sexta-feira, 29 de outubro de 2010

CONSELHO NACIONAL DE (DES)EDUCAÇÃO QUER BANIR MONTEIRO LOBATO

Você já ouviu falar no Conselho Nacional de Educação?

Não, porque não passa de mais uma besteirinha burocrática do  castelo  dos três Poderes -- pior, muito pior que o de Kafka.

De repente, o tal CNE resolveu aparecer no noticiário, talvez para seus membros terem finalmente algo que os coloque em evidência nas rodinhas familiares: "Olha, saiu uma notícia sobre nós! Não somos tão inúteis assim..."

Menos desonroso seria se houvessem se resignado à merecida obscuridade perpétua. Pois a reputação que lhes advirá vai ser a de censores tão tacanhos quanto os da nefanda ditadura militar. Novas  donas Solanges, enfim.

Depois de nada dizerem sobre a enxurrada de lançamentos oportunísticos das editoras, foram implicar logo com o maior escritor brasileiro de literatura infanto-juvenil de todos os tempos: Monteiro Lobato!

Um dos expedientes mais grotescos e deseducadores do capitalismo é a prática de, a cada ano, os sanguessugas da indústria cultural colocarem no mercado centenas de títulos medíocres, impingindo-os aos professores com um marketing tão agressivo quanto o que a indústria farmacêutica adota com os médicos e os divulgadores das gravadoras com os radialistas.

Oferecem a nossos malpagos mestres muitos agrados, para  sensibilizá-los  a indicarem aos alunos um livro recém-lançado a cada novo ano.

Houve tempo em que eu recebia parte dessa tralha, para redigir as resenhas que uma revista familiar publicava. Nunca encontrei nada, absolutamente nada, que chegasse remotamente perto da série do Sítio do Picapau Amarelo, em termos de verdadeira contribuição às mentes jovens.

Mas, claro, o que convém à indústria cultural é a inexistência de clássicos passados de irmão  mais velho para irmão mais novo ou para vizinho, como outrora. Que as pobres famílias tenham de arcar com os custos exorbitantes do lixo impresso, ano após ano. E que se danem os estudantes!

Mesmo porque, sem terem sido introduzidos na literatura de verdade, provavelmente não adquirirão o mau hábito de pensar com as próprias cabeças. Consumirão best-sellers e o besteirol da auto-ajuda. Não é isto que o sistema quer?

Enfim, o tal CNE está sugerindo que Caçadas de Pedrinho não seja distribuído a escolas públicas sob a alegação de racismo; ou que o seja com uma advertência tão ridícula como aquelas de bebidas e cigarros.

Assim zurrou a  Dona Solange  que expôs à imprensa a posição do tal CNE: "Se temos outras que podemos indicar, por que não indicá-las?".

Respondo eu: porque Caçadas de Pedrinho é uma obra-prima e, se a senhora tivesse a mínima familiaridade com a função que exerce, saberia disto.

Um dos muitos méritos de Monteiro Lobato é o de ter sido absolutamente isento  e antagonista dos preconceitos; não só os raciais, como também os sociais. Mostrava os poderosos em sua nudez, como os seres gananciosos, arbitrários e tacanhos que eram, são e continuarão sendo enquanto não construirmos uma sociedade humanizada.

E foi um extraordinário escritor. Daí colocar na boca dos seus personagens afirmações hoje tidas como politicamente incorretas.

Sim, a atrevida boneca Emília às vezes tratava a Tia Nastácia com desprezo. Mas, a voz da sabedoria era a da Dona Benta, que logo tratava de colocar as coisas numa perspectiva correta, cumprindo seu papel de educar os jovens.

Que real benefício existe em esconder das novas gerações que havia preconceitos raciais na primeira metade do século passado, mas que as mentes mais lúcidas deles não compartilhavam e, pelo contrário, os combatiam?

Vamos expurgar a História, fingir que as páginas deprimentes não existiram? Que não houve o Santo Ofício, que não houve escravidão, que não houve torturas e execuções durante a ditadura militar?

Não, o papel do educador é exatamento o oposto: estimular os educados à reflexão sobre o certo e o errado, o humano e o desumano, o civilizado e o bárbaro. É comparando acontecimentos, valores e costumes que um jovem pode chegar a uma compreensão maior do que foi e do que é.

Mas, repetimos, consciência crítica é tudo que o sistema execra. E cidadãos obtusos como esses do CNE, em nome do politicamente correto, contribuem para moldar gerações de videotas que tornarão ainda mais pamonha o inferno pamonha.

Se o ministro da Educação Fernando Haddad aceitar esse parecer repulsivo, passará à História como um personagem de Fahrenheit 451 -- aquela distopia de Ray Bradbury sobre incineradores de livros de um futuro totalitário.

4 comentários:

Cláudia Lemes disse...

Amo tudo o que você escreve Celso, e essa postagem não desapontou. E viva as pessoas que acham que tem cultura porque leem Crepúsculo. é uma merda mesmo..

Ccesarbento disse...

É difícil acreditar que um órgão de educação tenah proposto isso.
Menino caçando, uma negra que trabalha de graça.. realmente, Monteiro Lobato é repugnate. Não podem esquecer de proibir Macunaíma, afinal, um brasileiro sem caráter e preguiçoso...
Enfim, a lista de obras primas "politicamente inocrretas" será grande. Terão que fazer um índex

Ccesarbento disse...

COmentei apressadamente. Fui ler o parecer. Não é exatamente o que foi noticiado por certa mídia. Ainda assim, acho que o CNE extrapolou, pois cria precedente para a criaçaõ de um Índex de livros que não podem ser lidos
Dá uma olhada no parecer. https://docs.google.com/fileview?id=0B4FRZyPYi8ZUNDg3ZDBmOGYtYjk5Yi00N2JhLWEwNjMtZmQ4NTBlZjMwM2Nl&hl=en

AF Sturt Silva disse...

Uai sou favor de criação de conselho nacional de educação.
Afinal quem é esse CNE hoje?

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