A morte aos 76 anos, por causas não reveladas, do boxeador George Edward Bill Foreman, nos remete diretamente à fase de ouro do pugilismo mundial e à maior luta de boxe de todos os tempos, categorias e países, travada em 1974 no então Zaire, contra o lendário Muhammad Ali.
Foi um confronto entre um Golias no auge de sua força e um Davi envelhecido que conseguiu, usando tudo que aprendera em sua magnífica trajetória, sair vivo e vitorioso do ringue, apesar dos temores generalizados de que o amor próprio o impedisse de conformar-se com a derrota inevitável, fazendo com que lutasse até morrer.
Campeão olímpico em 1968, Foreman era tido como o pugilista com soco mais forte até então conhecido. Após uma sucessão impressionante de nocautes na sua fase profissional, conquistou o título mundial em 1973, numa luta de pesadelo na qual derrubou Joe Frazier seis vezes em dois rounds. Seu cartel até então era de 37 vitórias, nenhum empate, nenhuma derrota.
Mas Ali tinha muito mais trunfos do que Frazier. Começou minando a autoconfiança de Foreman ao tratá-lo de forma desrespeitosa em todas as entrevistas (chegava a imitar sua movimentação deselegante no ringue, comparando-a com o andar vacilante do monstro de Frankenstein nos filmes de terror). Nenhum adversário do gigante até então ousara irritá-lo dessa forma na véspera da batalha.
Negro puro sangue, Foreman se viu rejeitado por sua gente. O aclamado era o adversário, menos negro mas imensamente mais carismático e que sempre confrontara o racismo estadunidense.
Era um herói para os africanos, e merecia sê-lo, Quem mais preferiria passar anos preciosos proibido de lutar do que abdicar das próprias convicções (alegou que sua religião o impedia de participar da Guerra do Vietnã)?
Assustador, Lacônico, desajeitado com as palavras, Foreman não imaginava, contudo, que viria a ser unanimemente visto como vilão.
Tudo isto, mais a derrota que jamais esperara sofrer, impactou Foreman de tal forma que ele passou um bom tempo lambendo as feridas. Voltou totalmente mudado, como um simpático pastor evangélico.
O que não o impediu de matar as saudades do ringue, já sem a ferocidade de outrora, mas ainda com murro devastador. Assim, se tornou o peso-pesado mais idoso a conquistar o título, nocauteando Michael Moorer em 1994, aos 45 anos.
O campeão de 26 anos tinha a vitória por pontos assegurada, mas vacilou no décimo e último assalto, quando o portentoso cruzado de direita de Foreman finalmente entrou, mandando Moorer à lona.
A LUTA DO SÉCULO -- O épico confronto entre Foreman e Ali no Zaire foi imortalizada nos excelentes livro de Norman Mailer (A Luta,1975) e documentário de Leon Gast (Quando éramos reis, 1996).
Contra todos os prognósticos, Ali mais uma vez tirou coelho da cartola. Todos lembram de sua técnica refinadíssima, mas ele era muito mais do que isto. Tinha dons de grande estrategista, como se combinasse os papéis de pugilista e de técnico.
Foi assim que ele conquistou a maior de todas as suas vitórias. Boxeando francamente contra Foreman no primeiro assalto, percebeu que jamais conseguiria prevalecer lutando de igual para igual com um titã que tinha pouco mais da metade de sua idade.
Vídeo da transmissão da luta pela TV estadunidense...
Então, adotou a postura que qualquer boxeador comum consideraria suicida diante da enorme potência dos golpes de Foreman: deixou-se ficar encostado nas cordas, recebendo o bombardeio e aparando-o com sua guarda.
Alguns obuses atingiam o alvo de raspão, outros se chocavam com os braços de Ali. Nenhum o abalou suficientemente. E Foreman, acostumado a nocautes rápidos, foi se cansando.
No quinto assalto, o Ali aparentemente apático, que só se defendia, mostrou que era, isto sim, um tigre se preparando para dar o bote: com um contra-ataque fulminante, quase nocauteou Foreman.
Depois de dois rounds letárgicos, foi o que acabou acontecendo no oitavo assalto. Ali novamente surpreendeu Foreman e, com uma sequência de golpes cuja rapidez era inimaginável àquela altura de uma luta tão exaustiva, metralhou a cabeça do oponente até fazer aquele gigante desabar em câmara lenta.
...e o documentário de Gast, incluindo o show que abriu a noitada.
A coragem que deu a vitória a Ali nessa luta foi a mesma que o manteve no ringue até o fim de uma luta na qual teve seu maxilar fraturado no 2º round, por Ken Norton.
O castigo que recebeu de Foreman foi tão terrível que, depois da vitória consumada, ele teve, durante as comemorações, um breve desmaio que passou despercebido porque seus segundos rapidamente se colocaram ao redor, encobrindo-o. Até então, entretanto, a adrenalina o mantivera em pé. (por Celso Lungaretti)
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