domingo, 31 de outubro de 2010

CRÔNICA DA VITÓRIA ANUNCIADA

Quem acompanha meu trabalho, não precisou esperar até este domingo (31/10) para saber quem venceria a eleição presidencial.

Doze dias antes, em 19 de outubro, eu cantei a bola, no meu artigo O diabo trapaceou Serra: tomou-lhe a alma sem dar nada em troca:
"...Serra não encontrou o mapa da mina.

"...Uma mudança surpreendente do quadro só seria possível se Serra fosse um personagem eletrizante; mas, seu estilo é de quem está sempre explicando o óbvio a estudantes burrinhos.

"O aborto (...) da hipotética virada já começa a se evidenciar nas pesquisas eleitorais.

"Pior que a derrota será a decepção causada por Serra àqueles que ainda acreditavam nele.

"Aceitar o apoio e beneficiar-se da baixaria das correntes virtuais ultradireitistas, fazer promessas demagógicas como a do salário mínimo de R$ 600 e colocar uma questão religiosa no centro da campanha o deixou com a imagem de quem pisa até no pescoço da mão para chegar à Presidência.

"O último a projetar tal imagem acabou morrendo na praia. E, convenhamos, fazia bem mais por merecer o ambicionado troféu."
No fundo, minha linha de raciocínio foi bem simples.

Serra se chocava contra um governo recordista de aprovação e que passa por fase das mais auspiciosas: a situação financeira dos cidadãos tem melhorado consistentemente e as perspectivas são de que a economia continue crescendo.

De quebra, a empada não tem uma, mas três azeitonas: o pré-sal, a Copa do Mundo e a Olimpíada.

Então, a verdade nua e crua é que Serra já teria sido fulminado no 1º turno, caso Marina Silva não tivesse disparado na reta final, obtendo surpreendentes 19,3% dos votos válidos.

O candidato demotucano ficou com os 32,6% que as pesquisas lhe auguravam. Se dependesse só de sua (inexistente) capacidade de reação, teria ido à lona já em 3 de outubro.

A segunda chance lhe caiu do céu, mas ele tinha 14,5 milhões de votos a menos do que Dilma Rousseff. Sabia que o espólio de Marina Silva e demais candidatos derrotados não seria só seu. PRECISAVA DESESPERADAMENTE DESLANCHAR, nas quatro semanas que tinha pela frente.

Ora, nas duas primeiras semanas a campanha de Dilma não só conseguiu superar os danos psicológicos de não haver correspondido à expectativa de que liquidaria logo a fatura, como recolocou a candidata em trajetória ascendente.

Foi a exata repetição do que aconteceu na disputa entre Lula e Alckmin em 2006.

E, como Serra deixara escapar entre os dedos seu melhor momento, dentre outros motivos por causa do desempenho burocrático nos debates, eu apostei tranquilamente que o desfecho também seria exatamente o mesmo de quatro anos atrás.

Não deu outra.

A diferença em favor de Dilma diminuiu um pouco, para 12 milhões de votos. Mas, Serra ficou bem longe de se constituir em verdadeira ameaça.

Ela teve 47,6 milhões de votos no 1º turno e aumentou o total em 8,1 milhões.

Aos 33,1 milhões de Serra acrescentaram-se 10,6 milhões.

Acertaram as pesquisas: os votos de Marina foram redirecionados um pouco mais para Serra.

Só que bem menos do que o necessário para salvarem o demotucano de uma derrota acachapante e que, caso não ocorra um verdadeiro milagre, o condenou a ter mesmo o destino de Brizola: morrer sem realizar seu maior sonho.

TUCANO NÃO É FÊNIX E GUERREIRA 
NÃO DEVE SER ESTÁTUA DE DAVI

Para Serra, o desafio agora é renascer das cinzas. Só que tucano não é fênix e o peso dos erros cometidos nesta campanha -- direitização aberrante e chocante, demagogia religiosa, promessas populistas, etc. -- se tornou lastro que atrapalhará em muito suas tentativas de alçar novo voo.

Dilma, por sua vez, terá de provar que é algo mais do que uma estátua esculpida com tamanha perfeição pelo artista Michelangelo da Silva que acabou ocupando o melhor pedestal no panteão do Planalto.

Não esquecendo jamais que, tão importante quanto trazer os 43,7 milhões que votaram em Serra para o campo progressista é dar aos 26,8 milhões de desencantados (abstenções, brancos e nulos) motivos para acreditarem que as mudanças são possíveis.

O lulismo no poder já provou sua competência no gerenciamento do estado em conformidade com os interesses dominantes, mas garantindo uma fatia um pouco maior do bolo para aqueles que produzem todas as fatias.

A dívida social, entretanto, está muito longe de ser zerada, como o foi o débito com o FMI.

Torço para que a Dilma saiba aproveitar seu grande momento, não sendo apenas uma estátua de Davi, mas sim a aguerrida companheira que: 
  • como Chaplin, queria chutar o traseiro dos ociosos; 
  • como Cristo, trouxe uma espada para combater a injustiça; e 
  • como Marx, pretendia proporcionar a cada trabalhador o necessário para sua realização plena como ser humano.

PELA 1ª VEZ UMA MULHER PRESIDIRÁ O BRASIL...

...E PELA 1ª VEZ O BRASIL SERÁ PRESIDIDO POR QUEM PEGOU EM ARMAS CONTRA UMA DITADURA

Talvez seja o que estivesse faltando para a superação, de uma vez por todas, das dores e rancores remanescentes de um dos períodos mais sombrios de nossa História.

E para nós, os que preparamos o caminho da amizade, passarmos a ser vistos com mais bondade, como pediram Boal e Guarnieri, em sua magnífica adaptação, para a peça Arena Conta Zumbi, da poesia famosa que Brecht dedicou aos pósteros:
"Ah, eu vivi nas cidades no tempo da desordem,
vivi no meio da gente minha no tempo da revolta,
assim passei os tempos que me deram pra viver...
por querer liberdade!

E você que me prossegue
e vai ver feliz a terra:
lembre bem de nossos tempos,
destes tempos que são de guerra!

Veja bem que preparando
o caminho da amizade,
não podemos ser amigos,
ao mal vamos dar maldade!

Se você chegar a ver
essa terra da amizade
onde o homem ajuda o homem,
pense em nós só com bondade!"

BAÚ DO CELSÃO: HENRIQUE PINTO, IT'S A LONG WAY

Saiu assim no jornal:
HENRIQUE PINTO (1941 - 2010)
Foi referência no violão erudito
Até da África vinha gente estudar com Henrique Pinto, figura central do violão erudito no Brasil. A maioria dos músicos do gênero no país passou pelas mãos dele.
Nascido em São Paulo, ele começou a aprender a tocar nas idas que fazia à fazenda de um tio, no interior paulista, com um funcionário de lá.
Quando seu pai, vendedor da Souza Cruz, viu que o rapaz tinha talento, logo chamou um professor particular.
Henrique descobriu que seu dom mesmo era ensinar.
Como conta a companheira, Amália, também violonista e diretora do Conservatório Villa-Lobos, ele era capaz de ver rapidamente a deficiência do aluno e logo saná-la. Mais do que professor, era o conselheiro que direcionava a carreira dos pupilos.
Divertido, costumava brincar: "Aluno com aliancinha no dedo, eu fico desesperado, porque é sinal que ele vai parar de estudar violão".
Henrique deu aulas em faculdades, colaborou com revistas e organizou projetos, como o Violão no Masp.
Gravou CDs, DVDs e escreveu livros. "Ciranda das Seis Cordas", para crianças, contém desenhos de uma japonesinha que estudava com sua filha. "Iniciação ao Violão" é adotado por quase todos os iniciantes no erudito.
Em abril, sofreu um infarto e, durante a cirurgia, teve um AVC (acidente vascular cerebral).
Após um mês em coma, acordou em 12 de junho, Dia dos Namorados, mas teve diagnosticado um tumor.
Quando estava hospitalizado, disse ter descoberto o real valor de sua carreira: ser amado pelos alunos. Morreu na terça, aos 69, de septicemia. Deixa duas filhas e neta.
Conheci pouco esse Henrique Pinto de que fala o obituário bem escrito por Estêvão Bertoni e publicado na Folha de S. Paulo dominical.

O Henrique Pinto de que me lembro era bancário e cursou comigo a 1ª série ginasial no então Ginásio Estadual MMDC -- que, por falta de instalações próprias, funcionava em 1962 no mesmo prédio do Grupo Escolar Pandiá Calogeras, no bairro paulistano da Mooca.

Primário de dia, ginásio à noite. Pulando diretamente de um para outro, vi-me de repente em contato com colegas bem mais velhos, que já trabalhavam e tinham uma perspectiva diferente da vida.

Havia um zelador fortão, imponente, que, sei lá por quê, ia sempre de terno.

Também um coitadeza interiorano que trabalhava e, por camaradagem da repartição, abrigava-se na empresa de águas e esgotos, que no bairro era conhecida como a  Caixa d'Água. Já deveria estar na casa de 30 anos, magro e subnutrido, não aguentava a jornada estafante e, amiúde, dormia durante as aulas. Causava-me muita pena, com sua ingênua esperança de que o curso ginasial ira lhe abrir melhores perspectivas profissionais.

E o Henrique Pinto, que sentava na carteira ao meu lado, sempre elegante com suas calças pretas e paletós claros. Eu não estava acostumado a ver as pessoas de terno com uma peça de cada cor, ele provavelmente foi o primeiro, daí este detalhe ter permanecido nas minhas lembranças.


Gente finíssima, não se importava em satisfazer minha enorme curiosidade sobre a realidade com que me depararia adiante -- ele tinha dez anos mais do que eu.

Evidentemente, só me lembro da impressão que me causava, não exatamente do que falávamos. Mas me recordo de uma pergunta tola que lhe fiz, quando da crise dos mísseis cubanos.

Quis saber se ele temia ser convocado para a guerra.

Deu uma discreta risada e respondeu que a coisa não chegaria a tanto.

No ano seguinte, não ficamos na mesma classe. E em 1964 o MMDC passou a ter sua casa própria, de forma que os mais jovens fomos direcionados para o período diurno.

Perdi o Henrique Pinto de vista até que, no segundo semestre de 1971, fui cursar o Equipe Vestibulares, preparando-me para o vestibular de Jornalismo.

Fazia pouco tempo que os militares haviam me libertado e eu estava ainda traumatizado e desnorteado.

O Henrique foi lá resolver qualquer assunto e demos de cara num corredor.

Já não era mais bancário. O violãozinho que tocava de vez em quando  (era assim que se referia, fazendo-me pensar mais num hobby...) tinha virado sua atividade única e aclamada. A carreira artística deslanchara.

Ciente da minha turbulenta passagem pela luta armada, nos poucos minutos de nossa conversa ele percebeu que eu estava em parafuso. E, amavelmente, convidou-me para assistir a um ensaio de seu trio erudito. 

Viu que eu estava precisando conhecer gente e ter novas experiências, para livrar-me do peso das lembranças que ainda me atormentavam.

Fui, achei pitoresco, conheci uma faceta bem diferente do antigo colega.

Mas, ficou nisto. Adiante, encontraria o ambiente ideal para extravasar as emoções represadas e começar a me reconstruir, juntando os cacos: uma comunidade alternativa.

Corte para 2008, mais ou menos, quando a esposa do Henrique Pinto me localizou na internet, por acaso.

Disse que o Henrique conservara alguns escritos meus do passado distante e gostaria de devolver.

Troquei e-mails com ela e com o próprio Henrique, mas o reencontro nunca se consumou. Sempre havia algo mais urgente, para ele ou para mim.

Só nos enviávamos e-mails. Os meus artigos, os releases dele, anunciando recitais.

Até que outro músico teve a bondade de me comunicar seu falecimento. Fiquei triste, pesaroso e com remorsos.

Pela segunda vez, a vida me pregava uma peça dessas. Deveria ter ficado esperto a partir da primeira: um velho companheiro de militância estudantil estava canceroso e me falou sobre isso despreocupadamente, por telefone, como se fosse coisa pouca.

Também não nos víamos há bom tempo. E não me dei conta de que ele realmente estava nas últimas. Morreu antes que o visitasse.

SÓ FALTA BENTO XVI RECOMENDAR CINTOS DE CASTIDADE...

Chego até a ter pena do José Serra: na derradeira semana da campanha presidencial, sua única esperança de salvação, logo dissipada, foi a de que a fé retrô do Papa Bento XVI movesse montanhas de votos.

As pesquisas divulgadas neste sábado pelo Ibope e pelo DataFolha, as últimas antes da votação, confirmaram que o rebanho católico não segue mais pastores que querem fazer o mundo retroagir à Idade Média. A parlapatice papal, quanto muito, privou Dilma Rousseff de um mísero ponto.

Também, pudera! Quem leva a sério um papa que prega a castidade aos jovens em pleno século XXI?!

É isto que Bento XVI acaba de fazer, ao recomendar-lhes que não se deixem levar por um "amor reduzido à troca de mercadorias".

Ué, os fluídos corporais viraram mercadorias? Será que já estão cotados nas bolsas?

Eis a frase completa:
"Vocês não podem e não devem se adaptar a um amor reduzido a uma troca de mercadorias, a ser consumado sem respeito por si e pelos outros, incapaz da castidade e da pureza. Isto não é liberdade".
O que será liberdade, então? Reintroduzirmos os cintos de castidade?

Quando tomamos conhecimento, dia após dia, de novos casos de sacerdotes que não conseguiram manter a "castidade" e a "pureza", a afirmação papal é de um ridículo atroz.

Mais: pedófilos são execráveis, mas reprimidos sexuais não ficam muito longe, com sua tendência ao fanatismo e à inclemência, que faz de cada um deles um genocida em potencial.

Freud cansou de explicar que a privação da libido, enfraquecendo o instinto de vida, faz crescer a componente de morte nos seres humanos, mergulhando-os em melancolia e depressão.

Isto leva uns à autodestruição e outros a destruírem seus semelhantes, como forma extrema de se livrarem da morte que carregam dentro de si,  expelindo-a  para o exterior na forma de agressividade desmedida e compulsiva.

Assim foram produzidos os Torquemadas daquele passado tão caro a Bento XVI.

E, talvez, também certos papas  reaças da  atualidade...

sábado, 30 de outubro de 2010

STF FECHA A PORTA NA CARA DA "FOLHA"

A fábrica de factóides instalada na rua Barão de Limeira gritou, esperneou e arrancou os cabelos, mas não conseguiu cumprir o prazo de entrega de uma encomenda importante.

Sua tentativa de escarafunchar o lixo ensanguentado da ditadura militar, para ver se encontrava algum trunfo que pudesse ser usado eleitoralmente contra Dilma Rousseff, deu com os burros n'água.

O Superior Tribunal Militar não julgou em tempo seu mandado de segurança para ter acesso a tal documentação sem valor jurídico (pois contaminada pela prática generalizada da tortura contra os acusados) nem histórico (pois se trata meramente da versão unilateral e falaciosa que o vencedor -- uma tirania -- apresentou, em detrimento dos vencidos -- os resistentes).

Inconformado, o jornal da  ditabranda  recorreu ao Supremo Tribunal Federal.

E levou mais um chute no traseiro: a ministra Carmen Lúcia negou o pedido, pois o STF não pode passar por cima do STM, pronunciando-se antes do término do julgamento noutra instância jurídica. Xeque mate.

Para não ficar mal com um grande jornal, ela lhe fez agrados retóricos, criticando a atuação do STM e da Advocacia Geral da União no caso.

É isto que a Folha destaca na sua notícia, não o fato de que nada obteve e saiu vexatoriamente com as mãos abanando.

Me engana que eu gosto.

FALOU E DISSE


"Serra decidiu usar a religião 
como arma eleitoral; acabou por transformá-la num espelho  do 
seu calvário político." (Fernando 
de Barros e Silva, jornalista)

CRICRI, TROLOLÓ, LERO-LERO E CONVERSA MOLE

Depois do debate eleitoral (promovido por um pool de emissoras de TV) que decidiu -- ou pareceu ter decidido -- a eleição presidencial de 1989, a Rede Globo deve ter unilateralmente resolvido evitar que isto acontecesse de novo, nem que fosse preciso matar de tédio os telespectadores. Está conseguindo.

O certo é que agora monopoliza a data estratégica da antevéspera do 2º turno, mas não para promover debates, e sim chatíssimas sabatinas dos presidenciáveis, que são inquiridos por eleitores indecisos de todos os Estados.

Então, não se discute política propriamente dita, mas, tão somente, propostas administrativas que vêm ao encontro das aspirações dos eleitores, aferidas nas pesquisas qualitativas (pouco importando que sejam inexequíveis e virem letra morta depois...) e miudezas ridículas.

Às vezes dava a impressão de que, ao invés de um presidente, escolhia-se um síndico.

Bom para quem tem confortável vantagem, como Dilma Rousseff. O formato condiciona a que nada suceda de realmente importante.

Ruim para José Serra, que, conformando-se com a camisa de força que lhe foi imposta, jamais conseguiria virar o jogo.

Abúlico, ele nem tentou provocar um debate de verdade. Ficou dando suas aulas que provocam ataques de bocejos nos eleitores, até o mais amargo fim.

Ou seja, não produziu o milagre com que os seguidores mais irrealistas ainda sonhavam, selando definitivamente sua derrota.

FALOU E DISSE


"Quebre-se o cetro do Papa,
Faça-se dele - uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
P'ra cobrir os ombros nus."
(Castro Alves)

ARTIGO DO PROCÓPIO MINEIRO: "A QUEM SERVE O PAPA?"

Depois que coloquei no ar seu ótimo comentário ao meu post Bento XVI lança a "Teologia do Retrocesso", o jornalista Procópio Mineiro (procopiom@gmail.com} sentiu-se estimulado a escrever um artigo sobre o assunto. E acertou na mosca, novamente. Vale a pena dividi-lo com vocês. 

Bento XVI reduziu o conceito de direito à vida a uma pura questão de concepção e prosseguimento ininterrupto da gravidez. Reduziu a questão central da humanidade – direito à dignidade da vida e a uma vida digna – às conseqüências de um ato sexual.

Em nome do que entende ser direito à vida – isto é, em nome de um posicionamento apenas anti-aborto – o papa virou depressa demais muitas páginas dos Evangelhos. E ignorou exemplos de tantos outros papas e de santos e santas – inclusive da candidatos e candidatas à santificação, com a Irmã Dulce, mãe dos pobres das favelas de Salvador.

Ao tentar induzir bispos nordestinos a se meterem na política brasileira do lado errado, o Papa esqueceu-se da dignificação da vida social que Jesus pregou ao estabelecer, em suas falas aos apóstolos e ao povo, que somente o amor a Deus está acima do preceito de amar o próximo – a solidariedade humana radical, suprarracial, supratribal, supranacional, que é a marca transformadora do cristianismo.

Dai de comer a quem tem fome, acolhei o desabrigado, não basta rezar “Senhor! Senhor!”, mas sim fazer a vontade de Deus, que vos ameis como eu vos amei, és responsável por teu irmão. Em tradução rápida: a fraternidade deve superar o individualismo.

Ao longo da Era Cristã, de dois milênios, a humanidade deu saltos gigantescos e viveu convulsões desesperadas em busca da realização desses preceitos - tanto na esfera religiosa, quanto na esfera política.

Lutas impuseram a expansão da dignidade humana às massas, na linha cristã, mesmo quando seus autores ignoravam e até mesmo combatiam o cristianismo.

Outras lutas destruíram avanços já conquistados e impuseram regressões – até com o aval equivocado de papas e bispos católicos, que preferiram e preferem ficar ao lado do individualismo contra a fraternidade, e se puseram e se põem ao lado dos ricos, aqueles que não irão ao reino dos céus, pois mais fácil será um camelo passar pelo furo de um agulha.

São lutas do tempo presente, ainda. São equívocos ainda do tempo atual.

Luta-se em todo o mundo pela dignificação da vida, que depende de mudanças políticas estruturais. Na América Latina, após uma década devastadora dominada pelo neoliberalismo individualista e excludente, os pobres levantaram governos comprometidos com a mudança na linha da fraternidade cristã e da construção de uma realidade emque se torne mais fácil a todos se sentirem humanamente dignos.

A Igreja de João Paulo II e de Bento XVI disse não aos povos latino-americanos empenhados em mudanças igualitárias na linha do pensamento cristão. A Igreja de João Paulo II e Bento XVI aliou-se aos que promovem o individualismo e a exclusão das massas. 

A quem serve o papa? A quem o papa manda seus bispos servirem? 

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

RETROCESSO EVITADO, A PRIORIDADE SERÁ DESLANCHAR O AVANÇO

Como não há mal que sempre dure, chegará ao fim neste domingo a campanha presidencial mais tediosa e deseducativa desde que o Brasil voltou à civilização, em 1985, depois de 21 anos de trevas.

O ritual democrático desta vez ficou em descompasso com o estado de ânimo do povo brasileiro.

Vivendo seu melhor momento econômico das últimas décadas, com mais empregos, mais ganhos, mais consumo e perspectivas douradas pela frente (pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíada), o que nossa gente queria mesmo era manter Lula na Presidência.

Felizmente, ele fechou os ouvidos ao canto das sereias, não consentindo numa mudança das regras do jogo.

A segunda reeleição, com certeza, seria legitimada por um plebiscito e pela previsível avalanche de votos... trazendo consigo, entretanto, o espantalho do chavismo, pretexto pelo qual há muito anseiam as correntes mais nocivas e retrógradas deste país, sempre à cata de uma oportunidade para reeditarem 1964.

Dilma Rousseff foi a aposta de Lula para manter a hegemonia petista sem a única grande liderança nacional que o PT produziu até agora.

Só que, depois de cinco eleições consecutivas em que ele foi ou vitorioso ou o principal adversário do candidato vencedor, Dilma necessariamente pareceria uma coadjuvante fazendo as vezes de protagonista.

Saiu-se até melhor do que o esperado, mas dificilmente chegaria aonde chegou se dependesse apenas de seu (escasso) carisma. Deverá a eleição a Lula, como Dutra deveu a dele a Vargas.

Quanto ao maior antagonista, sua missão era, de antemão, quase impossível. Mas, não há dúvidas de que ele maximizou a piora do, em si, já ruim.

Também pouco carismático – parece sempre um mestre-escola lecionando a alunos de compreensão lenta – José Serra começou tentando eleger-se como o administrador experiente que seria melhor continuador de Lula do que a candidata do próprio Lula. Bola fora.

À medida que se evidenciava sua importência para evitar a derrota anunciada a partir de uma agenda positiva, foi apelando para a negativa: desceu do pedestal e passou a jogar sujo.

Endossou a pregação alarmista do seu vice Índio da Costa, cujos clichês ultradireitistas eram visivelmente copiados de sites goebbelianos como o Ternuma.

Olhou para o outro lado enquanto uma escória virtual – as  viúvas da ditadura  e os cuervos por elas criados (os pupilos neofascistas) – movia, em seu benefício, uma sórdida campanha caluniosa contra Dilma. Imputavam-lhe responsabilidades indevidas (participação em episódios da luta armada com os quais nada teve a ver), apresentando como  crimes  e  terrorismo  o que foi, na verdade, corajosa resistência à tirania.

Desceu até o fundo do poço ao transformar o aborto em tema de campanha, como se a real convicção dele, de Dilma e dos cidadãos civilizados não fosse basicamente a mesma: o estado deve prioritariamente evitar que as mulheres corram altos riscos abortando em condições precárias, ao invés de se subjugar a dogmas medievais.

Caiu no ridículo ao querer erigir um episódio banal de campanha em ameaça à democracia, esquecendo que bolinhas de papel e rolinhos de fita crepe machucam muito menos do que os cassetetes da tropa de choque da PM, tantas vezes brandidos contra manifestantes pacíficos quando ele era governador de São Paulo.

Last but not least, resvalou também para a demagogia, com propostas como a de elevar o salário mínimo a R$ 600, aumentar em 10% o valor da aposentadoria e pagar 13º para os beneficiários do Bolsa Família.

Com tudo isso, só conseguiu transformar a previsível derrota do campo conservador numa acachapante derrota pessoal, da qual dificilmente se reerguerá.

Dilma, por sua vez, terá um desafio maior ainda a partir de 1º de janeiro: provar que mereceu ser a primeira mulher a chegar à Presidência do Brasil, imprimindo uma marca pessoal ao legado recebido de Lula.

Já conseguiu evitar o retrocesso, parabéns!

Torçamos para que ela seja igualmente bem sucedida em deslanchar o avanço, com determinação e ousadia.

CONSELHO NACIONAL DE (DES)EDUCAÇÃO QUER BANIR MONTEIRO LOBATO

Você já ouviu falar no Conselho Nacional de Educação?

Não, porque não passa de mais uma besteirinha burocrática do  castelo  dos três Poderes -- pior, muito pior que o de Kafka.

De repente, o tal CNE resolveu aparecer no noticiário, talvez para seus membros terem finalmente algo que os coloque em evidência nas rodinhas familiares: "Olha, saiu uma notícia sobre nós! Não somos tão inúteis assim..."

Menos desonroso seria se houvessem se resignado à merecida obscuridade perpétua. Pois a reputação que lhes advirá vai ser a de censores tão tacanhos quanto os da nefanda ditadura militar. Novas  donas Solanges, enfim.

Depois de nada dizerem sobre a enxurrada de lançamentos oportunísticos das editoras, foram implicar logo com o maior escritor brasileiro de literatura infanto-juvenil de todos os tempos: Monteiro Lobato!

Um dos expedientes mais grotescos e deseducadores do capitalismo é a prática de, a cada ano, os sanguessugas da indústria cultural colocarem no mercado centenas de títulos medíocres, impingindo-os aos professores com um marketing tão agressivo quanto o que a indústria farmacêutica adota com os médicos e os divulgadores das gravadoras com os radialistas.

Oferecem a nossos malpagos mestres muitos agrados, para  sensibilizá-los  a indicarem aos alunos um livro recém-lançado a cada novo ano.

Houve tempo em que eu recebia parte dessa tralha, para redigir as resenhas que uma revista familiar publicava. Nunca encontrei nada, absolutamente nada, que chegasse remotamente perto da série do Sítio do Picapau Amarelo, em termos de verdadeira contribuição às mentes jovens.

Mas, claro, o que convém à indústria cultural é a inexistência de clássicos passados de irmão  mais velho para irmão mais novo ou para vizinho, como outrora. Que as pobres famílias tenham de arcar com os custos exorbitantes do lixo impresso, ano após ano. E que se danem os estudantes!

Mesmo porque, sem terem sido introduzidos na literatura de verdade, provavelmente não adquirirão o mau hábito de pensar com as próprias cabeças. Consumirão best-sellers e o besteirol da auto-ajuda. Não é isto que o sistema quer?

Enfim, o tal CNE está sugerindo que Caçadas de Pedrinho não seja distribuído a escolas públicas sob a alegação de racismo; ou que o seja com uma advertência tão ridícula como aquelas de bebidas e cigarros.

Assim zurrou a  Dona Solange  que expôs à imprensa a posição do tal CNE: "Se temos outras que podemos indicar, por que não indicá-las?".

Respondo eu: porque Caçadas de Pedrinho é uma obra-prima e, se a senhora tivesse a mínima familiaridade com a função que exerce, saberia disto.

Um dos muitos méritos de Monteiro Lobato é o de ter sido absolutamente isento  e antagonista dos preconceitos; não só os raciais, como também os sociais. Mostrava os poderosos em sua nudez, como os seres gananciosos, arbitrários e tacanhos que eram, são e continuarão sendo enquanto não construirmos uma sociedade humanizada.

E foi um extraordinário escritor. Daí colocar na boca dos seus personagens afirmações hoje tidas como politicamente incorretas.

Sim, a atrevida boneca Emília às vezes tratava a Tia Nastácia com desprezo. Mas, a voz da sabedoria era a da Dona Benta, que logo tratava de colocar as coisas numa perspectiva correta, cumprindo seu papel de educar os jovens.

Que real benefício existe em esconder das novas gerações que havia preconceitos raciais na primeira metade do século passado, mas que as mentes mais lúcidas deles não compartilhavam e, pelo contrário, os combatiam?

Vamos expurgar a História, fingir que as páginas deprimentes não existiram? Que não houve o Santo Ofício, que não houve escravidão, que não houve torturas e execuções durante a ditadura militar?

Não, o papel do educador é exatamento o oposto: estimular os educados à reflexão sobre o certo e o errado, o humano e o desumano, o civilizado e o bárbaro. É comparando acontecimentos, valores e costumes que um jovem pode chegar a uma compreensão maior do que foi e do que é.

Mas, repetimos, consciência crítica é tudo que o sistema execra. E cidadãos obtusos como esses do CNE, em nome do politicamente correto, contribuem para moldar gerações de videotas que tornarão ainda mais pamonha o inferno pamonha.

Se o ministro da Educação Fernando Haddad aceitar esse parecer repulsivo, passará à História como um personagem de Fahrenheit 451 -- aquela distopia de Ray Bradbury sobre incineradores de livros de um futuro totalitário.

HOJE TEM PALHAÇADA? TEM, SIM, SENHOR!

O que o Supremo Tribunal Federal acaba, enfim, de decidir sobre a Lei da Ficha Limpa?

Que não consegue, com seu efetivo atual, chegar a uma conclusão sobre se ela deve ou não valer para as eleições 2010; cinco ministros acham que sim e os outros cinco acham que não.

Então, por 7x3, o STF interpretou o empate como neutro: não tendo sido derrubada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que a considerou válida, ela continuará valendo... por enquanto.

Na hipótese praticamente inevitável de que o assunto volte ao Supremo por iniciativa de outro ficha suja, o empate poderá ser quebrado pelo 11º ministro que o presidente Lula está em vias de indicar.

Aí, sim, haveria uma decisão de verdade, definidora de jurisprudência.

O presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, admitiu não só a possibilidade de que o STF acabe finalmente concluindo que os  fichas sujas  devam ser empossados, como a de que Jader Barbalho, derrotado nesta 5ª feira, seja beneficiado por tal reviravolta:
“A ação rescisória desconstitui uma coisa já julgada. Hoje, existe uma evolução jurisprudencial no Supremo que autoriza o ingresso de ações rescisórias quando houver uma mudança de entendimento do Supremo quanto a um ponto constitucional”.
Trocando em miúdos, o julgamento do recurso de Barbalho foi uma total perda de tempo. Deixou tudo como estava.

Além de não dirimir a questão, nem sequer selou o destino do dito cujo, cuja derrota poderá se transformar em vitória adiante.

Se aproveitassem aquele luxuoso espaço para espetáculos circenses, o custo para o contribuinte seria bem menor.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

BENTO XVI LANÇA A "TEOLOGIA DO RETROCESSO"

Reunido com bispos brasileiros na manhã desta quinta-feira (28) em Roma, o patético papa Bento XVI conclamou-os a meterem o nariz em assuntos que não lhes dizem respeito, como se a separação entre a Igreja e o Estado não vigesse há 120 anos em nosso país!

Sem se dar conta de que os valores medievais hoje nada mais são do que cinzas de um passado que envergonha os civilizados, quer o Papa que a Igreja faça proselitismo político ("quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas"), pressionando partidos e candidatos no sentido de que:
  • seja negado às mulheres o direito de interromper, mesmo no início, uma gravidez indesejada, e aos desenganados o direito de escolherem o momento e a forma como preferem morrer ("Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático é atraiçoado nas suas bases");
  • seja imposto o ensino religioso em escolas públicas do Estado, obrigando professores a cumprirem o papel de sacerdotes e invadindo a esfera de decisão das famílias ("uno a minha voz à vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa, e mais concretamente do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do Estado"); e
  • sejam expostos símbolos religiosos em ambientes públicos, em gritante violação dos direitos de religiosos de outras confissões, ateus e agnósticos ("Queria ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu respeito").
Em tempos corriqueiros, este anúncio da  Teologia do Retrocesso  de Bento XVI já seria uma descabida incitação ao lobbismo.

Três dias antes do 2º turno de uma eleição presidencial, a interferência  indevida desse papa (cujo horizonte mental é o de um ativista da TFP...) assume gravidade ainda maior.

Pois se trata, pura e simplesmente, de uma CHANTAGEM contra a democracia brasileira.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

SUPREMAS TRAPALHADAS FEDERAIS

Depois de 4 dias e 3 noites de doutas discussões, os exmos. srs. ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram não decidir se o cafezinho deve ser servido em xícara limpa ou na que já estiver em uso.

O jeito foi suspenderem o café até que o presidente Lula indique o 11º membro do STF.

Torcendo para que o novo integrante do egrégio não se declare impedido de participar da votação -- por preferir chá, p. ex.

Obs.: Embora o presidente do STF, Cezar Peluso, tenha sugerido que a questão ficasse para depois da posse do novo ministro que Lula ainda indicará, a sessão acabou sendo reiniciada e, por 7x3, os ministros decidiram que o empate em 5x5 mantinha a vigência da Lei da Ficha Limpa

Chegou-se a uma saída menos rídicula e desonrosa, mas a imagem da mais alta corte do País ficou profundamente arranhada no episódio. Perdeu muito tempo para resolver que era incapaz de se definir sobre a sentença do Tribunal Superior Eleitoral, acabando por mantê-la apenas por não ter chegado a uma conclusão. 

E, como não houve, a bem dizer, uma decisão -- mas sim uma não-decisão -- é quase certo que os advogados encontrarão caminhos jurídicos para jogar o abacaxi de novo no colo do STF, até que este o descasque de verdade.

COMPANHEIROS À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS

Quatro dias antes de Dilma Rousseff ser confirmada como a nova presidente do Brasil, o País respira tranquilidade, os eleitores não aguentam mais a overdose de política, os jornalistas e cidadãos bem informados estão carecas de saber que a fatura está liquidada... mas o nervosismo virtual atinge picos incríveis.

As mais estapafúrdias teorias conspiratórias são colocadas em circulação e sofregamente repassadas por companheiros à beira de um ataque de nervos.

Calma, minha gente!

Desde que a Dilma tomou a dianteira nas pesquisas eleitorais, a campanha segue modorrentamente no mesmo diapasão, com a vantagem ora aumentando, ora diminuindo, mas sempre se mantendo em patamar seguro.

tempestade de som e fúria  da propaganda e dos debates  significou nada. O eleitorado há muito tempo decidiu quem será a presidente.

A mídia golpista e seu foguetório, quanto muito, conseguem levar para o 2º turno eleições que seriam liquidadas no 1º, como a de 2006 e a atual. Para nada: o resultado não muda.

É ingenuidade superdimensionar o efeito da Jornal Nacional da antevéspera na vitória de Collor sobre Lula em 1989 -- pesadelo que mais assombra a companheirada.

Na verdade, as pesquisas davam empate técnico, com o  caçador de si próprio  um pouquinho à frente. Aí, no debate decisivo, ele levou mesmo a melhor.

É claro que o jogo sujo teve enorme influência na performance bisonha e travada do Lula -- quem não se abalaria vendo expostas ao País inteiro suas infidelidades e respectivas consequências?

Aí, o jornalismo manipulatório da Globo realmente maximizou o impacto do debate, mas não inventou a superioridade do Collor. Ela existiu.

O resultado final foi mais ou menos o seguinte: equilíbrio no restante do País e São Paulo desequilibrando em favor do candidato conservador, que venceu por 4 milhões de votos.

Não é o que acontece até hoje? 

No 1º turno, Serra foi o mais votado em SP, Geraldo Alckmin garantiu que os tucanos continuarão empoleirados no Palácio Bandeirantes pelo quinto mandato consecutivo e, na disputa pelo Senado, Aloísio Nunes disparou na reta de chegada para conquistar um 1º lugar que as pesquisas não lhe auguravam.

Vale lembrar, ainda, o episódio Globo-Proconsult de 1982, um denunciado, abortado e desmoralizado plano para roubar a vitória de Leonel Brizola.

A conspiração deu com os burros n'água e o gaúcho assumiu triunfalmente o governo do Rio de Janeiro, impondo à Globo humilhação maior ainda que a da semana passada, quando foi pilhada tentando maquilar bolinha de papel para que parecesse meteorito...

Em suma, falsear uma eleição gritantemente decidida como a de agora está além das forças do sistema. Não acontecerá. Ponto final.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

SERRA 2010: UM NECROLÓGIO ANTECIPADO

O tedioso debate eleitoral da rede Record foi apenas mais um prego no caixão das aspirações presidenciais de José Serra.

Lutando por pequenas vantagens que não seriam suficientes para alterar o quadro cada dia mais consolidado -- como a tentativa de demonstrar que não é o único privatizador, com insistência tão exagerada que irritou o mais paciente dos telespectadores --, ele só conseguiu mostrar-se de novo impotente para sobrepujar nitidamente sua adversária.

Ora, sabe-se desde o início da campanha que, sem a nocautear, Serra jamais contrabalançaria a enorme popularidade do patrono de Dilma Rousseff.

Vitória apertada por pontos, o máximo que se pode atribuir-lhe, nunca bastou. São necessárias razões fortíssimas para o eleitorado trocar o certo pelo duvidoso. Em dúvida, pro continuidade...

Então, a penúltima refrega só fez aumentar a saturação de quem a acompanhou e nada forneceu de bombástico que possa ser utilizado no horário eleitoral.

Bem vistas as coisas, Dilma foi até mais eficiente em encurralar o antagonista, nos quesitos  geração de empregos  (alguém deveria, contudo, dar-lhe o toque de que o Governo Lula, ao criar o  TRIPLO  de postos de trabalho do Governo FHC, produziu  DUAS VEZES MAIS  empregos, e não três...) e promessa quebrada (de cumprir até o último dia seu mandato de prefeito).

Serra ainda ensaiou tímidas refutações no primeiro tópico e fugiu do segundo assunto como o diabo da cruz.

Só que, com isto, deixou uma considerável nódoa em sua biografia. Cansa de afirmar que sua trajetória fala por si, mas nada tem a declarar sobre o fato de ter assumido publicamente um compromisso solene e não o haver honrado, colocando as conveniências políticas acima da palavra empenhada.

Como eu também estou saturado, tomarei emprestado do colunista Fernando de Barros e Silva o necrológio da candidatura de Serra, que pode ser feito com cinco dias de antecedência, sem risco nenhum de erro, porque a fatura já está liquidada:
"Este (...) segundo turno (...) já acabou. Por exaustão. Por carência de ideias. Por excesso de chatice. Pelas falsas polêmicas...

"Acabou, antes de mais nada, porque Dilma Rousseff deve ser eleita no domingo, a não ser que José Serra produza em cinco dias o milagre que não foi capaz de fazer desde que se lançou, em abril.

"Tem-se, hoje, a impressão de que o tucano não encontrou o tom da campanha e esgotou suas armas. Quais foram elas? Um capacete na cabeça e um crucifixo na mão.

"A insistência no tema do aborto, com o trololó religioso que durou semanas, e a valorização estridente da agressão de que foi vítima no Rio são sintomas de um candidato sem foco, desesperadamente em busca de algo em que se agarrar.

"Só isso explica, também, o acesso populista do tucano austero, que promete elevar o salário mínimo a R$ 600, aumentar em 10% o valor da aposentadoria e pagar 13º para os beneficiários do Bolsa Família. Serra quis parecer o Lula do Lula.

"Mobilizando a agenda conservadora ou mimetizando a pauta petista, o tucano apostou sempre e tão somente em si mesmo, na sua capacidade de fazer, mandar, decidir.

"Pode soar estranho, porque se trata de um personagem doente de tão racional, mas Serra é um candidato com forte traço messiânico.

"Mas o que ou quem ele quer salvar? Os pobres? A democracia? Os valores da família? A nossa fé? Apesar de ser mais aparelhado do que sua adversária, o tucano se desvirtuou no processo eleitoral, sem, no entanto, conseguir romper o encanto do lulismo nem propor uma discussão séria do país, que fosse além da sua obsessão pessoal".

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

ANOS DE CHUMBO: HÁ 35 ANOS ERA ASSASSINADO VLADIMIR HERZOG

No dia 25 de outubro de 1975 morreu sob tortura Vladimir Herzog -- como dezenas de outros idealistas que foram vitimados pelos  acidentes de trabalho  nos porões da ditadura.

Isto para não falar dos executados a sangue-frio e dos que tombaram nos tiroteios com a repressão.

Por que sua morte repercutiu tanto?  

A de outros jornalistas, como Mário Alves e Joaquim Câmara Ferreira, não despertou tamanha comoção na época (ainda bem que, no caso do  Toledo, isto começou a ser corrigido recentemente, com a homenagem que lhe foi prestada pela cidade de São Paulo). 

E ambos morreram de forma igualmente chocante: Câmara Ferreira se atracando com os torturadores para forçar um ataque cardíaco, enquanto Mário Alves sofreu um verdadeiro massacre, chegando  a ser empalado com um cassetete dentado.

Há vários motivos para o caso do Vlado ter sido mais emblemático.

Primeiramente, chocou e até hoje choca sabermos que ele se dirigiu pelas próprias pernas ao encontro da morte, acreditando que sofreria apenas o interrogatório para o qual foi convocado.

Por que ele não desconfiou de que poderia ter o mesmo destino que tantos tiveram antes dele? 

Por um motivo simples: em 1975 a tortura já arrefecera, pois a esquerda armada havia sido totalmente dizimada.

O auge da tortura se deu no período 1969/73, quando os militares reagiram ao enfrentamento aberto da esquerda estruturando a Operação Bandeirantes e os DOI-Codi's, que, inicialmente, se incumbiam apenas dos militantes da vanguarda armada. As organizações desarmadas, como o velho PCB, continuaram sendo por bom tempo atribuição dos Deops, que ainda se mantinham dentro de certos limites.

Cair  na Oban significava não ter garantia nenhuma de sobrevivência, estar totalmente à mercê dos verdugos, enquanto no Deops só se morria por excessos praticados eventual e involuntariamente durante a tortura. Uma pequena diferença, mas significativa para quem caminhava no fio da navalha.

A Oban nasceu clandestina -- montada por oficiais das três Armas e policiais civis, com financiamento de empresários fascistas -- e foi legalizada após alguns meses, passando a funcionar em quartéis da Polícia do Exército (com exceção de São Paulo, onde continuou nos fundos de uma delegacia da rua Tutóia). 

Mesmo assim, desde o primeiro momento, tinha mais poder do que a estrutura legal dos Deops, chegando a arrancar presos políticos de suas mãos quando bem entendia.

Para seus integrantes, oferecia ganhos fabulosos e, no caso dos militares, a perspectiva de ascensão meteórica na carreira.

A esquerda armada expropriava bancos, executava operações altamente rentáveis como o roubo do cofre do ex-governador Adhemar de Barros. Então, seus integrantes às vezes tinham somas vultosas consigo. Na VPR e VAR-Palmares, p. ex., cada combatente dispunha de um substancial fundo de reserva, que deveria ser mantido intocado até uma circunstância extrema, como a de ele ficar descontatado e ter de fugir do País.

Dinheiro, armas, veículos e até objetos de uso pessoal dos militantes dessas organizações eram, por sua vez, expropriados pelos captores, que os dividiam a seu bel-prazer, nunca o restituindo aos proprietários originais.

Além disto, os empresários financiadores da repressão contribuíam para as  caixinhas  de prêmios pela captura ou morte de militantes clandestinos. Cada revolucionário importante tinha o valor previamente fixado, daí o empenho obsessivo dos rapinantes em chegar até eles. O bolo era dividido segundo a importância de cada qual no esquema repressivo, sobrando algum até para os carcereiros...

VERGONHA DA FARDA 

Com a derrota da luta armada, o presidente Ernesto Geisel pretendia ir desmontando aos poucos esse  estado dentro do estado. Militar de mentalidade prussiana, não admitia a existência de um poder paralelo "envergonhando a farda".

Ora, os rapinantes haviam se acostumado com um padrão de vida muito superior ao que lhe possibilitava seus soldos e já não conseguiam mais viver sem a rapina -- tanto que a notória equipe de torturadores da PE da Vila Militar do RJ envolveu-se com contrabandistas em 1974 e acabou sendo presa, interrogada... e torturada, provando um pouco do próprio veneno.

Então, para atrapalhar a  distensão lenta, gradual e progressiva  de Geisel, que incluía a desmontagem do aparelho repressivo de exceção, passaram a efetuar provocações que, esperavam eles, fariam a esquerda reagir. Valia tudo para despertarem o fantasma do comunismo que lhes era tão vantajoso.

Assim, uma base do PCB que fora formada na ECA/USP e se expandira com o ingresso de seus membros na carreira de jornalistas -- continuando, entretanto, bem longe de representar uma ameaça real ao regime -- acabou sendo escolhida como alvo. 

E o pobre Herzog em primeiro lugar, por ser um professor muito querido, com o qual os universitários presumivelmente se solidarizariam, uma vez preso.

Como a ECA era tida pela repressão como um celeiro de subversivos e nela certamente existiam agentes infiltrados, é difícil acreditar que essa base não constasse dos relatórios policiais havia muito tempo. O fato é que, até o final de 1975, não existiu interesse em estourá-la.

Aí, de repente, a repressão se deu conta de que a ditadura começaria a ser derrubada pela  insidiosa infiltração subversiva na TV Cultura, com seus 1% de audiência em São Paulo...

Vlado, coitado, não levou em conta os bastidores do regime e seguiu confiante para o matadouro. Até pela estima que lhe devotava o governador Paulo Egydio Martins, estava certo de que em seu caso não abririam a  caixa de ferramentas. Quão pouco valia a vida de um homem!

Os torturadores, ao excederem a dose, despertaram a indignação mundial -- para o que também concorreu a ascendência judaica da vítima, repetindo em escala ampliada o que já sucedera no final de 1969, quando da morte sob torturas de Chael Charles Schreier, militante da VAR-Palmares. Judeus são muito sensíveis à morte dos seus em circunstâncias semelhantes às do Holocausto.

Geisel e seu fiel escudeiro Hugo de Abreu aproveitaram a chance para minar o DOI-Codi sem despertar resistências na caserna. O presidente deu o ultimato de que uma morte como aquela não deveria se repetir.

Antes que se completassem três meses, os torturadores erraram a mão de novo, despachando para o túmulo o metalúrgico Manuel Fiel Filho, também do PCB. Forneceram a Geisel motivo suficiente para exonerar o comandante do II Exército Ednardo D'Ávila Melo e desmontar o DOI-Codi, robustecendo seu projeto de abertura política.

Por último, devem ser lembrados: 
  • o cansaço dos cidadãos que viviam sob terror policial desde 1969 e já não agüentavam mais o clima de autoritarismo e intolerância, mesmo porque, visivelmente, não havia mais uma ameaça verdadeira ao regime; 
  • a resistência dos jornalistas, que afinal se avolumou; e
  • e a coragem dos líderes religiosos de três confissões, que correram todos os riscos para, com a realização de uma missa ecumênica pela alma de Herzog na catedral da Sé, impedirem que mais esse assassinato fosse acobertado pela ditadura.
FEITIÇO CONTRA O FEITICEIRO 

Nem assim as tentativas de inviabilizar a redemocratização do Brasil cessaram de todo. Em 1976 houve atentados a bomba contra o semanário Opinião, a ABI, a OAB e a residência de Roberto Marinho, além do seqüestro e espancamento do bispo de Nova Iguaçu e do massacre dos militantes da gráfica do PCdoB.

Em 1979/81, a ação dos grupos paramilitares de direita se intensificou, com novos ataques a entidades e cidadãos ilustres (como o jurista Dalmo de Abreu Dalari) e até os bizarros incêndios de bancas de jornais em que eram vendidas publicações alternativas.

Até que, em 30 de abril de 1981, o feitiço virou contra o feiticeiro: a bomba explodiu no colo do terrorista fardado que pretendia provocar pânico de conseqüências imprevisíveis durante em show musical no Riocentro. A maré mudou e a redemocratização foi consolidada.

Vlado merece todas as homenagens que continua até hoje recebendo e outras mais. 

E é alvissareiro que, finalmente, esteja começando a ser prestado tributo semelhante aos combatentes que enfrentaram a ditadura de armas na mão e morreram às centenas (inclusive executados friamente em aparelhos clandestinos da repressão, como a Casa da Morte de Petrópolis/RJ).

É importante que seja dado o justo reconhecimento a todos que, em situação de extrema inferioridade de forças, enfrentaram os fascistas que derrubaram um presidente legítimo, fecharam o Congresso, cassaram mandatos, rasgaram a Constituição, proscreveram partidos e organizações da sociedade civil, praticaram a censura, torturaram, mutilaram, mataram e ocultaram cadáveres.

E que nunca mais a liberdade dos brasileiros tenha como preço o sacrifício de cidadãos tão valorosos como Herzog, Câmara, Rubens Paiva, Juarez Guimarães de Brito, Zuzu Angel, Iara Iavelberg e outros que tanta falta fazem hoje ao povo brasileiro!

O BRASILEIRÃO DOS DESESPERADOS

Completadas 31 das 38 rodadas, o Fluminense e o Cruzeiro lideram a série A do Brasileirão 2010, tendo conquistado 58% dos pontos que disputaram.

Só em 2002 o campeão (Santos) teve aproveitamento tão ruim nesta década. E a forma de disputa era outra, com 26 competidores e um turno só, seguido de mata-matas.

Nos demais anos, ficou entre 64% e 68%, salvo em 2003 (o Cruzeiro obteve expressivos 72%) e 2009 (os 59% do Flamengo).

O certo é que, ultimamente, vemos o principal campeonato nacional do esporte preferido dos brasileiros reduzido a um perde-ganha maluco, com os times disparando na frente e depois sofrendo quedas vertiginosas de rendimento, que deixam pasmos os torcedores.

O Palmeiras estava encomendando as faixas no ano passado quando passou a perder todas e acabou nem mesmo entrando na zona de classificação para a Libertadores.

Agora em 2010, Corinthians e Fluminense já estiveram bem à frente dos rivais, mas as abruptas fases negativas pulverizaram sua vantagem. Depois chegou o Cruzeiro... e, mal atingiu o 1º lugar, também caiu de produção.

Por quê?

Porque os esforços excessivos a que estão sendo submetidos os jogadores acabam estourando os elencos. E, conforme se contundem seus jogadores-chave, os times desabam.

Isto se dá não só em função da quantidade excessiva de jogos disputados, como também por esquemas táticos que exigem mais correria do que os atletas podem suportar no médio e longo prazos.

Emblemático foi o caso recente do Corinthians. Com Mano Menezes como técnico, vinha sendo a equipe mais consistente do futebol paulista... exatamente porque dosava suas forças e conseguia suportar bem a sequência de jogos. Isto incluía poupar os atletas cujo desgaste atingia um ponto perigoso, dando-lhes merecidos descansos.

Mano foi para a Seleção, veio Adilson Batista e armou bem o Corinthians, no papel. Com um esquema de marcação sob pressão inclusive no campo adversário, chegou a conquistar excelentes resultados, como as vitórias fora de casa contra Fluminense e Santos.

Mas, estava esticando demais o elástico e este, de repente, arrebentou, com as contusões se multiplicando e o time entrando em parafuso.

Quatro derrotas e três empates depois, seu substituto Tite é a esperança de reencontro com o equilíbrio possível. Começou bem, vencendo o Palmeiras.

APOGEU DOS SUPERCRAQUES DURA CADA VEZ MENOS

O certo é que o espírito de ganância capitalista aplicado ao esporte dá nisso: exige-se demais dos jogadores, fazendo com que degringolem fisica ou psicologicamente.

Que eu saiba, só quem vem abordando sistematicamente esta nova realidade é o grande Tostão. Ele ressalta que a carga de esforços imposta aos profissionais de futebol vem encurtando a carreira dos supercraques, cujo apogeu acaba bem mais cedo do que antes. Exemplos: Ronaldinho Gaúcho e Kaká.

E não é uma distorção só do futebol. Noutros esportes o desempenho chegou a ser maximizado por dopings e agora há casos como o do tenista Rafael Nadal, que sacrificou-se demais para chegar ao posto de 1º do ranking e acabou pagando alto preço: uma contusão o manteve afastado por um semestre das quadras. Ao voltar, aprendera a dosar melhor suas forças.

Dá pena vermos nosso esporte das massas transformado num concurso de resistência física, como aquelas maratonas de dança da Grande Depressão, magnificamente retratadas no filme A Noite dos Desesperados (d. Sidney Pollack, 1969), em que Jane Fonda teve a melhor interpretação de sua carreira.

Já houve tempo em que tínhamos aqui campeões incontestáveis, que dominavam as competições de ponta a ponta, não times que conservam um tiquinho a mais de forças e atropelam na reta final, de forma que o título parece ter-lhes caído do céu.
No último campeonato espanhol, o Barcelona registrou um inacreditável aproveitamento de 87%, sofrendo uma única derrota em 38 partidas.

Mesmo assim, só foi campeão por ter vencido no turno e returno o vice Real Madrid que, com 84%, fez a segunda melhor campanha de todos os tempos na Liga.

É um círculo vicioso: quando a grana comanda tudo, os países ricos podem fazer calendários menos desgastantes e tratar suas estrelas de forma menos desumana, até porque contam com ótimos substitutos. Isto se reflete nos resultados esportivos, que, por sua vez, geram retorno financeiro condizente.

Enquanto os pobres -- nós -- somos obrigados a exportar cada vez mais cedo nossas revelações e a superexplorar os que ficam, o que fazendo despencar cada vez mais a qualidade e o brilho das competições.

Disse e repito: o capitalismo consegue macular tudo que há de bom, nobre, justo, digno e belo em nossas existências.

ATÉ UM CABEÇA DURA COMO O SERRA TERIA MARCA NA PELE, DIZ COLUNISTA

É de um ridículo atroz a grita demotucana, tentando apresentar um episódio pequeno e patético como se fosse uma terrível ameaça à democracia.

Ameaças reais à democracia eram, isto sim, as brutais agressões da polícia do então governador José Serra aos professores e aos universitários de São Paulo.

Para quem já esqueceu esses episódios, eis como o professor doutor Pablo Ortellado, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, relatou um deles, a chamada  batalha da USP, em junho/2009:
"Quando [os docentes da USP] chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de 'efeito moral' porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (...).

"Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás -- [nomeia cinco professores] todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico.

"Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio.

"(...) Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.
"Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressões se multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que haviam sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado). Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos.

"Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora (...) que chegou cedo ao hospital que pelo menos dois estudantes e um funcionário haviam sido feridos".
EXAGEROS E MENTIRAS - Então, em meio a tanta tempestade em copo d'água e tanta manipulação desavergonhada sobre o  rolinho de fita crepe assassino, é um alívio encontrar colegas que ainda se comportam com a dignidade de verdadeiros jornalistas, mesmo atuando na grande imprensa.

Pena que sejam só os veteraníssimos, que os veículos da mídia golpista suportam porque seria contraproducente tirar-lhes os espaços, expondo-se a uma enxurrada de críticas. Preferem aguardar que se aposentem, enquanto tratam de evitar que tenham sucessores.

Enfim, saudemos os Jânios de Freitas que ainda restam, capazes de dar a definitiva palavra sobre os factóides ridículos que o PIG tenta fabricar, como ele fez nestas considerações:
"O PSDB e aliados investem no engrandecimento do choque entre o objeto na cabeça de José Serra e a reação de Lula. A rigor, a gravação com celular feita pelo repórter Italo Nogueira, da Folha, a meu ver não permite a afirmação categórica de que um segundo objeto, contundente, atingiu a cabeça de Serra.

"O tumulto forçou imagens tremidas, que precisam de perícia, e talvez não uma só, para a interpretação segura.

"A própria Folha, em cuja Redação no Rio a gravação foi examinada inúmeras vezes, tratou-a com cautela. A Globo decidiu bancá-la como imagem de um objeto atingindo Serra. Se houve esse objeto além da bolinha de papel, é certo que não teve mais de um palmo e não 'era duro e pesava mais ou menos meio quilo', como descrito por Serra.

"Sabe-se que ele é cabeça-dura, mas não a ponto de nela receber um objeto com tais características e, nem se diga ferimento, mas sequer ficar marca na pele..."

domingo, 24 de outubro de 2010

AFINAL, POR QUE NÃO EXTIRPARMOS O DEM?

Quem acompanha meu trabalho, sabe muito bem que não faço parte da claque do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Eu o critico ou elogio caso a caso, submetendo o que ele diz e faz ao crivo dos valores da minha geração revolucionária (a de 1968), que continuo tendo como bússola.

Então, quando ele afirmou, p. ex., que a polícia tem de subir o morro para bater em quem merece apanhar e proteger quem merece ser defendido, eu virei um caminhão de melancias em cima de V. Exa.

Polícia, para quem veio das correntes ideológicas das quais nós dois viemos, não tem como função bater em ninguém, ponto final. O título do meu post disse tudo: Por que não te calas, Lula?.

Mas, estarei também sempre pronto a denunciar a má fé com que a mídia golpista carrega nas tintas em tudo que se refira ao Lula.

P. ex, a frase "precisamos extirpar o DEM da política brasileira", tão vituperada quanto distorcida, é pertinente, válida e nem um pouco antidemocrática. Subscrevo-a e aplaudo.

Em nenhum momento ele falou em exterminar fisicamente os adversários, como alegam os exegetas de nenhuma sutileza e indisfarçável tendenciosidade. A afirmação é claríssima: trata-se de livrar a política brasileira de uma de suas piores ervas daninhas.

De onde essa gente derivou, afinal, a conclusão de que isto se faria por métodos truculentos e não, simplesmente, pelo voto?

Foi, aliás, bem o que ocorreu em 3 de outubro. Os  demônios  estão sendo exorcizados, alvíssaras!

PARTIDO DO "SIM, AMÉM, COMO QUEIRA, SENHOR!"

A facção militar que usurpou o poder em 1964, quis porque quis impor-nos um quadro político semelhante ao dos EUA, com apenas dois grandes partidos.

Então, extinguiu todas as agremiações até então existentes e deixou que se erguessem sobre os escombros apenas um partido do  sim, amém, como queira, senhor!  e outro do não concordo mas só me resta aceitar, senhor!.

A Arena foi cúmplice do arbítrio, dos descalabros e das atrocidades, pois a tudo concedeu seu aval apriorístico e automático, na farsa que se encenava para dar aos néscios a impressão de que as instituições ainda vigiam no Brasil.

O MDB, quase sempre manietado e reduzido à impotência, pelo menos resmungava sua desaprovação. E, cada vez que tentava fazer algo além disto, era colocado de volta no seu lugar: os déspotas fechavam o Congresso e promoviam expurgos ("cassações") na bancada emedebista.

E, claro, eram os da Arena que se beneficiavam das negociatas e das boquinhas do poder. Os porcos eram convenientemente cevados, em troca dos seus serviços sujos.

Quando a ditadura caía de podre, os mais finórios  arenosos  (o nome do partido já era outro, PDS, mas pouco importa...) conspiraram com Tancredo Neves para se conservarem no poder mesmo com o País voltando à civilização.

Como?

Primeiramente, votando em massa contra a Emenda Dante de Oliveira, que restituiria ao povo brasileiro o direito de eleger seu presidente da República pela via direta. Numa eleição de verdade, o franco favorito era o Brizola.

Depois, desertando do partido oficial e concedendo a Tancredo os votos de que ele necessitava para derrotar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral.

Como prêmio pelos seus préstimos, o novo partido por eles constituído, PFL, passou a ser o sócio do PMDB no comando da chamada  Nova República.

Até a sorte os favoreceu: um dos piores dentre eles, José Sarney, viu o poder cair-lhe no colo com a morte de Tancredo.

Também pouco importa que Sarney tivesse preferido pular para o galho do PMDB ao invés de filiar-se ao PFL. Por passado, personalidade e caráter, ele sempre pertenceu ao segundo. Rótulo, no seu caso, era o de menos.

Vai daí que, com presença tão marcante de ex-arenosos nos postos-chave, a Nova República foi extremamente tímida em eliminar o entulho autoritário e nada fez para punir os torturadores  Como esperar que os cúmplices do arbítrio assumissem para valer a alardeada missão de  passar o Brasil a limpo

Desde então, o PFL, depois DEM, foi se definindo como o que há de mais próximo de uma direita ideológica na política brasileira, principalmente porque o Partido Liberal -- que, em termos teóricos, teria mais afinidade com tal papel -- não vingou.

O componente fisiológico também existe e é forte no DEM, claro.

Mas, o principal de sua identidade é dado, de um lado, pelos adeptos da  modernidade  capitalista, os supostamente civilizados; e do outro, pelos ansiosos por um novo totalitarismo, as  viúvas da ditadura  e seus filhotes neofascistas, enfim, os que não conhecem sequer o significado do substantivo  civilização...

Ignoro como os primeiros conseguem suportar tão bem o mau hálito dos segundos. Usarão máscaras contra gases?

Também não sei qual a correlação interna de forças -- se podemos considerar concludente o fato de que tenham escolhido para vice de José Serra um de seus brucutus mais emblemáticos, tão tosco nos seus valores quanto em matéria de conhecimentos gerais (ou, mais precisamente, falta de).

Mas, do que não tenho nenhuma dúvida é o seguinte: tal erva daninha não deixaria nenhuma saudade e merece mesmo ser extirpada e atirada o quanto antes na lixeira da História.
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