terça-feira, 19 de novembro de 2024

POLÍCIA FEDERAL DÁ O TIRO DE MISERICÓRDIA NO BOLSONARISMO

A Operação Contragolpe da Polícia Federal, com a bombástica prisão de militares que planejaram matar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes para evitar a posse do  atual governo, tornou gravíssima a tentativa de golpe ultradireitista da virada de 2022 para 2023 e simplesmente pulveriza as chances de Jair Bolsonaro recuperar a elegibilidade para poder participar da eleição presidencial de 2026. 

Agora, só por milagre Bolsonaro estará em liberdade quando da realização do próximo pleito e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, grande vencedor das recentes eleições municipais, tende a consolidar sua hegemonia no campo da direita, pondo fim ao extremismo bolsonarista que, por tornar muito ruim o ambiente para os negócios, vinha sendo esvaziado pelo grande capital desde o manifesto dos notáveis da sociedade civil em setembro de 2022.  

Inicialmente apoiado pelos maiorais do PIB, Bolsonaro perdeu a confiança deles com a condução caótica da política ao longo de todo seu governo, gerando acentuada insegurança econômica. Então, na reta de chegada da eleição de 2022, o cérebro do capitalismo brasileiro deu um basta ao Bozo!, expressando enfaticamente sua vontade de ver-se livre das estridências bolsonaristas. 

Esta guinada explica não só a vitória de Lula nas urnas, como o fracasso do putsch com que os adoradores de pneus tentaram reverter o resultado eleitoral. O poder econômico, como sempre no Brasil, falou mais alto.

A comprovação de que ele arquitetava um golpe sanguinário torna obrigatória sua prisão
Agora, o péssimo desempenho tanto de Bolsonaro quanto do Lula nas eleições do mês passado revelou que o tempo da polarização entre ambos terminou definitivamente, com a política brasileira marchando para a consolidação centro-direitista. O resultado está aí, com a Polícia Federal dando o tiro de misericórdia no bolsonarismo.

Quanto à esquerda institucional, que tentava sobreviver como alternativa à barbárie ultradireitista, já não poderá mais apoiar-se nessa muleta e vai ter de reconfigurar-se por completo. 

Salta aos olhos que, se não resgatar a combatividade perdida e tornar-se atrativa para os excluídos deste novo banquete capitalista, se condenará à irrelevância por bom tempo. (por Celso Lungaretti)   

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

TERRORISTA TRAPALHÃO E AMARELÃO, BOLSONARO TANTO SEMEOU VENTOS QUE ACABOU COLHENDO UMA TEMPESTADE

Antigamente a sabedoria popular recomendava: quem é burro (como o Framcisco Wanderley Luiz), peça a Deus que o mate e ao diabo que o carregue.

Jair Bolsonaro, contudo, não estava sendo burro em 2018, ao simular um atentado que lhe servisse de desculpa para fugir dos debates eleitorais nos quais já tinha sido derrotado por Guilherme Boulos e triturado por Marina Silva. 

Burros foram os que acreditaram naquela patranha, que o vídeo Facada no Mito (depois removido do YouTube a pedido do farsante)  desmascarou sem deixar margem nenhuma para dúvida.

Empossado após a eleição mais fraudulenta do Brasil em todos os tempos, ele novamente continuou a servir-se do terrorismo, mas com um novo propósito: o de eternizar sua presidência pela via do golpe de estado.

Passou quatro anos semeando ventos, mas não colheu o tipo de tempestade que almejava pelo simples motivo de que jamais passou de um poltrão se fingindo de machão. 

Três vezes ele engatilhou o sonhado golpe (nos Dias da Pátria de 2021 e 2022, depois no 08.01.2023) e nas três amarelou repulsivamente, sendo o único golpista que não era encontrado no palco do golpe.

O ridículo chegou ao extremo na terceira micareta: aí ele não conseguiu pensar num único ponto do território brasileiro no qual estivesse a salvo de prisão caso seu putsch flopasse, então foi abrigar-se na Disneylândia enquanto seus bovinizados seguidores viam o sol nascer quadrado.

Como o feitiço às vezes se volta contra o feiticeiro, um desses seguidores resolveu fazer agora o que o Bolsonaro queria que fosse feito durante o seu mandato, para criar uma confusão que lhe permitisse colocar o país sob estado de sítio, botar as tropas nas ruas e impor uma ditadura enquanto fingia a estar evitando.

Depois que tal conspiração ruiu fragorosamente, as bombas detonadas em Brasília perderam qualquer razão de ser: a direita, na prática, já está no poder, não pela via golpista mas pelo controle do Legislativo, que tornou o Lula pouco mais do que uma rainha da Inglaterra, obrigado a negociar com o Centrão até a permissão para ir no banheiro...

Mas, quem saiu dominante das eleições municipais não foi a direita ferrabrás, mas sim a convencional, que agora está com a faca e o queijo na mão para obter outra vitória esmagadora em 2026.

Tal direita nada tem a lucrar com o terrorismo, portanto deverá colaborar com os petistas para evitar o alastramento dessa praga. 

E, se o Bolsonaro apostava todas as suas fichas em conseguir uma anistia ilegal para concorrer á presidência na próxima eleição, a palhaçada terrorista desta semana serviu. isto sim, para a direita majoritária se dar conta de que correrá algum risco se contribuir para os planos malucos do Bozo. 

O que já era difícil (porque implicava confronto de Poderes) agora se tornou impossível. Sem força para fazer aprovar a anistia inconstitucional no Congresso, o azarão Bozo tende a ficar chupando o dedo enquanto Tarcísio de Freitas participará da próxima eleição como o grande favorito.

Isto é o que ocorre quando um espertalhão coloca ideias de jerico na cabeça de imbecis, mas não tem como controlá-los o tempo todo. A chance de o tiro sair pela culatra e atingir o próprio instigador se torna enorme. (por Celso Lungaretti)

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A ESQUERDA QUE NÃO SE DEIXOU COOPTAR PELO CAPITALISMO: UM LEGADO (parte 6)

Sítio que serviu como fachada para a segunda
área de treinamento da VPR em Registro

Passados dois meses, eu já antevia  o momento em que sairia da chamada fase operacional, passando a levar a vida enfadonha dos presos políticos que já não detinham informações  do interesse da repressão e, portanto, só voltariam a ser espremidos caso viessem à baila fatos novos ou se outras capturas fizessem os torturadores perceberem que suas vítimas anteriores não haviam contado tudo que sabiam.

Embora eu houvesse, nos piores momentos, duvidado de que sobreviveria, o saldo até então era positivo em meu favor, pois a minha culpa pelas quedas em cascata era quase nenhuma. 

Afinal, meu principal papel na organização era o de municiar os outros comandantes com informações e análises; e, como as prisões de alto escalão tiveram outras origens, a organização só poderia me recriminar a dissimulação a que eu recorria, sempre fingindo estar mais abalado pelas torturas do que realmente estava.   

Até que ponto eu conseguia enganar os torturadores e até que ponto eles às vezes não iam às últimas consequências comigo por temerem que eu morresse? Jamais saberei ao certo, mas, dois dias depois da minha prisão, um velho militar suspeitou que eu estivesse passando mal e chamou o médico. 

Minha pressão deveria estar assustadora, pois logo me encheram de calmantes e escalaram aquele oficial para conversar comigo e me tranquilizar um pouco. 

Como nunca fui ingênuo, avaliei que a morte recente do jovem companheiro Chael Charles Schereier repercutira mal mundo afora e eles temiam que uma ocorrência semelhante. tendo como vítima um militante mais jovem ainda, provocasse outra onda de denúncias e indignação contra a ditadura no exterior. 
A morte em novembro de 1969 de Chael Charles Schreier, com inconfundíveis marcas de
tortura, repercutiu mundialmente e até inspirou  matéria de capa famosa da revista Veja
Mas, o alívio durou pouco e em maio já voltavam a me torturar com mão pesada.  A diferença era que já não esperavam descobrir nada importante por meu intermédio, tanto que me transferiram da solitária ao lado da sala de torturas para uma cela para vários prisioneiros no andar de cima e a frequência com que me buscavam para interrogatórios diminuíra. 

Tudo me fazia crer que eu já estava prestes a ser transferido, para finalização de inquérito em algum dos quartéis da Vila Militar quando, no dia 11 de junho, a VPR e a Ação Libertadora Nacional sequestraram o embaixador alemão  Ehrenfried von Holleben.

Os analistas da repressão mandaram agentes do Deops me interrogarem para a finalização do que dizia respeito a mim nos inquéritos da VPR e da VAR-Palmares (ou seja, éramos obrigados a repetir sem torturas tudo que eles haviam arrancado de nós mediante torturas, sendo esta  versão indolor então encaminhada às auditorias militares. 

Se confirmássemos aquilo de que nos acusavam, tínhamos a incomunicabilidade  quebrada e ficávamos aguardando julgamento em unidades militares que não integravam a estrutura de terrorismo de estado criada para o combate à subversão e à luta armada. 
Este interrogatório na auditoria da Marinha, em processo da
VAR-Palmares, ocorreu um dia após o da foto famosa da Dilma
 

Se nos negássemos a admitir o que já tínhamos admitido anteriormente, nos mandavam de volta para o DOI-Codi e nos torturavam de novo até que nos conformássemos em jogar o jogo do jeito deles.

Geralmente a transferência para unidade não-torturadora antecedia a tomada de depoimentos para fins jurídicos, assim a farsa ficava completa. Os relatórios sangrentos produzidos pelo DOI-Codi permaneciam secretos e os depoimentos que embasavam nossas condenações não tinham manchas de sangue. 

Mas, com o sequestro do embaixador  von Holleben em curso, nem se preocuparam em me transferir para outra unidade; pegaram meu depoimento no DOI-Codi mesmo. A própria repressão dava como favas contadas que meu nome estaria entre os 40 da lista de troca.    

O avião partiu no dia 16 e eu fui deixado para trás, sendo alvo inclusive de zombarias dos torturadores ("Levaram até lastro no seu lugar"). Como eu atendia aos critérios para inclusão entre os libertados e não fora responsável por nenhuma queda de quadro importante, logo imaginei que a exclusão do meu nome tinha a ver com a queda da área de treinamento guerrilheiro.

A VPR estava me atribuindo tal delação embora eu nem sequer conhecesse a localização da dita área: tinha sido um dos cinco integrantes da equipe precursora da instalação de uma escola de guerrilha na região de Registro, SP; mas, como o local se revelou inadequado para nosso propósito, após três semanas abandonamos o sítio que havíamos adquirido e o trabalho foi transferido para outro lugar, já sem minha participação.  
Foram 40 os presos políticos trocados pelo embaixador Ehrenfried von Holleben
Então, por óbvia medida de segurança, os dois que decidimos não continuar no trabalho de campo fomos,  no dia da desativação da primeira área, levados de volta para a Capital: eu, para retomar a atividade de comandante de Inteligência noutro estado, o Rio de Janeiro; e o Massafumi Yoshinaga para desfiliar-se da organização. 

A localização da segunda área, a definitiva, por parte do DOI-Codi/RJ, se deu em 8 de abril de 1970, um sábado, dois dias após minha prisão. Durante aquela tarde, houve uma reunião com a participação de uns 40 altos oficiais visitantes  e eu fui conduzido até ela. Quando chegava na sala onde o encontro se realizava, cruzei com integrante da VPR que dela estava saindo. Sua prisão ocorrera naquele sábado.

De mim queriam saber detalhes sobre a primeira área, a abandonada. Mas, o inusitado daquela reunião e a má ideia que tiveram de atar-me eletrodos nos dedos, criando a ameaça de choques elétricos, produziu efeito contrário. Foi quando um dos oficiais visitantes suspeitou que eu estivesse passando mal e fez com que viesse o médico.

Acabei não os ajudando em nada, mas, ao me retirarem da sala, um dos oficiais comentou com o outro que, de qualquer forma, eles já sabiam o que precisavam saber.
Formatura do Lamarca: 10 anos depois,
venceria o Exército que o cercava em Registro
 

Ou seja:
eu nunca ignorei quem entregara a área definitiva. A pessoa estava pálida como fantasma quando cruzei com ela, então não tive duvida de que durante algumas horas ela sofrera as piores torturas. 

Depois, na segunda-feira, fomos ambos levados até Registro num jatinho da FAB, para ficarmos à disposição dos responsáveis pela caçada aos companheiros. Quando aterrissamos, nos separaram e nunca mais falei com tal pessoa.

Tinha quase certeza de que eu fora preterido na lista de troca do embaixador alemão por estar servindo de bode expiatório da delação da área enquanto quem tinha realmente fraquejado decolava com o prestígio intacto para a Argélia. Fiquei perplexo e desolado. 

Continuei acreditando firmemente (até hoje!) na necessidade de uma urgente revolução anticapitalista, mas perdi para sempre a confiança cega nos companheiros. 

Levei muito tempo para compreender que, num instante em que a VPR sofria a pior de suas crises de segurança e precisava repor com urgência os quadros que perdera, a verdade sobre quem entregara ao inimigo as joias da coroa teria um efeito acachapante, dificultando ainda mais seus esforços para dar a volta por cima. Compreendi adiante o porquê, mas aos 19 anos não se aceita facilmente uma injustiça dessas. Quase fui destruído   

Preso, não tinha como restabelecer a verdade. Solto, continuava tão indignado com os companheiros que haviam me condenado sem sequer procurarem conhecer a minha versão que decidi não denunciar quem estava me deixando carregar em seu lugar  culpa tão terrível. Resolvi reagir à indignidade sendo mais digno do que todos que me atacavam.   

Só vim a levantar essa lebre no final de 2004, por ter surgido uma oportunidade de provar a minha inocência sem necessidade de apontar a quem pertencia a culpa. 
As Forças Armadas mobilizaram 2.954 homens para NÃO
capturarem Lamarca e uns poucos aprendizes de guerrilheiros

 

E, em 1970, ainda houve outra consequência nefasta para mim: o fato de que parte da estrutura da VPR no RJ sobrevivera às quedas em cascata e conseguira sequestrar o embaixador alemão em parceria com a ALN fez os torturadores do DOI-Codi notarem que eu omitira a existência de uma unidade de combate que permanecera incólume: a que era comandada pelo falecido Juarez Guimarães de Brito.

Eles acreditavam ter liquidado completamente a VPR naquele estado e devem ter ouvido poucas e boas dos superiores, pois tinham inclusive descoberto o plano para sequestrarmos o von Holleben e não lhe providenciaram proteção, provavelmente supondo que não havia mais ninguém para efetuar a proeza. Só que houve.

Um deles descarregou a raiva em mim. O oficial responsável pelo inquérito da VAR-Palmares viera tomar meu depoimento e um raivoso do DOI-Codi, ao passar pelo corredor, viu-me e perdeu a cabeça. Entrou e esmurrou-me tão violentamente pelas costas que me derrubou da cadeira e jogou a mesinha em cima do oficial visitante.

Só que aquele oficial era superior a ele em termos hierárquicos e ficou furibundo por ter a patente duplamente desrespeitada (eu estava sob a guarda dele naquele instante e nenhum outro poderia intervir sem sua permissão).

Discutiram aos berros no corredor, quase chegando às vias de fato. Quando o visitante sentou-se de novo, disse-lhe que, se permanecesse no DOI-Codi, acabariam me matando. 
"Longe, longe, ouço essa voz que o tempo não vai levar"

Bingo. Logo no dia seguinte fui transferido. Eu avaliara bem que, oferecendo uma oportunidade de revanche para o ultrajado, este mobilizaria suas influências, se as tivesse, na direção que me convinha.  

Mas, foi sair do fogo para cair na frigideira. Enviaram-se para a pior unidade do RJ depois do próprio DOI-Codi: a PE da Vila Militar.  (por Celso Lungaretti)

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terça-feira, 12 de novembro de 2024

FIM DA ESCALA 6X1 RECOLOCA A LUTA DE CLASSES NO CENTRO DA POLÍTICA

 


Poderoso movimento cresceu nos últimos meses entre os trabalhadores, a luta contra a escala 6x1, ou seja, a jornada de trabalho de 44 horas semanais que impõe apenas um dia de folga aos trabalhadores. Mais de 1,5 milhões de pessoas assinaram abaixo-assinado enviado ao Congresso para mudar a Constituição e determinar a redução da jornada de trabalho. 

Em primeiro lugar, é digno de entusiasmo ver a mobilização dos trabalhadores em prol de uma causa de sua jornada de trabalho, um movimento auto-organizado pelos próprios trabalhadores. Mesmo que o resultado desta mobilização não leve à aprovação do projeto, a colocação da questão já é importante pois repõe o debate político em seu centro correto que é o das relações econômicas entre capital e trabalho. Essencialmente, a mobilização contra a escala 6x1 é uma ação contra a superexploração do trabalho no Brasil, país que possuí uma das maiores cargas horárias de trabalho do mundo, atrelada a baixíssimos salários. 

Vida para Além do Trabalho (VAT). Trabalhemos
menos, vivamos mais!

Em segundo lugar, deve-se notar que tal pauta deveria já ter sido colocada há décadas pelo lulopetismo. Uma vez no poder, ele deveria ter aprovado a redução da jornada de trabalho. Não apenas não o fez, mas também conduziu uma série de ataques aos trabalhadores, com reformas da previdência, terceirização e privatizações. Com certeza, a atual movimentação deve estar causando incômodos na cúpula pelega do lulismo que, não duvidemos, já deve estar pensando em meios de esvaziar e neutralizar tal movimento.

A extrema-direita já saiu em campo para se posicionar contra a proposta, mostrando claramente sua posição de classe, em defesa da superexploração dos trabalhadores. Isso é muito bom, pois a desentoca do debate cultural e comportamental e a coloca no terreno aberto da luta de classes. Nesse terreno, o trabalhador, mesmo que seduzido pelo discurso moralista do bolsonarismo, verá em ato que o programa da extrema-direita é, e sempre será, o alinhamento aos interesses dos capitalistas. 

Para que o movimento tenha êxito, será essencial ir além de um abaixo-assinado e iniciar grandes mobilizações de rua e mesmo paralisações nacionais, articuladas nos vários setores da economia. Contudo, como dito, o lulopetismo deverá agir pra não ter qualquer mobilização e, assim, o caminho parece ser o fracasso momentâneo da mobilização. 

No entanto, o aparecimento deste tema, de forma tão espontânea e fortalecida, é sinal de uma inflexão na política nacional. Finalmente estaremos saindo do debate superficial e despolitizado sobre democracia, moralismo, fake news e entrando na arena quente da luta de classes em seu ponto nefrálgico. Neste momento, lulismo e bolsonarismo estão nus, revelando, à luz de todos, seus compromissos intrínsecos com os interesses dos capitalistas. Bolsonarismo e lulismo são faces opostas da mesma cabeça burguesa. 

A esquerda revolucionária precisa estar atenta, pois podemos estar entrando em um novo período de lutas políticas no Brasil em que a classe trabalhadora toma consciência de sua real tarefa: destruir o capitalismo. (por David Coelho)



segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A ESQUERDA QUE NÃO SE DEIXOU COOPTAR PELO CAPITALISMO: UM LEGADO (parte 5)

Era de manhã cedinho numa quinta-feira, 16 de abril de 1970. Ao me retirarem o capuz,  vi-me no setor de registro dos novos prisioneiros que chegavam àquele quartel que, soube depois, era o da Polícia do Exército no bairro carioca da Tijuca, onde operava o DOI-Codi, reunindo efetivos da repressão originários das três Armas.

Como silenciei, recusando-me inclusive a dizer quem eu era, fui logo encaminhado para a sala de torturas, no fundo do quartel. Durante dois meses e meio sofreria todo tipo de intimidação e sevícia, conforme relatei no meu livro Náufrago da Utopia   e também em vários artigos e entrevistas. 

Avalio como desnecessário e deprimente repetir os pormenores da minha descida ao inferno. Melhor falar nas lições que extraí, algumas no próprio momento, outras repassando os tormentos na memória, de volta à cela.

Os torturadores tudo faziam para me desnortearem, impossibilitando-me de pensar. Assim, a primeira sessão de torturas foi com a sala lotada de oficiais, agentes, motoristas de viaturas, etc. Agrediam-me de todo lado, faziam perguntas ao mesmo tempo e desferiam murros e pontapés por eu não conseguir responder a todos . Além disto, recebia sucessivos choques elétricos.

Depois, já dependurado no pau-de-arara, começava a ser realmente interrogado. E aí se iniciava a verdadeira batalha. Como a intensidade das torturas era demasiada, tinha de ir buscar nas minhas convicções mais profundas a força para nada dizer a esmo. 

Logo percebi que, ao contrário das fantasiosas bravatas a posteriori de muitos dos companheiros que haviam passado por tais horrores, era quase impossível um ser humano confrontar arrogantemente aquelas bestas-feras, nada respondendo do que queriam saber. Aí a tortura se prolongaria indefinidamente, até o ponto em que o torturado já não teria mais nenhum controle sobre o que revelava.

Felizmente não me perguntaram logo nas primeiras sessões de tortura o que eu mais temia deixar escapar. 

Ou, talvez, tenha sido mero acaso: os companheiros que haviam participado da reunião com o Lamarca na área de treinamento não marcaram pontos comigo logo para o dia em que retornassem, pois tinham problemas mais urgentes para resolverem com outros quadros. A Inteligência podia esperar dois ou três dias.

Sou sincero: não consegui depois reconstituir boa parte  do que ocorreu comigo naqueles primeiros dias de sofrimentos dilacerantes. 

Seja por ter conseguido trancar na minha mente os dados dos pontos que teria com os comandantes superiores organicamente a mim e com os que eram do mesmo escalão, seja porque não tinha nada para discutir de imediato com eles, o certo é que aqueles que, ao caírem, causaram mais danos à VPR, o fizeram antes de quando eu os encontraria. O certo é que, por mérito ou por acaso, não foi graças a mim que a repressão ficou sabendo o suficiente para nos impor as quedas em cascata.

Mas não fui nem poderia ter sido capaz de convencer a repressão de que nada sabia. Para desviar a atenção dos inquisidores de nossos tesouros, fui obrigado a entregar-lhes algum calhau. O que me pareceu justificado naqueles  momentos terríveis (e só neles!). 

Passei o resto da vida lamentando a escolha que acabei fazendo, entre a prisão de algum comandante que poderiam causar dezenas de quedas e a prisão de um aliado cujo único contato com a organização era exatamente comigo. 

Só que o aliado Roberto Macarini (foto ao lado) morreu, seja como consequência das torturas, seja escapando da escolta e atirando-se do Viaduto do Chá por não estar mais conseguindo suportá-las. Nunca soube ao certo. 

Que direito tinha eu de definir, por critérios utilitários, quem seria barbaramente torturado e talvez até morresse, expondo-o para preservar os líderes da nossa organização? Nenhum. Amaldiçoei-me por perceber isto tão tardiamente.

Após minha libertação, nunca mais cogitei voltar a assumir as mesmas responsabilidades como militante. Sabia que, se o fizesse, ficaria novamente conflitado face à questão de quais companheiros eram descartáveis e quais não. Uma vez já tinha sido demais.

Quanto à injusta estigmatização que sofri por atribuírem-me uma responsabilidade que jamais tive na queda da área 2 de treinamento guerrilheiro, às vezes fico pensando que poderia ter provado a minha inocência muito antes se não carregasse tamanho remorso por, numa circunstância extrema, haver agido como o soldado que coloca o patamar hierárquico acima de tudo e não como o homem justo que sempre procurei ser.  (por Celso Lungaretti)

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sábado, 9 de novembro de 2024

CAPITALISMO E SEU PROPÓSITO INÚTIL


D
urante a segunda revolução industrial ocorrida no início do século 20, também chamada de revolução fordista pelo uso na indústria automobilística de padrão de produção incorporando os novos saberes tecnológicos de então, como o motor a combustão de minerais fósseis - o petróleo - e a energia elétrica, e outros minerais, bem como recursos da engenharia de produção entre outros comportamentos, manifestou-se o início de um novo tipo de domínio político: o grande capitalismo econômico-financeiro e industrial mundial. 

O engenheiro de produção Frederick W. Taylor (1856-1915) havia introduzido a melhoria da produtividade industrial a partir da produção por peças na qual cada trabalhador repetia um fazer específico que lhe dava agilidade produtiva, método que ficou conhecido como taylorismo

Henri Ford, precursor da indústria automobilística em Detroit, Estados Unidos, aproveitou os ensinamentos de Taylor e foi além, adaptando a máquina ao homem, introduzindo a forma de esteiras na qual os operários repetiam o gesto de produção repetidamente, mas sem precisar se locomover do local onde estavam, modo de produção opressor tão bem retratado por Charles Chaplin no antológico filme Tempos Modernos

Tais recursos tecnológicos - energia e engenharia de produção - aplicados à produção de mercadorias gerou lucros capitalistas antes inimagináveis ao mesmo tempo que promoveu o consumo das mercadorias barateadas que se tornaram acessíveis ao consumo popular. Tudo parecia confirmar novos e promissores tempos. 

O automóvel, por exemplo, que era caro e somente acessível à elite, passou a ser comprado mais comodamente e usado largamente no transporte de mercadorias e gente, substituindo em parte a ferrovia a vapor de então. Outros produtos modernos também surgiram concomitantemente, como os refrigeradores, a iluminação pública e residencial à luz elétrica, o rádio, entre outros apetrechos e ganhos civilizatórios.     

Entretanto, tais eventos resultaram no aguçamento pelo novo tipo de domínio político-econômico, diferente do mal-intencionado colonialismo antigo, qual fosse o domínio da tecnologia na produção de mercadorias pelos países mais desenvolvidos nessa área, para produzi-las e vende-las com valor agregado obtendo acúmulo de riqueza abstrata - capital.  

 A produção industrial é predominantemente urbana e assim os braços antes usados na agricultura de subsistência foram chamados às cidades com os apelos da vida moderna e o sentido gregário que permeia a vida humana; então começou a se formarem os grandes centros urbanos.  

Tais movimentos migratórios e de produção geraram a primeira grande guerra mundial na qual a Alemanha tentou dominar a Europa e parte do leste euroasiático - Rússia e países mais ao leste - com a teoria do lebensraum  - espaço vital - que provocou a primeira guerra mundial com o uso de máquinas da morte antes desconhecidas, causando um genocídio de cerca de 10 milhões de pessoas e mais de 20 milhões feridos e mutilados. 

O capital é assassino!  

Como resultado da primeira guerra mundial, dos movimentos migratórios e dos novos modos de produção, surgiu a primeira grande crise do capitalismo consubstanciada em 1929/1930 e cognominada como a grande depressão causando miséria, grandes turbulências sociais e o surgimento do crime organizado com as máfias estadunidenses da época da lei seca, no mesmo período. 

A miséria social é mãe do crime organizado, como ocorre neste Brasil haitizado de hoje.   

Entretanto, a grande depressão pôde ser parcialmente contornada com medidas estatizantes de indução ao consumo, como o New Deal do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que consistiu em intervenção de socorro aos bancos, empresas, e crescimento de obras públicas, tudo dentro do figurino preconizado por John Maynard Keynes, defensor da tese de intervenção estatal na economia que ficou conhecida como keynesianismo.  

É daí que surgem os primeiros sintomas de inflação, ou seja, de perda de substância da moeda, que vem se agravando, e agora toma forma incontornável dentro das regras capitalistas, keynesianas ou neoliberais. 

Mas os efeitos colaterais do capitalismo nunca desaparecem.  

Com a Alemanha se recuperando dos graves e pesados encargos do pós-primeira guerra - a inflação na Alemanha de 1923 transformou as cédulas de sua moeda em lixo - surgiu o Partido Nazista - Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – o capitalismo sempre exaltou o trabalho e o trabalhador, seiva de sua exploração e existência - que ganhou popularidade apelando para o sentimento de revanche pelo sofrimento imposto no pós-guerra e resgate do orgulho alemão que fora ferido, e tudo junto com a tentativa de resgate de sua antiga e frustrada intenção de dominação, que resultou na segunda guerra mundial conduzida por um tirano eleito, Adolf Hitler. 

Portanto, são as mudanças do modo de produção de mercadorias, e de capital, aquilo que tem tornado o ser humano refém de genocídios repetidos ao longo de mais de um século e que agora atinge um grau de letalidade capaz de nos destruir a todos, bem como de sermos extintos como espécie pela crise ecológica causada pela irracionalidade de um sistema de produção irracional e genocida.  

O capitalismo foi indutor do desenvolvimento do saber e viabilização da vida de bilhões de pessoas? Sim, do mesmo modo que as guerras induziram descobertas. Entretanto, isso não significa que tais evoluções provocadas por ambos certifiquem que ele seja saudável, e muito menos as guerras, e nem que não pudessem ser obtidas por outras formas de relações sociais sem os genocídios do capitalismo e de suas guerras imanentes.  

Atingimos atualmente a era da terceira revolução industrial da microeletrônica que criou a cibernética, que com mais profundidade do que as transformações sociais havidas na segunda revolução industrial fordista, simplesmente conspira contra as regras de funcionalidade da relação social sob a égide do capital, impelindo-nos à sua superação radical, sob pena de sucumbirmos junto com ela se não a superarmos. 

Karl Marx tinha razão quando disse que o capitalismo cava a sua própria sepultura! 

O desenvolvimento da cibernética a partir da descoberta e uso da microeletrônica está para o surgimento do motor à combustão fóssil e energia elétrica com o mesmo sentido de transformação das relações sociais perturbadoras, só que esta última com uma dimensão de irreversibilidade incontornável e maior grau de prejudicialidade. 

Note-se que todas as invenções aplicadas ao modo de produção de mercadorias ocorreram como modo de geração de lucros individuais e exacerbação da extração de mais-valia e tudo sob a indução e controle da mão invisível do mercado, como assim a cognominou o pai da economia moderna, Adam Smith.  

Entretanto, o lucro individual obtido na guerra concorrencial de mercado, paradoxalmente, conspira contra a produção da massa global de valor e decreta a falência do capitalismo que ora respira por aparelhos, com emissão de moeda oficial falsa, dívidas públicas com juros impagáveis e insuportáveis imputados aos países devedores pobres, e depressão econômica.  

Parabéns a Karl Marx por ter desvendado o mistério da exploração social encoberta pela farsa da prosperidade social capitalista há quase 170 anos.  

É sob tal contexto de decadência do imperialismo belicista ocidental pelos motivos aqui expostos que se quer retomar a antiga ideia de formação de um outro bloco antagônico ao da OTAN, mas infelizmente sob os mesmos pressupostos mercantilistas e econômico-financeiros decadentes. É claro que isso não resolve a crise e somente vai provocar uma guerra fratricida perigosa. 

Precisamos de bons exemplos que sirvam de norte para toda a humanidade e não apenas mais do mesmo - Estados Unidos e China, locomotivas chefes destas disputam de blocos, são os dois maiores poluentes promotores irracionais do aquecimento global. 

É sob tal contexto que se retoma a ideia antiga de formação de blocos capitalistas que disputam, tal qual o pequeno comerciante de Bairro com seus concorrentes ali estabelecidos, a vitória de Pirro na guerra da concorrência industrial, comercial e financeira mundial, para se ser detentor do comando político serviçal de uma pretendida hegemonia econômica num momento de depressão da dita cuja.  

Senhores da OTAN e dos BRICS, vocês mais se parecem com crianças brincando com armas altamente letais carregadas nas mãos! 

Nosotros, menos interessados no poder político a serviço do capital, devemos ter a consciência de retirar das mãos desses adultos infantis e vaidosos, eleitos pela manipulação do poder econômico e midiático, ou pela fraude ou negação da derrota eleitoral escancarada, ou ainda pela exclusão de má qualidade dos seus adversários eleitorais, as armas da morte cuja pólvora se chama capitalismo. (por Dalton Rosado)

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

HE IS BACK: DA INVASÃO DO CAPITÓLIO À REOCUPAÇÃO DA CASA BRANCA

Muitos já davam Trump como morto e enterrado em 2021 quando ele sofreu momentânea derrota eleitoral. Mais uma vez, uma leitura superficial e imediadista fez escola e reinou euforia com a vitória do patético Biden, uma das figuras mais lastimáveis da história mundial. Desconsideram de onde vem Trump: ele vem da podridão capitalista, de décadas de rearranjo do capitalismo mundial que jogou milhões na sarjeta da falta de perspectivas e do desencanto. 

O carcomido Biden entrou em cena para ser o salvador da democracia e da liberdade - filme adaptado aqui no Brasil, mas piorado pela dublagem - em que tudo passaria por voltar à normalidade do antigo pacto do bom mocismo estadunidense, com instituições respeitadas, com o multilateralismo, a responsabilidade institucional e outras bobagens enquanto manteria the business as usual, espoliando os trabalhadores, aplicando o tacão imperialista, devastando a Palestina, etc. 

A derrota não foi derrota. 

Seu péssimo governo foi sendo engolido pela crise capitalista, conforme já tinha aventado em post do ano passado (aqui), com o alto custo de vida e o subemprego engolindo os trabalhadores dos EUA. Percebendo seu desgaste interno, resolveu lançar mão do nacionalismo e se aventurou na guerra da Ucrânia, cavando insustentável conflito com a Rússia, acreditando que assim arregimentaria as fileiras patrióticas e que o país se uniria em torno dele. O custo da guerra acabou sendo combustível de insatisfação e sua popularidade caiu ainda mais. 

Por fim, conseguiu alienar a esquerda estadunidense e os eleitores de origem árabe ao apoiar e sustentar o massacre ao povo palestino, chegando a sustentar a repressão contra as manifestações estudantis ocorridas nos EUA na primeira metade deste ano. Fazia coro ao discurso descabido de que questionar Israel seria ser antissemita

Já Trump jogou parado. Manteve sua base arregimentada e apenas aguardou pacientemente pelo fiasco previsível dos democratas. A saída do presidente anão e a entrada de Kamala, a draconiana, não mudou em absolutamente nada o cenário, pois a vice-presidente era ainda mais mal vista que o atual presidente. 

Do ataque ao capitólio à nova passagem pela presidência, a estratégia de Trump foi perfeita e exata. A invasão, taxada equivocadamente de golpe pelos analistas, serviu de mecanismo para galvanizar seus apoiadores no momento da derrota, ação depois copiada por Bolsonaro no Brasil no pastelaço de 8 de janeiro de 2023. Taxar tais ações de golpe sempre foi um equívoco cometido por análises apressadas e esquemáticas, que insistem em não entender a dinâmica da extrema direita no século XXI e sua estratégia de longo prazo na conquista do poder. 

Trump volta ainda mais poderoso que em 2016 e com muito mais sangue nos olhos. Certamente, imporá um regime autocrata à Putin, com aparência de democracia, mas com profundas limitações das liberdades e do funcionamento das instituições. 

Em breve, poderemos ver novamente essa cena.

Contudo, quem mais perde é Lula, pois já vinha fazendo um governo extremamente reacionário e rebaixado, com baixa popularidade. Agora, não terá mais seu principal fiador, Biden, e se verá acossado pelo possível retorno de Bolsonaro à arena política. Não será surpresa se Lula até mesmo sofrer um impeachment antes das eleições, tamanha sua crescente fragilidade. 

Bolsonaro deverá se tornar elegível novamente. É pouco provável que os valentes do STF irão resistir a uma rodada de sanções da Casa Branca contra seus passaportes, suas posses no exterior e seus cartões de crédito. Xandão é valente até tirarem sua possibilidade de ir à Disney ver o Pateta. Temos grandes chances de assistir à mesma mágica que liberou Lula da cadeia e o garantiu de volta ao pleito. Milagres existem, basta ter fé!

De resto, fica o aviso que dei em post (veja aqui) do dia 5 de março deste ano de 2024:

"Vai ficando mais uma vez a lição de que a extrema-direita nunca será derrotada eleitoral ou judicialmente, mas apenas pela transformação radical da sociedade, pois não poucos colocavam as fichas no fim do trumpismo graças à sua derrota eleitoral em 2020 ou mesmo pelas ações judiciais, ignorando que a raiz da extrema direita está no capitalismo em crise acelerada, que levam milhões a optarem por uma solução radical, mas reacionária. Enquanto uma esquerda revolucionária não retornar ao palco mundial, assistiremos ao avanço incólume das forças do atraso."

(por David Coelho)


O MUNDO MARCHA PARA O FIM...

...é o título nacional de The Satan Bug, filme de ficção científica dirigido por John Sturges em 1965, sobre uma arma bacteriológica que vinha sendo desenvolvida secretamente no deserto para inclusão no arsenal da guerra fria,  mas é roubada do laboratório e tem potencial para extinguir a humanidade.

Hoje estamos exatamente nesse clima: espalhamos bugs da destruição de nossa espécie como cogumelos e, quando precisamos desesperadamente de esforços conjuntos das gentes e das nações para colocá-los sob controle, o país mais poderoso do planeta elege um presidente  ultradireitista que, irracionalmente, tudo fará para maximizar as ameaças.

O filme de quase seis décadas atrás mostra uma fictícia corrida contra o tempo. A real, estamos perdendo de goleada. 

E o happy end parece cada vez mais improvável. Será que nem sequer lutaremos por nossas vidas?

Estaremos tão ocos que o desfecho se dará à maneira do T. S. Eliot? É assim que acaba o mundo. Não com estrondo, mas com um suspiro. (por Celso Lungaretti) 

sábado, 2 de novembro de 2024

A NOMENKLATURA VENEZUELANA NÃO PASSA DE UM ESTADO POLICIAL SE PASSANDO POR SOCIALISTA

Um dos panfletos mais influentes produzidos pela humanidade em todos os tempos, o Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels em 1848, começa destacando uma verdade milenar que, paradoxalmente, ele próprio faria sucumbir adiante:

"A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes.

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito
"
.
A história da luta de classes conduziria, segundo Marx e Engels, ao momento em que a classe explorada (o proletariado), ao pôr fim à dominação que lhe impunha a classe exploradora (a burguesa), já não teria sob si uma nova classe explorada em gestação, pronta para substitui-la. 

Dito de outra forma, os proletários seriam os últimos explorados e, ao se libertarem, libertariam a humanidade inteira. 

A própria sociedade dividida em classes deixaria de existir, dando lugar a uma sociedade sem exploradores nem explorados, na qual todos os cidadãos colaborariam solidariamente para o bem comum e passariam a dividir de maneira mais equânime os frutos do trabalho das gentes: cada ser humano ofereceria a contribuição que fosse capaz de dar para a coletividade e receberia da coletividade aquilo de que necessitasse para uma existência plena e gratificante. 

Ou seja, adeus guerra ininterrupta! Não mais as disputas canibalescas por privilégios diferenciados, mas sim o aproveitamento ótimo do potencial ora existente de produção em grande quantidade de tudo que os homens carecem para a sobrevivência digna.


De quebra, a produção coletiva supriria integralmente tudo de que os seres humanos necessitam para sua bem-aventurança, com, ademais, a vantagem de uma redução cada vez maior do número de horas trabalhadas para que cada cidadão cumprisse sua parte no esforço coletivo.

Livres do tacão da necessidade, todos teríamos tempo livre para sonharmos e tentarmos viabilizar nossos sonhos. O ponto de chegada da construção de uma nova sociedade, realmente humana, assim foi expresso no jargão marxista: de cada um, de acordo com sua possibilidade, a cada um, de acordo com sua necessidade.

Algo assim, entretanto, só funcionaria se envolvesse todos os humanos. Havendo diferenças significativas entre os benefícios disponibilizados .para cada contingente, voltariam as disputas, as guerras, as fronteiras, os exércitos, etc. Os mais fortes tornariam a levar vantagem sobre os mais fracos e a humanidade não sairia de sua pré-História.

Tal pesadelo começou a tornar-se realidade exatamente quando foi bem-sucedida a primeira de todas as revoluções socialistas, em 1917. A Rússia teve de assegurar a sobrevivência física, caso contrário seus sonhos morreriam juntamente com ela, esmagados por inimigos decididos a tomar-lhe pela força o que possuíssem a mais do que eles outros.

E
, ao defender suas conquistas como mera nação, não como coletividade humana, foi obrigada transferir para médio ou longo prazo a tentativa de construção da sociedade ideal, contentando-se com forjar apenas a sociedade mais avançada que lhe era possível naquele momento histórico.

Assim voltaram, um a um, todos os horrores dos quais ela havia se livrado. 

E, por ser um país com desenvolvimento econômico tardio se comparado com as grandes nações europeias e os EUA, teve de efetuar enorme esforço para, antes de mais nada, alcançar o estágio de crescimento de seus adversários capitalistas. 

Mais: já prevendo um enfrentamento nos campos de batalha com a poderosa Alemanha nazista, os soviéticos tiveram não só de desenvolver sua economia a todo vapor, queimando etapas, como também de obter os resultados desejáveis o quanto antes, para aguentar o tranco quando chegasse a guerra anunciada.

Depois de tudo que os trabalhadores russos haviam suportado desde a desastrosa participação na 1ª guerra mundial, passando pela primeira revolução socialista da História, pelo enfrentamento da devastação e da miséria legadas pelo czarismo e pela resistência a uma formidável aliança contra si de muitos inimigos externos e internos, só mesmo um Estado policial conseguiria arrancar deles os novos e descomunais esforços exigidos pela corrida para reduzir (eliminar era impossível) seu atraso material com relação à Alemanha. 
E o estado policial se fez. Com o nome de stalinismo.

Confirmava-se integralmente a profecia de Marx: só os países  mais avançados em termos econômicos estavam prontos para a construção do socialismo. 

Os outros teriam, antes disto, de irem reduzindo pouco a pouco sua inferioridade em estágio de desenvolvimento.

Foi uma das grandes tragédia do século 20: a descaracterização dos países que tentaram construir o socialismo a partir da precariedade e do atraso. Quanto muito chegaram até o capitalismo, sendo, ainda, seus dramas explorados ad nauseam pela indústria cultural para predispor o resto da humanidade contra a esquerda, como se o  socialismo num só país fosse a sociedade sonhada por Marx e Engels e não, praticamente, o seu oposto.  

Todas essas experiências históricas acabaram degenerando em nomenklaturas: sociedades nas quais persiste (às vezes até ampliada) a desigualdade econômica, e tendo como segmento privilegiado não mais uma classe, mas sim uma casta. No caso da União Soviética tal papel coube aos membros destacados do Partido Comunista, enquanto na Venezuela quem manda são altos militares. O povo apanha e obedece.

A profecia sobre o substituísmo, de autoria do jovem Trotsky, cumpriu-se: primeiramente, o Partido Comunista substitui o proletariado; depois, o Comitê Central substitui o Partido Comunista; finalmente, um tirano substitui o Comitê Central.

O tirano primeiro foi Stalin, e os Maduros da vida não passam de seus filhotes: mantêm os compatriotas na penúria ou obrigados a vazarem para construir uma vida melhor no exílio, enquanto eles próprios se locupletam com poder e luxo dignos de nababos.

A
liás, foi Trotsky quem, pesaroso, reconheceu  que, se o stalinismo havia engendrado uma casta dominante, a qual só se diferenciava da antiga classe dominante pelo fato de que a situação favorecida não se baseava na posse de bens e riquezas, mas sim no posto funcional dos membros da nova elite (não sendo, portanto, transmissível por herança), seria necessária uma nova revolução para resgatar as promessas originais do socialismo: uma revolução dos novos explorados contra a nomenklatura opressora.

Isto implicava que a tarefa à qual Trotsky dedicara toda sua vida adulta não fora cumprida e a faina deveria ser praticamente recomeçada do zero. Mas, ele era suficientemente honesto para admitir uma verdade tão dolorosa. Já os Maduros da vida não têm nem a mesma honestidade intelectual, muito menos o mesmo espírito igualitário. Preferem vender uma caricatura de revolução para o mundo como se fosse a própria revolução. Então, no atual tiroteio entre Brasil e Venezuela não há heróis, só vilães. 

De um lado os que fazem um capitalismo ligeiramente atenuado em seus malefícios e destrutividade passar por algo próximo dos ideais esquerdistas (ele tem a ver, isto sim, com o reformismo de Edouard Bernstein, que a Rosa Luxemburgo reduziu a pó de traque no seu clássico Reforma ou Revolução).

Do outro uma brutal nomenklatura que cria confusão utilizando falaciosamente retórica esquerdista para parecer aparentada com o socialismo marxista, que, contudo, era eminentemente libertário. Os papas do marxismo jamais endossaram estados policiais como o Leviatã de Putin e o estrupício do Maduro. (por Celso Lungaretti)  
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