domingo, 30 de junho de 2013

BRASIL RESGATA O AUTO-RESPEITO FUTEBOLÍSTICO

Foi a vez da Seleção Espanhola  cair na real...
Numa noite em que tudo deu certo para a nossa Seleção, o Brasil ganhou a irrelevante Copa das Confederações e também algo muito mais valioso: resgatou o auto-respeito futebolístico, deixando definitivamente para trás o inferno astral dos últimos anos. 

Só não pode superestimar tal conquista, pois o escrete ainda não está pronto para os desafios que enfrentará no Mundial de 2014. 

Algumas peças precisam ser substituídas, mas o trabalho de renovação (que, justiça seja feita, deve ser creditado principalmente ao técnico Mano Menezes) já deu bons frutos, com a afirmação de Neymar, Paulinho, Oscar, David Luiz, Luiz Gustavo, Hernanes e Marcelo. Somados aos  sobreviventes  Daniel Alves e Thiago Silva, compõem uma boa base para a próxima Copa do Mundo.

É uma pena que Lucas não haja tido mais chances nem aproveitado bem as que lhe deram, pois se trata de um jogador muito mais promissor do que o tão esforçado quanto limitado Hulk.

E a boa campanha de Júlio César não deveria enganar ninguém; se fôssemos levar em conta apenas grandes fases, os  milagres  do corinthiano Cássio na Libertadores e Mundial de Clubes do ano passado deveriam valer-lhe a camisa da Seleção. Um técnico menos intransigente do que Felipão descartaria apostas temerárias em goleiros irregulares, preferindo a consistência de Cavalieri e Jefferson.  

Igualmente temerária é a aposta em Fred, o anacrônico artilheiro que passa 90 minutos à espera de uma chance para colocar a bola nas redes. Desta vez deu certo, mas não devemos esperar que as defesas adversárias sejam tão vulneráveis em 2014. Precisamos de atacantes que façam gols e outras coisas mais, participando efetivamente do jogo coletivo.
...repetindo o vexame do Barcelona na Liga dos Campeões.

Para reduzir o excesso de euforia tão comum nos brasileiros, que costumam passar da mais profunda depressão ao mais irrealista  já ganhou!, é bom lembrarmos que a decadência da escola espanhola já havia se evidenciado na Liga dos Campeões. Os 3x0 deste domingo foram uma reprise do  chocolate   ainda maior que o Barcelona levou do Bayern.

Os espanhóis têm um ano para se reciclarem, principalmente: 
  • montando uma defesa sólida, pois não podem mais confiar na força do ataque  para compensar a fragilidade da zaga (foi o que se viu nesta final: o gol de Fred,  achado  mas facilitado pela habitual inépcia da Espanha face ao jogo aéreo, abriu caminho para a vitória brasileira);
  • garimpando atacantes mais competentes para completarem (e aproveitarem) o excelente trabalho dos armadores.
Agora se percebe que a receita do futebol mágico do Barcelona tinha, como ingrediente obrigatório, o gênio de Messi. Bastou ele atuar  baleado  contra o Bayern para os catalães serem reduzido à impotência.

Já a Seleção Espanhola, não dispondo de ninguém remotamente equiparável, foi também reduzida à impotência neste domingo, pois um Iniesta só não faz mais verão.

Quanto ao Brasil, está na bom caminho, mas tem de começar desde já a preocupar-se com o melhor futebol da atualidade: o alemão. Não voltou a ser o nº 1 do mundo por haver suplantado, três anos depois, o vencedor do último Mundial. Longe disto.

sábado, 29 de junho de 2013

POSSIBILIDADE DE EXPULSÃO DE BATTISTI É REMOTÍSSIMA

"O leão fugiu da jaula. 
Mas, calma minha gente, 
que o leão é sem dente"
(Jorge Benjor, 
"O circo chegou")

Companheiros, amigos e até parentes me perguntam, aflitos, o que acontecerá com o escritor italiano Cesare Battisti a partir da decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de confirmar a sua condenação em primeira instância por estar portando passaporte falsificado quando a Polícia Federal o deteve no Brasil.

Respondo: DE IMEDIATO, NADA. Ainda cabe recurso; então, não é crível que o Ministério da Justiça venha a atropelar os direitos de Battisti, posicionando-se antes da pendenga estar concluída em termos jurídicos.

Resta sabermos se foi equivocada a redação da nota do STJ (leia íntegra aqui) ou a própria sentença, quanto a este detalhe:
"Cópia da decisão será encaminhada ao ministro da Justiça, para as providências que entender cabíveis. Isso porque o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) prevê no artigo 65, parágrafo único, alínea 'a', a expulsão do estrangeiro que praticar fraude para obter sua entrada ou permanência no país".
Podemos supor que se tenha decidido dar conhecimento ao Ministério da Justiça para que ele possa desde já ir fazendo um estudo PRELIMINAR do assunto, sobre o qual, EVENTUALMENTE, terá de se posicionar ADIANTE.  Esta é A ÚNICA PROVIDÊNCIA CABÍVEL NESTE MOMENTO.

Foi exatamente o que declarou o advogado de Battisti, Luiz Eduardo Greenhalgh, à Folha de S. Paulo: ele "disse 'estranhar' a nota do STJ, pois o ministério só poderá atuar após o esgotamento dos recursos cabíveis contra a decisão". 

Então, promete um parecer mais conclusivo para quando tiver tomado conhecimento do teor da sentença. E deixou implícito que vai dela recorrer.

Resumo da opereta: tudo indica que haja ainda muita água a passar sob a ponte, até termos reais motivos de inquietação.

De resto, os doutos integrantes da egrégia 5ª Turma do STJ estão, data vênia, VIAJANDO NA MAIONESE, ao considerarem fraudulenta uma prática à qual recorrem quase todos os perseguidos políticos obrigados a se refugiarem noutro país. O objetivo do legislador foi, EVIDENTEMENTE, o de evitar que bandidos escapassem das garras da Justiça, e não o de ajudar estados totalitários ou democracias imperfeitas a caçarem alhures seus opositores e seus bodes expiatórios (como Battisti).

Ao negar a extradição do escritor, o Supremo Tribunal Federal decidiu que ele é um perseguido merecedor da proteção do Estado brasileiro. A decisão da 5ª Turma vai em direção contrária e, portanto, acabará sendo derrubada, pois o STF fala mais alto. É simples assim.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

...E AS PEDRAS VOLTARAM A ROLAR!

A desinformação campeia --talvez porque os principais veículos de comunicação escrita e eletrônica abdicaram da nobre tarefa de informar os cidadãos, trocada pela de os manipular em tempo integral, tangendo-os para o consumismo, o conformismo, o conservadorismo e o reacionarismo.  

Então, quando manifestações de protesto eclodem no País inteiro, parecem vexados de não terem, no momento preciso, dado o devido destaque aos acontecimentos que prepararam o terreno para elas --principalmente o renascimento do movimento estudantil. Então, omitem as etapas percorridas até as jornadas atuais, como se elas tivessem caído do céu.

Eu, pelo contrário, o saudei emocionado, naquele maio de 2007 em que os estudante da USP levaram a cabo a primeira ocupação de reitoria do Brasil redemocratizado. 

Foi quando escrevi o texto abaixo, convicto de que os fios da História começavam a ser reatados, para a retomada dos movimentos de contestação no estágio em que eles pararam quando a assinatura do AI-5 arrojou o Brasil nas trevas absolutas, no arbítrio total.

Como não estamos mais sob ditadura, a acumulação de forças desta vez foi mais lenta, embora perceptível. Para quem tem um mínimo de sensibilidade política, eram favas contadas que, mais dia, menos dia, uma enorme onda de protestos sacudiria o País.

Então, faço questão de lembrar como tudo (re)começou, publicando novamente um dos textos que mais me orgulho de haver escrito. Lancei-o no dia 31/05/2007. Alguns dias depois, o então governador José Serra capitulou, anunciando que reveria os quatro decretos autoritários repudiados pelos uspianos. 

Foi uma vitória tão emblemática como a que o Movimento Passe Livre acaba de conquistar, forçando o recuo de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad na questão das tarifas. 

POR DENTRO DA REITORIA OCUPADA

A última segunda-feira de maio é ensolarada, uma exceção no invernal outono paulistano. As pessoas ao redor da reitoria da Universidade de São Paulo, ocupada pelos estudantes desde o dia 3, mostram aquela animação habitual de quem reencontra o calor e o céu azul, após vários dias frios e cinzentos.

Conversam, brincam, confraternizam. Há líderes de servidores públicos se revezando num alto-falante para instruir/entreter quem chegou adiantado à reunião da categoria que terá lugar ali mesmo, ao ar livre. Ninguém parece preocupar-se com uma invasão da Polícia Militar, para cumprir o mandado de reintegração de posse concedido pela Justiça.

Uma barricada de pneus diante da entrada é a vitrine da ocupação. De que realmente servirá, caso cheguem brutamontes bem treinados e equipados, que têm a violência como realidade cotidiana? Quase nada. Mas, os símbolos têm papel importante nas batalhas em que o grande objetivo estratégico é a conquista de corações e mentes.

Diante da única porta de entrada, alguns estudantes do esquema de segurança fazem a triagem dos visitantes. Basta ter uma carteirinha de aluno ou professor da USP para entrar sem problemas. Como não sou uma coisa nem outra, levo alguns minutos para convencê-los de que não vim brincar de 007.

Como credencial, apresento meu livro Náufrago da Utopia, que por acaso trago comigo. Agrada-lhes o caderno iconográfico, com muitas fotos do movimento estudantil de 1968. Meio convencidos de minhas boas intenções, deixam que eu vá parlamentar com a  Comissão de Comunicação  (ou rótulo que o valha). Acompanhado, por enquanto.

Lá decidem que eu posso circular à vontade pela reitoria ocupada, liberando meu cicerone/vigia para outras tarefas. Uns 15 estudantes rodeiam meia dúzia de computadores, uns digitando e os outros palpitando.

Cuidam de manter o blogue da ocupação no ar, de selecionar e imprimir textos que serão expostos nos quadros de avisos e paredes. E também de mandar mensagens de esclarecimento aos jornalistas que falam mal da ocupação. [Como se isso adiantasse. Tirando honrosas exceções, a imprensa se colocou contra os estudantes, às vezes dissimuladamente, outras da forma mais panfletária e caluniosa, como fez a Veja São Paulo, que os acusou de “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros”.]

A diferença mais marcante em relação às ocupações antigas é, exatamente, o esquema de comunicação sofisticado da atual, incluindo TV por Internet e   rádio livre. De resto, sinto-me como se tivesse entrado num túnel do tempo e desembarcado naquele mês de julho de 1968 em que a Faculdade de Filosofia da rua Maria Antônia (SP) esteve ocupada para servir como QG das iniciativas em apoio da Greve de Osasco, lançando a nova onda que (como agora) rapidamente se alastrou.

Os mesmos colchonetes espalhados por um salão em que repousam alguns sentinelas cansados, após a vigília da madrugada – período mais propício para uma operação policial, exigindo, portanto, cuidados redobrados (e muita disposição para enfrentar o frio).

Os mesmos jovens com roupas coloridas e brilho no olhar, convencidos de que estão fazendo História, embora alguns ainda sejam imberbes.

Os mesmos mosaicos de textos e imagens compondo um visual agradavelmente anárquico. [O pôster mais hilário é o do governador José Serra fazendo mira com um fuzil e os dizeres “José Serra, nada mais nos U.N.E.”. Que ingenuidade, deixar-se fotografar em pose tão incompatível com sua aura e seu passado!]

Sou capaz de apostar que, se fizesse uma  excursão  como a que estou fazendo, a reitorazinha teria chiliques, pois, à  anarquia criativa, deve preferir os ambientes burocratizados, assépticos e sem vida, a julgar pelo que revela nas entrevistas: faz musculação, esteira e escova nos cabelos, usa terninhos de estilo clássico, quer corrigir pálpebras e bochechas com cirurgia plástica.

Deuses, o que faz uma farmacêutica numa posição dessas? Serão esses os temas que uma reitora deve tratar na imprensa, quando sua universidade vive a maior crise das últimas décadas? [De quebra, é uma ingênua que, a mando ou com autorização do governador, pede reintegração de posse e depois paga o mico de ver o mandado judicial descumprido, já que os estudantes não engoliram o blefe e Serra teme as conseqüências desse presumível confronto sobre suas ambições políticas.]

Apesar de toda a grita demagógica dos direitistas empedernidos e dos cristãos-novos do reacionarismo, não há sinais visíveis de depredação ou vandalismo. Aliás, os estudantes criaram um sem-número de comissões, para cuidar de cada detalhe  administrativo  da ocupação, zelando pelo patrimônio público. Até permitem que os faxineiros continuem cumprindo sua função de manter limpas as várias dependências, indiferentes ao “perigo” de que o  inimigo  possa infiltrar-se camuflado com macacões.

O que não funciona mesmo são os caixas eletrônicos de bancos, nos quais  foram colados avisos de “sem dinheiro”. Uma fração infinitesimal da usura consentida pela Justiça e abençoada pelo sistema foi detida. Vem-me à lembrança uma música de Sérgio Ricardo, ídolo dos universitários responsáveis pelas ocupações de quatro décadas atrás: “Os bancos e caixas-fortes/ que eram rocha, se quebraram/ e um rio de dinheiro correu”.

À saída, lanço um último olhar a esses jovens belos, brilhantes e idealistas, aparentemente tão frágeis, mas dispostos a enfrentar a tropa de choque da PM, se isso for necessário. Espero, torço para que não venha a ser.

Volto para o mundo real da desigualdade, da competição e da ganância, depois de um breve reencontro com o faz-de-conta revolucionário. Ciente de que há um longo caminho a percorrer até que os voluntários da utopia voltem a ser em número suficiente para tentarem ir além do faz-de-conta.

E, mesmo assim, esperançoso, pois um passo importante está sendo dado, com esse renascer do movimento estudantil que ora se delineia. É tudo de que precisamos, a renovação e oxigenação da esquerda, depois de tantas desilusões e defecções.

As pedras voltam a rolar. 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

UM IDEAL QUE ME INSPIRA: A 'SOCIEDADE ALTERNATIVA' DO RAULZITO

No início dos anos 80, quando trabalhava em revistas de música, tive uma breve amizade com o Raul Seixas.

O que nos aproximou foi termos ambos 1968 como referencial maior de nossas existências. 

Músicas tipo "Metamorfose Ambulante", “Tente Outra Vez”, "Cachorro Urubu" e "Sociedade Alternativa" lavavam minha alma, num momento em que a velha esquerda rabugenta se reconstruía, passando como um rolo compressor sobre os sonhos da  geração das flores.

De papos sóbrios e etílicos que tive então com o Raulzito, posso dizer que o lance da sociedade alternativa era, basicamente, o de agruparmos as pessoas com boa cabeça em comunidades que estivessem, ao mesmo tempo, dentro do sistema (fisicamente) e fora dele (espiritualmente).

Essas comunidades existiram no Brasil, de 1968 até meados da década seguinte. Nelas praticávamos um estilo solidário de vida, buscando reconciliar trabalho e prazer. Procurávamos ter e compartilhar o necessário, evitando a ganância e o luxo.

Acreditávamos que um homem novo só afloraria com uma prática de vida nova; quem quisesse mudar o mundo dentro das estruturas podres, acabaria sendo, isto sim, mudado pelo mundo.

Então, em vez de conquistar o governo para tomar o poder e tentar implantar uma sociedade mais justa de cima para baixo, nós queríamos deslocar o eixo para o sentido horizontal: acreditávamos em ir praticando uma vida não-competitiva em comunidades que se entrelaçariam e cresceriam aos poucos, até engolirem a sociedade antiga.

As teses e posturas da chamada Nova Esquerda dos anos 60 continuam sendo uma das melhores tentativas que podemos fazer para sairmos deste  inferno pamonha  que o capitalismo globalizado engendrou. Daí o empenho dos conservadores de direita e de esquerda (eles existem, sim!) em relegá-las ao esquecimento. 1968 ainda é tabu.

O NÉO-ANARQUISMO 

Se, como todo mundo diz, a Sociedade Alternativa proposta pelo Raulzito tinha muito a ver com os livros do bruxo Aleister Crowley (que ele e o  Paulo Coelho andaram traduzindo do original), também se inspirava nas barricadas parisienses, nas comunidades hippies e na contracultura, o que poucos apontam.

Ele e eu conversamos muito sobre isso; éramos ambos saudosos dos tempos em que tentávamos nos tornar homens novos na convivência solidária com os irmãos de fé, em nossos territórios livres.

A referência ao maio/1968 francês é óbvia, por exemplo, na segunda estrofe de "Cachorro Urubu": "E todo jornal que eu leio/ me diz que a gente já era,/ que já não é mais primavera./ Oh, baby, a gente ainda nem começou."

Os conservadores sempre tentaram reduzir a obra do Raulzito a uma provocação artística, sem maiores conseqüências políticas e sociais. Mas, ele não era meramente um gênio de comportamento anárquico, como tentam retratá-lo, folclorizando-o para torná-lo inofensivo.

Era, isto sim, um homem sintonizado com o néo-anarquismo que esteve em evidência na Europa e EUA na virada dos anos 60 para os 70. E só não dizia isso de forma mais explícita em suas canções porque o Brasil era um estado policial, submetido a uma censura rígida, embora burra.

Este não era, claro, o único aspecto de sua multifacetada personalidade – talvez nem o principal. Mas é o que mais tem sido omitido pelos que querem fazer dele apenas um monumento do passado, não um guia para a ação no hoje e agora.

LIKE A ROLLING STONE  

Eu vivi na estrada e em comunidade alternativa, em 1971/72. Foi uma experiência riquíssima, num momento em que eu precisava extravasar as emoções represadas no cárcere e me reconstruir, já que o sonho de uma sociedade de liberdade e justiça social ficara adiado por décadas e eu, esperançoso como qualquer adolescente, não me preparara psicologicamente para suportar a sociedade unidimensional que a contra-revolução erigiu.

Atrapalhava muito, naquela terrível Era Médici, a tensão entre a liberdade que queríamos vivenciar em recinto fechado e o terror e o medo que grassavam lá fora.

Vivíamos acuados, os cidadãos comuns nos olhavam com receio ou rancor por causa de nossas cabeleiras e roupas extravagantes. Enquanto isso, a economia deslanchava e alguns sentiam-se tentados a ir buscar também o seu quinhão do  milagre brasileiro.

Hoje, quem tem olhos para ver já pode aquilatar o que é a sociedade de consumo e a posição de país periférico na economia globalizada: parafraseando Conrad, "o horror, o horror!".

Acostumado aos tempos em que se trabalhava para viver, eu não consigo aceitar que atualmente as pessoas vivam para trabalhar, mobilizadas por objetivos profissionais umas 14 horas por dia (expediente, horas extras que dificilmente são pagas, cursos e mais cursos de atualização profissional, etc.).

E tudo isso para quê? Para poderem comprar um monte de objetos supérfluos e quase nunca encontrarem relacionamentos gratificantes no dia-a-dia, pois já não sabem mais interagir – querem apenas usar umas às outras.

Então, fico pensando que, em lugar de levarmos vida de cão dentro do sistema, poderíamos todos estar nos agrupando em casarões da cidade e sítios no campo, criando pequenos negócios para subsistência, plantando, levando uma vida simples mas solidária. Reaprendendo a ter no outro um irmão e não um competidor.

Com as facilidades de comunicação atuais (que fizeram muita falta há quatro décadas), essas comunidades urbanas e rurais se entrelaçariam, ajudando umas às outras, trocando o que produzissem, prescindindo dos bancos, escapando dos impostos e das formas de controle do Estado. Em suma, praticando criativamente, adaptados aos dias de hoje, os ensinamentos de Thoreau em A Desobediência Civil.

Seria um ponto de partida. E, conforme os territórios livres fossem crescendo, poderiam até virar algo mais sério – uma alternativa para toda a sociedade.

COMO FAZER

Nas comunidades de 1968/72, o que se fazia era reviver a velha democracia grega: reuniões para se decidir os assuntos mais importantes, para nos conhecermos melhor, para sonharmos e brincarmos.

Podia começar num debate acirrado e terminar com todo mundo nu dançando ao som de "Let the sun shine in" (com inocência, pois não éramos dados ao sexo grupal).

Enfim, tentávamos existir plenamente como grupo, esforçando-nos para superar o egoísmo e a possessividade.

Havia problemas, claro. Emprestávamos ao outro o que ele estava precisando mais, numa boa; só que, às vezes, descobríamos na enésima hora que alguém tinha levado sem pedir aquilo que a gente ia usar. Dava discussão e os limites tinham de ser depois definidos na reunião coletiva da nossa comuna.

Também não era fácil administrarmos o jogo das paixões. Minha amizade com um ótimo companheiro andou estremecida por uns tempos quando a namorada rompeu com ele e iniciou uma relação comigo. Por mais que quiséssemos nos colocar acima de sentimentos menores como o ciúme, eles existiam e nos machucavam.

O importante, entretanto, era essa vontade que todos tínhamos de superar as limitações de nossa educação pequeno-burguesa e viver de forma generosa e solidária.

Quando alguém tinha um problema, era de todos. Quando alguém estava triste, logo um companheiro ia perguntar o motivo. Tudo que podíamos fazer pelo outro, fazíamos.

Onde erramos? Duas vaciladas fatais implodiram nossa comuna. Uma foi deixarmos a droga correr solta – LSD e maconha, principalmente, pois o propósito era abrirmos as  portas da percepção, no dizer de Huxley. Isto, entretanto, trouxe à tona facetas da personalidade reprimida que o grupo não conseguia administrar. Acabaram ocorrendo conflitos, separações.

A outra foi recebermos de braços abertos todos os pirados que apareciam, vendo um amigo em cada pessoa que parecesse estar fora do sistema. Como sempre, apareceram os aproveitadores, os parasitas, os pequenos marginais. E a polícia veio atrás.

Mas, as experiências que vivenciamos foram tão intensas que aquele ano valeu por uns cinco. Foi com imenso pesar que vimos aqueles laços se romperem, sendo obrigados a voltar, cada um por si, à luta inglória pela sobrevivência. É uma tortura ser obrigado a correr de novo atrás do ouro de tolo, quando não se tem mais  aquela velha opinião formada sobre tudo...

Com algumas correções de rumo e numa conjuntura menos repressiva, as comunidades ainda poderão ser viabilizadas. Há que se tentar outra vez. Mesmo porque, como disse o Raul, "basta ser sincero e desejar profundo/ você será capaz de sacudir o mundo".

O NOVO DESAFIO 

A tentativa de irmos engendrando uma alternativa ao sistema dentro do próprio sistema tem muito mais a ver agora do que no tempo do Raul, pois os homens precisarão unir-se para enfrentar a crise das alterações climáticas.

Na segunda metade deste século, o planeta será fustigado por terremotos, maremotos, furacões, tufões, tsunamis, inundações, fome e seca. As perdas poderão ser diminuídas se os homens se ajudarem mutuamente, sem o egoísmo e a competitividade capitalistas; caso contrário, até mesmo o fim da espécie humana não estará descartado.

O futuro da humanidade não pode ficar à mercê da ganância, sob pena de interesses mesquinhos acabarem destruindo o planeta.

Os homens têm de encontrar formas de organizar-se para a produção em termos solidários, visando o bem comum e não o lucro. Cooperarem em vez de competirem.

Mas, isso não pode ser imposto por uma burocracia. Chega de ditadura do proletariado, estatização compulsória da economia e outras experiências que tiveram maus resultados!

É uma mudança de cultura que teremos de efetuar voluntariamente, se quisermos legar aos nossos descendentes algo além de uma Terra arrasada.

Teremos de construir algo novo a partir da cooperação voluntária dos cidadãos. Mostrar que o bem comum deve prevalecer sobre os interesses individuais. Convencer os recalcitrantes ou mantê-los fora da nova sociedade que estivermos criando. Mas, fazer o possível e o impossível para evitar que ela também descambe para a coerção e a repressão.

E não serão os podres poderes atuais que vão encabeçar essa luta. A união de que necessitamos deve ser forjada a partir de agora, como uma rede a ser montada pelas pessoas de boa cabeça, independentemente de governos e partidos políticos.

Se o enfrentamento da maior ameaça com que os homens já se depararam não propiciar o surgimento de uma sociedade melhor, nada mais o fará.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

DELFIM DIZ QUE REPETIRIA SUA IGNÓBIL ASSINATURA NO AI-5

Delfim como papagaio de pirata do ditador Costa e Silva
"Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria", afirmou Delfim Netto, referindo-se à sua ignóbil assinatura no hediondo Ato Institucional nº 5. Ou seja, ainda hoje ele seria capaz de apoiar o elenco de medidas que desencadeou o arbítrio sem quaisquer limites.  

O AI-5 proibiu o Judiciário de conceder habeas corpus para os perseguidos políticos, dando à ditadura militar sinal verde para torturar os resistentes a bel-prazer, além de outras disposições totalitárias: reforçou os poderes do presidente da República para decretar estado de sítio, intervenção federal, suspensão de direitos políticos, restrições ao exercício de direitos públicos ou privados (principalmente o afastamento dos  subversivos  de seus cargos), cassação de mandatos eletivos, imposição de recesso ao Congresso, assembléias legislativas e câmaras municipais, etc.

Delfim foi convocado para depor na Comissão da Verdade do município de São Paulo e eram favas contadas que ele não perderia as estribeiras, dando espetáculo tão patético quanto o do torturador-símbolo da Nação, Carlos Alberto Brilhante Ustra, ao comparecer à Comissão Nacional da Verdade. 

Speer: condenado, como mereceu!
Não, ele é ave de outra plumagem; os serenos mandantes, que não chegaram a ter uma gota sequer de sangue nos seus ternos chiques, se diferenciavam em muito dos destrambelhados paus mandados, aqueles cujas fardas ficaram emporcalhadas com o sangue das vítimas. 

No entanto, foi acintosa e repulsiva a afirmação de Delfim, segundo quem  o AI-5 teria sido necessário porque o país "estava num estado de desarrumação geral". Impor a paz dos cemitérios nunca foi método de arrumação.

Caso houvesse ocorrido aqui um julgamento como o de Nuremberg, mais do que justificável nas circunstâncias, decerto Delfim Netto seria condenado como o foi, p. ex., o arquiteto do Reich, Albert Speer, que também não era  pessoalmente responsável por nenhuma tortura ou assassinato, mas tinha total responsabilidade política por um governo monstruoso. 

Curiosamente, as desculpas esfarrapadas de ambos foram as mesmíssimas. Delfim alegou que desconhecia as torturas e teria até chegado a indagar do carrasco Médici se elas existiam, sendo tranquilizado. Acredite quem quiser.

Speer foi mais longe, afirmando ter participado do planejamento de um atentado contra Hitler que acabou não ocorrendo (claro!).

Em ambos os casos, nenhuma pessoa viva corroborou as versões daqueles a quem convinha mentir.
Uma camaradagem escrita nas estrelas

O paralelismo se deu, inclusive, quanto às provas fotográficas. 

Speer foi confrontado com uma imagem dele visitando o campo de concentração de Mauthausen, mas garantiu que era apenas uma viagem protocolar e não lhe teria sido mostrado nada que caracterizasse o Holocausto.

Esfregaram no nariz do Delfim uma foto em que aparece alegremente ao lado do empresário-símbolo do financiamento à repressão, mas ele, presumivelmente, negou que conhecesse tal faceta de Henning Boilesen. Acredite quem quiser.

Uma sentença como a de Speer, de 20 anos de prisão, teria caído muito bem para o gordo ministro (ou seria melhor dizermos  sinistro?) da ditadura.

terça-feira, 25 de junho de 2013

A REVOLUÇÃO (MAIS DO QUE NUNCA!) NECESSÁRIA

Já faz quase um século que os movimentos revolucionários desviaram por atalho que acabou conduzindo a um beco sem saída.

O desvio foi decidido às vésperas da revolução soviética, quando o Partido Bolchevique discutiu dramaticamente se valia a pena tomar-se o poder num país atrasado, contrariando duas premissas marxistas: a da revolução internacional e a da construção do socialismo a partir das nações economicamente mais pujantes (e não o contrário!).

Prevaleceu o argumento de que, embora a Rússia não estivesse pronta para o socialismo, serviria como um estopim para a revolução mundial, começando pela revolução alemã, prevista para questão de meses. Então, o atraso econômico russo seria contrabalançado pela prosperidade alemã; juntas, efetuariam uma transição mais suave para o socialismo.

Deu tudo errado. A reação venceu na Alemanha, a nova república soviética ficou isolada e, após rechaçar bravamente as tropas estrangeiras que tentaram restabelecer o regime antigo, viu-se obrigada a erguer uma economia moderna a partir do nada.

Quando o ardor revolucionário das massas arrefeceu -- não dura indefinidamente, em meio à penúria --, a mobilização de esforços para superação do atraso econômico acabou se dando por meio da ditadura e do culto à personalidade.

A Alemanha nazista era o espantalho que impunha urgência: mais dia, menos dia haveria o grande confronto e a URSS precisava estar preparada. O stalinismo foi engendrado em circunstâncias dramáticas.

"...finalmente, um tirano substitui o Comitê Central..."
A república soviética acabou salvando o mundo do nazismo -- foi ela que quebrou as pernas de Hitler, sem dúvida! --, mas perdeu sua alma: já não eram os trabalhadores que estavam no poder, mas sim uma odiosa  nomenklatura.

Concretizara-se a profecia sinistra de Trotsky: primeiro, o partido substitui o proletariado; depois, o Comitê Central substitui o partido; finalmente, um tirano substitui o Comitê Central.

Com uma ou outra nuance, foi este o destino das revoluções que tentaram edificar o  socialismo num só país: ficaram isoladas, tornaram-se autoritárias e não tiveram pujança econômica para competir com o mundo capitalista, acabando por sucumbir ou por se tornarem modelos híbridos (como o chinês, que mescla capitalismo na economia com stalinismo na política).

E AGORA, JOSÉ?

Agora, só nos resta voltarmos ao princípio de tudo: Marx.

Reassumirmos a tarefa de engendrar  uma onda revolucionária que varrerá o mundo.

Esquecermos a heresia de solapar o capitalismo a partir dos seus elos mais fracos, pois o velho barbudo estava certíssimo: as nações economicamente mais poderosas é que determinam a direção para a qual as demais seguirão, e não o contrário.

Isto, claro, se tivermos como meta a condução da humanidade a um estágio superior de civilização. Pois o cerco das nações prósperas pelos rústicos e atrasados já vingou uma vez, quando Roma sucumbiu aos bárbaros... e o resultado foi um milênio de trevas.

Se, pelo contrário, quisermos cumprir as promessas originais do marxismo, as condições hoje são bem propícias do que um século atrás:
"...só unidos e solidários os homens conseguirão sobreviver..."
  • o capitalismo já cumpriu seu papel histórico no desenvolvimento das forças produtivas e está tendo sobrevida cada vez mais parasitária, perniciosa e destrutiva -- tanto que mantém a parcela pobre da humanidade sob o jugo da necessidade quando já estão criadas todas as premissas para o  reino da liberdade, e o 1º mundo sob o jugo da competitividade obsessiva, estressante e neurótica, quando já estão criadas todas as premissas para uma existência fraternal, harmoniosa e criativa;
  • os meios de comunicação que ele desenvolveu, como a internet, facilitam a disseminação e coordenação dos movimentos revolucionários em escala mundial, de forma que um novo 1968, p. ex., hoje seria muito mais abrangente (está longe de ser utópica, agora, a possibilidade de uma onda revolucionária varrer o mundo);
  • a necessidade de adotarmos como prioridade máxima a colaboração dos homens para promover o bem comum, em lugar da ganância e da busca de diferenciação e privilégio, será dramatizada pelo agravamento das contradições econômicas insolúveis do capitalismo e pelas consequências das alterações climáticas e da má gestão dos recursos imprescindíveis à vida humana, gerando crises tão agudas que só unidos e solidários eles conseguirão sobreviver.
Nem preciso dizer que a forte componente libertária original do marxismo tem de ser reassumida, pois os melhores seres humanos, aqueles dos quais precisamos, jamais nos acompanharão de outra forma (esta é uma das conclusões mais óbvias a serem tiradas dos acontecimentos das últimas décadas).

A bandeira da liberdade deve ser empunhada de novo pelos que realmente a podem concretizar, não pelos que só têm a oferecer um cativeiro com as grades introjetadas, pois a indústria cultural as martela dia e noite na cabeça dos  videotas.

É este o edifício sólido que podemos começar a construir com os tijolos do muro de Berlim e dos outros muros tombados de 1989 para cá.

domingo, 23 de junho de 2013

GOVERNO QUER FIM DA TRUCULÊNCIA POLICIAL

É tão exemplar e fundamental para a democracia brasileira a resolução nº 6 do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), que abaixo reproduzirei na íntegra seus 10 artigos, destacando os trechos que considero mais importantes. 

Bravo, ministra Maria do Rosário!

Mas, não basta sua publicação no Diário Oficial da União (em 19/06/2013) e a comunicação, por ofício, aos "órgãos federais e estaduais com atribuições afetas às recomendações constantes". 

Será necessária uma postura incisiva do Governo Federal, para que a brutalidade policial deixe de ser praticada impunemente por Polícias Militares como a paulista, que atuou como incendiária e não como bombeira na quarta e decisiva manifestação do MPL, quando suas agressões covardes  provocaram imensa repulsa no País e no exterior; a carioca, que logo em seguida agiu com idêntica bestialidade; e a mineira, que agora ameaça impor a "tolerância zero" aos manifestantes.

Se o Governo Dilma Rousseff fizer com que seja respeitada esta resolução do CDDPH, retirarei alegremente as críticas que fiz (vide aqui) à presidenta da República, por não haver mencionado a truculência dos agentes da (des)ordem em sua mensagem à Nação. 

Como não sou mesquinho nem derrotista, abro-lhe mais este crédito de confiança, torcendo para que a palavra da ministra Maria do Rosário seja mesmo a voz do Planalto. Se for, aplaudirei em pé.

Pois, de todos os direitos em xeque neste momento, são os humanos os que mais importam e os que com maior empenho têm de ser defendidos. 

RESOLUÇÃO Nº 6, DE 18 DE JUNHO DE 2013
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS
CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA

Dispõe sobre recomendações do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana para garantia de direitos humanos e aplicação do princípio da não violência no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.

A MINISTRA DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, na qualidade de PRESIDENTA DO CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA, no uso das atribuições que lhe são conferidas pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, dando cumprimento à deliberação unânime do Colegiado do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, realizada em sua 218ª reunião ordinária (...), recomenda:

Art. 1º - Esta Resolução dispõe sobre a garantia de direitos humanos e aplicação do princípio da não violência no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.

Paragrafo único - A atuação do Poder Público deverá assegurar a proteção da vida, da incolumidade das pessoas e os direitos humanos de livre manifestação do pensamento e de reunião essenciais ao exercício da democracia, bem como deve estar em consonância com o contido nesta Resolução.

Art. 2º - Nas manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse, os agentes do Poder Público devem orientar a sua atuação por meios não violentos.

Art. 3º - Não devem ser utilizadas armas de fogo em manifestações e eventos públicos, nem na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.

Art. 4º - O uso de armas de baixa letalidade somente é aceitável quando comprovadamente necessário para resguardar a integridade física do agente do Poder Público ou de terceiros, ou em situações extremas em que o uso da força é comprovadamente o único meio possível de conter ações violentas

§ 1º - Para os fins desta Resolução, armas de baixa letalidade são entendidas como as projetadas especificamente para conter temporariamente pessoas, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões corporais permanentes.

§ 2º - Não deverão, em nenhuma hipótese, ser utilizadas por agentes do Poder Público armas contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos.

Art. 5º - As atividades exercidas por repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação são essenciais para o efetivo respeito ao direito humano à liberdade de expressão, no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na cobertura da execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.

Parágrafo único - Os repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação devem gozar de especial proteção no exercício de sua profissão, sendo vedado qualquer óbice à sua atuação, em especial mediante uso da força.

Art. 6º - Os responsáveis pela atuação dos agentes do poder público deverão equipá-los com meios que permitam o exercício de sua legítima defesa, a fim de se garantir sua integridade física e reduzir a necessidade do emprego de armas de qualquer espécie.

Art. 7º - O Poder Público da União e de todas as unidades da federação deverá assegurar a formação continuada de seus agentes, voltada à a proteção de direitos humanos e a solução pacífica dos conflitos.

Art. 8º - O Poder Público federal deverá priorizar a elaboração, tramitação e análise de normas que versem sobre o uso da força e, em especial, sobre a utilização de armas de baixa letalidade, considerando os princípios de direitos humanos.

Art. 9º - O CDDPH oficiará os órgãos federais e estaduais com atribuições afetas às recomendações constantes desta Resolução dando-lhes ciência de seu inteiro teor.

Paragrafo único - O CDDPH instalará Grupo de Trabalho sobre Regulamentação de Uso da Força e de Armas de Baixa Letalidade com atribuição específica para aprofundar ações de estudo e monitoramento relacionados ao objeto desta Resolução.

Art. 10 - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

MARIA DO ROSÁRIO NUNES

sábado, 22 de junho de 2013

ESTARRECEDOR: DILMA OMITIU TOTALMENTE A BRUTALIDADE POLICIAL!

A mensagem da presidenta Dilma Rousseff ao povo brasileiro (leia a íntegra clicando aqui) só me deixou uma dúvida: terá o Jarbas Passarinho sido o ghost writer?

Pois a diferenciação entre  manifestantes pacíficos  e minoria autoritária, quem fazia era a ditadura militar. Dilma deveria pagar-lhe direitos autorais.

De quem tem sua história de vida e integra um partido criado por perseguidos políticos, esperava-se um mínimo de equilíbrio e coerência: criticar não apenas os excessos cometido por manifestantes ou provocadores infiltrados entre eles, mas também, e principalmente (porque partida de quem deveria manter a ordem e não estuprá-la), a bestialidade policial que revoltou o Brasil e estarreceu o mundo.

E que dizer do comportamento imoral das polícias que facilitaram saques e depredações, retardando ao máximo o atendimento das ocorrências, porque sua verdadeira prioridade era retaliarem autoridades que os haviam censurado e/ou manipularem a opinião pública?! Isto caracteriza omissão no cumprimento do dever. Tanto quanto a brutalidade desnecessária, teria de ser rigorosamente apurada e punida.

E até quando vai ser ignorada a gravíssima denúncia do jornalista/historiador Elio Gaspari, de que duas dezenas de integrantes da tropa de choque foram os iniciadores deliberados do festival de agressões covardes do último dia 14 em São Paulo? 

Gaspari foi muito claro sobre o que testemunhou: o ato transcorria na mais perfeita paz até que uns 20 brutamontes fardados, sem motivo nem aviso, começaram a atirar rojões e bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes.

Ora, se policiais atuaram como agentes do caos, acendendo o estopim que faria explodir a violência descontrolada, isto também é muito pior do que a ação de qualquer depredador. 

Nada disto foi lembrado pela presidenta, que nem sequer qualificou de bárbara uma polícia que praticou as mais flagrantes barbaridades. Quando a mesma PM vandalizou o Pinheirinho, Dilma, pelo menos, designou corretamente aquilo que havia ocorrido: fora, disse ela, um ato de barbárie. Desta vez, nem isto.

Quanto à defesa dos partidos, soaria bem mais sincera se não fosse o PT que os tivesse desmoralizado (e a si próprio) ao comprar o seu apoio com  uma farta distribuição de ministérios  y otras cositas más. Não seria melhor tentar fazer as suas posições prevalecerem pelos próprios méritos?

Já que optaram pela facilidade dos  acordos podres, os petistas não têm  motivos para se queixarem da péssima imagem das agremiações políticas. Depois de ver o Maluf, o Sarney, o Calheiros,  o Collor, o ACM e outros da mesma laia aos beijos e abraços com o Lula, o que mais o povo poderia concluir sobre os partidos e os políticos?

Precisamos de partidos, sim. Mas não desses que estão aí, vendendo-se no atacado e varejo e até leiloando seu voto nas questões importantes.

Nenhuma reforma política resolverá isto. O que é preciso, o Fernando Collor prometeu quando o entrevistei para a Agência Estado, logo no início da campanha presidencial de 1989: afirmou que, se medidas imprescindíveis estivessem sendo  embaçadas  pelo Congresso, ele iria pessoalmente explicá-las ao povo, exortando-o a pressionar os parlamentares.

Era a receita certa na boca do homem errado. Eleito, não fez nada disto. 

E também se mostraram  presidentes  errados  o Itamar Franco, o FHC, o Lula e a Dilma. Nenhum deles teve a coragem de romper com as práticas fisiológicas, jogando o povo contra os congressistas, se necessário.

Estamos à espera de um presidente que, como os pequenos comerciantes dos filmes de Hollywood, ouse responder aos gangstêres que vêm cobrar-lhes por  proteção... contra eles mesmos: eu não pago! 

O resto é conversa pra boi dormir. Se a Dilma  quiser algum dia coibir pra valer a ação dos corruptos, não precisará ir muito longe: vai encontrar boa parte deles abrigada na base aliada.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A REVOLUÇÃO NÃO É O CONVITE PARA UM JANTAR

"A revolução não é o convite para um jantar, a composição de uma obra literária, a pintura de um quadro ou a confecção de um bordado, ela não pode ser assim tão refinada, calma e delicada, tão branda, tão afável e cortês, comedida e generosa. A revolução é uma insurreição, é um ato de violência pelo qual uma classe derruba a outra."

Não sou fã incondicional do velho Mao Tsé-Tung, mas ele tinha lá seus momentos. Esta frase é uma pérola.

Muitos companheiros estão assustados com o rumo que os protestos de rua tomaram em Sampa. Como a participação da direita fardada foi catastrófica, agora é a direita de jeans que reage ao movimento, com mais argúcia.

E, também, com uma aparente forcinha do PT. Não dá para acreditarmos que o Rui Falcão mandasse militantes embandeirados para o olho do furacão sem prever que seriam hostilizados. Meu palpite é bem outro: ele queria que acontecesse exatamente o que aconteceu.

Era óbvio que a direita, em qualquer ponto do caminho, tentaria transformar a rejeição generalizada aos podres Poderes numa rejeição individualizada ao Governo Dilma. E é óbvio que a presença ostensiva dos  petistas facilitou a jogada, pois quase todos que estavam na manifestação paulistana eram contra eles, por um ou outro motivo.

Luta política de verdade é assim. Também em 1968 nos defrontávamos com núcleos de estudantes reacionários dos cursos de Exatas da USP, com os agrupamentos fascistas existentes no Mackenzie, etc. A revolução não é o convite para um jantar.

Eu seria capaz de apostar que, já na próxima manifestação, os  indignados  paulistanos restabelecerão o foco correto.

E deixo registrado meu total repúdio à falácia das redes virtuais petistas, que tentam desqualificar em bloco a mais importante luta social brasileira deste século. 

Trata-se de um fenômeno novo e temos de apostar que a vertente revolucionária nele acabará prevalecendo... ou, simplesmente, não há mais esperança para nós. Pois da esquerda palaciana já não podemos esperar nada, em termos revolucionários. 

Ela se tornou definitivamente reformista, empenhada apenas em manter sua atual posição de mera gerenciadora do capitalismo, mediante a distribuição de algumas migalhas a mais para os explorados. E não, jamais, nunca, de maneira nenhuma, a fatia completa do bolo a que eles têm direito.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

CAIU NOSSA BASTILHA

A tomada da Bastilha foi um episódio de enorme importância simbólica, por ter exposto dramaticamente a fragilidade de uma monarquia que caía de podre mas os franceses, por hábito, continuavam temendo; daí o 14 de julho haver se tornado o principal feriado da nação.

Seu resultado prático, contudo, foi apenas a libertação dos sete últimos prisioneiros que nela restavam e a obtenção de um arsenal sucateado (de 15 canhões, apenas três funcionavam...).

Da mesma forma, o que nossos  indignados  acabam de conseguir não foi somente a revogação, em poucas capitais, de mais um reajuste de tarifas do transporte coletivo. Na verdade, eles despertaram um gigante adormecido: o povo brasileiro.

A chegada ao poder do partido que se propunha a representar os explorados teve o efeito nocivo de os desmobilizar; passaram a crer que lhes seria dado de mão beijada o que tinham, isto sim, de conquistar com os punhos cerrados.

Quando o PT se vergou ao poder econômico para conseguir governar,  endireitando  e domesticando-se a olhos vistos, o povo ficou órfão e, pior ainda, desiludido e descrente de sua força.

Limitava-se a resmungar contra a corrupção, contra a inflação, contra as maracutaias da Copa, contra o sucateamento da Saúde e da Educação, contra o caos nos transportes, contra a vida mal vivida e a noite mal dormida...

Em São Paulo, a bestialidade de um governo cujos efetivos policiais permanecem  mentalmente ancorados na ditadura militar despertava reações frouxas, quase irrelevantes face à gravidade de episódios como a ocupação militar da USP e a  barbárie no Pinheirinho.

No entanto, a força da opinião pública é bem maior que a dos brutamontes fardados; foi o que se constatou, primeiramente, em 2011, quando uma tentativa de proibição da Marcha da Maconha acabou em recuo, face à péssima repercussão da  blitzkrieg  que a PM desencadeou em plena avenida Paulista.

O fenômeno se repetiu na semana passada: quando são escancarados ao País --e ao mundo-- os métodos corriqueiros das nossas  polícias democráticas, a batalha pelos corações e mentes está ganha. Só sádicos e psicopatas conseguem presenciar  aquelas agressões covardes sem se revoltarem.

E, desta vez, o exemplo de luta de São Paulo inspirou iniciativas semelhantes em várias outras cidades, que trouxeram à tona demandas reprimidas há mais de uma década e flagraram uma insatisfação generalizada com os governantes do País. 

Foi um divisor de águas: nada será como antes amanhã. A passividade e a prostração terminaram. As cobranças começaram. Novos contingentes revolucionários estão sendo forjados na luta, para um dia oferecerem uma verdadeira solução às carências e aflições do nosso povo.

Desde que sejam pacientes na acumulação de forças e perspicazes na escolha do momento para cada batalha, não tentando acelerar artificialmente os acontecimentos e precavendo-se sempre contra a ação nefasta dos provocadores infiltrados.

Saques e depredações são tudo de que não precisamos neste momento mágico de retomada em larga escala das lutas sociais.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

QUEM NASCE PARA REINALDO AZEVEDO NUNCA CHEGA A CARLOS LACERDA

"Passei a receber uma porção de ameaças. Como noto que estamos a lidar com gente que é capaz de linchar policiais, é o caso de levá-las a sério. (...) Estou reunindo todas as mensagens, com os devidos IPs — e há registro preciso da hora —, para fazer o normal nesses casos: encaminhar à Polícia."

O autor desta repulsiva admissão de paúra compulsiva é o Reinaldo Azevedo, blogueiro da Veja. Quando garoto, decerto corria para os braços da Mamãe sempre que algum moleque o chamava para a briga. Agora vai chorar as mágoas no colo do delegado. Que asco!

Também já recebi mensagens e telefonemas ameaçando-me de espancamento e morte. Nunca dei a mínima. Quem quer mesmo matar, vem e mata, não avisa. 

Quando um salafrário começou a me ligar toda madrugada, passei a tirar o fone do gancho antes de ir para a cama.

Só não gostei de saber que havia gente tentando levantar meu endereço; afinal, tinha criança em casa. Então, retirei-o da lista telefônica, evitei torná-lo conhecido por quaisquer meios e, durante alguns tempos, fiquei mais atento à movimentação nos arredores, quando saía e voltava. Nada aconteceu.

Tais episódios datam de vários anos atrás e até agora não sofri nenhum atentado. Nem perdi o sono pensando nisso.

Já o  rato que ruge  da Marginal do Tietê, além de se esconder debaixo da cama quando lhe pregam trotes manjados, não tem sequer o  simancol  de evitar que o distinto público fique inteirado da sua pusilaminidade. Pelo contrário, a exibe como troféu. Pobre coitado!

Quem nasce para Reinaldo Azevedo nunca chega a Carlos Lacerda. O  corvo   tinha muitos defeitos, mas coragem e brilhantismo não lhe faltavam.

Certos discípulos só herdaram seu reacionarismo.

O ESPECTRO DE UMA NOVA '5ª FEIRA NEGRA' NOS RONDA

Autoridades, políticos, jornalistas, sociólogos chutam em todas as direções, na tentativa de interpretar o novo fenômeno: um despretensioso protesto contra o aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo inspirou manifestações semelhantes em outras 11 capitais, levou às ruas centenas de milhares de cidadãos e comprovou dramaticamente que o autoritarismo continua bem vivo nos aparatos de segurança pública, 28 anos depois de finda a ditadura militar. 

Desde o Fora Collor!, em 1992, não se via algo assim. E, como a bandeira dos manifestantes não é única –vai desde as maracutaias da Copa até o descaso com a Saúde e a Educação, passando por muitas outras mazelas de nossa democracia imperfeita--, também não vai ser uma única medida que fará cessar os protestos.

Eles começaram e não têm data para acabar; se os governantes não fizerem algumas concessões plausíveis (depois da orgia de gastos do Mundial, soam ridículas as dificuldades alegadas para não subsidiarem algumas tarifas...), talvez perdurem até a exaustão e sejam retomados tão logo um novo acontecimento marcante o justificar. Era assim em 1968.

Também naquele tempo os objetivos explícitos eram um tanto frouxos, como a recusa dos tecnicizantes acordos MEC-Usaid –realmente perniciosos, mas cujos efeitos ainda não se faziam sentir. Noves fora, o que irmanava estudantes de todo o País era a rejeição de um espantalho bem conhecido, e não apenas adivinhado: a própria ditadura e sua bestial repressão.

Tudo começou no final de março, quando a PM invadiu um restaurante universitário do Rio de Janeiro em que os estudantes faziam um tímido protesto contra o aumento do preço das refeições. O estúpido assassinato do secundarista Edson Luís de Lima Souto indignou o País, motivando manifestações de protesto em várias cidades. O movimento estudantil, que a ditadura sufocava desde 1964 e cuja primeira tentativa de voltar às rua (as  setembradas  de 1967) havia sido reprimida a ferro e fogo, renascia espetacularmente.

No restante do ano, até a assinatura do Ato Institucional nº 5, houve uma disputa acirrada pelos corações e mentes dos brasileiros: ora a violência policial gerava enorme repulsa e dava ensejo a momentos magníficos como a  passeata dos 100 mil, ora os excessos dos manifestantes (muitas vezes insuflados por provocadores de direita, como tudo leva a crer que esteja se repetindo na atualidade) forneciam munição valiosa para a imprensa desqualificar os protestos.

 PROVOCADORES A POSTOS

Agora, essa  gangorra  voltou com tudo: como a mídia satanizou as três primeiras manifestações do Movimento Passe Livre em São Paulo, a PM  sentiu firmeza  para atuar no centro da cidade com a mesma brutalidade a que submete habitualmente os moradores da periferia.

Já os manifestantes, ressabiados com a repercussão negativa de até então, esforçavam-se para conter a violência, com êxito. Aí, sem quê nem pra quê, uns 20 brutamontes da tropa de choque iniciaram os espancamentos e os disparos de balas de borracha a esmo, abrindo as portas do inferno.

As imagens da  5ª feira negra  inundaram as redes sociais e correram o mundo; de  tão chocantes,  obrigaram a grande imprensa a destacar o  outro lado  que até então vinha escamoteando. O que mais poderia fazer, depois de seus profissionais  também serem rudemente atingidos?

À selvageria fardada, em SP e no RJ, seguiu-se a omissão matreira dos policiais que, como se fossem crianças emburradas, simplesmente deixaram de cumprir sua missão legítima como retaliação aos que criticaram suas ações ilegítimas. 

Além, é claro, do mais do que provável incitamento de saques e depredações por parte de agentes infiltrados, com a também óbvia instrumentalização da ralé urbana que a polícia controla a bel-prazer.

Resta saber se as forças da  ordem –que até agora têm sido mais agentes da  desordem institucionalizada— encontrarão o equilíbrio, nem se omitindo nem barbarizando, ou vão simplesmente partir para a vingança.

O espectro de uma nova  5ª feira negra  nos ronda.
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