sexta-feira, 30 de novembro de 2018

É BOM JÁ IR SE ACOSTUMANDO: VOCÊ PODE VIRAR PÓ DE UM MOMENTO PARA OUTRO.

No dia 13 de novembro de 2015, ataques de terroristas islâmicos ocorreram em pelo menos seis pontos de Paris, deixando cerca de 500 mortos e feridos. Os alvos principais foram uma casa de shows e os arredores do estádio em que se defrontavam as seleções de futebol francesa e alemã.

É bom você, leitor, já ir se acostumando, pois agora o Brasil também está sujeito a tais desgraceiras. 

Motivo: o presidente eleito acaba de reiterar sua péssima decisão de transferir a embaixada brasileira em Israel para a cidade sagrada de Jerusalém, ofendendo mortalmente os devotos de Alá.

A medida se deve unicamente a crenças religiosas, pois seus efeitos em termos de comércio exterior serão negativos, garantem os expertos.

Afora o perigo que todos passaremos a correr quando estivermos despreocupadamente comendo em restaurantes, assistindo a shows e filmes, torcendo por equipes e astros do esporte.

Os loucos assumiram a direção do hospício.

O CAPITALISMO ESTÁ NOS ESTERTORES, MAS NÃO ACEITA SUA SUPERAÇÃO E NOS CONDUZ EM VELOCIDADE ACELERADA PARA O ABISMO

dalton rosado
CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA INSATISFAÇÃO E DAS FÚRIAS SOCIAIS
No filme Um Dia de Fúria (de 1993, dirigido por Joel Schumacher), um atravancamento de trânsito sem solução à vista é a gota d’água que fez transbordar o copo de fatos enervantes no cotidiano de um cidadão comum (Michael Douglas), levando-o a uma reação desproporcional, devastadora, contra tudo e contra todos que aparecem à sua frente. 

É como todos atualmente estamos, uns mais, outros menos: à beira de explosões de insatisfação individual e de fúria coletiva. 

Contribuem para tal sentimento a irracionalidade de muitas das nossas práticas sociais, como:
— exatamente, o trânsito caótico que polui com a emissão de CO² e paralisa a mobilidade urbana em benefício de interesses industriais capitalistas inconfessos;  
— a inconsciência social sobre os problemas de base e conteúdos conceituais; e
— o desconhecimento de saídas para os impasses sociais geradores da desigualdade de renda e da violência (o que sucede também em países ricos como os Estados Unidos, no qual ocorrem repetidamente massacres de inocentes por franco-atiradores).
Quem gostaria de estar no lugar de Michael Douglas...

Estes e outros fatores se somam negativamente, evidenciando a insatisfação com nosso modo de ser social; e tiveram como um reflexo o resultado aberrante da eleição presidencial brasileira. 

O ódio incontido provocou a radicalização de posicionamentos pessoais, afastando familiares uns dos outros e interferindo nas mais sólidas relações de amizade. 

Evidenciou-se a atomização das pessoas e seu individualismo, que os transformam em mônadas sociais geradas por um modo de relação social que, antes de ser aglutinador dos seres humanos num processo comportamental solidário, torna-as adversárias compulsivas na disputa pela vida. Trata-se de uma sociedade alienada de si mesma, como dizia Karl Marx.      

A opção de votar nas últimas eleições, coonestando a prevalência de algo que havia sido previamente escolhido (um enquadramento a priori), já é fruto de inconsciência social, pois atesta o desconhecimento do conteúdo e do significado negativo do processo eleitoral enquanto mantenedor de um modo social esquizofrênico.

Entretanto, o problema é mais profundo, dada a extrema superficialidade dos mecanismos psicológicos de escolha da opção vencedora, fortemente influenciada por uma espécie de rejeição indeterminada, na base do sou contra tudo isso que está aí, ainda que o conteúdo dessa contrariedade sobre o que está posto seja inconsciente.  
...decerto se identificou também com esta pantomima pueril
Na sociedade do capital o ser humano produz o seu sustento de um modo alienado, vendendo a única mercadoria que possui originalmente (quando não recebe herança): a sua força de trabalho, objetivada numa mercadoria valorada e alheia ao ser humano que a produziu. 

Sob tal modo de mediação social, todas as atividades sociais são transformadas em mercadorias (educação, saúde, arte, esporte, lazer, etc.); e a própria vida se torna mercadoria, a partir do caráter onívoro desta última. 

Assim, graças à forma de obtenção miserável do sustento dos indivíduos sociais transformados em cidadãos pelo trabalho abstrato (e que agora é-lhes negado pela própria dinâmica contraditória da alienação social que provoca o desemprego estrutural), não é de estranhar-se que haja uma raiva latente e pronta para explodir a qualquer momento. 

O que passa nas cabeças dos milhões de desempregados que veem seus filhos chorarem de fome, sem que possam reverter tal quadro por meio dos mecanismos sociais que lhe são oportunizados? 

O que passa pela cabeça dos milhões de subempregados (o salário médio brasileiro é de R$ 1.943, segundo o IBGE), ao sentirem-se brasileiros de 2ª classe, com poder aquisitivo que lhes permite apenas tomar umas pingas e chorar de alegria ou tristeza conforme os resultados obtidos por seu time, numa catarse social mal resolvida?
O ódio social, em maior parte e de modo crescente, deriva do inconformismo com a impossibilidade de satisfação material e psicológica por parte dos despossuídos que não têm acesso ao uso dos mecanismos tecnológicos e do saber existentes. E isto mesmo sem eles compreenderem claramente as razões subjetivas de tais ocorrências. 

Estão cientes de que podemos chegar a Marte, mas não podem comprar sequer os víveres de que carecem ou bancar serviços (também mercadorias) essenciais. 

Os supermercados estão cheios de mercadorias, mas os indivíduos sociais estão atolados em dívidas e carentes da mercadoria dinheiro (equivalente geral e que não tem valor de uso intrínseco), que lhes facultaria a aquisição das mercadorias neles expostas. 

É que, para desfrutar seu valor de uso, há que dispor do valor de troca que o capitalismo lhes nega.

Recai sobre tal carência uma culpa pessoal introjetada nas mentes dos indivíduos sociais como se estivéssemos (e estamos) numa guerra de mercado, que foram condicionados a encarar como algo saudável, e na qual há vencedores e perdedores. Ademais, foi-lhes martelado nas mentes que alguém sempre tem de perder, então eles devem saber suportar a derrota... 

Trata-se de numa disputa irracional negativa entre indivíduos sociais, na qual obrigatoriamente alguém ganha e alguém perde, com todos se tornando adversários de todos.  

O que dizer do último espetáculo de baixaria protagonizada por torcedores argentinos do River Plate, ao apedrejarem o ônibus que conduzia ao estádio a delegação do Boca Juniors, para a final da Copa Libertadores da América de 2018? 

Não seria senão a ebulição de um processo de catarse social de fúria e insensatez por parte de uma multidão ensandecida? Qualquer ilação com a debacle econômica argentina não é mera coincidência. 

O que dizer das manifestações sociais, cada vez mais explícitas, em que parcelas da população dão seu assentimento ou estimulam estridentemente as práticas de homofobia, xenofobia, misoginia, racismo e indução à violência como resposta a uma violência estrutural? 

Refletem, evidentemente, um sentimento irracional de insatisfação contra tudo que está aí, sem que os autores dessas manifestações saibam as causas de base e as soluções possíveis. 

O que dizer de um candidato eleito pelo acórdão da opinião pública majoritária repetir amiúde a simbologia gestual de estar portando armas letais em cada uma de suas mãos? 

Há poucos dias fiquei sabendo de uma pesquisa de opinião pública na qual se constatou que apenas uma pessoa entre vinte conhece o significado e existência do holocausto. 

Isso significa que, além da uma vida social na qual se aliena a própria existência a partir da alienação do trabalho abstrato, grassa uma desinformação histórica e uma amnésia social capaz de reproduzir perigosamente a prática de crueldades no seu mais absurdo e surreal exercício pelo ser humano contra o próprio ser humano.  

Considero que a regressão civilizatória ora em curso é resultado de um modo de produção social que encontrou o seu limite existencial, mas não aceita a sua superação e, assim, nos conduz em velocidade acelerada para o abismo. 

Uma lógica destrutiva, reificada, que dá ordens aos seus súditos como num estado de hipnose coletiva.

Para além do espanto que nos causa tal estágio de regressão, fica-nos a certeza de que nosso modo social representa apenas um dado histórico da existência humana (que poderia ter sido diferente), não naturalmente antropológico; ou seja, trata-se apenas de um proceder histórico que chega ao seu estágio de morte, após cumprir seu ciclo de nascimento e vida sangrenta. 

A barbárie em curso é o último suspiro de um sistema moribundo, antecedendo a emergência de uma vida social emancipada.

Vivemos o triste e trágico momento do ocaso de um modelo social esgotado e há um alto preço a ser pago durante a necessária transição para uma sociedade humanizada. 

Os pósteros certamente se apiedarão de nós, os que temos de suportar este sombrio início de século XXI. (por Dalton Rosado)
Trecho citado de Um Dia de Fúria. Para quem quiser fazer
o download de filme e legenda, um bom blog é este aqui

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

POR NÃO TERMOS FEITO A AUTOCRÍTICA OBRIGATÓRIA EM 2016, SOFREMOS UMA DERROTA PIOR AINDA EM 2018

Nunca foi isto que se pretendeu do PT...
Sou um brasileiro cordial, então estou sempre pronto para fornecer as informações necessárias a companheiros que redigem seus artigos sem conhecimento de causa. Nem precisam agradecer...

O Breno Altman, fundador do Ópera Mundi, aparece no site da Folha de S. Paulo com um artigo em que explica da seguinte forma o que Deus e o mundo vêm exigindo do Partido dos Trabalhadores nos últimos anos:
"De Giordano Bruno, Galilei e Copérnico, entre outros hereges, a Santa Inquisição não queria extrair apenas a liberdade ou a própria vida. Acima de tudo, buscava abjuração das ideias. Puni-los era insuficiente: a Igreja somente se dava por satisfeita quando beijavam a cruz e reconheciam que a Terra era o centro do universo.
Esse espírito atravessou os tempos. Muitas das vozes que exigem autocrítica do Partido dos Trabalhadores, por exemplo, assim mascaram o desejo de vê-lo renegando sua natureza classista".
Também Carlos Lungarzo, que sempre merecerá nosso reconhecimento pela abnegada colaboração que presta há tantos anos à causa de Cesare Battisti, foi extremamente infeliz ao tecer estes comentários, em artigo publicado no Congresso em Foco:        
"...a autoflagelação é apenas uma versão masoquista do sadismo judicial, cujo objetivo não é “redimir” o autor do crime, mas fazer que ele seja castigado para prazer de seus carrascos e da turba que estes levam do cabresto.
...mas sim o reconhecimento dos erros cometidos...
A autocrítica do PT só serviria para que a ralé linchadora pequena-burguesa se delicie, e possa dizer: até eles próprios, os malditos petralhas, reconhecem seus crimes".
Quem não conheceu a esquerda de tempos melhores nem está informado sobre suas práticas, pode até concordar com a desnecessidade de o PT fazer uma autocrítica, confundida, por meio de uma retórica melodramática, com o mero arrependimento cristão.

O que eu tenho a dizer a ambos é: menos, companheiros, menos

Se consideram necessário atirar boias para um partido que se afoga num mar de lama, façam-no, mas não omitam que é uma tradição de longa data da esquerda desencadear processos de crítica e autocrítica após ter cometido graves erros, cujos resultados hajam sido desastrosos.

Do ponto de vista da esquerda, nunca se tratou de ajoelhar no milho, dizer perdoe-me, Pai, pois eu pequei e beijar cruzes, mas sim de identificar onde estavam as falhas, corrigi-las e tomar providências para evitar sua futura repetição (a chamada autocrítica na prática), além de avaliar o comportamento dos dirigentes responsáveis por fracassos catastróficos.

O processo de autocrítica mais emblemático da esquerda brasileira foi o ocorrido em 1964 e anos seguintes, porque nos era totalmente inaceitável o fato de sequer ter havido qualquer reação significativa à usurpação do poder pelos golpistas.
...e o resgate de bandeiras fundamentais para o partido...
Como resultado, o PCB perdeu sua hegemonia na esquerda e nunca mais a reconquistou; novos partidos e organizações foram criados, outros se fundiram, muitos racharam, mudando diametralmente a correlação de forças no nosso campo; e se preparou o terreno para a adesão à guerrilha urbana e rural, que se tornaria a forma predominante de luta a partir do AI-5.

E isto tudo em função de um golpe dado com tropas e tanques na rua. O que dizer do impeachment de Dilma Rousseff, uma vergonhosa rendição sem luta, em que bastou um peteleco parlamentar para mandar a presidente eleita para casa?!

Então, tendo Dilma sido afastada temporariamente da presidência da República em 12 de maio de 2016 e estando careca de saber que a ela não voltaria 180 dias depois nem que a vaca tossisse, eu abri o blog Náufrago da Utopia para a discussão em profundidade das causas e consequências do que acabara de ocorrer.

No próprio dia 12 saíram estes dois artigos analíticos, um meu e o outro do Dalton Rosado.  

E muitos mais vieram na esteira, tanto da nossa equipe quando os que pinçamos na grande imprensa e nas redes sociais, até que, no dia 17,  lancei esta convocação para todos que quisessem dar suas contribuições ao debate sobre a refundação da esquerda, detalhando o que tínhamos a obrigação de abordar naquele instante:
...continuar sendo uma alternativa ao sistema político podre.
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"A reaglutinação de forças deve marchar paralelamente com a depuração moral, pois não conseguiremos reconquistar o respeito do cidadão comum se nossa imagem continuar associada à daqueles que, comprovadamente, tenham utilizado a atuação política para, de forma ilícita, perseguir objetivos pessoais como o enriquecimento e a conquista de status.
E, claro, como não adianta repetirmos o que deu errado na esperança de que na vez seguinte dê certo, temos de discutir quais as novas estratégias e táticas a serem adotadas, para substituírem as que chegaram ao esgotamento na atual década".
Enfim, como blogueiro de esquerda que desde o primeiro momento abracei a ideia da autocrítica e fiz tudo que pude para que a dita cuja se tornasse realidade, espero dos companheiros Lungarzo e Altman as ressalvas obrigatórias: 
— de que a autocrítica do PT foi pleiteada em primeiro lugar pela esquerda e dentro da concepção que a esquerda tem deste processo, que não tem absolutamente nada a ver com o arrependimento cristão nem com as práticas da Inquisição Católica; e
— de que, seja lá o que for que a direita tenha cobrado muito tempo depois do PT em termos de autocrítica, quem lançou a ideia não foi ela, fomos nós, daí ser inaceitável fazê-la passar por uma iniciativa dos inimigos de classe e, a partir daí, desqualificá-la aos olhos dos leitores do nosso lado.
Para acessar a imperdível entrevista do Paulo Paim, clique aqui
[O nós a que me refiro no parágrafo anterior inclui desde a equipe do Náufrago até o Tarso Genro (que nos antecedeu), bem como os companheiros que simultaneamente ou mais adiante se manifestaram no mesmo sentido, dentre eles o Leonardo Boff, o Paulo Paim, o Gilberto Carvalho, o Guilherme Boulos e tantos outros, além do grande Noam Chomsky lá fora.]

E o que deveria e deve constar de tal autocrítica? Principalmente isto:
— se foi correta a derivação do PT para a conciliação de classes, para o populismo e para o reformismo ou deveria ter sido mantida a opção pela luta de classes e pela transformação em profundidade da sociedade brasileira;
— se, face à facilidade com que Dilma foi expelida da Presidência quando os poderosos decidiram fazê-lo em 2016, compensa continuar-se priorizando a conquista de posições no Estado burguês ou é hora de voltarmos a colocar em primeiro plano a participação nas lutas sociais e a acumulação de forças para a superação do capitalismo;
Walter Pomar discutiu a autocrítica com outros expoentes da esquerda 
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— o reconhecimento de que foi um erro terrível o PT ter voltado as costas aos manifestantes de junho de 2013 e ficado indiferente à desmedida repressão policial e judicial que foi lançada contra eles;
— o reconhecimento da responsabilidade que o PT teve na gestação da pior recessão econômica da História brasileira;
— o reconhecimento de que a adesão do Governo Dilma Rousseff ao neoliberalismo em 2015 confundiu e desmobilizou a esquerda, o que contribuiria decisivamente para a perda da batalha pela supremacia nas ruas em 2016;
— o reconhecimento de que a derrota eleitoral em 2018, diante de um inimigo destrambelhado e caricato (mas perigoso), se deveu a erros crassos como a insistência na candidatura fantasma do Lula e o torpedeamento da tentativa de articular-se uma frente da esquerda, tendo como cabeça de chapa um candidato que não carregasse consigo a imensa rejeição ao PT; e
— o reconhecimento de que a conduta moral do PT no poder não foi condizente com os valores da esquerda nem deverá ser jamais repetido por aqueles cuja razão de existir é regenerar uma sociedade apodrecida (sendo, portanto, os que mais devem resistir à tentação de chafurdarem em tal podridão). 
Até o Juca Kfouri exige, de forma veemente, a autocrítica.
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Enquanto não acertarmos as contas do passado, continuaremos sendo vistos como inconfiáveis por aqueles que precisamos conquistar ou reconquistar para juntos construirmos um futuro bem diferente desse pesadelo com que o populismo neofascista nos acena.

Por não termos feito a lição de casa em 2016, sofremos derrota ainda pior em 2018. 

Então, ou nos colocamos à altura dos desafios que passaremos a enfrentar a partir do primeiro dia de 2019, ou nosso destino será, na melhor das hipóteses, a irrelevância; e na pior, a tragédia. 
                             (por Celso lungaretti)

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

COM MAIS REALISMO E MENOS SOBERBA, LULA E DILMA TERIAM GARANTIDO A PERMANÊNCIA EM LIBERDADE

josias de souza
"O QUE SE PRETENDE É QUE LULA MORRA", DIZ GLEISI
A longevidade da prisão de Lula inquieta a cúpula do PT, produzindo ajustes na retórica oficial da legenda. O discurso que vendia Lula como herói da resistência vai sendo gradativamente substituído por uma pregação que o apresenta com um personagem frágil, cuja saúde estaria debilitada. 

Em discurso na tribuna do Senado, Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, insinuou que a vida do prisioneiro corre risco. “O que querem é acabar com o Lula, o que querem é que Lula não sobreviva”, declarou Gleisi, antes de apontar o dedo para o futuro presidente da República e seu ministro da Justiça: 
"Eu quero dizer desta tribuna: o que se pretende é que Lula morra. É isso que estão fazendo. É esta a promessa de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista: deixá-lo apodrecer na prisão. E esta é ação do senhor Sergio Moro, que não tem outra coisa na vida a fazer senão a sua vingança, o seu ódio contra Luiz Inácio Lula da Silva".
A solução humanitária seria fácil de obter antes. Agora complicou
Em meio a ataques dirigidos ao delator-companheiro Antonio Palocci, ex-ministro dos governos de Lula e Dilma Rousseff, Gleisi emendou: 
"Que fique bem claro: se algo acontecer a Lula, a responsabilidade é dessa Operação Lava Jato, que não tem nenhuma – nenhuma! – responsabilidade com a verdade, com as provas e com o devido processo legal".
O discurso foi proferido nesta 3ª feira (27), mesmo dia em que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que julgará antes do final do ano o mais recente pedido de liberdade protocolado pela defesa de Lula. 

Nele, os advogados sustentam que Sergio Moro “revelou clara parcialidade e motivação política” ao condenar Lula. Alega-se que a hipotética falta de isenção do ex-juiz da Lava Jato ficou patente no instante em que ele aceitou o convite para ser ministro da Justiça da gestão Bolsonaro.

Moro dá de ombros para a acusação. Declara que Lula está preso porque cometeu crimes. Reitera que a sentença condenatória foi ratificada pelo TRF-4, que elevou a pena para 12 anos e um mês de prisão. ''Não posso pautar minha vida por um álibi falso de perseguição política'', afirmou Moro sobre o fato de ter migrado da Lava Jato para a Esplanada dos Ministérios.
De que adianta atacar Moro quando ele está na crista da onda?

O julgamento do recurso de Lula pode ser marcado para os dias 4, 11 ou 18 de dezembro. A hipótese de o preso ser libertado é considerada remota até pela oligarquia petista. 

Daí a mudança de tom. Tenta-se transformar o Lula livre numa espécie de causa humanitária. Preso desde 7 de abril, Lula deve passar o Natal, o Ano Novo e até o Carnaval na cadeia. (por Josias de Souza)
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Observações do editor: os leitores habituais deste blog conhecem a minha posição inarredável de rechaçar o encarceramento de idosos que tenham deixado de representar risco para a sociedade e não hajam cometido graves crimes contra a pessoa humana (homicídio, extermínio, genocídio, tortura, terrorismo (na acepção correta, de insuflar o caos por meio da violência, o que é bem diferente de resistir a tiranias), latrocínio, extorsão seguida de morte, extorsão mediante sequestro, estupro, tráfico de entorpecentes e propagação de epidemia com ameaça de morte).

Ou seja, coloco em plano inferior os crimes econômicos, como a falsificação e a corrupção. E nestes casos defendo que os idosos cumpram as penas respectivas em regime de prisão domiciliar, pois é desumanidade extrema privar da convivência familiar quem já sofre os agravos da velhice e se aproxima da morte. Como raciocino em termos de princípios e não de pessoas, nunca diferenciei, p. ex., Lula e Maluf neste aspecto.
Subestimar o perigo tende a ser sempre desastroso

Lamento, contudo, que Lula esteja agora nesta situação deprimente porque tantos dirigentes petistas irresponsavelmente não ousaram tentar incutir-lhe um mínimo de realismo no passado, preferindo deixá-lo entregue a suas fantasias. 

Já em setembro de 2016 eu alertava (vide aqui) que lhe era impossível vencer uma queda-de-braço com a Operação Lava-Jato, só lhe restando uma opção sensata, a de negociar com o outro lado, nos bastidores, sua permanência em liberdade.

E em junho de 2018, voltei a fazê-lo (vide aqui), pois percebi que não eram palavras ao vento que a colunista Mônica Bergamo revelou terem saído da boca de um ministro do STF: "'Mais tarde, [se continuar rejeitando a hipótese de prisão domiciliar] nem para casa ele vai".

Lula está aprendendo, da pior maneira possível, como foi insensato ao desperdiçar as oportunidades que teve de colocar-se a salvo. A última delas quando, poucas semanas antes de sua prisão, vangloriava-se de haver estado numa cidade da fronteira entre Brasil e Uruguai, em que, simplesmente atravessando a pé para o outro lado de uma avenida, ingressaria no território uruguaio (os acompanhantes que, em vão, o incentivaram a fazê-lo é que estavam certos!).
Dilma: faltou humildade para colocar-se a salvo por 4 anos
Assim como a Dilma poderá aprender da pior maneira possível que deveria ter tomado a decisão de disputar uma cadeira na Câmara federal, pois a vitória era favas contadas e lhe garantiria a permanência em liberdade pelos próximos quatro anos. 

Mas, com a soberba habitual, preferiu tentar a sorte numa eleição para o Senado e agora está com um pé na prisão, pois já se tornou ré e deverá ser o alvo principal do restante da delação premiada do Antonio Palocci. 

E, embora a veja como a principal responsável por todas as desgraças que se abateram nos últimos anos sobre o PT (prejudicando acentuadamente também a esquerda não-petista, pois o cidadão não faz distinção entre um e outra), caso a septuagenária Dilma seja condenada, também defenderei que cumpra sua condenação em casa. (por Celso Lungaretti)

terça-feira, 27 de novembro de 2018

SERÁ MOURÃO UM CONTRAPESO AO VIÉS ULTRADIREITISTA DOS MINISTROS QUE SEGUEM O PADRÃO BOLSONARO?

jânio de freitas
UM CASO À PARTE
O único erro nas escolhas de Jair Bolsonaro, até agora, é irreparável e prenuncia um poderoso contrapeso para a voracidade direitista dos demais escolhidos, tão coincidentes com as posições do presidente eleito.

A cada dia o general e vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, se caracteriza mais, em muitos sentidos, como um caso à parte na cúpula do futuro governo. Condição que, fora dali, tem até suscitado expectativas distensionantes.

Escolha talvez não seja a palavra adequada para a inclusão do general na chapa que o leva ao poder. Uma informação com boa origem, mas ainda sob ressalva, indica que Bolsonaro foi aconselhado na área militar, quando já tinha seu escolhido, a ceder a vice a Mourão.

A desafinação com as ideias de Bolsonaro, sobretudo nas relações internacionais, e com sua conduta desatinada, bem conhecida no Exército que o dispensou, estavam entre os primeiros motivos para a iniciativa do conselho. O complemento, com o nome, veio do conceito de Mourão nos altos escalões militares (o general foi eleito neste ano para a presidência do Clube Militar).
Ainda antes da eleição, Bolsonaro pediu à sua volta que silenciassem, embaraçado com a franqueza do vice contrário a afirmações suas e a vazamentos de intenções de Paulo Guedes. 

O silêncio durou pouco. Houve quem atribuísse as discordâncias a truque eleitoral, atenuando um pouco o extremismo direitista do candidato a presidente.

A divergência continua, porém. E, mais do que isso, adota uma segurança afirmativa que não se assemelha a arroubos. Mostra-se não só em contradição com medidas previstas pelos planejadores do governo, como desqualificantes para o próprio Bolsonaro. Francas e ditas com naturalidade.

"Às vezes o presidente tem uma retórica que não combina com a realidade", diagnóstico comprovado e reiterado, agora, ao Financial Times e republicado na seção Toda Mídia da Folha de S. Paulo. Ainda: "A China não está comprando o Brasil", desmentido frontal ao argumento maior de Bolsonaro para propagar o afastamento brasileiro na relação com a China (Bolsonaro é adepto da hostilidade belicista de Trump aos chineses).

Mas Mourão não fica só em considerações de aparência pessoal. Antecipa o que, diz, virá a ser. À parte a posição de Moro ou contra ela.

"Tenho certeza absoluta de que nós não vamos brigar" [com a China]. 

A mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, já reafirmada por Bolsonaro, "é uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada". 

Sobre o fim do Mercosul, também dado como decisão, "antes de pensar em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços necessários para que atinja os seus objetivos".

O Mercosul continua, pois, seja qual for o desejo comum a Bolsonaro, Paulo Guedes, ao chanceler medievo. E vai por aí. Ou vão por aí, o grupão para um lado, Mourão para o outro.

O revestimento da dissociação é, da parte do vice, uma habilidade política nas formulações que, também nisto, contrasta com a batalha de Bolsonaro para coordenar palavras, por poucas que sejam.

A exposição das posições de Mourão é, em geral, acompanhada de umas frases que aparam a contestação. E tudo se passa sem cerimônia, no clima dos que conversam à vontade. Não é o clima em que os quatro Bolsonaros e seus principais circunstantes convivem.

São muito poucos os elementos para imaginar os futuros possíveis, ou não, dos embates que se insinuam. 

Ainda assim, pode-se aventar a probabilidade de que os desdobramentos sejam influenciados, ou mesmo decididos, pelas forças das respetivas retaguardas. 

Não as partidárias. As militares. (por Jânio de Freitas)

VIVER EM ESTADO DE HISTERIA PERMANENTE AINDA NOS VAI ENTERRAR A TODOS

joão pereira coutinho
LOUCOS DE RAIVA
Era Oscar Wilde quem dizia que o problema do socialismo é ocupar demasiadas noites. Bela frase, bela filosofia de vida. No caso, da minha.

A primeira vez que li essa máxima —teria 15, 16 anos— encontrei o meu reflexo no espelho. Não é só o socialismo que dá trabalho. É qualquer ideologia política que ocupe demasiadas noites.

Se o verdadeiro teste de um verdadeiro conservador é não ter a política no topo das suas obsessões, passei nesse teste há muito. Na adolescência, quando colegas de geração saiam para a rua com o propósito nobre de mudar o mundo, eu tinha sempre 10 ou 20 ou 30 prioridades esperando pelos meus cuidados.

Não mudei. O mundo também não. Ou mudou —para pior. Olho para todo lado —TV, jornais, redes sociais, amigos próximos, colegas distantes— e a política ocupa várias noites e várias vidas. Como explicar essa intensidade?

O escritor e filósofo Tristan Garcia tem um ensaio, que é apenas a primeira parte de uma trilogia anunciada, no qual explora o assunto. 

Aconselho a qualquer editor brasileiro dotado de atividade cerebral.

O título é The Life Intense (li em inglês) e a tese de Garcia é uma espécie de réquiem à elegância, à sutileza, à capacidade negativa que Keats atribuía a Shakespeare —a capacidade de aceitar a incerteza como algo de belo e humano.

Hoje, queremos novidade, radicalidade, intensidade. O resultado é uma gritaria sem fim em que lunáticos diversos, de esquerda ou de direita, exibem em público, como aqueles tarados que gostam de ostentar a genitália no metrô, os seus entusiasmos.

No fundo, fazem lembrar Howard Beale, o personagem central de Rede de Intrigas, dirigido por Sidney Lumet. 

Recordo-me desse filme porque, informa o New York Times, o ator Bryan Cranston (o imperdível Walter de Breaking Bad) vai encarnar Beale na Broadway a partir de 6 de dezembro.

Hélas, não estarei pela cidade. Mas é sempre possível ver ou rever o filme, que não envelheceu uma ruga. Pelo contrário, está mais jovem que nunca.
No centro da trama temos o referido Howard Beale (Peter Finch, em papel que lhe valeu o Oscar póstumo), em plena meia-idade, com vários fracassos pessoais e profissionais no currículo. Quando é despedido, o veterano jornalista acaba por surtar ao vivo.

Em condições normais, esse desastre seria o último capítulo de qualquer carreira. No caso de Beale, é o grande jackpot, como afirma a produtora Diana Christensen (uma gélida e deslumbrante Faye Dunaway).

Beale é uma espécie de profeta insano que articula a raiva popular contra a corrupção, a crise, o desemprego —contra tudo e contra todos.

Uma frase dele, gritada para as câmeras, ficou célebre: Estou louco de raiva e não vou tolerar mais isso!. O que é isso ao certo?

Ninguém sabe. Mas a cidade inteira imita o gesto e berra das janelas, dos balcões, das ruas —uma catarse coletiva, irracional, selvática.
Previsivelmente, o establishment fica horrorizado com as jeremíadas de Beale. Incluindo o seu velho amigo Max (William Holden, no papel de uma vida), para quem o grande circo midiático é grotesco e desumano.

Mas o ibope não mente: a moribunda estação de TV ressuscita e o lunático adquire a autoridade de um sábio. Pelo menos, até mudar de ideias e torpedear o seu próprio sucesso com novas investidas de sinal contrário.

Rede de Intrigas foi filmado em 1976 (ano de boas colheitas; perguntem a minha mãe, que teve a mim). Quarenta e dois anos depois, percebemos melhor que Howard Beale foi realmente um profeta —dos nossos tempos. Ele personifica a vitória da ignorância sobre o conhecimento; do emotismo sobre a racionalidade; da fúria sobre a dignidade.
E as massas que o seguem são as nossas massas: iradas por um difuso estado de coisas; sedentas por certezas absolutas (e absolutamente falsas); excitadas pela oportunidade de soltar a franga e incendiar a capoeira.

De igual forma, o amigo Max representa as qualidades contrárias: alguém que está longe de ser perfeito; mas para quem até as imperfeições são um pretexto para ser honesto, modesto e humano. Um dinossauro, portanto.

O filme não tem um final feliz, para usar um eufemismo. Nem poderia. Eis o seu aviso cômico, ou trágico: viver em estado de histeria permanente ainda nos vai enterrar a todos. (por João Pereira Coutinho)

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A ADEG INFORMA: SUBSTITUIÇÃO NO TIME DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SAI PAULO FREIRE E ENTRA PLÍNIO SALGADO.

antonio prata
TRESLOUCADA EXPOSIÇÃO DE CRENÇAS
Em 7 de novembro, o filósofo Ricardo Vélez Rodríguez, futuro ministro da Educação, publicou num blog o texto Um roteiro para o MEC (vide aqui), expondo os rumos que pretendia dar à pasta, caso fosse convocado. Ali:
— afirma que o ministério é hoje uma instituição “destinada a desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em soma (sic), do patriotismo”; 
— reclama de “uma doutrinação de índole cientificista” (o que seria este cientificismo? Ensinar sobre seleção natural? Aquecimento global?); 
— fala de “invenções deletérias” como educação de gênero;
— cita o PT, Marx, Gramsci (duas vezes), mas não usa uma única vez as palavras alfabetização, português, matemática ou escola
Vélez Rodríguez, mais um asnático ministro made by Olavo
Professor ele escreveu duas vezes: para falar do “professor e amigo Olavo de Carvalho” e do “professor e intelectual” Vélez Rodríguez. 

A escolha do colombiano explicita o que já ficou sugerido no veto a Mozart Ramos, membro do Instituto Ayrton Senna (aos olhos da bancada evangélica, praticamente a VAR-Palmares): a função do MEC no governo Bolsonaro não será ensinar a ler, a escrever, a fazer contas, a compreender a origem da vida, das ideias e das instituições, mas lutar pelo desmonte de um inexistente complô esquerdista cujo objetivo é destruir a família, a pátria, Deus. 

Fico na dúvida se eles realmente acreditam nesse complô ou se é só uma desculpa pra empurrar goela abaixo das crianças a cartilha do pensamento único da extrema direita cristã. 

Afinal, a cartilha não é só reacionária, é delirante. Vélez Rodríguez afirma no texto citado que os governos petistas promoveram “uma tresloucada oposição de raças”. O futuro ministro realmente acha que até a chegada de Lula ao poder os brancos e os negros viviam em pé de igualdade no Brasil? 

Segundo a Pnad 2017, negros ganham em média R$ 1.570, contra R$ 2.824 dos brancos. Negros representam 54% da população, mas são 75% entre os 10% mais pobres (Pnad 2015). Entre o 1% mais rico, há só 17,8% de negros. 9,9% de negros e pardos são analfabetos, mais que o dobro do número de brancos, 4,2%. Para cada branco vítima de homicídio há dois negros. 

Da mesma forma como acredita que a oposição de raças nasce com a reação dos negros à injustiça (obra, pelo que entendi, da ameaçadora hegemonia vermelha), a extrema direita cristã também parece crer que o desejo é inculcado nos jovens pelas aulas de educação sexual: se não falarmos sobre sexo, todos permanecerão virgens até o casamento —heterossexual, claro. 

É justamente o contrário: é com informação que se combate gravidez precoce, DSTs, homofobia, machismo. Educação sexual não tem nada a ver com distribuição de mamadeiras com bico de pênis em creches, como pregava uma das inúmeras fake news que ajudaram a eleger Bolsonaro —“através de meios singelos de comunicação como o Smartphone e a Internet”, segundo o ministro, dando aí uma nada singela ressignificação à palavra singelo.

A Escola sem Partido defendida pelo futuro ministro e pelo presidente eleito afirma querer impedir a doutrinação nas salas de aula. 

Basta ler Um roteiro para o MEC, contudo, para compreendermos que o principal objetivo do MEC no novo governo será justamente a doutrinação. Política. Religiosa. Cultural. 

Minha esperança está na solidez de nossas instituições: no sólido descalabro da educação pública, que mal é capaz de alfabetizar os alunos, que dirá doutrinar uma geração... (por Antonio Prata, escritor e roteirista)
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