jânio de freitas
UM CASO À PARTE
O único erro nas escolhas de Jair Bolsonaro, até agora, é irreparável e prenuncia um poderoso contrapeso para a voracidade direitista dos demais escolhidos, tão coincidentes com as posições do presidente eleito.
A cada dia o general e vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, se caracteriza mais, em muitos sentidos, como um caso à parte na cúpula do futuro governo. Condição que, fora dali, tem até suscitado expectativas distensionantes.
Escolha talvez não seja a palavra adequada para a inclusão do general na chapa que o leva ao poder. Uma informação com boa origem, mas ainda sob ressalva, indica que Bolsonaro foi aconselhado na área militar, quando já tinha seu escolhido, a ceder a vice a Mourão.
A desafinação com as ideias de Bolsonaro, sobretudo nas relações internacionais, e com sua conduta desatinada, bem conhecida no Exército que o dispensou, estavam entre os primeiros motivos para a iniciativa do conselho. O complemento, com o nome, veio do conceito de Mourão nos altos escalões militares (o general foi eleito neste ano para a presidência do Clube Militar).
O silêncio durou pouco. Houve quem atribuísse as discordâncias a truque eleitoral, atenuando um pouco o extremismo direitista do candidato a presidente.
A divergência continua, porém. E, mais do que isso, adota uma segurança afirmativa que não se assemelha a arroubos. Mostra-se não só em contradição com medidas previstas pelos planejadores do governo, como desqualificantes para o próprio Bolsonaro. Francas e ditas com naturalidade.
"Às vezes o presidente tem uma retórica que não combina com a realidade", diagnóstico comprovado e reiterado, agora, ao Financial Times e republicado na seção Toda Mídia da Folha de S. Paulo. Ainda: "A China não está comprando o Brasil", desmentido frontal ao argumento maior de Bolsonaro para propagar o afastamento brasileiro na relação com a China (Bolsonaro é adepto da hostilidade belicista de Trump aos chineses).
Mas Mourão não fica só em considerações de aparência pessoal. Antecipa o que, diz, virá a ser. À parte a posição de Moro ou contra ela.
"Tenho certeza absoluta de que nós não vamos brigar" [com a China].
A mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, já reafirmada por Bolsonaro, "é uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada".
Sobre o fim do Mercosul, também dado como decisão, "antes de pensar em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços necessários para que atinja os seus objetivos".
O Mercosul continua, pois, seja qual for o desejo comum a Bolsonaro, Paulo Guedes, ao chanceler medievo. E vai por aí. Ou vão por aí, o grupão para um lado, Mourão para o outro.
O revestimento da dissociação é, da parte do vice, uma habilidade política nas formulações que, também nisto, contrasta com a batalha de Bolsonaro para coordenar palavras, por poucas que sejam.
A exposição das posições de Mourão é, em geral, acompanhada de umas frases que aparam a contestação. E tudo se passa sem cerimônia, no clima dos que conversam à vontade. Não é o clima em que os quatro Bolsonaros e seus principais circunstantes convivem.
São muito poucos os elementos para imaginar os futuros possíveis, ou não, dos embates que se insinuam.
Ainda assim, pode-se aventar a probabilidade de que os desdobramentos sejam influenciados, ou mesmo decididos, pelas forças das respetivas retaguardas.
Não as partidárias. As militares. (por Jânio de Freitas)
2 comentários:
As divergências com o vice general devem se acirrar depois das declarações do Assessor 03, o chamado "ministro das relações posteriores", à saída de um beija-mãos em Washington, sobre a decisão irrevogável da transferência da embaixada brasileira no Estado Bíblico de Israel. O estrelado já disse que não é bem assim, que decisões desse porte devem ser mais bem pensadas. A ver.
Marco Aurélio
Sem dúvida. Seria desvantajosa em termos econômicos e, ainda por cima, poderia tornar nosso país alvo do terrorismo islâmico.
A influência dos vendilhões do templo no novo governo será um de seus piores aspectos. Um dos grandes marcos da civilização foi quando os países deixaram de ser regidos pela idiotia religiosa.
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