quinta-feira, 29 de novembro de 2018

POR NÃO TERMOS FEITO A AUTOCRÍTICA OBRIGATÓRIA EM 2016, SOFREMOS UMA DERROTA PIOR AINDA EM 2018

Nunca foi isto que se pretendeu do PT...
Sou um brasileiro cordial, então estou sempre pronto para fornecer as informações necessárias a companheiros que redigem seus artigos sem conhecimento de causa. Nem precisam agradecer...

O Breno Altman, fundador do Ópera Mundi, aparece no site da Folha de S. Paulo com um artigo em que explica da seguinte forma o que Deus e o mundo vêm exigindo do Partido dos Trabalhadores nos últimos anos:
"De Giordano Bruno, Galilei e Copérnico, entre outros hereges, a Santa Inquisição não queria extrair apenas a liberdade ou a própria vida. Acima de tudo, buscava abjuração das ideias. Puni-los era insuficiente: a Igreja somente se dava por satisfeita quando beijavam a cruz e reconheciam que a Terra era o centro do universo.
Esse espírito atravessou os tempos. Muitas das vozes que exigem autocrítica do Partido dos Trabalhadores, por exemplo, assim mascaram o desejo de vê-lo renegando sua natureza classista".
Também Carlos Lungarzo, que sempre merecerá nosso reconhecimento pela abnegada colaboração que presta há tantos anos à causa de Cesare Battisti, foi extremamente infeliz ao tecer estes comentários, em artigo publicado no Congresso em Foco:        
"...a autoflagelação é apenas uma versão masoquista do sadismo judicial, cujo objetivo não é “redimir” o autor do crime, mas fazer que ele seja castigado para prazer de seus carrascos e da turba que estes levam do cabresto.
...mas sim o reconhecimento dos erros cometidos...
A autocrítica do PT só serviria para que a ralé linchadora pequena-burguesa se delicie, e possa dizer: até eles próprios, os malditos petralhas, reconhecem seus crimes".
Quem não conheceu a esquerda de tempos melhores nem está informado sobre suas práticas, pode até concordar com a desnecessidade de o PT fazer uma autocrítica, confundida, por meio de uma retórica melodramática, com o mero arrependimento cristão.

O que eu tenho a dizer a ambos é: menos, companheiros, menos

Se consideram necessário atirar boias para um partido que se afoga num mar de lama, façam-no, mas não omitam que é uma tradição de longa data da esquerda desencadear processos de crítica e autocrítica após ter cometido graves erros, cujos resultados hajam sido desastrosos.

Do ponto de vista da esquerda, nunca se tratou de ajoelhar no milho, dizer perdoe-me, Pai, pois eu pequei e beijar cruzes, mas sim de identificar onde estavam as falhas, corrigi-las e tomar providências para evitar sua futura repetição (a chamada autocrítica na prática), além de avaliar o comportamento dos dirigentes responsáveis por fracassos catastróficos.

O processo de autocrítica mais emblemático da esquerda brasileira foi o ocorrido em 1964 e anos seguintes, porque nos era totalmente inaceitável o fato de sequer ter havido qualquer reação significativa à usurpação do poder pelos golpistas.
...e o resgate de bandeiras fundamentais para o partido...
Como resultado, o PCB perdeu sua hegemonia na esquerda e nunca mais a reconquistou; novos partidos e organizações foram criados, outros se fundiram, muitos racharam, mudando diametralmente a correlação de forças no nosso campo; e se preparou o terreno para a adesão à guerrilha urbana e rural, que se tornaria a forma predominante de luta a partir do AI-5.

E isto tudo em função de um golpe dado com tropas e tanques na rua. O que dizer do impeachment de Dilma Rousseff, uma vergonhosa rendição sem luta, em que bastou um peteleco parlamentar para mandar a presidente eleita para casa?!

Então, tendo Dilma sido afastada temporariamente da presidência da República em 12 de maio de 2016 e estando careca de saber que a ela não voltaria 180 dias depois nem que a vaca tossisse, eu abri o blog Náufrago da Utopia para a discussão em profundidade das causas e consequências do que acabara de ocorrer.

No próprio dia 12 saíram estes dois artigos analíticos, um meu e o outro do Dalton Rosado.  

E muitos mais vieram na esteira, tanto da nossa equipe quando os que pinçamos na grande imprensa e nas redes sociais, até que, no dia 17,  lancei esta convocação para todos que quisessem dar suas contribuições ao debate sobre a refundação da esquerda, detalhando o que tínhamos a obrigação de abordar naquele instante:
...continuar sendo uma alternativa ao sistema político podre.
.
"A reaglutinação de forças deve marchar paralelamente com a depuração moral, pois não conseguiremos reconquistar o respeito do cidadão comum se nossa imagem continuar associada à daqueles que, comprovadamente, tenham utilizado a atuação política para, de forma ilícita, perseguir objetivos pessoais como o enriquecimento e a conquista de status.
E, claro, como não adianta repetirmos o que deu errado na esperança de que na vez seguinte dê certo, temos de discutir quais as novas estratégias e táticas a serem adotadas, para substituírem as que chegaram ao esgotamento na atual década".
Enfim, como blogueiro de esquerda que desde o primeiro momento abracei a ideia da autocrítica e fiz tudo que pude para que a dita cuja se tornasse realidade, espero dos companheiros Lungarzo e Altman as ressalvas obrigatórias: 
— de que a autocrítica do PT foi pleiteada em primeiro lugar pela esquerda e dentro da concepção que a esquerda tem deste processo, que não tem absolutamente nada a ver com o arrependimento cristão nem com as práticas da Inquisição Católica; e
— de que, seja lá o que for que a direita tenha cobrado muito tempo depois do PT em termos de autocrítica, quem lançou a ideia não foi ela, fomos nós, daí ser inaceitável fazê-la passar por uma iniciativa dos inimigos de classe e, a partir daí, desqualificá-la aos olhos dos leitores do nosso lado.
Para acessar a imperdível entrevista do Paulo Paim, clique aqui
[O nós a que me refiro no parágrafo anterior inclui desde a equipe do Náufrago até o Tarso Genro (que nos antecedeu), bem como os companheiros que simultaneamente ou mais adiante se manifestaram no mesmo sentido, dentre eles o Leonardo Boff, o Paulo Paim, o Gilberto Carvalho, o Guilherme Boulos e tantos outros, além do grande Noam Chomsky lá fora.]

E o que deveria e deve constar de tal autocrítica? Principalmente isto:
— se foi correta a derivação do PT para a conciliação de classes, para o populismo e para o reformismo ou deveria ter sido mantida a opção pela luta de classes e pela transformação em profundidade da sociedade brasileira;
— se, face à facilidade com que Dilma foi expelida da Presidência quando os poderosos decidiram fazê-lo em 2016, compensa continuar-se priorizando a conquista de posições no Estado burguês ou é hora de voltarmos a colocar em primeiro plano a participação nas lutas sociais e a acumulação de forças para a superação do capitalismo;
Walter Pomar discutiu a autocrítica com outros expoentes da esquerda 
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— o reconhecimento de que foi um erro terrível o PT ter voltado as costas aos manifestantes de junho de 2013 e ficado indiferente à desmedida repressão policial e judicial que foi lançada contra eles;
— o reconhecimento da responsabilidade que o PT teve na gestação da pior recessão econômica da História brasileira;
— o reconhecimento de que a adesão do Governo Dilma Rousseff ao neoliberalismo em 2015 confundiu e desmobilizou a esquerda, o que contribuiria decisivamente para a perda da batalha pela supremacia nas ruas em 2016;
— o reconhecimento de que a derrota eleitoral em 2018, diante de um inimigo destrambelhado e caricato (mas perigoso), se deveu a erros crassos como a insistência na candidatura fantasma do Lula e o torpedeamento da tentativa de articular-se uma frente da esquerda, tendo como cabeça de chapa um candidato que não carregasse consigo a imensa rejeição ao PT; e
— o reconhecimento de que a conduta moral do PT no poder não foi condizente com os valores da esquerda nem deverá ser jamais repetido por aqueles cuja razão de existir é regenerar uma sociedade apodrecida (sendo, portanto, os que mais devem resistir à tentação de chafurdarem em tal podridão). 
Até o Juca Kfouri exige, de forma veemente, a autocrítica.
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Enquanto não acertarmos as contas do passado, continuaremos sendo vistos como inconfiáveis por aqueles que precisamos conquistar ou reconquistar para juntos construirmos um futuro bem diferente desse pesadelo com que o populismo neofascista nos acena.

Por não termos feito a lição de casa em 2016, sofremos derrota ainda pior em 2018. 

Então, ou nos colocamos à altura dos desafios que passaremos a enfrentar a partir do primeiro dia de 2019, ou nosso destino será, na melhor das hipóteses, a irrelevância; e na pior, a tragédia. 
                             (por Celso lungaretti)

4 comentários:

Anônimo disse...

Pode esquecer. PT nunca fara essa autocritica. Simplesmente porque acham que nao erraram.

Alessandro Alcântara disse...

Celso, por que a Esquerda insiste tanto na conversão do PT em vez de chutá-los do meio da Esquerda de vez? Por que mendigam tanto a massa ativista do PT, em vez de formar novas forças (preguiça ou desaprenderam em como se faz, e não conseguem reaprender)? Bolsonazi tá aí e a Esquerda nada vai fazer, ficará perdendo tempo mendigando o PT pra sempre? Nem preciso prever o futuro pra ter certeza que o partido NUNCA se corrigirá. Me dá entalo de ansiedade na garganta ver a Esquerda não sair desse marasmo nem com o circo pegando fogo. Eu esperava mais. Como já disse um colega meu, a Direita está mais """revolucionária""" (no sentido de tomar o poder e vencer o inimigo, por isso enchi de aspas) que a Esquerda; e a Esquerda ainda não se deu conta disso. Valeu e abraço.

celsolungaretti disse...

Por dois motivos, companheiro. Um é que, infelizmente, não dispomos de militantes na quantidade necessária, precisamos urgentemente ampliar nossas fileiras se quisermos atuar nas lutas sociais de todo o Brasil, como eu proponho.

Temo que não tenha sobrado quase nada de aproveitável entre os dirigentes petistas. Os que valiam a pena, já saíram. Os que sobraram são os responsáveis por todas as opções catastróficas que o partido fez de 2014 para cá.

Mas, há gente idealista sendo desperdiçada por lá, que pode prestar boa ajuda se a atrairmos para cá.

Veja essa meninada que tem a coragem de acampar perto da prisão do Lula, arriscando-se a levar tiro tão somente para reproduzir os ridículos culto à personalidade do tempo do Stalin. Eu gostaria muito de ver essa coragem aproveitada na luta contra o inimigo, não na veneração quase religiosa de um velho ídolo.

E, em segundo lugar, enquanto o PT tiver força suficiente para exercer alguma influência, continuará fazendo-o no mau sentido. Agora, p. ex., temo que tente recuperar algum prestígio radicalizando a oposição ao Bolsonaro. Aí, pode dar a ele argumentos para convencer os militares a embarcarem na sua aventura, pois, como tenho alertado, tudo indica que, mais dia, menos dia, ele tentará um autogolpe.

Ou seja, o PT leva todo jeito de que fornecerá gratuitamente o pretexto, dispensando a contratação de cabos Anselmos para botarem fogo no paiol.

celsolungaretti disse...

Ao companheiro que postou como comentário, dividido em 4 partes, o artigo do Carlos Lungarzo: agradeço o interesse e o esforço, mas era desnecessário. O link do artigo dele já estava no post, era só clicar em CONGRESSO EM FOCO (com caracteres vermelhos) para abrir.

Desculpe se isto não ficou evidente para você (e, certamente, para outros leitores também). Vou fazer mais didático da próxima vez.

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