quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O "MANIFESTO PARA RECONSTRUIR O BRASIL" E A FALTA QUE FAZ UMA OPÇÃO VERDADEIRAMENTE DE ESQUERDA

Por David Emanuel Coelho
A decadência do lulopetismo é um fato amplamente observado e analisado. Porém, pouco se tem falado sobre tal decadência não estar apenas circunscrita ao Partido dos Trabalhadores. Na verdade, toda a esquerda pós-ditadura, moldada em padrões similares ao lulopetismo, está em decadência. 

Não poderia ser diferente, se atentarmos para o fato de praticamente toda esta esquerda ter se originado no PT. Exceção feita aos agrupamentos surgidos a partir da desagregação do antigo PCB e alguns herdeiros do velho trabalhismo. 

As crias do PCB e do trabalhismo já passaram desta pra melhor há tempos. Hoje não possuem a menor pretensão de lutar por nada que não sejam cargos, à medida que trazem na bagagem punhado a mais de votos para a formação das bancadas. 

Porém, os filhotes do petismo ainda buscavam expressar ideais ideológicos, posicionando-se enquanto oposição à esquerda do governo petista. 

Esta oposição, no entanto, comportava-se como uma espécie de duplo do lulpetismo. Embora denunciasse o desengano do PT e clamasse por outro caminho, o fazia a partir de uma perspectiva lulopetista. Isto é, a oposição destes partidos era uma oposição lulopetista ao lulopetismo. Uma oposição de esquerda, bem entendido, mas a qual, em momento algum, rompia com a lógica fundamental do lulopetismo. 

Qual era o principal elemento de crítica destes agrupamentos ao petismo? Era de que o petismo teria perdido sua pureza ideológica, vendendo-se à burguesia e à direita política. A lógica, portanto, seria de se contraporem a um desvio histórico do Partido dos Trabalhadores. O projeto petista originário, contudo, seria factível de realização.

No momento, porém, de esgotamento histórico do PT, tais agrupamentos estariam se movendo para, ao mesmo tempo que enterram o partido, salvar o projeto lulopetista, o qual agora trocaria de mãos. 

Isto explicaria porque tais agrupamentos passaram a defender tão ostensivamente Lula e o governo derrocado de Dilma. Na verdade, mais do que defender Lula e Dilma enquanto figuras de carne e osso, a meta seria defendê-los enquanto figuras politicamente simbólicas. 

Certamente, o partido vetor deste movimento é o PSOL. Último a se descolar do PT, o PSOL possui em seu interior uma direção fortemente lulopetista, propensa a tentar repetir o projeto petista em um novo patamar. 

O primeiro sinal disto foi a saída do PSTU do agrupamento autodenominado Mais, o qual rapidamente buscou abrigo no Psol, indo ali reforçar os interesses da direção psolista e ajudar no isolamento dos agrupamentos radicais do MES. 

O segundo sinal é a recente imposição (sem debate interno) do nome de Guilherme Boulos como candidato à presidência pelo partido. Com Boulos será possível acessar a máquina de militância do MTST e, assim, ter um agrupamento popular de massas análogo ao MST. Para a direção do PSOL, isto significa retirar o partido da condição de um agrupamento de classe média, tornando-o um partido com inserção em parte da classe trabalhadora, de forma a alavancar a capacidade eleitoral psolista. 
Em 2012, na eleição municipal de Belém, o Psol já começava a tentar ocupar o espaço eleitoral do PT
Em paralelo, o PSOL incorpora o discurso lulopetista sobre o golpe e contra a Operação Lava-Jato, o que lhe permite herdar a militância e o eleitorado mais fiel ao petismo. 

Qual seria o projeto? Basicamente, o mesmo que o do PT, talvez com uma coloração ideologicamente mais verborrágica. O tal Manifesto para reconstruir o Brasil é praticamente um raio X das ideias da direção psolista, defensora entusiasmada do desenvolvimentismo ali expresso. 

Gilberto Maringoni, um dos principais expoentes ideológicos da direção psolista, já deixou claro tempos atrás que sua única diferença frente ao PT seria a política econômica, considerada por ele neoliberal e não nacionalista

Porém, o complicador deste projeto é o fato da história dificilmente se repetir. Quando ela se repete, já ensinava Marx, é sempre como farsa.
Boulos quer herdar a militância e o eleitorado do petismo
Neste momento, é pouco provável que projetos como este vinguem, justamente pelo fato de estarmos em um momento de radicalização da luta de classes, no qual a burguesia claramente desdenha de um governo de coalização com a classe trabalhadora. 

E a própria classe trabalhadora também não busca mais uma política de acomodação, mostrando isto seja em seu rechaço completo ao regime político, seja embarcando em posições nitidamente de extrema-direita. 

A tentativa de reeditar a experiência esgotada do lulopetismo apenas mostra a própria decadência destes agrupamentos, os quais não possuem qualquer alternativa viável para constituir-se enquanto opção verdadeiramente de esquerda. 

Analisam o mundo social a partir dos pressupostos lulopetistas e não conseguem entender a dinâmica atual e formular respostas à altura do momento histórico. 

Impossibilitados de mudar, pois presos ao velho, apenas conseguem propor uma retomada do que já se foi. É a expressão cabal de sua falência política.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

FILME SOBRE O IMPEACHMENT DA DILMA É AGRACIADO COM O TROFÉU "PINÓQUIO DE OURO" NO FESTIVAL DE BERLIM

Por Rui Martins, que cobriu o Festival
Internacional de Berlim para vários
veículos da imprensa escrita.
Sou jornalista old fashion, que tem dificuldade para contemporizar e, em matéria de cinema, não sabe fazer o jogo dos interesses de produtores ou realizadores, mesmo porque não preciso agradar este ou aquele para retornar no próximo ano ao Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale.

E é meu dever informar que, neste ano, houve fake news brasileira na Berlinale. 

Para quem não sabe, fake news quer dizer notícia falsa; e foi justamente  uma notícia falsa sobre um prêmio da Berlinale que pipocou no Brasil, divulgada em alguns jornais e blogs por interesse político. 

Trata-se de algo inacreditável, quando se sabe e se conhece a dedicação, o esforço, o cansaço dos jornalistas presentes no Festival de Berlim para transmitir aos leitores de seus jornais ou blogs uma primeira impressão correta sobre os filmes vistos.

No domingo (25/02) de manhã, já enviado meu texto, dei uma volta pela Internet e logo nos primeiros cliques levei um susto. Jornais e blogs formadores de opinião até da grande imprensa noticiavam com destaque que um  filme brasileiro tinha sido premiado na Berlinale. 

Eu tinha comigo a relação dos prêmios oficiais e a relação dos prêmios de júris independentes, sabia, portanto, haver um erro. Seria voluntário esse erro, motivado por uma patriotada do tipo o Brasil é mesmo o maior e o melhor, ou uma fake news, uma notícia falsa política?

Tratava-se do documentário O processo, da braziliense Maria Augusta Ramos, sobre o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Filme que destaquei para o Correio do Brasil e para o Observatório da Imprensa, em janeiro, ao me chegar a notícia de ter sido selecionado para a mostra Panorama do Festival de Cinema de Berlim.

E qual era a notícia fake? A de que o documentário havia sido escolhido pelo público como o melhor filme da mostra Panorama.
Antes era só a imprensa sensacionalista que inventava coisas
O prêmio do público na mostra Panorama não faz parte dos prêmios oficiais do Festival de Berlim. Está incluído entre os prêmios independentes. Há três anos, a brasileira Anna Muylaert ganhou esse prêmio com o filme Que horas ela volta?, apresentado nessa mostra. Esse filme obteve grande sucesso aqui na Europa. Cheguei mesmo a escrever um comentário bastante elogioso, pois denuncia a semi-escravidão das domésticas.

Porém, o documentário O Processo, mesmo tendo sido bastante aplaudido, não ganhou o prêmio do público, pois os espectadores da mostra Panorama (que exibiu seus filmes durante uma semana) preferiram votar numa coprodução anglo-americana, na categoria ficção; e num filme espanhol, na categoria documentário.

Então, por que noticiar uma vitória que não houve e fazer circular uma notícia falsa ou fake news, pensando que ninguém iria perceber? Porque o documentário mostra o impeachment de Dilma e noticiar que o público alemão teria votado nesse filme reforçaria a ideia de uma condenação da destituição de Dilma (como comentou o Conversa Afiada) pela Europa.

No final da tarde de domingo alguns onlines fizeram uma retificação – o documentário não havia ganhado o prêmio mas fora o terceiro colocado. 

A emenda saiu pior que o soneto – o prêmio do público é para o filme mais votado pelos espectadores, não supõe classificação dos votos. Só há um ganhador em ficção e só há um ganhador em documentário. O processo não foi o mais votado, acabou, pronto!

Ainda ontem (26/02), alguns blogs corrigiram para exibido documentário sobre impeachment na Berlinale.

Decidi fazer esse comentário porque não podemos permitir que a paixão política provoque a distorção de notícias. Já bastam, já são suficientes as fakes news e as mentiras circulando nas redes sociais.

E para não haver dúvida ou exploração – sou de esquerda mas não concordo, não aceito e não tolero a inverdade e a distorção da verdade como método de propaganda política. (Rui Martins)

Nota do editor: é difícil rastrearmos a origem de uma notícia dessas, mas fiz uma rápida busca na web e fiquei com a impressão de que pode ter sido este texto, publicado no site nacional do PT e creditado à redação da Agência PT de Notícias (Celso Lungaretti)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

DO TECLADO DO APOLLO NATALI ESCORREU UMA LÁGRIMA...

A LÁGRIMA

Ai dos que não choram.

Não se socorrem da  pequena gota d'água com sabor de sal a escorrer pela face. 

A gotinha não explica as causas do molhar os olhos, no entanto produz o milagre de traduzir em água salgada as causas do molhar os olhos. Numa doce vertigem,  suga dos corações as causas de molhar os olhos.  

O poeta (1), a clamar pela gotinha: quero chorar, não tenho lágrimas que me rolem na face para me socorrer, se eu chorasse talvez desabasse, o que sinto no peito eu não posso dizer, só porque não sei chorar eu vivo triste a sofrer

Chora outro poeta (2): tem muito mais luz, mais esperança a lágrima nos olhos da criança que o sorriso nos lábios da velhice.

E chora a criança, aí é como se uma aurora num chuveiro de pérolas se abrisse. Há lágrimas que correm pela face e outras que rolam pelo coração.

Lágrima, gota d'água clara e salgada, cabe em um olho e pesa uma tonelada. Pode ser causada por vermes e mundanas e o espinho da flor cruel que você ama. Pegou pesado esse trovador (3).

A donzela apaixonada pelo poeta é obrigada pelo pai a casar com o comerciante.  Uma gotinha de água salgada está a manchar o lenço.

Temor dos apaixonados: homem que chora e mulher que não chora.     

Paixão: armadilha da natureza com vistas ao seu interesse exclusivo, isto é, a perpetuação da espécie. Nasce o bebê, retira-se Cupido, adentram as lágrimas. 

Sonhos de casamento romântico: defloração na noite de núpcias e ao depois enchentes de lágrimas regando os conflitos conjugais. 

Colecionadoras de almas, as escrituras sagradas: estou exausto de tanto gemer. De tanto chorar inundo a minha cama.  Minhas lágrimas têm sido meu alimento dia e noite. À tarde, ao meio dia, à noite, choro angustiado em meu leito.

Gotinhas mundanas: lágrimas não param de correr. Secam com um lenço, com o passar da mão ou com o próprio ar. 

Sem pieguice: mães, cascatas de lágrimas.

Adeus é  lágrima.

Lágrimas de auto-ajuda da religião: Deus usa nossas lágrimas para regar aquele sonho que há no mais intimo de cada um de nós.

Lágrimas são frases para Deus.
Deus interpreta suas lágrimas, ele sabe a dor que você está passando e quando você não tem mais forças nem para orar e apenas chora aos pés do Senhor, saiba que ele ouve o seu clamor e recolhe todas as suas lágrimas.

Lágrimas de arrependimento produzem perdão. De sofrimento,  encharcadas por Deus. De tristeza,  entoadas em cantos de alegria. 

Deus consola aqueles que choram.

[Documento histórico escondido no Vaticano diz que Jesus não era visto sorrir e sim, frequentemente, a lacrimejar.].

Miserável homem sou, incapaz de catalogar uma por uma as causas de molhar os olhos,  traduzir uma por uma as causas de molhar os olhos, aliviar uma por uma as causas de molhar os olhos. 

Lágrimas na face de  um torturador de corpos? De um torturador de almas? Será?

Lágrimas de fome de crianças e populações inteiras, sim. Lágrimas do abandono. Oceano de lágrimas causadas pelo autismo social que caracteriza a raça humana.

Fúteis marchas  contra as lágrimas da miséria. 

Enxurradas de lágrimas grandes demais, estúpidas demais, odiosas demais, aquelas vertidas em razão de  bilhões de crimes de malfeitores de todos os tempos, políticos e os outros.  

Não enxugam lágrimas as vãs discussões filosóficas sobre politica e a atuação dos seus prostitutos. Esses, os políticos, todos sabemos, transformam a casa das leis em prostíbulo. 

Cobram a danada da propina pelos seus serviços e assim assumem a culpa pela extensão da miséria crônica e pelos rios de lágrimas derramados pela nação. 

[Nada contra as moças que cobram para fazer sexo. Elas são as primeiras a entrarem no reino dos céus.] 

Lágrimas de uma inteira nação, a implorar pela verdade pura. 

Dignos de compaixão, os  catalogadores de lágrimas. 

Lágrimas da escravidão! Só no Brasil, 358 anos de derramamento de lágrimas dos negros. No Egito, 700 anos de lágrimas do povo hebreu.  

Uns choram, alguns sonham, outros esperam. 

Fábrica de lágrimas as guerras, a tirania da carne, a avidez, o assassinato, a deslealdade para com os semelhantes, a farsa, a mentira, a caça ao dinheiro. 

A massa humana silenciosa, perdida em suas gotas salgadas.

Milhares de séculos vividos, religiões inventadas, filosofias perpetradas, montanhas de  lágrimas...

Tantos milênios e a humanidade não sai do ponto de partida!

Já deliro.

1) A composição foi registrada por Max Bulhões e Milton de Oliveira, mas Wilson Batista sempre sustentou que os autores teriam sido ele e Bulhões.
2) Alfredo de Assis
3) Mano Brown
"A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor. Brilha
tranquila, depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor"

domingo, 25 de fevereiro de 2018

INTERVENÇÃO NO RJ É MARCADA POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E CRIMES VARIADOS CONTRA A CONSTITUIÇÃO

"A intervenção na segurança pública do Rio é assunto controverso, mas em si um debate de política pública, por mais extrema que seja, e motivo de embate político normal. Mas a conversa agora é outra.

Cabe ao Ministério Público e à Polícia Federal investigar imediatamente o que parece extrapolação das medidas cabíveis em caso de intervenção. Na verdade, trata-se de restrições de direitos possíveis apenas em casos de estado de defesa ou de sítio, extremos que nem foram decretados pelo governo nem aprovados ou autorizados pelo Congresso, agora é necessário dizer. Estão em questão a violação de direitos fundamentais e crimes variados contra a Constituição.

Apenas no estado de sítio pode se obrigar alguém a permanecer em localidade determinada (restringir a liberdade de ir e vir, por extensão) ou restringir a liberdade de imprensa, do que há indícios na atuação das Forças Armadas, que tentavam afastar jornalistas dos locais dessas operações suspeitas.

Na sexta-feira (23), moradores de bairros pobres estariam sendo impedidos de ir e vir caso não se submetessem a serem fichados (fotografados e cadastrados) por soldados. Parece de resto um caso de batida indiscriminada, que desconsidera a presunção de inocência. Os responsáveis pelo sistema de Justiça vão tomar alguma atitude e investigar?

...Qual será o próximo passo? Vai se esperar ainda que se detenham cidadãos em instalações que não a do sistema prisional? Que se viole o sigilo de comunicações, que se faça busca e apreensão em domicílio ou se limite a liberdade de reunião, outras restrições de direitos do estado de sítio, segundo o artigo 139 da Constituição? 

O que o Congresso tem a dizer? 
O Congresso, não os parlamentares ou este e aquele partido apenas. Afinal, as medidas de um estado de sítio deveriam ser acompanhadas e fiscalizadas por uma comissão de cinco parlamentares designada pelo Congresso Nacional (artigo 140 da Constituição). 

No caso de sítio imprevisto, o caso parece mais grave, diga-se com sarcasmo. O que têm a dizer Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Eunício Oliveira, presidente do Senado?"(Vinícius Torres Freire, jornalista)
Estado de sítio é isto que o filme mostra. Já chegamos a tal ponto?

JURISTA ALERTA QUE A IDENTIFICAÇÃO FORÇADA DOS MORADORES DAS FAVELAS CARIOCAS É "INCONSTITUCIONAL E ILEGAL"

"A identificação forçada a que estão sendo submetidos os moradores de favelas do Rio de Janeiro é inconstitucional e ilegal.

Somente poderia ocorrer se as pessoas identificadas na forma de fotografia de rosto e do documento de identificação civil estivessem sendo acusadas de cometimento de crime e apontadas como possíveis autoras, e por autorização judicial.

Não consta que ser pobre e morador de favela ou de determinada região constitua crime.

Os agentes que implementam a intervenção federal devem explicar à sociedade o móvel de tal modo de atuar e o embasamento normativo de sua atuação.

Se as Forças Armadas entendem (...) que há falha no sistema nacional de identificação civil, devem relatar o fato ao Ministério da Justiça, para que providências sejam tomadas...

Cabe, com a urgência necessária, aos profissionais de direito manifestar-se a propósito do que está ocorrendo, protestando para a preservação do Estado Democrático de Direito, e sugerindo medidas a serem tomadas para que se restabeleça, de fato, a lei e a ordem..."(Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo)

sábado, 24 de fevereiro de 2018

FRASES QUE NÃO CONSTAM DO 'MANIFESTO DA UNIDADE DA ESQUERDA PARA RECONSTRUIR O CAPITALISMO BRASILEIRO'

"Ser governado é ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legisferado, regulamentado, depositado, doutrinado, instituído, controlado, avaliado, apreciado, censurado, comandado por outros que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude.

Ser governado é ser, em cada operação, em cada transação, em cada movimento, notado, registrado, arrolado, tarifado, timbrado, medido, taxado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, estorvado, emendado, endireitado, corrigido.

É, sob pretexto de utilidade pública e em nome do interesse geral, ser pedido emprestado, adestrado, espoliado, explorado, monopolizado, concussionado, pressionado, mistificado, roubado.

Depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, corrigido, vilipendiado, vexado, perseguido, injuriado, espancado, desarmado, estrangulado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, para não faltar nada, ridicularizado, zombado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis sua justiça, eis sua moral!

E dizer que há entre nós democratas que pretendem que o governo prevaleça; socialistas que sustentam esta ignomínia em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade; proletários que admitem sua candidatura à presidência! Hipocrisia!" (PIERRE-JOSEPH PROUDHON)

"Onde quer que tenha chegado ao poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. Dilacerou impiedosamente os variegados laços feudais que ligavam o ser humano a seus superiores naturais, e não deixou subsistir entre homem e homem outro vínculo que não o interesse nu e cru, o insensível 'pagamento em dinheiro'.

Afogou nas águas gélidas do calculo egoísta os sagrados frêmitos da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco e do sentimentalismo pequeno-burguês. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e no lugar das inúmeras liberdades já reconhecidas e duramente conquistadas colocou unicamente a liberdade de comércio sem escrúpulos.

Numa palavra, no lugar da exploração mascarada por ilusões políticas e religiosas ela colocou um exploração aberta, despudorada, direta e árida." (KARL MARX e FRIEDRICH ENGELS)

"Aquele que botar as mão sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo." (Proudhon)

"Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo, de diversas maneiras. O que importa é transformá-lo." (Marx e Engels)

"Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou, então que morra!" (LEON TROTSKY)

"A propriedade é o roubo." (Proudhon)

"De cada um, de acordo com suas habilidades, a cada um, de acordo com suas necessidades." (Marx e Engels)

"O primeiro homem que inventou de cercar uma parcela de terra e dizer 'isto é meu', e encontrou gente suficientemente ingênua para acreditar nisso, foi o autêntico fundador da sociedade civil. De quantos crimes, guerras, assassínios, desgraças e horrores teria livrado a humanidade se aquele, arrancando as cercas, tivesse gritado: 'Não, impostor!'" (Jean-Jacques Rousseau)

"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempos de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar." (BERTOLD BRECHT)

"A religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo." (Marx)

"Pereça a pátria e salve-se a humanidade." (Proudhon)

"Que meu país morra por mim." (JAMES JOYCE)

"A propriedade privada tornou-nos tão estúpidos e limitados que um objeto só é nosso quando o possuímos." (Marx)

"Os grandes só parecem grandes porque estamos ajoelhados."  (Che Guevara)
Essas pessoas na Praça dos 3 Poderes são ocupadas em nascer e morrer

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A ESQUERDA ZUMBI E SEUS MANIFESTOS

Por David Emanuel Coelho
Em 1990, o marxista brasileiro José Chasin vaticinava a morte da esquerda. Apontava a falência de sua teoria e de sua prática. Para ele, no entanto, ainda restava uma certa esquerda burguesa, isto é, circunscrita aos limites do regime capitalista, não revolucionária, mas ansiosa por imprimir mudanças na estrutura social do capitalismo.  Chasin não viveu o suficiente para ver a morte até mesmo desta esquerda. 

Estamos numa época em que não parece ser espantoso mortos voltarem à vida. Porém, para infortúnio destes, costumam voltar na forma de zumbis: criaturas nem vivas, nem mortas. Ademais, conforme George Romero ensinou no filme que reergueu o gênero em 1968, A Noite dos Mortos-Vivos, o perigo maior não é o apocalipse zumbi, mas o que vem depois dele. 

Lembrei-me disto ao ler o Manifesto para reconstruir o Brasil, documento lançado recentemente por fundações de quatro partidos brasileiros, autointitulados de esquerda

Para resumir o mote geral do manifesto, poderíamos dizer que seus signatários defendem uma espécie de capitalismo nacionalista, pressupondo uma burguesia nacional trabalhando conjugadamente com a classe trabalhadora brasileira em prol do desenvolvimento do país. Deste modo, dizem, seria possível, ao mesmo tempo, diminuir as desigualdades sociais e fazer o Brasil crescer. Ou melhor, falando no jargão pomposo do manifesto, as desigualdades sociais seriam diminuídas através do crescimento da economia nacional. Praticamente um projeto nacional-desenvolvimentista recauchutado.
O filme de 1968 do Romero é mais moderno do que o tal manifesto...

Ao que parece, os signatários do manifesto ignoram a história e a dinâmica do capitalismo. Desconhecem o fracasso histórico da política de conciliação de classes enquanto mecanismo de emancipação dos trabalhadores. 

O Brasil nunca chegou a desenvolver-se de modo autônomo e nunca o fez porque sua burguesia jamais aspirou a ser mais do que sócia minoritária das burguesias centrais. Isto perdurou durante todo o período em que uma transformação verdadeiramente nacional poderia ser possível e foi solidificado após o último processo de globalização, iniciado na década de 90 do século passado. 

Após tal globalização, os mercados se unificaram ao redor do mundo, barreiras protecionistas foram derrubadas e o capital passou a se mover livremente, indo onde seria mais vantajoso para ele. 

Neste quadro ocorre a desindustrialização brasileira, conjugada a uma financeirização generalizada e a um recuo da economia sobre bases primárias. 

É preciso levar em conta que a industrialização brasileira foi um processo feito pelo capital internacional, não pelo capital nativo. Isto vale não apenas para a industrialização do pós-guerra, operada diretamente por empresas multinacionais, mas também para a industrialização da era Vargas, a qual ocorreu com financiamento externo – estadunidense e alemão.
Não só a industrialização dos Anos JK...

Ocorre que o capitalismo internacional migrou sua base industrial do Brasil para outros países onde a produção poderia se consolidar de modo mais barato. Em troca, transformou o Brasil em produtor das commodities usadas pelas indústrias e em barriga de aluguel do sistema financeiro internacional, gerando riqueza abstrata mediante o pagamento de altas taxas de juros. 

Os geniais signatários do manifesto defendem que seria necessário romper com a lógica financeira em prol da lógica produtiva. Porém, não percebem que não há contradição entre estes dois âmbitos. Eles apenas foram redivididos pelo capitalismo internacional. 

Para perceber isto, seria necessário analisar a dinâmica do capitalismo enquanto um sistema mundialmente interligado e não enquanto uma série de sistemas nacionais em competição, como fazem os signatários do manifesto. 

Não atentam também para o fato de justamente a financeirização ter sido a responsável pela relativa melhora do quadro social da população brasileira, pois propiciou o acesso de largos contingentes populacionais a bens de consumo mediante o crédito abundante. Bens de consumo largamente fabricados fora do país, nos lugares para onde as indústrias foram movidas pelo capitalismo internacional.
...como também a da Era Vargas teve financiamento externo.

O quadro de pobreza do povo brasileiro, porém, não se modificou. Houve apenas um golpe de vista, resultado do brilho permitido pelo acesso aos bens de consumo. 

A solução para mudar o estado de pobreza, dizem os signatários, seria promover uma distribuição da riqueza mediante coparticipação do Estado. 

Ora, conforme Marx já ensinava, a distribuição de riqueza está diretamente relacionada à participação produtiva. Como seria possível, portanto, distribuir riqueza sem tocar na questão da propriedade privada dos meios de produção? E como tocar nesta questão sem levar em conta a dinâmica mundial do capitalismo?

Tal esquerda zumbificada parece acreditar piamente na possibilidade de domar o capital e fazê-lo criar por mágica o que não se pode fazer por meios realistas. É assim que deposita sua fé na ação, ao mesmo tempo, construtiva e reguladora do Estado, como se tal entidade não fosse profundamente ligada ao próprio capital, funcionando em prol de seus interesses e não em prol de um suposto interesse geral. 

A existência do Estado é fundamentalmente para garantir a propriedade privada, do ponto de vista jurídico; e a reprodução continuada do capital, do ponto de vista econômico. Sua relação com os trabalhadores é, antes de tudo, coercitiva. Se ele concede benefícios, o faz apenas no interesse da pacificação social e sempre de modo temporário. Permanente, para ele, é apenas o lucro privado. 
A própria democracia, elevada a totem no manifesto, é limitada, pois não consegue ser exercida no terreno interno da propriedade privada. Ali reina, perdoem-me o trocadilho, a ditadura do proprietariado

Na verdade, a tão idolatrada democracia nada mais é do que as várias frações da burguesia em disputa, se orientando na via política para resolver suas disputas. Com a monopolização da economia, no entanto, a via política tende a se tornar cada vez mais restrita, com sistemas representativos que pouquíssimo divergem entre si, altamente cooptadas pelo grande capital. 

Daí ser profundamente ingênuo acreditar no Estado enquanto condutor de transformação. Num momento que as instituições políticas foram liquidificadas pelo poder titânico do capitalismo monopolista internacional, acreditar numa transformação pelo sistema institucional é como acreditar que um leão abandonará seu instinto carnívoro se orarmos muito. 
Rasteira do capital: Fiesp apoiando a derrubada de Dilma

O mais espantoso é perceber que tal proposta vem justamente após uma rasteira dada pelo capital a esta mesma esquerda. Afinal, não foram eles expulsos do condomínio do poder em 2016 justamente quando acreditavam que a burguesia nacional teria encampado o desenvolvimentismo?

Porém, incapazes de digerir o que aconteceu, preferem acreditar numa fábula: teriam sido vítimas de um golpe perpetrado pelo judiciário e por setores da elite, articulados pelo imperialismo invejoso dos avanços nacionais. Neste quadro, claro, a burguesia brasileira também seria vítima. 

Na verdade, tal esquerda é incapaz de visualizar a estrutura fundamental do regime capitalista, particularmente o brasileiro; e é incapaz porque se mantém nos limites burgueses. Se visualizasse, el teria de se tornar revolucionária, mas a revolução é algo que abomina. Para ela, fora do capitalismo existe apenas utopia desvairada. Só lhe resta, então, aplanar as cruezas de uma sociedade desumana. 

Aí reside toda sua tragédia, pois o único caminho para seus objetivos é contar com o apoio de uma burguesia nacional, coisa inexistente, pois não há contradição entre o capitalismo nacional e o internacional (ambos operam de forma articulada). Nossa burguesia participa como sócia, embora minoritária, de um grande grupo mundial de investimentos e sair deste negócio seria o mesmo que se suicidar enquanto classe.
Esquerda zumbi acompanha a música do capital internacional

O que resta, então, à esquerda zumbi? Repetir ideias que pairam no ar e, uma vez no poder, seguir exatamente o ritmo da música tocada pelo capital internacional. 

Assim, o desenvolvimentismo – que já teve seus dias de possibilidade real nos idos de 60 – torna-se, nos manifestos de saudosos do poder, um cadáver insepulto. 

Uma verdadeira posição de esquerda, no entanto, ainda espera para renascer, não enquanto um zumbi, mas enquanto uma espécie de Lázaro retornando à vida plena. 
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