inconveniente de poderem extinguir a espécie humana. Então, desde 1962, ano da crise dos mísseis cubanos, tais situações passaram a ser administradas com mais cautela.

Desigualdade obscena e descompasso entre oferta e procura continuaram, entretanto, caracterizando o capitalismo, que logrou represar suas crises cíclicas por mais tempo graças a dois expedientes:

· o incremento ad absurdum das atividades parasitárias, totalmente inúteis para o ser humano, cuja expressão mais conspícua, claro, são as bancárias;

· e a concessão ad absurdum de crédito, possibilitando que os consumidores transfiram para o futuro o pagamento dos bens que não têm como custear no presente.

Com isto, são atendidos por algum tempo requisitos básicos para o bom funcionamento do sistema: o giro cada vez mais rápido das mercadorias e a expansão contínua. E um edifício de especulações (fazendo a fortuna dos gananciosos mais argutos) se erige sobre a base falsa desse crédito concedido a quem não possuía o suficiente para adquirir tais bens no presente, nem conseguirá reequilibrar as contas no futuro.

Pois o conjunto dos beneficiários desses créditos continuará recebendo, por seu trabalho, menos do que o necessário para adquirir os itens oferecidos à sua cobiça pela sociedade de consumo. Então, a operação de pagar as dívidas do passado para poder contrair novas (com o agravante de que lhe são cobrados juros por esses créditos) não se sustenta indefinidamente. Um dia a casa cai.

A inadimplência é inevitável, gerando turbulências como a deste 6 de outubro (e outros dias de pânico nos mercados que ainda venham a ocorrer), com efeitos catastróficos para pessoas, instituições e países. E, como as pressões foram contidas por muito tempo, o estouro do dique poderá, desta vez, gerar conseqüências ainda mais dramáticas que as do passado.

Recessões que chegam a durar até uma década (como a que sobreveio após o crack de 1929) têm sido o terrível desfecho das crises cíclicas do capitalismo: a produção é drasticamente reduzida durante certo período, o que impõe rigores a quase todos e condena muitos à penúria e ao desespero.

No entanto, o necessário para continuarem-se produzindo os bens ainda existe: matérias-primas, máquinas, recursos humanos. Não houve guerra, catástrofes naturais ou pestes. Todo sofrimento imposto aos homens se deve a uma crise do que é artificial, o capital, mas tem o poder de provocar um colapso no que é real, a produção.

Marx estava certíssimo ao destacar a irracionalidade básica do capitalismo.

Norman O. Brown também estava certíssimo ao destacar o componente destrutivo do capitalismo e seu potencial de causar a própria destruição da espécie humana (vide as alterações climáticas).

E estarão certíssimos os homens que se mobilizarem para evitar o pior, enquanto ainda há tempo. A crise atual é um bom exemplo do que podemos esperar das corporações e governos: reações tímidas e tardias a uma hecatombe anunciada.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

2008: ELEIÇÕES SEM ESPERANÇAS

Houve eleições municipais ontem. Sabemos disso porque fomos obrigados a ir votar, ficamos sem o futebol dominical e não pudemos tomar umas e outras nos botecos.

Mas, faltava algo nas ruas: esperança. Ninguém dava mostras de acreditar que algo mudaria, fosse quem fosse eleito.

Menos, é claro, os feios, sujos e malvados que disputaram vagas na Câmara Municipal, movidos quase todos por ambições mesquinhas. Estes se atiraram à luta com a sofreguidão de quem vê uma chance única de subir na vida ou (os que buscavam a reeleição) manter-se num patamar muito acima do facultado por seus reais talentos.

O desfile dessas figuras grotescas no horário eleitoral gratuito parecia show de aberrações em mafuás da periferia. Pouquíssimos sugeriam a mais remota possibilidade de servirem ao povo, já que saltava aos olhos sua escassa competência e a escassez ainda maior de caráter. Mal conseguiam dissimular que queriam mesmo é servir-se do povo, dos cofres públicos e das inesgotáveis benesses do poder.

A principal conclusão a tirar-se dessas eleições já se sabia na véspera: a fisiologia impera, não existindo mais nenhum grande partido movido por ideologia. O PT, última tentativa nessa direção, hoje não vê pecado nenhum em coligar-se com o PPS em 20,3% dos municípios brasileiros, com o PSDB em 19,7% e com o DEM em 17,2%.

Se associar-se aos dois primeiros já embaça as distinções que deveria haver entre situação e oposição, as alianças com o DEM constituíram verdadeira ignomínia: o PT, que nasceu da resistência à ditadura de 1964/85, irmanando-se ao partido herdeiro da Arena, criada pelos militares para dar aparência de legalidade ao jugo da força bruta.

De resto, ficou comprovado que o patrimônio político de Lula é pessoal e intransferível. Sua popularidade sobe aos píncaros, mas não se transmite ao PT e seus aliados, que tiveram desempenho apenas razoável em grandes capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, além de amargarem derrotas sofridas em Curitiba e no Rio de Janeiro (onde o prejuízo foi total, pois perdeu ao lado do pior dos candidatos, depois que uma tentativa espúria de beneficiá-lo terminou em tragédia) .

As freqüentes comparações entre Lula e Getúlio Vargas omitem um dado importante: o segundo inspirava verdadeira devoção nos trabalhadores, tanto que foi capaz de eleger até um poste (Eurico Gaspar Dutra), quando impedido de disputar a eleição presidencial.

Já Marta Suplicy, peça-chave no tabuleiro de Lula, ficou exatamente no seu índice habitual de trinta e pouco por cento, apesar de todo apoio presidencial.

Pior: a arrancada de Gilberto Kassab em setembro indica que, quando o eleitorado paulistano passou a interessar-se pelo pleito, inclinou-se na direção do atual prefeito.

Será dificílimo, quase impossível, reverter essa tendência. Não é à toa que dirigentes petistas já aconselham Lula a evitar um comprometimento excessivo com a campanha de Marta no 2º turno.

Finalmente, evidenciou-se que está bloqueado o caminho para outro partido repetir a trajetória do PT -- seja porque o otimismo da década de 1980 cedeu lugar ao conformismo atual, seja por conta da decepção causada pelo próprio PT, ao frustrar as esperanças que despertou.

A classe média, capaz de mobilizar-se por ideais, mostra-se amarga e descrente. Por enquanto, o assistencialismo e o clientelismo estão sendo suficientes para garantir apoios que contrabalançam o êxodo dos melhores seres humanos.

Mas, já sem apelo para corações e mentes, Lula e o PT dependerão do que puderem oferecer para as barrigas. Enquanto proporcionarem melhoras materiais, mesmo que ínfimas, têm chance de perpetuarem-se no poder.

Se a crise cíclica do capitalismo atingir um estágio mais agudo, entretanto, já não haverá como manter essa sustentação, em última análise, comprada.

Aí vai lhes fazer muita falta a ardorosa militância que sustentava o partido nos tempos difíceis e foi trocada pelos interesseiros sempre em busca de partidos que os sustentem.

domingo, 5 de outubro de 2008

OBAMA É ALVO DE MACARTISMO

Os Estados Unidos só são um exemplo para o mundo na "arte" de ganhar dinheiro. Que cada um decida se isto constitui exemplo positivo ou negativo. Eu cravo a segunda opção.

Em termos culturais, os estadunidenses engatinham. Já produziram Faulkners, Fitzgeralds, Wolfes e Mailers, mas o seu coração balança mesmo é com os Harold Robbins e Sidney Sheldon da vida.

Quanto ao cinema, a melhor definição que já deram das tralhas de Hollywood foi a de Jean-Luc Godard, no clássico Pierrot Le Fou, quando colocou um personagem, produtor famoso dos EUA, sendo convidado a explicar o que é a sétima arte e respondendo: "Ação. Violência. Emoção. Sexo. Mortes"...

A Justiça norte-americana, tão louvada e best-selles e filmecos, perpetrou linchamentos legalizados como os do casal Rosenberg e de Sacco e Vanzetti.

Quanto à política, é um Deus nos acuda! Como bem destacava o Paulo Francis, há ilhas de vida inteligente como Nova York e San Francisco, cercadas de jecas por todos os lados.

Vai daí que a candidata a vice-presidente pelo Partido Republicano, Sarah Palin, acaba de acusar Barack Obama de ligação com terroristas.

Praticando o que os democratas apropriadamente qualificaram de "política de sarjeta", Palin não se vexou de dizer um disparate destes: "Obama vê os Estados Unidos como algo tão imperfeito que está se amigando com terroristas que querem atacar seu próprio país".

["Amigando"? Parece que a campanha está deixando Palin carente, ao tomar-lhe o tempo que ela aproveitaria melhor em outras atividades. Freud explica...]

Em que se baseou a destrambelhada parceira de chapa de Mc Cain? Apenas no fato de que Obama integrava a equipe de conselheiros de uma instituição de caridade, ao lado de um professor da Universidade de Illinois que, na longínqua década de 1960, combateu com explosões a participação dos EUA na Guerra do Vietnã.

Satanizar o tal Bill Ayers pelo que fez em passado tão distante é que constitui terrorismo. Afora o fato de que ele apenas usou meios errados para combater uma guerra errada: injusta, imoral e criminosa.

Considerar Ayers um pestilento, capaz de contagiar Obama apenas por sentar-se com ele a uma mesa de reunião em que se discutiam ações de caridade, é macartismo puro. Evoca o período mais vergonhoso da história dos EUA, que, como aluno relapso, foi cometer sua Inquisição em pleno século 20, meio milênio depois da Europa!

Há algo de muito podre num país em que "argumentos" desse tipo ainda têm livre curso numa campanha presidencial.

sábado, 4 de outubro de 2008

RÉU CONFESSO ESPERNEIA PARA NÃO INDENIZAR PAIS DA VÍTIMA

Antonio Marcos Pimenta Neves, ex-diretor de redação de O Estado de S. Paulo, assassinou há oito anos a também jornalista Sandra Gomide, baleando-a pelas costas e dando-lhe o tiro de misericórdia na cabeça.

Já foi condenado a 18 anos de prisão, teve a pena reduzida para 15, mas cumpriu efetivamente míseros sete meses, por obra e graça do infinito arsenal de recursos protelatórios à disposição de quem pode contratar luminares do Direito.

A juíza Mariella Nogueira, da 39ª Vara Civel de São Paulo, acaba de condenar Pimenta Neves a indenizar os pais de Sandra em R$ 83 mil cada.

O motivo são os óbvios danos físicos e psicológicos que lhes causou a morte da filha.

A defesa de Pimenta Neves alegou ter o assassino também sofrido abalo psicológico, em razão das acusações que o pai de Sandra lhe fez pela imprensa. Não colou.

Trocando em miúdos: réu confesso, Pimenta Neves matou a ex-amante porque ela o estava rejeitando; e teve o desplante de querer negar ao pai da vítima até mesmo o direito de extravasar sua dor em entrevistas.

Em vez de dar graças a Deus por estar imerecidamente fora das grades, esperneia para não pagar R$ 166 mil àqueles a quem privou de uma filha.

Para qualificar adequadamente o comportamento de Pimenta Neves, só mesmo se eu apelasse para o baixo calão -- que destoaria da postura civilizada que tenho por norma manter, mesmo em relação aos piores canalhas.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O DOI-CODI FEZ ESCOLA

Acusada de haver matado o coronel Ubiratan Guimarães (aquele que comandou o massacre do Carandiru), a advogada Carla Cepollina conseguiu uma vitória inicial na Justiça de São Paulo, que rejeitou a denúncia. O Ministério Público vai recorrer.

Sobre o inquérito policial, ela conta ter sido muito pressionada, sem que conseguissem forçá-la a confessar o crime. Não chegaram à tortura física, mas houve utilização de um recurso extremamente torpe:

- Um delegado, quando estava na minha casa, falou: "Se a senhora não confessar, vou levar a sua mãe presa". E levou.

No caso do motoboy falsamente acusado de 11 homicídios com base tão-somente nas confissões que fez sob tortura ( http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2008/09/torturas-tudo-como-dantes-no-quartel-de.html ), eu já ressaltei que os métodos utilizados atualmente pela Polícia paulistana continuam sendo os mesmíssimos adotados pela repressão política na época da ditadura militar.

A prisão de uma senhora que nada tinha a ver com o caso, como forma de coagir a filha, também tem tudo a ver com os DOI-Codi's do passado.

Os leopardos não perdem as pintas, embora hoje estejam impedidos de extrapolar certos limites: já não podem chegar ao cúmulo de torturar tais parentes na frente daquele de quem querem arrancar confissões, como os comandados de Brilhante Ustra fizeram com a família de Ivan Seixas nos anos de chumbo.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

JUSTIÇA RUSSA REABILITA O ÚLTIMO CZAR

Nicolau 2º, o último czar da Rússia, foi reabilitado pelo Tribunal Supremo do país, que acaba de declará-lo (e à sua família) vítima de "injustificada repressão" por motivos políticos.

O czar, a czarina, o czarevitch (herdeiro do trono), quatro grã-duquesas, o médico e três criados da família imperial foram mortos por um pelotão bolchevique na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, em Ecaterimburgo, onde eram mantidos prisioneiros.

O nascente governo soviético tentava sobreviver aos reacionários internos (czaristas e liberais) e à invasão de exércitos estrangeiros (estadunidenses, ingleses, franceses e japoneses, dentre outros).

Só conseguiu vencer essa guerra em duas frentes porque os inimigos, militarmente muito superiores, atuaram como forças independentes, sem coordenação entre si.

O comandante do Exército Vermelho, Trotsky, conseguia movimentar seus efetivos, rapidamente, para onde eram mais necessários em cada momento; mas não teria como escapar à derrota, se todos os rivais atacassem ao mesmo tempo nas várias frentes de luta.

A intenção dos bolcheviques era levar Nicolau 2º a julgamento. No entanto, quando as tropas brancas (monárquicas) se aproximaram demais do local onde ele e sua família estavam presos, decidiu-se a execução, para que fosse evitado qualquer risco de resgate.

O temor era de que os contra-revolucionários utilizassem o czar ou qualquer herdeiro seu como bandeira, em torno da qual se aglutinassem os adversários da república soviética.

O fantasma da união dos inimigos os assombrava. Idem, a possibilidade de que os camponeses, mais sensíveis ao fascínio do trono, se voltassem ativamente contra a revolução.

Foi uma decisão cruel. Deveu-se às chamadas razões de estado e não a uma pretensa índole sanguinária dos bolcheviques que, pelo menos até aquele momento, utilizavam apenas a força necessária para assegurarem a sobrevivência do regime, em meio à guerra, ao caos e à penúria.

Mas, repugna aos homens de bem saber que cinco mulheres e um jovem foram sacrificados apenas por causa de seus laços sanguíneos ou conjugal com o czar; e outros quatro, serviçais, para que não relatassem o que ocorrera.

Quanto ao próprio Nicolau 2º, era um autocrata convicto, embora infantilizado e de personalidade tíbia. Se não ordenou massacres, deixou que outros os cometessem impunemente em seu nome, como o grão-duque Sergei Alexandrovitch, que deu à guarda ordem para disparar contra uma manifestação pacífica em janeiro de 1905, causando centenas de mortes, no episódio que passou à História como domingo sangrento.
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