sábado, 18 de outubro de 2008

OPERAÇÃO SATIAGRAHA: UM NINHO DE VÍBORAS

Por haver decaído a ponto de se tornar pouco mais do que um house organ da extrema-direita, a Veja já não é considerada fonte confiável em nenhum sentido, por parte de muitas pessoas de esquerda.

Isso, entretanto, não passa de um macartismo às avessas.

Se é certo que alguns de seus enfoques são extremamente tendenciosos, não podemos impugnar igualmente as entrevistas publicadas.

Mesmo porque, para conservar a pouca credibilidade que ainda lhe resta, a Veja não ousaria deturpar as palavras de cidadãos com poder de fogo para impor retratações, se lhes colocarem na boca aquilo que não disseram.

Então, vale a pena destacar aqui trechos da entrevista do presidente da CPI dos Grampos, o deputado Marcelo Itagiba (PMDB/RJ), que também é delegado da Polícia Federal, sobre a Operação Satiagraha, publicada na Veja que está na bancas (edição 2083, 22/10/2008)

"Existe no país um conluio entre detetives particulares, funcionários de operadoras e prestadores de serviço às operadoras para a prática da interceptação ilegal, seja para obtenção de extratos telefônicos, seja para identificação de linhas para interceptação. (...) O que descobrimos agora é que esses arapongas também vêm agindo em associação com a estrutura de estado. As instituições estão se utilizando dessas organizações clandestinas para investigações oficiais e, mais grave ainda, para desenvolver ações ilegais.

"...na investigação instaurada contra as práticas criminosas do senhor Daniel Dantas (...) misturaram-se negócio, política e polícia no mesmo balaio. Para apurar as ações criminosas do banqueiro, que não são poucas, as autoridades se autoconcederam uma licença para fazer qualquer coisa. Além da engrenagem oficial, acionou-se um braço paralegal, sem vínculo formal com o estado, mas agindo protegido sob sua responsabilidade e orientação. Eles certamente estão na linha de frente das ações clandestinas. São ex-policiais e agentes aposentados da própria Abin, encarregados de fazer o chamado trabalho sujo, ou seja, tudo o que é ilegal, clandestino.

"A existência desses 'paras' está mais do que demonstrada, na medida em que pessoas estranhas aos órgãos envolvidos foram, como já se sabe, contratadas para certas tarefas e receberam dinheiro para fazer determinados serviços. Tudo de maneira secreta, clandestina, sem o conhecimento formal das instituições. Já há um depoimento confirmando que o gabinete do ministro Gilmar Mendes foi alvo de ataque eletrônico, provavelmente de uma escuta ambiental. O grampo de seus telefones certamente deriva desse aparato clandestino a serviço da Abin e da PF. Essa associação entre o oficial e o clandestino atenta contra a democracia, por mais nobres que sejam seus objetivos.

"...os depoimentos já prestados mostram que o delegado responsável pela Operação Satiagraha, Protógenes Queiroz, o doutor Paulo Lacerda e outros servidores da Abin faltaram com a verdade. O diretor da Abin mentiu ao Congresso. Eles procuraram escamotear a gigantesca participação da Abin. No início, disseram que eram uns quatro ou cinco agentes. Já sabemos que são mais de cinqüenta – isso sem contar os arapongas que atuaram à margem do aparato oficial.

"...defendo que aqueles que faltaram com a verdade devem ter o indiciamento solicitado por crime de falso testemunho. Quando instrumentos clandestinos passam a ser utilizados e se esconde sua utilização, mesmo que para pegar um criminoso do quilate de Daniel Dantas, você está usando a paralegalidade. Ou seja: a ação está revestida de legalidade, mas é absolutamente ilegal.

"O doutor Lacerda prestou relevantes serviços ao país quando foi diretor da Polícia Federal. Mas ele extrapolou. A Abin não pode participar diretamente de uma operação tipicamente policial, não pode ter mercenários à sua disposição e não pode lidar com material clandestino. Das duas, uma: ou o doutor Paulo Lacerda sabia de tudo e deve ser responsabilizado; ou ele não sabia de nada e também deve ser responsabilizado por isso. Deve ser punido por ação ou por omissão. Depois do que já se descobriu, não vejo condições de ele voltar a dirigir um órgão subordinado à Presidência da República. O presidente deveria demitir todos os servidores públicos que de alguma forma se envolveram com essa operação paralegal.

"Existe uma disputa dentro do governo entre um grupo que deseja a fusão das teles (Brasil Telecom e Oi) e outro que não deseja. O grupo que não desejava a fusão perdeu. Os que queriam e os que não queriam estão arrumando uma enorme confusão. Esse processo de fusão vai conspurcar o governo do presidente Lula. Essa disputa tem objetivos vinculados a 2010. Talvez esteja aí a verdadeira razão da participação da Abin. Os grupos do PT no governo estão se digladiando para controlar o processo, quem sabe de olho em um futuro financiamento de campanha."

E EU COM ISSO?

Recebi com indiferença a ação policial contra Daniel Dantas, pois já não estou mais em idade de acreditar que a prisão de um banqueiro delinquente vá resolver todos os problemas do Brasil.

Para mim, o crime não está no fato do banqueiro ser delinquente, mas sim no de ser banqueiro. A atividade, em si, é delinquente, na minha opinião e na de Brecht ("O que importa o roubo de um banco diante do crime inominável de fundar-se um banco?").

Mas, quando a dupla Protógenes/De Sanctis tentou passar por cima do habeas corpus concedido por quem tinha autoridade para concedê-lo (pouco importando se é um magistrado polêmico como o Gilmar Mendes), aí a coisa mudou de figura.

Entrei na briga unicamente na defesa do instituto do habeas corpus, pois já representou e pode voltar a representar a diferença entre a vida e a morte dos revolucionários.

Quanto aos personagens desse imbroglio, desde o início eu afirmei: não havia mocinhos, só bandidos.

Para um revolucionário da minha geração, polícia é sempre polícia: trata-se da repressão, nossa inimiga, já que tem como missão preservar o status quo.

Aquela esquerda que trocou os princípios pelas migalhas palacianas, contentando-se em agir como força auxiliar desse PT domesticado que aí está (na melhor das hipóteses, um partido reformista, sem a mais remota nuance revolucionária), recriminou-me acerbamente a heresia de não aceitar a Polícia Federal e a Abin como as novas vanguardas da revolução brasileira...

No entanto, cada vez mais, os fatos vão provando que eu estava certo ao não tomar partido numa briga entre duas facções mafiosas do sistema.

Como também estive certo em não me solidarizar aos policiais civis que provocaram um confronto com a PM de José Serra.

Desde que acompanho a política, há mais de 40 anos, sempre que manifestantes tentam invadir o Palácio do Governo para fazer com que o governador lhes conceda audiência na marra, o resultado é o mesmo: pancadaria.

Então, não serei eu a servir de caixa de ressonância para uma evidente provocação com fins eleitoreiros.

Encarei essa briga entre policiais da mesma maneira que o clássico de amanhã, São Paulo x Palmeiras. Como bom corinthiano, gostaria mesmo é que ambos perdessem...

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro amigo,

Concordo com você: a greve dos p. civis de São Paulo me pareceu oportunista e eleitoreira. Apesar ter ficado surpreso ao saber quanto ganha um policial civil de São Paulo (menos do que um policial em Sergipe, um pequeno e pobre estado nordestino), uma vergonha para o Governo Serra.

Grande abraço,
Ismar

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