segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A JUSTIÇA ELEITORAL SE OMITIU FACE À FRAUDE COMETIDA POR BOLSONARO EM 2018. VAI CUMPRIR O SEU PAPEL AGORA?

O
 crime eleitoral mais grave das eleições municipais de 2024 foi cometido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que, em pleno transcurso da votação, deu entrevista a jornalistas afirmando que o PCC teria orientado voto no candidato Guilherme Boulos. 

Depois, quando ele próprio foi votar, Tarcísio repetiu a ilegalidade (jamais poderia ter feito tal acusação à imprensa com a votação em curso), não apresentando prova nenhuma e dando como fonte a Inteligência da Polícia de São Paulo.

A presidente do TSE, ministra Carmen Lúcia, afirmou ainda no domingo (27) que a resposta será dada pela Justiça Eleitoral em prazo curtíssimo

Ora, o favorecimento ao candidato Ricardo Nunes, apoiado por Tarcísio, foi tão evidente e tão extremado que a única medida à altura seria a anulação do 2º turno na capital paulista, seguida de sua repetição o quanto antes.

Caso contrário o crime novamente compensará, como compensou em 2018, quando alertei em tempo, mas em vão, que a manipulação criminosa do turno inicial (realizado em 08/10) só poderia ser corrigida antes da realização do turno final (marcado para 29/10), o qual precisaria, portanto, ser adiado até a rigorosa apuração do episódio. 

Daquela vez a Justiça Eleitoral se acovardou e os brasileiros tivemos de suportar durante quatro anos um presidente desprovido até mesmo de sanidade mental (afora condições intelectuais e morais) para o exercício do cargo. 

Recordemos aquele péssimo precedente pois há enorme risco de repetição, neste país que, tendo ou não Charles De Gaulle feito tal afirmação, sabidamente não é sério.

O blog Náufrago da Utopia foi dos primeiros a denunciar o crapuloso esquema de manipulação virtual que comprometeu de forma irremediável a legalidade da eleição presidencial de 2018, num artigo antológico do David Emanuel Coelho, publicado no dia 16/10, antes de evidenciar-se amplamente a manipulação criminosa que o eleitorado sofrera.

Depois, quando a ficha caiu mas a Justiça Eleitoral deixava perceber que iria se abster vergonhosamente do cumprimento de seu dever, alertei em 19/10 que era imperativo o adiamento do 
 turno; e reforcei a necessidade de urgência com uma denúncia mais contundente no dia seguinte, tendo como título Os meritíssimos em cima do muro e os brasileiros marchando para o abismo. Escrevi:
"Há evidências gritantes de que foram cometidos crimes eleitorais em cascata, mais do que suficientes para influenciarem o resultado do pleito, devendo, portanto, o beneficiário ser excluído da eleição presidencial. 
Mas os meritíssimos preferem permanecer confortavelmente assentados sobre o muro, ao invés de determinarem a imediata apuração das denúncias, adiando o prosseguimento do processo eleitoral para quando houver certeza, ou de que o 1º turno foi válido e o 2º pode ser realizado, ou de que o 1º foi fraudado e precisa ser repetido. 
Assim, o possível criminoso será beneficiado e as possíveis vítimas muito prejudicadas... 
Uma cassação posterior do mandato presidencial de Bolsonaro, única decisão possível à luz dos acontecimentos, colocaria o Brasil à beira do caos.

Se, devido à falta de coragem dos magistrados para agirem como é certo no momento em que isto se faz dramaticamente necessário, adiante ocorrerem episódios terríveis como banhos de sangue ou a instalação de uma nova ditadura, os brasileiros civilizados sabem, desde já, quem terão sido os maiores culpados".

A nova ditadura só deixou de ser instalada por causa da incompetência golpista dos bolsonaristas no 08.01.2023. E algo bem próximo do banho de sangue foi a premeditada sabotagem presidencial da vacinação contra a covid, que, segundo algumas das mais respeitadas instituições científicas do exterior, fez aumentar o número de vítimas fatais da pandemia em cerca de 400 mil cidadãos.

As consequências de uma possível nova omissão dos togados não serão tão terríveis desta vez, mas a avacalhação do alardeado estado democrático de direito, enorme. Torço para que a Carmen Lúcia faça cumprir o que prometeu. (por Celso Lungaretti) 

"Não é possível acreditar que tudo isso seja
verdade! Até quando suportaremos? Até quando?" 

domingo, 27 de outubro de 2024

NEM TUDO ESTÁ PERDIDO, BOULOS!

Típica foto da fase papagaio de pirata do Boulos
G
uilherme Boulos é um raro espécime da política convencional que escreve muito bem, tanto em termos de estilo quanto de consistência do conteúdo. Daí eu ter lido quase todos os textos por ele publicados no período 2014/2017, como colunista semanal da Folha de S. Paulo
.

Também, pudera! É bacharel em filosofia e mestre em psiquiatria, ambos pela USP, o que certamente o ajuda a pensar a sociedade. 

Mas, como tenho visto em muitos scholars, as boas análises teóricas não lhe serviram muito para agir sobre a sociedade.

Assim, as esperanças que cheguei a depositar nele logo se tornaram decepções. Ao invés de insistir na mobilização dos excluídos fora do jogo viciado e vicioso da democracia burguesa, foi deixando em segundo plano as ocupações dos sem-teto e apostando cada vez mais suas fichas em candidaturas para o Executivo que, mesmo se houvessem triunfado, não o teriam levado a lugar nenhum.

Assim, não se elegeu presidente da República em 2018, nem prefeito de São Paulo em 2020 e (não terei melindres, pois a derrota é inevitável e detesto manter aparências) agora em 2024. 

E se vencesse, de que adiantaria? Governar o país submetido à camisa de força imposta pelo poder econômico ou governar a cidade sob a mesmíssima limitação, na prática, significa apenas gerenciar as propriedades da classe dominante por deferência da mesma que, se lhe der na telha, aplicará um pé na bunda do serviçal saído das urnas para botar qualquer outro em seu lugar.
A fase de eleger postes já havia terminado 

Foi o que fez com Goulart e Dilma, despojando-os de suas faixas presidenciais para entregá-las àqueles que tinham os votos da caserna ou àquele que era vice também em matéria de escrúpulos. 

E o pior de tudo é que, seduzido por uma miragem de poder, Boulos desempenhou o melancólico papel de bajular o reformista/populista Lula de forma desmedida (houve tempo em que aparecia como papagaio de pirata em boa parte das fotos do dito cujo), sonhando com ser por ele apadrinhado. Nem sequer percebeu que a fase de Lula eleger ou reeleger postes terminara em 2014. 

E não foi só o próprio prestígio que Boulos comprometeu. Graças a ele, o Psol cumpriu a ridícula trajetória de ter nascido como alternativa ao domesticado PT e acabar tornando à casa paterna como bom filho

Só mudou o status. Antes seus dirigentes pertenciam à agremiação que era vermelha e foi virando lilás, agora são apenas um puxadinho da mesma.

Mas, Boulos, nem tudo está perdido: tamanha é a dificuldade que a esquerda brasileira está tendo para forjar os líderes dos quais desesperadamente carece que, se você botar a mão na consciência e repensar suas opções, poderá ainda desempenhar um papel histórico digno. 

Seu verdadeiro trunfo agora é a idade. Aos 42 anos, sobra-lhe tempo para reassumir a missão de transformar em profundidade nossa sociedade, ao invés de continuar apenas ajudando a maquilar a dominação burguesa, para que pareça menos execrável e possa continuar desgraçando indefinidamente nosso sofrido povo. 

A escolha é sua. (por Celso Lungaretti

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

GARGALHADA NO INFINITO (um conto distopico de Celso Lungaretti)

 Contar-lhes ou não a verdade?

Andrônicus vê sua face no espelho, os fios grisalhos se espalhando pela barba, as rugas na testa, o olhar cansado. 

Lá fora as vozes excitadas, os votos de boa sorte para quem fica e quem vai, o início das despedidas.

Uma hora para a partida. Ou sessenta minutos. Ou três mil e seiscentos segundos. Três mil e seiscentas ocasiões para dizer a primeira palavra, à qual iria seguir-se outra, e outra, e outra, até que ele desembuchasse tudo. 

E a festa acabaria nesse exato instante, substituída pelo desespero, talvez pancadaria, provável prostração.

De que lhes serviria a verdade? Por que destruir os planos elaborados com tanta argúcia e infinitos cuidados pelos Doze?

Andrônicus olha atentamente o auto-refletor, verificando se estão impressas em seu rosto as marcas do cinismo. 

Lembra de uma história que foi estudada em sua classe de Antiguidade Cultural, sobre alguém que fez um pacto com uma força maligna para permanecer eternamente jovem, enquanto uma imagem bidimensional sua é que envelhecia e se transformava.

Cada vez que aquele tal... Florian?... cometia um ato vil, hipócrita ou criminoso, a imagem ficava mais feia e repulsiva. "E eu, quão repulsivo deveria parecer?" – atormenta-se Andrônicus. Mas, malgrado seu estado de espírito, o que vê são as feições de um homem digno, apesar dos traços de fadiga e desânimo.

Quando Druso lhe expôs o plano, entretanto, tudo pareceu lógico e justificável.

O solo do Território se exauria de mês a mês, de semana a semana. 

A produção de cereais era cada vez menor. 

Verduras e frutas, então, haviam se tornado raríssimas. E as severas medidas anticoncepcionais foram tomadas demasiadamente tarde.

A Colônia estava com 1.248 habitantes. Em um ano, todos estariam se alimentando mal. Em dois, haveria fome e os mais fracos começariam a sucumbir. Em três, a subnutrição, doenças e matanças coletivas acabariam reduzindo a população a menos de cem pessoas. E, mesmo para estas, a perspectiva de vida seria pouco animadora – no máximo, cinco anos.

"Por que não administrarmos esse processo, evitando o sofrimento inútil?" – propôs Druso. 

"Podemos fazer uma seleção científica dos indivíduos que mais merecem sobreviver e eliminar os outros de maneira rápida e indolor. Reduzindo-se imediatamente o consumo de alimentos, o horizonte de vida dos remanescentes se ampliará para uns vinte anos. Talvez dê tempo para surgir alguma salvação..."

Foi assim que Druso lhe explicou a coisa toda, quando pediu sua adesão ao plano. E Andrônicus, único arquiteto de astronaves que sobrevivera às grandes catástrofes, não parou para avaliar implicações morais; começou logo a pensar nos detalhes práticos do projeto.

Talvez tenha pesado mesmo a possibilidade de voltar a exercer sua velha profissão – que, no caso, estava em estrita sintonia com a vocação.
Projetar e dirigir a construção de astronaves era o que melhor fazia, o momento em que sentia graça e desenvoltura no seu corpo habitualmente canhestro.

E tão absorto esteve, construindo a astronave para 1.150 pessoas, que nem tomou conhecimento do processo de seleção. "Ou eu estava deliberadamente me alheando?"

O certo é que sua atitude começou a mudar quando Ilana foi compartilhar de seu leito. Desde que a grande peste levara sua mulher e filhos, Andrônicus se esquivava de relacionamento afetivos.

Tudo marchava para o fim e amar uma pessoa era estar sujeito a vê-la morrer antes de si, impotente para mudar o destino. Preferia partir sozinho, não deixando nada e ninguém para trás.

O desfecho, aliás, lhe parecia próximo. Na batalha pelos alimentos, cada vez mais escassos, os fortes alijariam os fracos e a juventude se imporia à velhice. 

Seus 45 anos não lhe inspiravam grandes ilusões; ademais, achava que já vivera o suficiente. Plantador medíocre, tinha suficiente autocrítica para saber que era um dos membros menos úteis da Colônia.Trabalhar na construção da astronave lhe devolveu a auto-estima e injetou novo ânimo.

Afinal, fazia algo que nenhum outro poderia ou saberia fazer. E, a cada cálculo que realizava ou a cada solução prática encontrada para substituir componentes que já não existiam, mais sentia-se forte e revigorado. 
Sem o perceber, fazia as pazes consigo mesmo e com a vida, após longos meses de indiferença.

Gostaria de acreditar que foi esta mudança íntima que trouxe a jovem Ilana para o seu leito. Mas, quando conseguia raciocinar friamente, sem a embriaguez do prazer, era obrigado a admitir que ela provavelmente fora atraído por seu novo status. 

Pai da AstronaveArquiteto da Salvação – assim o chamavam. Tudo muito impressionante para uma moça que crescera no tempo das privações, sem ídolos para cultuar ou heróis para admirar.

Na primeira noite, ele a procurou quatro vezes, surpreendido com a própria virilidade, que parecia retornar com exigências multiplicadas. E por mais que tentasse conservar o equilíbrio, uma parte mais poderosa do seu eu o impelia a se atirar mais e mais sobre aquele corpo macio e tão desejável.
 

Ao amanhecer, com Ilana em sono profundo, Andrônicus surpreendeu-se a chorar baixinho, sem saber direito por quê. Foi naquele dia que passou a prestar mais atenção no que acontecia ao seu redor.

Agora, fica imensamente pesaroso ao perceber que uma bonita morena, parecida com Ilana, comemora sua inclusão na viagem. Capta o absurdo da situação: os que partem, acreditam que encontrarão a fartura e a possibilidade de começar nova vida em Alpha Centauri, então estão exultantes; os que ficam, recebem isto como uma condenação.

Quais haviam sido mesmo os critérios da seleção? Ah, sim, lembra Andrônicus: iriam se salvar ele próprio, os Doze, os melhores cientistas e técnicos, alguns plantadores vigorosos e três moças férteis para assegurarem a sobrevivência da espécie, caso fosse encontrada uma alternativa para alimentar os pósteros (esperança remota...). 

Druso dissera que estaria aí a matéria-prima para uma nova civilização, ou, ao menos, para elaborar um registro fiel daquela que se extinguia.

Andrônicus, desde o início, não conseguia evitar o pensamento de que ele só entrara no rol dos sobreviventes pelo fato de ser o único arquiteto de astronaves disponível – caso contrário, ninguém lamentaria que ele explodisse no espaço.

Seu redescoberto interesse pela vida, contudo, despertou-lhe o interesse pelos que morreriam. Vasculha suas lembranças, tentando compor um perfil de cada conhecido designado para a viagem sem volta.
Percebe que, mesmo não tendo um verdadeiro amigo em toda a Colônia, era cada vez mais difícil para ele aceitar a morte de pessoas com quem convivera distraidamente nos últimos anos. Até começa a perceber virtudes e méritos em quem antes absolutamente não o atraía.

Faltando 54 minutos para a partida, procura Druso e lhe impõe uma condição: só cumprirá seu papel até o fim se Ilana for excluída da relação de passageiros. O ancião, com um olhar irônico, aceita.

Difícil mesmo é consolar a jovem, que via como uma destinação natural contribuir para a colonização de Alpha Centauri, com seu vigor e fertilidade. Andrônicus fica tentado a contar-lhe a verdade, mas se contém. A muito custo, ainda conserva o autocontrole.

Trinta e oito minutos para a decolagem. Agora, os segundos se escoam rapidamente, a partida cada vez mais próxima e, com ela, a morte física de tantas pessoas e a morte moral de Andrônicus. Ele mal consegue tirar os olhos dos digitais, sentindo duas poderosas forças lutarem dentro de si, anulando-se e paralisando-o nessa espera ansiosa.

Sabe que, quaisquer que sejam as justificativas racionais para a eliminação daquela gente, ele e os Doze serão amaldiçoados pelos deuses. Organizaram tudo com calculismo e má fé, misturando argumentos lógicos e interesses particulares. 
"Não merecemos sobreviver", constata Andrônicus.

A alegria de viver, reencontrada com Ilana, volta-se contra ele, na forma de uma acusação: seu ninho amoroso se assentará sobre cadáveres.
E se falar? Aí, estará tirando a última esperança de toda a comunidade. Morrerão todos, do mesmo jeito, e sem nenhuma ilusão. Será um preço justo a pagar para que o cidadão Andrônicus conserve sua integridade moral?

Repassa os prós e contras, enquanto o tempo marcha inexoravelmente. A 28 minutos da decolagem, Ilana vem até ele, chorosa, após ter se despedido da família. 
"Pelo menos nós continuaremos juntos, é meu único consolo" – diz. Isto faz Andrônicus sair do impasse.

Compreende que o voo da morte piedosa não é errado em si, mas as pessoas que tomaram uma decisão tão terrível não devem lucrar com ela. Quem é capaz de sacrificar tantos e tantos companheiros em nome de uma lógica abstrata tem algo de desumano dentro de si, não serve como semente de uma nova civilização nem como oficiante do enterro da velha. Há outros mais dignos para esses papéis.

Ademais, a perspectiva de ter Ilana como recompensa de sua ignomínia é demais para Andrônicus. Só existe um caminho para livrá-lo da abjeção absoluta. E ele resolve ir em frente.

Os Doze estão reunidos na Sala do Poder. Compungidos, até chorosos, mas com a inabalável determinação de sobreviverem. Mesmo sabendo que têm poucos anos pela frente; cinicamente, dizem que, para cada um que morrer, mais alimentos sobrarão para os sobreviventes.

Andrônicus não vacila nem se deixa intimidar. Diz aos anciães que, ou anunciam sua decisão de seguirem também na astronave, ou toda a trama vai ser revelada e os Doze acabarão sendo trucidados pelo povo em fúria. O ultimato acaba sendo aceito.

Treze que se preparavam para viajar, são então forçados a desistir. Adrônicus faz questão de indicá-los pessoalmente: filósofos, poetas e músicos, que deles uma nova civilização não pode prescindir.

Na hora do embarque seu último olhar é para Ilana. "Céus, quanto tempo desperdicei!" – reflete, exatamente quando tempo é o que já não tem.

A bordo, é quem com mais veemência fala sobre as delícias que encontrarão em Alpha Centauri. Quase se convence de que seja realmente fértil e habitável, ao invés de mais um entre todos os planetas áridos e desolados que cercam o agonizante Território.

Nos momentos que antecedem a explosão, seus pensamentos são mesmo para o corpo de Ilana. E tão bem o recorda que, a poucos segundos da hora final, tem uma ereção.

Dando-se conta do absurdo da situação, não consegue reprimir um acesso de riso, que vai contagiando um a um os companheiros de viagem, até desembocar numa ruidosa e triunfal gargalhada.
O
bservações 
–  Já nem lembrava mais de haver escrito este conto nos anos 70, quando eu era devorador compulsivo das obras dos mestres do gênero sci-fi, como Philip K. Dick, Robert Heinlein, Kurt Vonnegut Jr., Richard Matheson, Robert Silverberg, Ray Bradbury, Joseph Heller e Ken Kesey, dentre outros.

Foi filho único. Fiz o melhor que pude, mas, trabalho pronto, percebi que ficara muito aquém dos autores a quem admirava. Resolvi que não era este o meu caminho na literatura.

Então, estou republicando-o agora apenas como uma curiosidade, já que o companheiro Dalton acaba de fazer também sua incursão pela ficção científica.

Olhando para trás, costumo refletir sobre o que seria da minha vida se tomasse decisões que cogitei e acabei descartando. 

Como a de ir reconstruir a minha vida no exterior tão logo me livrasse dos quatro processos a que respondia na Justiça Militar por minha militância revolucionária. Tendo isto demorado vários anos para acontecer, veio-me a esperança de que logo o Brasil se redemocratizaria e resolvi esperar para participar das obras de reconstrução.

E se houvesse aceitado a proposta do cineasta Roberto Santos, que me convidou para ser seu assistente de direção, teria me dado bem como roteirista e provavelmente diretor  de filmes? 

Sei lá, mas, como bem disse o Abel Silva, nada do que posso me alucina tanto quanto o que não fiz... (CL)

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

RELATÓRIO DE UM ALIENÍGENA SOBRE UMA NAVE DE DESESPERADOS

"Os seres humanos inventaram
a bomba atômica, mas nenhum
rato no mundo inventaria uma
ratoeira"(Albert Einstein)

Se um alienígena fosse enviado ao nosso planeta para fazer um relatório sobre como viviam os habitantes, certamente destacaria que, entre os seres vivos, há os que denominam a si próprios de hominídeos, os quais, apesar de se considerarem racionais, agem irracionalmente. 

Muito perigosos, possuíam capacidade criativa intelectual e habilidade manual altamente belicosa e destrutiva do próprio habitat e de todas as espécies de vida, inclusive da própria.   
    
Certamente ressalvaria que, se eles superassem o estágio evolutivo da sua racionalidade, ainda em transição de uma primeira natureza primitiva para uma segunda natureza cognitiva cerebral, não sucumbindo como espécie nem tornando o planeta inabitável, poderiam atingir um grau superior civilizatório.
  
No corpo do relatório talvez comentasse que os animais de vida selvagem geralmente protegiam os demais de sua própria espécie, enquanto os considerados racionais promoviam matanças genocidas de seus iguais, sob o argumento absurdo de que tais ações se justificariam como necessárias para a defesa das suas próprias vidas.

Como prova de tal afirmação, o alienígena escrivão da armada intergaláctica enviaria imagens dos bombardeios:
russos aos prédios residenciais da Ucrânia;
israelenses sobre Beirute e sobre a população civil de Gaza; e
—iranianos sobre Tel-Aviv e Jerusalém.

Acrescentaria que o noticiário internacional vez por outra revelava que os litigantes discutiam a possibilidade do uso de armas nucleares, com capacidades destrutivas dez vezes maiores do que a extensão territorial do próprio planeta...          

E que, mesmo ainda relutando em adotarem procedimento tão extremo, não deixavam de ficar ficavam brincando de terror com bombinhas menores (por eles denominadas  mísseis teleguiados por GPS de autopropulsão ou adaptados a drones.
 
E ainda afirmaria que a hipótese de extinção da espécie, numa ação suicida genocida, seria factível, considerando-se que em 1918 e 1945 esses mesmos hominídeos promoveram duas guerras envolvendo todos os países do planeta, numa carnificina que dizimou cerca de 3% de toda a população dessa espécie.
 
Diria que eles adoram a guerra e até formavam segmentos militares adestrados com armas cada vez mais letais para manter o status quo interno e defender o que chamam de pátria, convictos de que para manter a paz é preciso se preparar para a guerra. É mole?   

O comportamento suicida, contudo, não se esgota por aí, afirmava o escriba alienígena. Além das guerras, eles poluem os mananciais de águas potáveis da qual necessitam para viver, bem como os mares, o solo e o ar.  
Mas o principal problema da atualidade é a emissão de volume excessivo de gás carbônico na atmosfera, o que provoca o que eles chamam de 
efeito estufa, aquecendo a temperatura planetária e colocando em risco a própria vida animal e vegetal.  

se observam desertificações de vastas áreas, secas prolongadas, enchentes, aumento do nível das águas marinhas e da própria temperatura dessas águas, derretimento de geleiras e outras alterações climáticas. Os cientistas que denunciam tais ocorrências são destratados por uma espécie de hominídeos denominados políticos que negam a cientificidade e os fatos evidentes. 

Os países mais ricos, embora sejam os que mais emitem gás carbônico na atmosfera, cobram dos mais pobres preservação de suas florestas como fator de equilíbrio de tais emissões poluentes; mas, seguindo-se a receita suicida irracional em prática, o aquecimento do planeta provoca grandes incêndios naturais ou criminosos, ateados por quem tem interesses próprios a uma relação social de produção irracional e concentradora de poder nas mãos desses produtores incendiários e poluentes. 

A maior floresta tropical do planeta, denominada Amazônia, tida como pulmão planetário, agora arde em chamas e produz o efeito contrário, tornada a campeã de emissão de gás carbônico, numa comprovação da irracionalidade suicida que venho relatando.   

Recentemente uma epidemia de vírus covid 19 dizimou quase 15 milhões de pessoas e muitos políticos (denominados negacionistasnegaram sua existência e periculosidade  interessados na continuidade da produção de bens de consumo sob tais circunstâncias, visando a obtenção de lucros e arrecadação de impostos. em benefício da uma parcela privilegiada desses hominídeos. 

Até inventaram vacinas que previnem tais doenças, mas houve políticos governantes que sabotaram a sua aplicação, maximizando os óbitos.
  
Eles são seres urbanos na sua maioria, que costumam habitar cidades caóticas porque cindidas em classes sociais com pequenos núcleos de moradores beneficiados e completamente cercados por grandes contingentes de outros menos favorecidos, os quais pertencem ao segmento dos escravizados por uma coisa chamada salário, que é a forma de subtração da riqueza socialmente produzida. 

Nessas cidades proliferam gangues do crime organizado que roubam cargas dessas mercadorias; traficam e vendem entorpecentes que escravizam ainda mais os hominídeos que as usam; roubam bancos para obter valor (que chamam de dinheiro) que é o mecanismo de mediação social e poder, e não raro funcionam como milícias formadoras de um estado paralelo ao estado oficial, ambos opressores dos escravizados. 

O aparelho repressor oficial, as polícias, muitas vezes se acumpliciam com os criminosos; e o mais absurdo é que eles, ao invés de se unirem contra tudo isso, procuram se adaptar a esse estado de coisas. Uma babel.    

A esses bens de consumo e serviços, num artificialismo escravista da maioria dos hominídeos, denomina-se mercadoria, mecanismo que é capaz de escravizar os que a produzem com seus esforços em benefício dos que delas se apropriam (nesse universo tudo é dinheiro, representação da abstração denominada valor, uma invenção capciosa de escravização e apropriação indébita da riqueza socialmente produzida), e o mais grave é que os escravizados agradecem aos escravizadores a chance de serem escravizados.  
Os escravizados costumam, inclusive, pedir, juntamente com seus sindicatos (uma espécie de corporação dos escravizados), mais empregos, ou seja, mais oportunidades de escravização, e têm até representantes políticos e partidos que vivem de tal representação, como se fizessem uma advocacia administrativa dos primeiros, sem jamais questionarem a natureza da escravização, numa certificação flagrante de irracionalidade generalizada que graça entre tais hominídeos.

Eles se organizam em nações territorialmente delimitadas, e têm uma estrutura político-administrativa vertical na qual os escravizados elegem periodicamente os gerentes que vão gerir tais organizações em benefício dos escravizadores que exercem o poder econômico (o verdadeiro poder, que manda em todos). 

Também fazem leis elaboradas pelos representantes dos escravizadores, e têm juízes que as aplicam coercitivamente, e por força militar, quando se faz preciso.  
 
Assim, encerro esse relatório concluindo que os mamíferos irracionais, por natural instinto de sobrevivência, são mais preservacionistas e agem mais racionalmente do que os seus parentes racionais, que por estarem num processo de evolução intelectual transitório, ainda primário, dele se aproveitam para subjugar perigosamente a tudo e a todos. 

Acabam de ir  às urnas para legitimar com o voto as suas anuências a esse status quo sem se aperceberem que, assim procedendo. passam certidões de suas inconsciências sociais.  

Quiçá não se autodestruam e possam transitar para um estágio superior no qual os hominídeos sobreviventes dessa nave de desesperados se apiedem dos atuais hominicídios. (por Dalton Rosado)  
"Eis que da idade da pedra surge o amigo,/ chegou sem medo e memória./ 
De lembrança apenas sangue e dor/ e um machado com as inscrições:/
se achará o elo perdido, enfim,/ no homem das novas gerações"

domingo, 20 de outubro de 2024

A VERDADEIRA POLARIZAÇÃO É O DA LUTA DE CLASSES: ENTRE CAPITAL E TRABALHO

 


Existe uma ideia fixa da mídia burguesa brasileira: o fim da polarização política. Em seu mundo dos sonhos, o Brasil deveria ser formado apenas por centristas cêntricos, vivendo no consenso liberal do mercado e da democracia que não muda nada. O modelo maior desse sonho são os EUA do período pós Segunda Guerra, quando Democratas e Republicanos se revezaram na Casa Branca mantendo essencialmente as mesmas práticas. 

Por óbvio, em um país periférico e de extração colonial igual o Brasil, o sonho de um regime político de consenso liberal é mero delírio de uma burguesia siderada, que vive de costas para o seu próprio país e sempre se pensando como parte do mundo cosmopolita dos grandes capitalistas estadunidenses e europeus. Contudo, um país afundado na super exploração do trabalho, na dilapidação de seus recursos naturais, na economia desnacionalizada e que possui uma classe dominante que jamais chegou a ser ilustrada só pode ser o lugar da furiosa polarização entre pouquíssimos possuidores de muito e muitíssimos possuidores de nada

Polarização brasileira em ato. 

Pior, pois sequer nos EUA e na Europa o dito consenso liberal existe mais. Ao contrário, a polarização se acentua no centro do capitalismo, refletindo o aprofundamento da concentração de riqueza e da espoliação dos trabalhadores. Ao invés do Brasil se tornar o primeiro mundo, é ele quem está virando o Brasil, em um fenômeno batizado de brasileirização do mundo. Ou seja, o abismo da polaridade entre uma multidão de miseráveis e um grupo diminuto de possuidores vai se alastrando por todo lugar, levando à erosão dos regimes políticos desses países e à instabilidade como regra. 

Na realidade, a polarização não vem de outro lugar senão da oposição entre capital e trabalho. O capitalismo está fundado na exploração do trabalho no interior da propriedade privada em que o trabalho concreto é transformado em abstrato gerando o valor. Essa oposição é a raiz da sociedade capitalista e não pode ser anulada pela mera vontade de quem quer que seja. É a partir dela que está fundamentada a luta de classes. 

No mundo da mídia brasileira não existe 
contradição entre capital e trabalho. 
O que ocorreu durante décadas nos EUA e na Europa foi a denominada exportação das contradições. Rosa Luxemburgo foi uma pioneira na análise desse fenômeno em que os países centrais do capitalismo diminuem suas tensões internas absorvendo riqueza da periferia do sistema. Ao fazer isso, é possível aumentar a renda média dos trabalhadores enquanto a super exploração é imposta aos trabalhadores dos países periféricos. Foi exatamente o acontecido nos países centrais no período pós-guerra através das multinacionais que arrochavam o trabalhador na periferia e conseguia, com o valor importado, manter um padrão elevado para a média da população de seus países de origem. Tinha-se, assim, países majoritariamente de classe média. 

Mas a restruturação neoliberal colocou fim a esse processo ao cortar benefícios sociais, flexibilizar leis trabalhistas e impor uma reorganização do sistema produtivo em que os trabalhadores do centro perderam seus empregos seja para a automação, seja para trabalhadores da periferia, ao verem suas fábricas e empresas migrarem para países da América Latina, Ásia e África. O novo status da globalização na prática colocou fim às separações dos mercados nacionais ao impor um mercado unificado e homogêneo, controlado por oligopólios e em que os trabalhadores competem globalmente entre si. O resultado é a agudização da luta de classes em nível global e, logo, da polarização. 

Até na Europa, as contradições estão se 
acentuando.
Ao invés de diminuir, a polarização está se acentuando, acompanhando o processo de agudização da própria luta de classes e a crise crônica do capitalismo. Os nomes que encampam cada polo não importam, o importante é considerar a dinâmica política e social desse processo cuja base material não depende da vontade deste ou daquele sujeito.

Longe de demonizarmos a polarização, é preciso compreende-la em radicalidade e avançar na verdadeira polarização contra o capitalismo. Contudo, não podemos ter a ilusão que iremos todos ficar de mãos dadas como se estivéssemos em um clipe da música Imagine do John Lennon. A era do socialismo utópico já passou há mais de século. Na prática, a divisão da sociedade entre aqueles que desejam preservar o capitalismo e aqueles que desejam ir além fatalmente ocorrerá. Cabe a nós estarmos preparados para o momento decisivo do enfrentamento. (por David Coelho)

sábado, 19 de outubro de 2024

O PESADELO DA POLARIZAÇÃO PODE FINALMENTE ESTAR TERMINANDO

Lula, que aparou as garras do PT, tornando-o um mascote da dominação burguesa; e Jair Bolsonaro, que em 2021, 2022 e 2023 agendou golpes de estado ultradireitista e nas três ocasiões faltou ao encontro, preferindo ficar olhando a encrenca de longe para não correr nenhum risco de ir em cana.

Estes são os ídolos de pés de barro dos quais muitos eleitores paulistas desencanaram, finalmente concluindo que a loucura da polarização produziu o pior Brasil de todos os tempos, com explorados matando uns aos outros por dá-cá-aquela-palha ao invés de concentrarem o fogo contra os verdadeiros culpados pelas tragédias e ruína brasileiras: a ínfima minoria de superexploradores. 

É o que se depreende da nova pesquisa do DataFolha, segundo a qual 61% dos petistas acham que o apoio de Lula a Guilherme Boulos não faz diferença e 58% dos ultradireitistas estão pouco ligando para o apoio do Bozo a Ricardo Nunes.

Segundo o comentarista político Josias de Souza, no artigo
Em São Paulo, maioria está se lixando para Lula e Bolsonaro, o desprezo pelo palhaço psicopata é tamanho no comitê de Nunes que apelidaram-no de cartola (aquele que não entra em campo nem faz gol, só aparece na hora de receber a taça)

Motivo: será somente na próxima terça-feira (22) que o Bozo ingressará pra valer na campanha, pois até sair o resultado do primeiro turno ele hesitava entre honrar o compromisso assumido com o prefeito paulistano ou transferir-se com armas e bagagens para a trincheira do Pablo Marçal, que parecia prestes a tornar-se o candidato preferido pelos eleitores direitistas. 

De que serve um cabo eleitoral que faz jogo duplo?

Quanto ao PT, sabe-se que existe uma ala do partido dando como certa a derrota do Guilherme Boulos e avaliando formas de evitar que tal fracasso nele respingue com mais força. Chega a defender a cooperação com os vencedores. 

O fundamental é que, quanto antes o desencanto com os velhos caciques do populismo se espalhar por todo o país, melhor. Eles são âncoras mantendo o Brasil preso a um passado nefando e nefasto. 

A quebra do monolitismo no campo da direita é uma novidade auspiciosa. Mas a promiscuidade com alguns desses direitistas deveria ser considerada fora de questão. (por Celso Lungaretti)
POST SCRIPTUM
R
icardo Kotscho, lenda viva do jornalismo brasileiro, curiosamente também acaba de dedicar um artigo ao candidato petista à prefeitura de Cuiabá, Lúdio Cabral, só que elogiando-o (!) por jogar o passado anticapitalista do partido no lixo:
"Cabral está fazendo uma campanha de rua em que predomina a cor lilás no lugar do vermelho e da estrela petista. 
O número 13 do partido quase não se vê nas propagandas, e o presidente Lula não aparece nem em vídeo na TV".
E se esse Cabral que descobriu (como cativar a pequena burguesia conservadora d)o Brasil se fantasiasse de pantera cor-de-rosa, será que ganharia a eleição? (CL)
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