quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

OPERAÇÃO PANOS QUENTES

Vou surpreender meus leitores, ao reconhecer que, pelo menos num ponto, a avaliação dos comandantes militares insubmissos é correta: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mesmo empurrando com a barriga a solução da crise que eles provocaram.

A ordem é minimizar o frontal desafio do ministro da Defesa Nelson Jobim e dos três comandantes das Forças Armadas (ou apenas de dois, as versões variam...), à autoridade presidencial, ao Governo, à democracia e aos valores da civilização.

Tarso Genro e Paulo Vannuchi, seguindo o script da Operação Panos Quentes, dizem que a coisa não foi tão grave assim e que as arestas serão aparadas futuramente.

Não se sabe sequer quando. Alguns dizem que vai ser a partir do 11 de janeiro em que Lula reassumirá seu posto. Outros, que a nova e expurgada versão do Programa Nacional de Direitos Humanos só será conhecida em abril.

O veteraníssimo colunista político Jânio de Freitas denuncia que o vazamento da insubordinação militar foi orquestrado: plantaram a notícia simultaneamente em vários órgãos de imprensa, uma semana depois dos fatos.

Quem seriam os vilãos? Pessoas interessadas em provocar crises institucionais, com vistas à próxima eleição presidencial.

Ou seja, quereriam minar a popularidade de Lula, ao açularem contra ele o que há de mais liberticida, reacionário, rancoroso e podre na sociedade brasileira.

Faz sentido.

TIGRES DE PAPEL

Subsiste, entretanto, o fato de que as forças golpistas são aquelas mesmas que tentaram lançar o Cansei, com enorme apoio na mídia, e mesmo assim colheram retumbante fracasso.

Se possível, estão mais debilitadas ainda, face ao aumento acentuado da popularidade do Lula.

Então, é de se lamentar que ele não tenha aproveitado o momento propício para esmagar o ovo da serpente, utilizando um motivo que sempre calou fundo na caserna: a quebra da autoridade.

Quando o ditador Geisel tentava desmontar a máquina de terrorismo de estado que se tornara desnecessária com o fim da luta armada, havia muitos setores militares que continuavam defendendo o DOI-Codi.

Aí se deu o assassinato de Vladimir Herzog e Geisel ordenou aos torturadores: um acontecimento desses não poderia se repetir.

Logo depois eles mataram Manuel Fiel Filho. Foi quando Geisel extinguiu o DOI-Codi e dispersou seus integrantes por unidades militares distantes, não porque fossem culpados de atrocidades, mas por terem descumprido a ordem direta dele, comandante supremo das Forças Armadas.

Nem o mais empedernido defensor do arbítrio ousou protestar, quando as coisas foram colocadas dessa forma. A obediência à hierarquia é incutida nos aspirantes a oficiais desde o primeiro dia de Academia.

Enfim, não adianta chorarmos o leite derramado. Lula perdeu ótima oportunidade para livrar-se dos que estão, dentro do seu governo, semeando ventos para provocar tempestades.

Torçamos para que ele não venha a arrepender-se amargamente disto -- pois os maiores prejudicados seremos nós.

O FUNDAMENTAL E O SECUNDÁRIO

De resto, os ministros progressistas devem ter clareza quanto ao que é realmente importante defenderem, durante a revisão do PNDH prometida por Lula aos militares chantagistas.

A apuração integral dos crimes praticados por agentes do Estado (e pelos paramilitares por eles acobertados, como os do CCC) durante a ditadura é imprescindível e inegociável.

A apuração simultânea de eventuais excessos praticados por resistentes seria totalmente descabida, uma mera igualação entre carrascos e vítimas, que só se sustenta em termos propagandísticos.

A extrema-direita bate nesta tecla à exaustão nos seus sites goebbelianos, omitindo sempre que nada disso teria acontecido se a democracia não houvesse sido detonada pelos golpistas de 1964; e que há enorme diferença entre terrorismo de estado, sancionado pelo ditador de plantão e seus ministros (os signatários do AI-5), e as reações desesperadas dos resistentes.

No fundo, os comandantes fascistas não são tão obtusos a ponto de ignorarem que por aí não se irá a lugar nenhum, em termos legais. Querem apenas munição para a batalha de mídia, contando com a conivência da grande imprensa para confundir a opinião pública.

É uma falácia que deve ser firmemente rechaçada.

Quanto à retirada ou manutenção das homenagens prestadas a totalitários, não importa tanto.

O povo, na verdade, não está nem aí para a figura histórica que deu nome a uma via ou logradouro público.

Às vezes, a denominação oficial nem sequer vinga, como nos casos da ponte Rio-Niterói (RJ) e do Minhocão (SP). Quem atenta para que ambos reverenciam o ditador Costa e Silva? Quantos conhecem o papel histórico que ele desempenhou?

Quando a coisa passa da conta, a reação da cidadania já corrige a distorção: em São Carlos (SP), uma campanha de esclarecimento foi suficiente para a rua Sérgio Paranhos Fleury ser rebatizada como rua D. Helder Pessoa Câmara.

Então, meu conselho ao Vannuchi e ao Tarso é que finquem pé no fundamental e não desperdicem energias com o secundário.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

JOBIM E COMANDANTES MILITARES CONFRONTAM O GOVERNO

Pinochet e seus carrascos: semelhança não é mera coincidência

A notícia é da edição desta 4ª feira (30) de O Estado de S. Paulo. Tão grave que a transcreverei quase integralmente, antes de fazer meus comentários:
"A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos [vide aqui meu artigo a respeito], que se propõe a criar uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar na véspera do Natal e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a escrever uma carta de demissão e a procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo.
"Solidários a Jobim, os três comandantes das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada.

"Na avaliação dos militares e do próprio ministro Jobim, o PNDH-3, proposto pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e lançado no dia 21 passado, tem trechos "revanchistas e provocativos".

"Ao final de três dias de tensão, o presidente da República e o ministro da Defesa fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas de lei a enviar ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas e, se for preciso, a base partidária governista será mobilizada para não aprovar textos de caráter revanchista.

"Os comandantes militares transformaram Jobim em fiador desse acordo, mas disseram que a manutenção da Lei de Anistia é 'ponto de honra'. As Forças Armadas tratam com 'naturalidade institucional' o fato de os benefícios da lei e sua amplitude estarem hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF) - isso é decorrente de um processo legal aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Aldir dos Santos Maciel, este já falecido.

"Além da proposta para revogar a Lei de Anistia, que está na diretriz que fala em acabar com 'as leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos', outro ponto irritou os militares e, em especial, o ministro Jobim.

"Ele reclamou com Lula da quebra do 'acordo tácito' para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos 'para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985'.

"Jobim foi surpreendido com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada. Os militares dizem que se essas investigações vão ficar a cargo de uma Comissão da Verdade, então todos os fatos referentes ao regime militar devem ser investigados.

"'Se querem por coronel e general no banco dos réus, então também vamos botar a Dilma e o Franklin Martins', disse um general da ativa ao Estado, referindo-se à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao ministro de Comunicação de Governo, que participaram da luta armada.

"Os militares também consideram 'picuinha' e 'provocação' as propostas do ministro Vannuchi incluírem a ideia de uma lei 'proibindo que logradouros, atos e próprios nacionais e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade'.

"...Lula rejeitou a entrega da carta de demissão e disse que contornaria politicamente o problema. Pediu que o ministro garantisse aos comandantes militares que o Planalto não seria porta-voz de medidas que revogassem a Lei de Anistia.

"Os militares acataram a decisão, mas reclamaram com Jobim da posição 'vacilante' do Planalto e do 'ambiente de constantes provocações' criado pela secretaria de Vannuchi e o ministro Tarso Genro (Justiça). Incomodaram-se também com o que avaliaram como 'empenho eleitoral excessivo' da ministra Dilma no apoio a Vannuchi."
VALE REPETIR: DEMOCRACIAS
NÃO ACEITAM ULTIMATOS


De resto, é até ocioso comentar essas imposições arrogantes dos comandantes militares, que, aliás, não passam do mais ridículo blefe.

Eu já o fiz em setembro de 2007, quando o Alto Comando do Exército, por motivos semelhantes, emitiu um papelucho que nenhuma democracia poderia engolir, mas Lula, ao invés de demitir imediatamente os insubordinados, cedeu à chantagem.

Só para lembrar, eis alguns trechos do artigo que lancei na ocasião, Democracias não aceitam ultimatos:
"A nota oficial lançada pelo Alto Comando do Exército na última sexta-feira (31) é inaceitável para qualquer democracia, pois coloca essa Arma acima dos três Poderes da Nação (...) (e) representa uma quebra de autoridade, já que desautoriza o ministro da Defesa, e coloca em dúvida (...) o acerto das iniciativas do estado brasileiro para reparar as atrocidades cometidas durante os anos de chumbo.

"Não, esses fatos históricos têm uma interpretação unânime por parte dos historiadores eminentes e uma interpretação única do estado brasileiro. Ao Exército cabe aceitá-la e não contestá-la...

"Modificar ou não qualquer lei é uma decisão que, numa democracia, cabe aos Poderes da Nação e não precisa ter a anuência do Exército.

"Para que haja uma verdadeira reconciliação nacional, não a imposição da paz dos vencedores sobre os vencidos, é imperativo que as Forças Armadas brasileiras reconheçam que o período 1964/1985 não passou de uma aberração, assim como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália. Suas congêneres desses países renegam o período em que, submetidas ao comando de forças totalitárias, atentaram contra os direitos dos povos e dos cidadãos.

"É hora do Exército brasileiro fazer o mesmo, voltando realmente a ser o Exército de Caxias. Até lá, haverá sempre a suspeita de que se trate do Exército de Brilhante Ustra – aquele antigo comandante do DOI-Codi que, na frase imortal do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, 'emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar'."
Tudo que havia para se dizer, eu já disse há mais de dois anos. A nova crise é uma reprise daquela que foi tão malresolvida em 2007.

Só mudou mesmo a posição de Jobim, que se dispunha a submeter os militares à autoridade democrática e, humilhado pelo recuo de Lula, percebeu de que lado estava a força: desde então, submete-se ele próprio às imposições da caserna e se faz porta-voz de suas ameaças grosseiras.

É TOTALMENTE INACEITÁVEL QUE OS MILITARES INSISTAM ATÉ HOJE EM IGUALAR CARRASCOS E VÍTIMAS, NA CONTRAMÃO DE TODO DIREITO CIVILIZADO, DAS DETERMINAÇÕES DA ONU E DO MILENAR DIREITO DE RESISTÊNCIA À TIRANIA.

QUEM FAZ UMA EXIGÊNCIA DESSAS, EXCLUI-SE AUTOMATICAMENTE DA DEMOCRACIA E DE GOVERNOS DEMOCRÁTICOS. FALTOU APENAS A DECISÃO PRESIDENCIAL NESTE SENTIDO.

Encerro com um apelo ao Exmo. Sr. Presidente da República: não repita o trágico erro de João Goulart!

Jango assumiu o poder em função da resistência do povo e dos escalões inferiores das Forças Armadas, que abortaram o golpe de Estado em curso. Nem sequer precisaria ter aceitado o casuísmo parlamentarista, pois os conspiradores já estavam derrotados.

E, mesmo quando o povo lhe restituiu a Presidência plena, não tomou nenhuma atitude contra o núcleo golpista. Pelo contrário, omitiu-se quando os comandantes fascistas expurgavam as Forças Armadas, punindo e isolando os bravos sargentos e cabos que haviam frustrado a quartelada de 1961.

Deu no que deu: o golpe tentado em 1961 foi repetido, dessa vez com êxito, em 1964.

Então, presidente Lula, esmague o ovo da serpente enquanto é tempo! Os totalitários não são hoje maioria nas Forças Armadas, nem de longe. Pague para ver, que as tropas deixarão a alta oficialidade falando sozinha.

Como comandante supremo das Forças Armadas, faça o que precisa ser feito enquanto tem a popularidade no auge e os ultradireitistas não ousam bater de frente com o seu carisma.

O quadro político está sempre sujeito a mudanças: adiante, as medidas saneadoras poderão custar muito sofrimento.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O CONFRONTO NO IRÃ É ENTRE LIBERDADE E TIRANIA. QUAL APOIAREMOS?

Em 1968 como agora, aqui como no Irã, nosso lado só pode ser o dos que lutam pela liberdade.

O presidente do Parlamento iraniano, Ali Larijani, acaba de pedir pena de morte para os manifestantes que entraram em confronto com as forças de segurança no último domingo (27):
"O Parlamento quer que os serviços secretos e as autoridades judiciais prendam as pessoas que insultam a religião e que imponham a pena máxima, em particular aos que destruíram bens públicos".
Antes mesmo da jornada dominical, quando pelo menos oito manifestantes foram assassinados e pelo menos 300 aprisionados, o aiatolá conservador Ahmed Khatami já exortara a Justiça iraniana a deixar “de dar prova de tolerância aos líderes da conspiração". É um religioso sedento de sangue...

As autoridades confiscaram os cadáveres de cinco das vítimas do domingo sangrento, para evitar que seu enterro desse ensejo a novos protestos.

E há pouco, como noticiei, as Forças Armadas do Irã admitiram que oposicionistas foram mesmo estuprados e espancados até a morte na prisão de Kahrizak, após protestarem contra a eleição fraudada em benefício do presidente Mahmoud Ahmadinejad, no último mês de agosto.

Todo esse quadro me faz lembrar uma velha e pouco conhecida música dos grandes festivais de MPB: Ultimatum, de Marcos e Paulo Sérgio Valle, interpretada por Maria Odete. Principalmente o refrão: “A realidade é a verdade/ e é o que mais custa crer”.

A realidade é exatamente aquela que a imprensa mostra e alguns companheiros tanto relutam em aceitar: Ahmadinejad é um déspota apoiado por aiatolás retrógrados, que tentam, a ferro e fogo, perpetuar o obscurantismo medieval.

O que confunde um pouco as coisas é a posição de Ahmadinejad em relação a Israel.

Mas, se o preço para impedir que o estado judeu continue massacrando os palestinos é consentir que o estado iraniano continue massacrando seu próprio povo, verdadeiros revolucionários não o devem pagar, EM HIPÓTESE NENHUMA!

Há valores maiores em jogo:
  • o alinhamento, EM TODA E QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA, dos revolucionários com os que lutam pela liberdade, contra a tirania; e
  • a missão que Marx definiu para os revolucionários, de conduzirem a humanidade a um estágio superior de civilização, e não devolvê-la à barbárie.
No fundo, temos de novo a velha disputa entre princípios e realpolitik.

Em cada uma das vezes em que revolucionários colocaram de lado seus ideais para priorizar conveniências momentâneas, os resultados foram terríveis – vide, p. ex., o pacto entre a Alemanha nazista e a URSS stalinista, que destruiu a aura soviética aos olhos do mundo e não evitou a guerra entre ambas.

O ônus moral do apoio a Ahmadinejad é imenso. O que o justificaria, na nossa ótica?

O Irã, seguramente, não derrotará Israel no campo de batalha. Mandará os israelenses pelos ares com uma bomba atômica?

AINDA QUE FOSSE POSSÍVEL FAZER ALGO ASSIM SEM O RISCO DE PROVOCAR UMA REAÇÃO EM CADEIA CATASTRÓFICA PARA A HUMANIDADE, CONTINUARIA SENDO UMA HIPÓTESE INADMISSÍVEL PARA REVOLUCIONÁRIOS!


Os estadunidenses apagaram duas cidades japonesas do mapa, impondo horrores indescritíveis à população, apenas para exibir seu poderio.

Revolucionários não agimos dessa forma. Nossas vitórias são conquistadas a partir da mobilização das massas, não de armas do Juízo Final.

A nossa opção para derrotarmos Israel é unindo verdadeiramente os povos oprimidos e agredidos pelo estado judeu.

O que passa pela derrubada de mandatários feudais mais preocupados em perpetuar-se no poder do que em combater o inimigo, mais avessos à mobilização do seu próprio povo do que às carnificinas israelenses.

São as revoluções populares que nos aproximam do nosso objetivo, não os desmandos de tiranetes como Ahmadinejad.

Mais dia, menos dia, como fruta podre que é, ele cairá. Temos todos os motivos para apoiar os resistentes de lá e nenhum para apoiar o liberticida de lá.

Mesmo sendo a realidade o que mais nos custa crer, a cegueira sai muito cara para revolucionários. Trata-se de um luxo a que não podemos nos dar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

AQUI É O PAÍS DO FUTEBOL

"Brasil está vazio na tarde de domingo, né?
olha o sambão, aqui é o país do futebol"
(Milton Nascimento/Fernando Brant)

Nesta época em que quase nada acontece de realmente importante, a mídia continua necessitando preencher seus espaços. Qualquer coisa serve, até pelada de ex-jogadores de futebol.

Leio que o Time do Zico enfrentou os Amigos do Zico, em pleno Maracanã (!). O jogo terminou em 5x5 e o ex-Galinho de Quintino foi o artilheiro, com três gols, apesar dos seus 56 anos bem vividos.

Não dá pra saber se marcou mesmo esses tentos ou deixaram que os marcasse.

Quando Garrincha, acabado e gordo, atravessava terríveis dificuldades financeiras, armaram uma partida em sua homenagem, para prover-lhe uma graninha. Foi em 1973.

O grande Mané, um dos mais desconcertantes craques que o futebol brasileiro já produziu, dava até pena. Tropeçando nas pernas, foi incapaz de fazer o gol que os zagueiros adversários facilitavam até dar na vista.

Os cariocas, que compareceram em massa para se despedir do ídolo, não viram canto do cisne, só melancólica decadência. Mesmo assim aplaudiram sem parar, como bons brasileiros cordiais.

Mas, voltemos ao Zico.

Embora acompanhasse o futebol desde menino, tive poucas oportunidades de escrever sobre meu esporte favorito no batente diário de jornalista.

Uma vez foi às vésperas do Mundial de 1990. Fiz, para revistas de variedades, uma matéria com veteranos de Copas passadas dando seus testemunhos.

O trabalho foi facilitado pela participação de dois dos entrevistados na Seleção de Masters do Luciano do Valle. Então, numa manhã de domingo, consegui falar com o Zico e o Rivelino, que estavam hospedados com a delegação no hotel Transamérica (SP).

O galinho tomava sol à beira da piscina, com seu filho de uns oito anos. Causou-me ótima impressão.

Depois de tanto entrevistar políticos, artistas, personalidades e celebridades, era uma lufada de ar fresco falar com quem não mostrava empenho em me manipular, respondia com sinceridade, não esticava o papo nem me puxava o saco.

[O mais repulsivo entrevistado com quem me deparei foi o sindicalista Antonio Rogério Magri, ainda antes que se tornasse ministro do Trabalho do Collor. Ele fizera um curso de relações públicas nos EUA e o seguia à risca. Assim que me viu, garantiu ter certeza de já nos havermos cruzado antes. Só que eu também tinha certeza... de que nunca o vira mais gordo!]

Faz muito tempo e eu só me lembro do que o Zico me contou sobre a fatídica derrota na disputa em pênaltis com a França, no Mundial anterior.

Depois de haver desperdiçado uma penalidade máxima durante a partida, ele aceitou a responsabilidade de ser um dos cinco brasileiros que decidiriam a vaga. E não negou fogo. "Tive moral para dar a volta por cima e cumprir o meu papel", comentou.

Mas, indaguei, por que a última cobrança ficou para o zagueiro Júlio César (que chutou na trave) e não para um atacante, especialista no ofício?

O Zico confessou que havia um atacante escalado, mas "pipocou na hora H". Dignamente, não quis dar nome aos bois. [Por exclusão, seria o Careca...]

O PRÍNCIPE E O PLEBEU

Quanto ao que eu conversei dessa vez com o Rivelino, esqueci completamente. Mas, a ele eu já havia entrevistado antes, para a revista Playmen (projeto fracassado de revista masculina chique feita por editora pobre). E este, sim, foi um trabalho inesquecível.

Era lá por 1980 e ele estava em férias no Brasil, depois de duas temporadas no El Helai, da Arábia Saudita. Conversamos longamente no seu posto de gasolina do Brooklin (SP).

Falou muita coisa sobre a vida naquela país exótico:
  • que podia deixar o carrão aberto e com a chave no contato, pois ninguém roubava (se o fizesse, teria as mãos decepadas...);
  • que não podia receber fitas VHS dos filmes escandalosos da época, mas os assistia... com o próprio príncipe, a quem a restrição, claro, não atingia;
  • que era uma vida das mais tediosas e, vez por outra, os jogadores brasileiros armavam uma feijoada para espairecer, com caipirinha e tudo (mas, ai deles se consumissem álcool em público!).
Saí de lá com a impressão de que ele não aguentava mais o sufocante moralismo medieval. Ainda não se decidira a atravessar o Rubicão, mas parecia um condenado pesando os prós e contras de voltar para a prisão, após o Natal com a família.

Dito e feito. Duas semanas depois, recusou-se a cumprir até o fim seu contrato.

O príncipe, altaneiro e rancoroso, não exigiu compensação financeira nem aceitou propostas de clubes brasileiros por seu passe. Decretou apenas que o Rivelino, então com 35 anos, nunca mais jogaria futebol profissionalmente.

Vai daí que só lhe acabaria restando, como tardio prêmio de consolação, a trupe do Luciano do Valle.

A MAIOR LIÇÃO DO DOUTOR

Quanto ao jogador que eu mais gostaria de haver entrevistado, nunca rolou: o Sócrates.

Tão inteligente quanto ele nos gramados, só mesmo o Johan Cruyff holandês. E eu tenho especial admiração pelos maestros que ditam o ritmo e pensam pela equipe inteira.

Além dos três títulos estaduais a que conduziu o Corinthians (em 1983, principalmente, carregou o time nas costas) e da autoria de algumas das jogadas mais belas que vi na vida, deve-se ao Sócrates a incrível iniciativa de unir o grupo para a tomada de decisões que afetavam seus interesses, contrapondo-se à obtusidade dos cartolas. A democracia corinthiana foi uma experiência belíssima.

E, nesse esporte tão distorcido pela ganância extremada que passou a imperar nas últimas décadas, até um Adriano merece ser aclamado por trocar o vil metal pela satisfação de morar no Rio de Janeiro, fevereiro e março, que continua lindo e tem um povo caloroso como nenhum.

Maior ainda foi Sócrates, que se comprometeu publicamente (meninos, eu vi!), diante de um milhão de manifestantes das diretas-já, no Vale do Anhangabaú: "Se a Emenda Dante de Oliveira for aprovada, eu recusarei a proposta da Fiorentina. Ficarei para dar minha contribuição pessoal à redemocratização do Brasil!".

Nem de longe um magnata futebolístico, ele estava disposto a abrir mão de uma grana imensa em nome de suas convicções.

Mas, parlamentares canalhas ficaram insensíveis à vontade do povo. E me deixaram duplamente frustrado, como cidadão e como corinthiano...

domingo, 27 de dezembro de 2009

PARENTESCO DO GAROTO SEAN COM A GUERRILHEIRA GUTA INFLUIU NO CASO?

Resistentes trocados pelo embaixador dos EUA: Guta era a única mulher.

Por que resolvi escrever sobre os derradeiros capítulos da disputa da guarda do garoto Sean Goldman, que nunca chamara minha atenção?

Foi, é claro, por causa da ultrajante chantagem do senador estadunidense que, como resposta à sábia decisão do ministro Marco Aurélio Mello de adiar o desfecho do processo até que Sean fosse ouvido pelo Supremo Tribunal Federal, passou a embargar um projeto já aprovado pela Câmara de lá, no sentido de que se mantivesse durante 2010 uma isenção tarifária para exportações brasileiras.

Conhecendo Gilmar Mendes de outros carnavais, foi só ler a notícia para adivinhar que, aproveitando o recesso do STF, ele decidiria em nome da sonante razão de Estado (pois, se o projeto não fosse votado até 30/12, haveria um prejuízo de US$ 3 bilhões para os exportadores brasileiros).

Tão aberrante me parecia a capitulação diante dessa chantagem imunda que eu fiz tudo ao meu alcance para que ela não se consumasse. Foi pouco, infelizmente.

De início, nem sequer pretendia comentar o caso em si. Mas, compadeci-me desse menino que teve a vida virada pelo avesso quando a mãe o trouxe para o Brasil, outra vez quando a mãe morreu e mais uma vez agora, sendo privado da família que identifica como sua desde os quatro anos de idade.

E fiquei enojado ao saber que o tal David Goldman aceitara embolsar US$ 150 mil para não processar a avó de Sean.

Por último, desagradou-me seu egoísmo, ao priorizar a si próprio e não ao filho. É claríssimo que Sean preferia ficar no Brasil e não ser separado da irmãzinha.

Por que ele não aceitou uma solução intermediária, que não traumatizasse tanto aquele por quem deveria zelar? Por orgulho masculino ferido, senso de propriedade, oportunidade de despontar como vitorioso na mídia?

Tudo me faz concluir que seja um ser humano sem grandeza na alma.

Só neste domingo (27) vim a conhecer uma nova peça desse quebra-cabeças, que veio totalmente ao encontro da posição que assumi. Quis o destino que eu fizesse a opção mais coerente com com meus valores e devoções, mesmo sem conhecer todos os lados da questão.

O maior jornalista brasileiro vivo, Alberto Dines, publicou memorável artigo no Observatório da Imprensa, Uma História de Amanhã. Com sua sensibilidade aguçada, Dines também notou quão danosa foi a decisão de Gilmar Mendes para Sean:
"Prevaleceram no Supremo Tribunal Federal (STF) os argumentos ditos 'técnicos' e nos EUA as pressões de uma mídia sensacionalista, assanhada pelo espetáculo e pela bandeira 'Sean é nosso'.

"O governo americano sossegou, dona Hillary Clinton mandou dizer que está entusiasmada e agora pode implementar sua política de boa-vizinhança. Nossos magistrados estão certos de que cumpriram os ritos, as leis e convenções e agora podem lavar as mãos. Sempre lavam as mãos.

"Ao longo da encarniçada batalha judicial em torno do seu destino ninguém procurou saber o que se passava na alma desta criança que em quatro anos sofreu uma incrível sucessão de traumas: perdeu a mãe jovem, vivia ameaçado de ser separado da irmã recém-nascida, dos avôs maternos e do pai adotivo que lhe ofereciam carinho...

"...Ninguém pode adivinhar o que significa exatamente uma transição não-traumática para uma criança já tão traumatizada e sobressaltada".
A ÚLTIMA GRANDE CAUSA DE GUTA

Mas, foi nos comentários desse texto que eu encontrei a informação mais surpreendente e relevante (para mim). O leitor Flávio Salles, de Belém, postou:
"Não sou reporter e por isto mesmo acho muito estranho (na verdade nem tanto) que não se divulgue que o menino Sean é sobrinho-neto da ex-guerrilheira Maria Augusta Carneiro Ribeiro, a Guta, do MR8 e amiga intima do Zé Dirceu e do Lula. Acho que esta informação esclareceria mais um pouco o motivo de todo este carnaval em torno do repatriamento do menino..."
Seguindo a indicação de Salles, fui ao blogue do Zé Dirceu e encontrei o que ele escreveu quando da morte de Guta, no último mês de maio:
"Infelizmente, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, a Guta, não resistiu às conseqüências do acidente que sofreu há algumas semanas. Guardarei dela a imagem de combatente e de resistente - marcas que a acompanharam sempre...

"...Guta, junto com companheiros seus do MR-8 e da Dissidência Guanabara - Vladimir Palmeira e Ricardo Vilas Boas - fez parte do grupo dos 15 presos políticos (entre os quais, eu) trocados pelo embaixador americano Charles Burke Elbrick em 1969.

"Nos últimos anos, ela trabalhou como ouvidora da Petrobras. Sua última luta (...) foi em defesa do seu sobrinho neto, Sean...

"A permanência da criança no Brasil, com a família de sua mãe - Bruna Bianchi Carneiro Ribeiro, já falecida - foi a última grande causa na qual Guta se engajou. Essa é uma causa, portanto, que podemos e devemos abraçar como uma homenagem a Guta."
Mesmo ignorando tudo isso, eu o fiz. Tenho a consciência tranquila: graças à sorte ou à intuição, escolhi o rumo certo.

veja QUANTA SORDIDEZ!

A foto da direita foi escancarada pela "veja"; a da esquerda mostra o que lhe convém esconder.

Em sua retrospectiva de final de ano, a ex-revista veja dedicou página dupla ao Caso Battisti, mas o texto ocupa apenas um oitavo do espaço do panfleto Bem-vindo, terrorista!.

O restante é tomado por uma foto enorme do escritor em, segundo a Veja, "alegre convescote com um grupo de parlamentares do PT, PCdoB e PSOL".

A foto foi tirada em 23 de novembro último, sexto dia da greve de fome de Battisti.

Percebe-se claramente que ele está combalido; afinal, antes mesmo de iniciar o jejum, já vinha perdendo forças, por causa da depressão. Vomitava quase tudo, dormia pouco, emagrecera cinco quilos.

Outras fotos batidas na mesma ocasião evidenciam ainda mais suas péssimas condições físicas e seu abatimento. Mas a Veja, claro, optou por aquela em que Battisti se forçou a sorrir, para corresponder ao esforço que os senadores e deputados faziam para o animar.

O objetivo do "alegre convescote", na verdade, era o de convencê-lo a sair da greve de fome, pois não havia esperança de que seu caso tivesse solução imediata.

Nela prosseguir seria cavar sua sepultura, quando tudo caminha para um desfecho em que a Justiça e as leis brasileiras prevalecerão -- embora com lentidão exasperante.

Deveria ter sido libertado em janeiro de 2009, quando o Governo brasileiro lhe concedeu o refúgio que estava apto a conceder.

Amargará, provavelmente, um ano e meio de PRISÃO ILEGAL, apenas e tão somente porque o Supremo Tribunal Federal passa pelo período mais desastroso de sua História.

A ditadura militar foi para a lixeira em 1985 e, incrivelmente, TEMOS HOJE UM PRISIONEIRO POLÍTICO, por DECISÃO ARBITRÁRIA de Gilmar Mendes e do seu escudeiro Cezar Pelluso.

É o que afirma, p. ex., o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, perto de quem tal dupla é menos do que pó de traque.

Isto é que caberia à imprensa esclarecer -- mas, igualmente passando por sua fase mais desastrosa em todos os tempos, ela não o faz.

E a veja tem lugar destacado entre os linchadores midiáticos, ao lado da Folha de S. Paulo e da Carta Capital.

Sua sordidez chega ao ponto de escancarar uma foto dessas, omitindo a situação dramática que lhe deu origem!

O tipo de jornalismo que ora desenvolve tem como grande inspirador Joseph Goebbels.

Deveria ser um paradoxo, já que pertence a uma família de judeus.

Mas, face ao que Israel se tornou, tem tudo a ver: veja faz lobby pelo linchamento de Battisti tanto quanto mascara e justifica a política genocida que o estado judeu mantém contra os palestinos.

Como consequência, cada vez mais vai perdendo credibilidade, leitores, assinantes e anunciantes. Se já é uma ex-revista do ponto de vista jornalístico, marcha para sê-lo também em termos físicos.

Quem viver, verá.

sábado, 26 de dezembro de 2009

O PIOR PAÍS DO MUNDO

A China é o pior país do mundo, com sua mistura de capitalismo selvagem e tirania atroz.

Empedernidamente stalinista, até a morte do déspota bigodudo só divergia da URSS quanto a interesses nacionais conflitantes.

Mas, adorava aquela deturpação troglodita do socialismo.

Quando Nikita Khruschev denunciou os crimes de Stalin, em 1956, Mao Tsé-Tung se manifestou de forma furibunda contra a liberalização do regime, por ele designada como "revisionismo".

E, com sua revolução cultural, tentaria na década seguinte resguardar a China de quaisquer contágios de idéias libertárias (por mais tímidas que fossem...). Queria manter o país fechado numa redoma, como um bunker de fanáticos.

O maoísmo não sobreviveu a seu criador, mas o que veio depois foi ainda pior: um amálgama com o capitalismo na economia e a manutenção da ditadura do partido único na política.

No processo produtivo, os chineses de hoje estão submetidos a rigores comparáveis aos que padeceram os primeiros proletários nas minas (aqueles abusos denunciados com tanta veemência por Marx!).

E o regime continua tão boçal e atrabiliário que acaba de condenar a 11 anos de prisão um professor de literatura tão somente por haver subscrito um manifesto pedindo reforma da Constituição, eleições livres, pluripartidarismo, liberdade de expressão e de culto.

Repito: reivindicar direitos que os civilizados conquistaram a partir da Grande Revolução Francesa custa 11 anos de prisão na China de hoje! Está dois séculos atrasada e tenta de todas as formas engessar a História.

Não conseguirá, claro.

Quanto à imprensa burguesa, é reveladora sua omissão ante tais descalabros. Parece não ligar muito para a liberdade, quando quem a espezinha é uma nação que mantém sólida parceria com o mundo capitalista...

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

IMPUNIDADE DOS FIGURÕES? É COISA NOSSA...


Uma característica que noto em muitos internautas é a rigidez mecanicista, na medida que invariavelmente analisam episódios apenas sob um aspecto.

Assim, p. ex., mesmo os que dão desmesurada importância à felicidade do pai de Sean Goldman e nenhuma à de um menino que já tem nove anos, ainda assim deveriam reconhecer que foi simplesmente vergonhosa a capitulação de Gilmar Mendes ao ultimato do senador jeca estadunidense.

O cowboy deu tiros no chão e o Brasil pulou, como um perfeito canastrão. Só que nós não somos canastrões nem demos a Gilmar Mendes o direito de ser indigno em nosso nome.

Da mesma forma como Mino Carta elogiou Gilmar Mendes por querer de todas as formas linchar Cesare Battisti, os leitores do site Vi o Mundo elogiaram Gilmar Mendes por entregar Sean ao pai e náo deram a mínima ao fato de ele ter decidido vergonhosamente sob pressão dos EUA.

Agora, decerto, todos vão criticar Gilmar Mendes em uníssono, por haver aproveitado o recesso do Supremo Tribunal Federal para libertar o estuprador serial Roger Abdelmassih.

Mendes merece mesmo que o opróbrio geral se volte individualmente contra ele, mas apenas por um detalhe: ele MENTIU ao tentar justificar sua medida.

Alegou que o Ministério Público de São Paulo pediu que Abdelmassih fosse colocado em prisão preventiva OU impedido de exercer a profissão. Então, como o Conselho Regional de Medicina já cassou o registro do sátiro, não haveria mais necessidade de mantê-lo preso...

A Promotoria NEGA ter feito tal pedido. O promotor Luiz Henrique Dal Poz conta o que realmente sucedeu:
"Pedimos que ele fosse preso e, no caso de o pedido não ser atendido, que fosse, ao menos, afastado da atividade médica".
E acrescenta que Mendes, para variar, levou em conta apenas um lado. É como sempre procede.

No Caso Battisti, ele e seu escudeiro Cezar Peluso só enxergam o lado da acusação, ignorando TUDO que a defesa alega e prova.

Nos casos dos criminosos ricos e influentes, como Daniel Dantas e Abdelmassih, ele se coloca 100% ao lado da defesa.

E no caso do garoto Sean, ele não deu a mínima para pai, filho e parentes maternos. Só lhe interessou evitar que os exportadores brasileiros tivessem um prejuízo de US$ 3 bilhões. O resto foi conversa pra boi dormir.

Mas, mesmo sendo Gilmar Mendes quem é - na minha avaliação, o pior e mais tendencioso presidente de toda a história do STF -, ainda assim eu não condenaria apenas a ele por esse maníaco sexual estar agora na rua, caso não houvesse MENTIDO para justificar sua decisão ridícula.

Pois o ato em si, de relevarem-se os crimes cometidos por criminosos abastados e poderosos, virou prática corriqueira no Brasil. Os outros magistrados procedem da mesmíssima maneira.

Abdelmassih acabará tendo como única punição por 56 estupros desmascarados e outros tantos que as vítimas tiveram vergonha de admitir publicamente, apenas os quatro meses que passou em prisão preventiva.

Está na média: por matar da forma mais vil e covarde sua amante Sandra Gomide, o jornalista Antonio Pimenta Neves acabou passando míseros oito meses na prisão. E quem o libertou do cárcere em que merecia estar não foi Gilmar Mendes, mas sim Celso de Mello.

Admitamos: a condescendência com os criminosos vips é ESTRUTURAL no Brasil. A Gilmar Mendes só se diferencia dos outros juízes que foram absurdamente magnânimos com tais canalhas por, além disto, haver sido flagrado numa MENTIRA.

Brasil, Brasil, que sempre nos traiu...

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O TOQUE DE SADIM (REFLEXÕES SOBRE O CASO SEAN GOLDMAN)

É estranho como o autoritarismo está entranhado nas pessoas, mesmo nas que se dizem de esquerda: os leitores do site Vi o Mundo, do Luiz Carlos Azenha, ficaram em peso a favor da decisão do Gilmar Mendes, no caso de Sean Goldman.

Tomaram as dores do pai, que, no entender deles, merece a felicidade de recuperar seu filho. E, em nenhum momento, levaram em conta uma questão singela: mas, será essa a melhor solução para o Sean?

Afinal, ele tem nove anos e, com certeza, gostaria de dizer algo sobre a decisão do seu destino. Em nenhum momento lhe permitiram isto.

O que o ministro Marco Aurélio Mello determinou foi, unica e tão somente, que se desse a Sean o direito de expressar seus sentimentos, ao final do recesso do STF.

Ele não decidiu coisa nenhuma. Apenas, deu voz ao menino. Depois de ouvi-lo, os ministros do STF bateriam o martelo.

Aí chegou um senador atrabiliário dos EUA, ameaçando os exportadores brasileiros com um prejuízo de US$ 3 bilhões.

E o Gilmar Mendes correu a capitular ante o ultimato do gringo, para que parasse de embargar a prorrogação por mais de um ano do acordo de isenção tarifária.

Eu acho inominável que a mais alta corte brasileira decida sob pressão. Será que perdemos até a mais ínfima noção de dignidade nacional?!

Hoje nos prostituímos por US$ 3 bilhões. Mas, como foi fácil demais ganhar de nós no grito, o michê cairá. Logo vai ser qualquer punhado de dólares.

É claro que esse drama não passou uma sucessão de erros. Mas, a esta altura, o garoto já não pode ser ignorado como um incapaz, um mero tutelado, um simples joguete de decisões alheias.

Sean já viveu tempo demais entre gente calorosa e efusiva. Não merecia ir para onde a vida se resume à corrida atrás da grana.

BLOOD ON THE TRACKS

De resto, os que reclamaram da minha "insensibilidade" , certamente ignoram que já passei por situação semelhante à do pai do Sean.

A lerdeza da Justiça brasileira, infelizmente, impediu que eu recuperasse a guarda da minha filha, que me foi subtraída em condições quase idênticas.

Depois de um trâmite exasperantemente moroso, o julgamento ocorreu duas semanas após eu ter perdido um emprego que mantinha há uma eternidade.

Desempregado aos 53 anos, é claro que juiz nenhum me concederia a guarda. Tratei de salvar os dedos, já que perdera os anéis: negociei o melhor esquema de visitas para mim. E saí do tribunal em frangalhos.

Aos poucos, refletindo sobre tudo que ocorrera, cheguei à conclusão que era melhor encarar esse desfecho bizarro como o veredicto do destino.

Desisti de trazer minha filha para junto de mim, passando a esperar que, um dia, ela mesmo escolhesse ficar comigo.

Quando resolvi andar para a frente de novo, ao invés de passar dias e noites amargurado com a injustiça que sofrera, acabei consolidando uma nova relação, que se revelou duradoura.

Hoje estou casado e sou pai de outra menina, um anjinho de um ano e oito meses.

Enfim, colocamos filhos no mundo para que sejam felizes. É a felicidade deles que devemos priorizar, não a nossa. Há uma diferença.

Hoje percebo claramente que minha filha mais velha estaria muito melhor comigo, em todos os sentidos.

E noto também que, mesmo assim, ela não tem consciência disso e prefere a vida à qual já se habituou, ao lado da mãe e de uma meia-irmã mais nova.

Está chegando à idade de oito anos. E eu respeito sua opção errônea. Ainda que fosse facílimo para mim, não recorreria à Justiça de novo, tentando mudar essa situação.

O caso do Sean é um tanto parecido. Afastado do pai há cinco anos, tendo perdido a mãe há 1,5 ano, construiu uma nova rede de afetos, com os parentes maternos e a irmãzinha. E ela está prestes a ir pelos ares.

Sua vida sofreu uma reviravolta drástica quando foi separado do pai; outra, quando a mãe morreu; e vai sofrer uma terceira agora, porque o Gilmar Mendes colocou os interesses dos exportadores na frente dos dele.

Acabará entrando em parafuso; é candidato certo aos divãs dos psicanalistas.

Gilmar Mendes tem o toque de Sadim (Midas ao contrário): transforma ouro em... vocês sabem o quê.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

STF FICA AINDA MENOR: GILMAR MENDES CEDE À CHANTAGEM DOS EUA

"A autofagia causa insegurança jurídica e é contrária, não a quem praticou o ato, mas à instituição. Sai menor o Supremo."

A frase é do ministro Marco Aurélio Mello, que já presidiu efetivamente o Supremo Tribunal Federal e hoje é o presidente moral: encarna o espírito de Justiça que ninguém consegue vislumbrar nas decisões, declarações e intenções do presidente efetivo.

Nesta terça-feira (22), Gilmar Mendes, por três bilhões de motivos, fez a infelicidade de um menino de nove anos e de 193 milhões de brasileiros.

A do menino, porque será separado dos parentes que identifca como sua verdadeira família e da irmãzinha querida, para viver com um pai que mal conhece, num país estranho e frio.

A de nós, brasileiros, porque Mendes agiu em nosso nome ao cassar em tempo recorde a liminar de Marco Aurélio, que resguardava Sean da vil razão de Estado.

A celeridade foi a mesma de quando ele respondeu à prisão do banqueiro Daniel Dantas com uma metralhadora de expedir habeas-corpus.

Com isto, Mendes nos emasculou e tornou indignos: todos os brasileiros carregamos agora o estigma de havermos sacrificado um inocente à chantagem de um senador estadunidense, sem conceder-lhe sequer o direito de ser ouvido antes da condenação.

Fica estabelecido que, quando qualquer país ou cidadão estrangeiro quiser impor sua vontade ao Brasil, basta recorrer ao Supremo, associando ao pleito uma ameaça de grandes proporções.

Já lá se vão quatro décadas que um dos temas da inesquecível peça teatral Arena Conta Tiradentes fez este diagnóstico terrível: "Eu sou brasileiro, mas não tenho meu lugar,/ pois lá sou estrangeiro, estrangeiro no meu lar./ A quem não é de lá, essa terra tudo dá,/ essa terra não é minha, é de quem não vive lá".

Agora, até nossos menores estamos dando. Atendendo às conveniências dos exportadores, vamos colocar Sean num contêiner e o despacharemos para os EUA, como mais uma mercadoria exportada.

E, para nosso incomensurável opróbrio, o fornecedor especificado não será "Gilmar Mendes", nem "STF". Será "Brazil".

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

LULA CALA A BOCA DOS LINCHADORES DE BATTISTI

Pela segunda vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rechaçou firmemente as pressões italobrasileiras para influenciar sua decisão no Caso Battisti.

Falando à imprensa nesta 2ª feira (21), Lula disse que não vai decidir "sob pressão" dos ministros do Supremo Tribunal Federal, numa óbvia alusão ao presidente do STF e suas declarações lobbistas: Mendes chegou até a sugerir que a Itália ingresse com uma nova ação no STF, caso Lula resolva manter o escritor no Brasil.

A irritação do presidente da República se deveu a uma pergunta sobre o espantalho com que o lobby da extradição tenta amedrontá-lo desde que, na semana passada, o STF, de forma inusitada, alterou a proclamação do resultado de um julgamento já encerrado.

Açulados pelos ministros linchadores do STF e pelo advogado brasileiro que presta serviços à Itália, jornalistas andaram magnificando a hipótese de que, a partir dessa virada de mesa que a suprema loja de conveniências perpetrou na calada da noite (conforme ironizaram Marco Aurèlio de Mello e Tarso Genro), Lula venha a responder por crime de responsabilidade.

Foi o que publicou, da forma mais panfletária e manipuladora possível, a ex-revista Veja:
"Se Lula não extraditar Battisti, não só o Brasil poderá ser denunciado pela Itália na Corte de Haia como o STF certamente enquadrará o presidente".
Lula deu uma resposta categórica, para não deixar nenhuma dúvida:
"Não me importa o que o STF fez. Não dei palpite quando eles decidiram. Não falei nada. Agora, se a bola foi passada para mim, eu decido como vou chutar".
Os repórteres insistiram: já que o Caso Battisti é de "conhecimento popular", por que Lula não revela desde já sua decisão, ao invés de esperar que o acórdão do STF seja publicado?

Como não é bobo nem nada, Lula evitou a armadilha (se antecipasse que vai negar a extradição, o mundo desabaria sobre sua cabeça nos próximos meses):
"Não me peça para falar de um caso que o conhecimento popular não me permite fazer. Neste caso só me pronuncio nos autos do processo. Na hora em que decidir, mando por escrito a decisão".
Em janeiro/2009, quando Tarso Genro concedeu refúgio humanitário a Battisti e o lobby da extradição desencadeou uma ação concertada para que Lula desautorizasse seu ministro da Justiça, com a chiadeira, as ameaças e os achincalhes italianos sendo trombeteados ao máximo pela mídia brasileira, a atitude do presidente foi a mesma: deu um digno chega pra lá nos que espezinhavam a soberania brasileira:
"O ministro da Justiça entendeu que este cidadão deveria ficar no Brasil e tomou a decisão, que é do Estado brasileiro. Portanto, alguma autoridade italiana pode não gostar, mas tem de respeitar".
Os linchadores ainda não perceberam que o pior negócio do mundo é querer-se ganhar do Lula no grito. Ele pode ser convencido com argumentos, mas jamais admite que o tentem coagir.

Gilmar Mendes é outro que demora a aprender a lição. Quando deitava falação ininterrupta contra o MST, praticamente exigindo medidas punitivas do Governo, foi colocado no seu lugar por Lula, que, indagado por um repórter sobre o que achava das declarações do presidente do STF, respondeu: "Eu não acho nada. Não acho absolutamente nada!".

LUNGARZO ENSINA O BÊ-A-BÁ
AOS JORNALISTAS DA "FOLHA"

Analisando em profundidade as perspectivas para o desfecho do Caso Battisti em seu novo e imperdível estudo (Como a extradição de Battisti violaria fortemente o Tratado Brasil-Itália), Carlos Lungarzo, da Anistia internacional dos EUA, pulverizou várias bobagens publicadas pela grande imprensa nos últimos dias.

Uma delas é a de que existiriam apenas sete condições para o presidente da República negar a extradição, das quais uma única poderia se aplicar ao Caso Battisti (segundo a Folha de S. Paulo) ou nenhuma (segundo a ex-revista Veja).

Com expertise e bom humor, Lungarzo esclarece:
"As sete possibilidades às quais se refere o jornalismo são as contidas no Artigo III, do qual é claramente aplicável o subinciso (1, f), embora o relativo a crimes políticos poderia ser aplicado apesar da posição contrária do STF. Com efeito, este simplesmente 'autoriza' a extradição, mas não pode impor ao presidente da república sua interpretação. Eles podem dizer que o delito foi comum, e Lula pode pensar que foi político. Aliás, se não fosse assim, para que serve o poder de execução do presidente?

"Mas, também são aplicáveis as condições do Artigo V. Aliás, uma única cláusula de impedimento seria suficiente.

"Para que entendam nossos jornalistas da Folha de S. Paulo, que parecem precisar explicações muito didáticas: se você tem vários circuitos conectados em série e não em paralelo, bastará interromper um para desativar todo o fluxo elétrico. Entenderam?"

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

E A RAÇA LÁ QUER SABER DE SUAS ANTENAS?!

Na época natalina não vale a pena ficar produzindo muitos artigos para distribuição ampla, pois os espíritos estão desmobilizados, todo mundo curtindo outra.

Então, posso eu também curtir outra, dando uma de blogueiro propriamente dito. Ou seja, escrevendo mais ao estilo de uma conversa com os leitores e até me permitindo desabafos.

Chamou-me a atenção o artigo A contrarrevolução jurídica, de Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Primeiramente, pela tese correta:
"Está em curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos (...) que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições".
Dentre as frentes dessa batalha, Boaventura cita:
  • a reação dos setores oligárquicos à ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e à certificação dos territórios remanescentes de quilombos, mediante ações cautelares para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos "aldeamentos extintos", bem como uma ação proposta no STF para restringir drasticamente o conceito de quilombo;
  • a criminalização do MST, que pode chegar até à tentativa de dissolvê-lo sob pretexto de tratar-se de uma "organização terrorista"; e
  • a anistia dos torturadores na ditadura, que, se confirmada pelo STF, terá o efeito de "trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais".
Acertou nas três, mas vacilou feio ao omitir a quarta frente dessa batalha, o Caso Battisti, que nada mais é do que a criminalização dos atos praticados pelos opositores da democracia com pontos cinzentos de alguns países europeus nos anos de chumbo, como primeiro passo para se criminalizarem os atos praticados pelos resistentes que lutaram contra as ditaduras latinoamericanas.

Aliás, eu cantei esta bola da contrarrevolução jurídica no final de fevereiro - há exatos dez meses! E fui olimpicamente ignorado em muitos espaços de esquerda que agora destacam o texto do Boaventura.

Eis o que eu disse, depois de relembrar a trajetória de Gilmar Mendes até que se tornasse o mais desastroso presidente da história do Supremo:
"Catapultado a novo ídolo da direita, Mendes não parou mais de deitar falação reacionária.

"Mendes almeja uma condenação em bloco da luta armada, seja contra democraduras como a da Itália na década de 1970, seja contra as ditaduras nada brandas da América do Sul.

"Last but not least, Mendes acaba também de engrossar a grita direitista contra uma alegada omissão do Governo Lula face a excessos do Movimento dos Sem-Terra.

"Cada vez mais se projeta como um dos líderes informais da oposição ao governo federal, imiscuindo-se em assuntos caracteristicamente políticos e trombeteando opiniões que melhor faria guardando para si."
Depois, no início de novembro, ampliei essa análise, destacando "a intenção da direita de fortalecer o STF, em detrimento dos dois outros Poderes". E escrevi:
"Depois do fracasso de sua tentativa de afastar Lula com um impeachment e do novo fracasso quando tentou impedir sua reeleição, a direita desistiu de bater de frente com um presidente cuja popularidade se mantém nos píncaros.

"Passou a comer pelas beiradas: apóia a cruzada do arquirreacionário presidente do STF, no sentido de ampliar cada vez mais a esfera de competência do Supremo, usurpando prerrogativas do Executivo (principalmente) e do Legislativo.

"A hipertrofia do STF tem de ser detida e revertida, o quanto antes!

"Esta, sim, é uma bandeira de espectro amplo:
  • "deve ser assumida pela esquerda, para frustrar a escalada reacionária em curso e que provavelmente será intensificada no ano eleitoral, com a criminalização dos movimentos sociais por parte de Mendes e do STF servindo como trunfo propagandístico na campanha; e
  • "deve ser assumida pelos verdadeiros democratas que, depois de tanto lutarem e sofrerem para que fosse restabelecido o estado de Direito no Brasil, não devem cruzar os braços face à ameaça de um autoritarismo togado."
Por que meus alertas, cuja pertinência cada vez mais se evidencia, repercutiram tão pouco?

Não acredito que seja ainda em função das falsas acusações que me lançavam sobre eventos de 1970. Já provei cabalmente que a principal delas era falsa e as outras, exageradíssimas.

Fui o bode expiatório sobre quem muitos descarregaram as próprias culpas, acreditando que sairiam bonitos na foto da História. Esqueceram que a verdade sempre acaba aflorando e não contavam com a criação de algo como a internet, fatal para os que guardam esqueletos no armário...

E quem realmente continua interessado nisso, quase quatro décadas depois? Só a extrema direita, à falta de trunfos melhores para reagir às acusações que lhe faço nos meus artigos.

Mais sérias são as restrições a quem encarna os ideais de 1968 e até hoje os defende, como Battisti e eu. Infelizmente, há pessoas ditas de esquerda que preferem ignorar alguns textos oportunos que eu produzo apenas para não levantar a minha bola.

Ou seja, o que escrevo pode até cair como uma luva para as lutas do momento, mas prevalece o critério de não convir que o prestígio de um neoanarquista como eu cresça mais do que já cresceu nos dois últimos anos.

Não sou boicotado apenas pelos macartistas da grande imprensa. Também estou em algumas listas negras da esquerda, embora ninguém mais assuma isso de público. Pega mal.

Finalmente, há o fato de que não sou autoridade acadêmica nos temas que abordo. Esta rendição inconsciente aos valores do stablishment era quase total antes de 1968, foi pulverizada pela geração das flores e das barricadas, mas voltou com tudo no refluxo revolucionário das últimas décadas.

Não importa quantas vezes eu acerte na mosca, apontando e dissecando tendências em seu nascedouro, até para facilitar o esmagamento dos ovos das serpentes.

Sou apenas um autodidata que me graduei em jornalismo e nada mais quis cursar, por não ver proveito nem necessidade. Em 1968 tal atitude era in. Agora é out. Azar meu.

Como bom malandro, não chio.

Agradeci aos céus quando o Carlos Lungarzo me procurou, com seu currículo de professor ilustre e de membro histórico da Anistia Internacional. Distribuí seus primeiros artigos e os avalizei publicamente, abrindo-lhe todas as portas.

Porque sabia que, mesmo quando afirmasse as mesmíssimas coisas que eu, ele seria muito mais aceito do que eu. Os idiotas da objetividade, como os qualificava Nelson Rodrigues, se curvariam à sua autoridade certificada. E, para mim, o que conta é conseguirmos que o Caso Battisti tenha o desfecho justo, não melindres de adolescente.

Aliás, foi a melhor dessas apostas que fiz até hoje. Já ajudei a projetar muitos companheiros de ideais e colegas do jornalismo. Nenhum se mostrou tão valioso para as causas justas quanto o Lungarzo.

É claro que, como ser humano, não deixo de ficar um pouco decepcionado com a sequência de advertências que lancei e caíram no vazio. Erros e perdas poderiam ter sido evitados.

Mas, trata-se de um destino recorrente para os que veem um pouco mais longe.

Se os contemporâneos de Kafka houvessem assimilado O Processo (1925) como uma antevisão dos horrores que o nazismo começava a engendrar, quanta barbárie teria sido evitada!

E se os contemporâneos de Trotsky não houvessem ignorado a cruzada que ele lançou logo na década de 1920 contra o desvirtuamento da revolução soviética, os horrores do stalinismo também poderiam ter sido evitados, bem como suas sequelas (a falência do socialismo real, a queda do muro de Berlim, etc.).

Perto disso, minhas frustrações são nada.

domingo, 20 de dezembro de 2009

DO BRASIL PARA O 1º MUNDO: EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO!


"Eu não sou cachorro não
Pra viver tão humilhado
eu não sou cachorro não
Para ser tão desprezado”

(Valdick Soriano
)

O caso de Sean Goldman, de 9 anos, cuja guarda é disputada pelo pai estadunidense David e pela família brasileira da falecida mãe, teve um desdobramento bizarro nos últimos dias: o senador democrata Frank Lautenberg anunciou a suspensão por tempo indeterminado da votação da medida estendendo para 2010 um programa de isenção tarifária que beneficia as exportações brasileiras.

O Governo tem até o dia 31 para suas gestões no sentido de superar o impasse, caso contrário o prejuízo para os exportadores brasileiros deverá ficar na casa de US$ 3 bilhões.

Está difícil: o pomo da discórdia foi uma liminar do ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo decisão do Tribunal Regional Federal no sentido de que Sean voltasse imediatamente para os EUA com seu pai. Marco Aurélio quer que, após o recesso do STF, seja finalmente ouvido Sean, cuja preferência é permanecer no Brasil.

O senador Lautenberg, ou está jogando para a platéia (Paulo Francis ressaltava que a população dos EUA é predominantemente de jecas, com raros bolsões de vida inteligente...), ou tem ele mesmo cérebro de minhoca: o Supremo jamais poderá ceder à sua chantagem imunda, caso contrário seria o caso de fechar de vez.

O certo é que as pressões arrogantes e descabidas sobre o Brasil viraram moda. Estamos conseguindo nos livrar do complexo de viralatas, mas isto não impede que as autoridades de países do 1º mundo continuem nos tratando a pontapés.

Vide as reações exacerbadas dos italianos à decisão soberana do Governo brasileiro de conceder refúgio humanitário ao escritor Cesare Battisti, bem diferentes dos protestos tímidos que emitiram quando o presidente francês Nicolas Sarcozy lhes enfiou idêntico sapo goela adentro, no Caso Marina Petrella:
  • ministros e até autoridades de segundo escalão ousaram conclamar Lula a revogar a decisão do seu ministro da Justiça, cometendo uma crassa grosseria diplomática (à intromissão insultuosa em nossos assuntos internos se somou o desrespeito à figura do presidente brasileiro, cujos interlocutores protocolares são o presidente Giorgio Napolitano e o premiê Silvio Berlusconi);
  • o embaixador foi chamado à Itália para consultas e "discussão de novas diretrizes”;
  • o vice-presidente da bancada governista na Câmara dos Deputados da Itália pregou a suspensão das relações com o Brasil;
  • aproveitando o fato de estarem presidindo o G-8 (grupo dos países ricos), os italianos insinuaram que poderiam dificultar o almejado ingresso do Brasil;
  • o vice-prefeito de Milão conclamou os italianos a boicotarem os produtos brasileiros;
  • o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado exortou os italianos a boicotarem o Brasil como destino turístico;
  • o ministro da Defesa (o neofascista Ignazio La Russa, aquele que até hoje reverencia a memória dos militares da República de Saló que enfrentaram as forças aliadas na 2ª Guerra Mundial...) e o subsecretário das Relações Exteriores defenderam o cancelamento da partida de futebol com o Brasil, enquanto a ministra da Juventude recomendou que os jogadores entrassem em campo com faixas de luto.
Last but not least, o ministro da Justiça Angelino Alfano declarou a uma associação de vítimas da ultraesquerda (e o Corriere della Sera publicou), textualmente (!), que pretendia f... os brasileiros, ao prometer-lhes que a pena de Cesare Battisti seria reduzida de prisão perpétua para 30 anos de detenção.

Ou seja, nossas leis vedam que um estrangeiro seja extraditado para cumprir pena superior à máxima daqui e Alfano admitiu de público que nos estava enrolando com uma falsa promessa, pois queria mesmo é nos f...

[Aliás, o jurista Dalmo de Abreu Dallari acaba de bater na mesma tecla, enfatizando que o governo italiano, a despeito das promessas vazias que faça, não tem poder para modificar uma sentença judicial definitiva, daí a existência de um impedimento constitucional intransponível para a extradição de Battisti.]

Já está mais do que na hora de mostrarmos nossas garras àqueles que nos pressionam/chantageiam a torto e a direito, referindo-se a nós como otários prontos para serem f... pelos espertalhões dos países centrais e às nossas mulheres como meras prostitutas (“o Brasil é conhecido por suas dançarinas”)...

IRÃ NOS DÁ LIÇÃO DE COMO DEVEM SER TRATADOS OS TORTURADORES

Está confirmada a veracidade do que noticiei no último mês de agosto, a respeito do Irã: opositores de Ahmadinejad foram torturados e estuprados na prisão.

Fiando-me num serviço noticioso que considero confiável, o da BBC, dei crédito à notícia de que os manifestantes da oposição detidos durante protestos contra eventual fraude eleitoral não só haviam sido agredidos, como tinham sofrido (as mulheres e também os homens) abusos sexuais no centro de detenção de Kahrizak, localizado ao sul de Teerã.

Como o governo de Mahmoud Ahmadinejad é satanizado pela mídia favorável à Israel e defendido em demasia por alguns setores da esquerda, um posicionamento crítico a respeito do Irã pode sempre ser mal interpretado.

Mas, levo muito a sério a missão que assumi e anuncio no próprio cabeçalho dos meus dois blogues: defender, em pé de igualdade, os ideais revolucionários e os direitos humanos.

Então, diante de denúncias consistentes de violações dos DH, nunca as relevo por colocarem na berlinda governos que, em outras esferas de sua atuação, tenham políticas elogiáveis ou elogiadas pela esquerda. Sigo o velho chavão de que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Se respeitadas personalidades iranianas faziam acusações verossímeis e funcionários eram punidos pelo próprio chefe da polícia (ordenou a detenção do diretor da prisão e de três carcereiros), isto era suficiente para eu chegar a uma conclusão. Dois e dois somavam quatro.

E, a partir daí, omissão seria cumplicidade.

A confirmação veio neste sábado (19), quando, novamente segundo a BBC, as "autoridades iranianas admitiram (...), pela primeira vez, que três manifestantes de oposição presos depois dos protestos contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em junho, foram espancados até a morte".

O comunicado do Tribunal das Forças Armadas do Irã é taxativo:
"O médico legista rejeitou a versão de que a causa da morte dessas pessoas foi meningite e afirmou que havia hematomas nos corpos provocados por espancamento e que a causa da morte foi uma série de espancamentos".
De resto, o Irã não sai com a imagem tão arranhada do episódio, já que, depois da porta arrombada, tomou as providências cabíveis: fechou a prisão e indiciou, pela morte dos manifestantes, 12 de seus ex-funcionários, três dos quais responderão por homicídio.

Então, acabou vindo ao encontro da recomendação que fiz em agosto:
"O Irã só se livrará do estigma de país no qual se torturam e estupram prisioneiros punindo severamente suas bestas-feras.

"Se protegê-las, como fez o Brasil com seus Fleurys e Ustras, merecerá repúdio mundial".
Apesar de tão vilipendiado por nossa grande imprensa, o Irã até que nos deu uma bela lição: torturadores têm de ser sempre punidos, e de imediato, cortando-se o mal pela raiz.

sábado, 19 de dezembro de 2009

CASO BATTISTI: O ESGOTO SE MANIFESTA

No artigo O Fiasco natalino da Fabbrica Italiana di Buffonatas, ao analisar o fracasso retumbante do último golpe propagandístico com que a Itália e seus serviçais tentaram coagir o presidente Lula a proceder como um vil linchador, constatei: "Nem mesmo a grande imprensa brasileira, tão parcial em tudo que se refere a Battisti, embarcou pra valer nessa canoa furada".

Queimei a língua: a Veja e a CartaCapital não tiveram o comedimento dos jornalões. Em nome de uma causa repulsiva e já perdida, mentiram descaradamente para seus leitores.

A primeira -- que era da marginal do Tietê e agora é também dos marginais da extremadireita -- disse a que veio desde o título: Grazie, Supremo. Deveria colocar o texto também em italiano, tornando total a vassalagem.

Segundo a Veja, ao completar 55 anos nesta 6ª feira (18), Battisti ganhou "uma passagem só de ida a Roma, cortesia do Supremo Tribunal Federal".

E por aí seguiu, entre a grosseria explícita e a desinformação programada:
"Lula não tem alternativa a não ser devolver Battisti ao sistema judicial do país onde ele está condenado pelos assassinatos".

"O terrorista não se encaixa em nenhuma das exceções que poderiam impedir a extradição".

"Se Lula não extraditar Battisti, não só o Brasil poderá ser denunciado pela Itália na Corte de Haia como o STF certamente enquadrará o presidente".
CHANTAGEM E ALARMISMO BARATO

A CartaCapital, em Enfim caiu a discricionaridade, não só fingiu acreditar que o factóide desta semana terá alguma importância real no desfecho do caso, como erigiu novamente o ultradireitista Gilmar Mendes em fonte confiável, chegando ao absurdo de ajudá-lo a chantagear Lula.

Assim, no final do texto que Mino desta vez esquivou-se de assinar, tal o estrago que o último causou na sua reputação, está dito que, em recente entrevista à TV Educativa do Paraná, Mendes "insinuava que, se a decisão final de Lula contrariar o tratado, a Itália poderá ingressar com nova ação no STF".

A CartaCapital aprova entusiasticamente, ao enfatizar que "a decisão do dia 16 não exclui esta possibilidade".

Trocando em miúdos: a revista do Mino Carta ajuda o principal linchador do STF a fazer alarmismo barato, tentando vergar Lula às imposições italianas, em detrimento da soberania nacional. Que cada leitor tire suas conclusões.

Quanto ao fulcro da questão, já foi esgotado por quem tem conhecimentos jurídicos e autoridade moral para o fazer.

Caso de Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e professor catedrático da Unesco na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância, que considerou a extradição inconstitucional:
"...o dado essencial é que as próprias autoridades italianas afirmam o caráter político das ações de que Battisti foi acusado, pois subversão é crime político, na Itália e no Brasil. Ora, a Constituição brasileira diz expressamente, no artigo 5º, inciso LII, que 'não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião'. Só isso já torna inconstitucional a extradição de Cesare Battisti.

"Outro obstáculo constitucional intransponível é o fato de que a Constituição brasileira, pelo mesmo artigo 5º, no inciso XLVII, dispõe que 'não haverá pena de caráter perpétuo'. Ora, o tribunal italiano que julgou Battisti condenou-o à pena de prisão perpétua. Essa decisão transitou em julgado, e o governo italiano não tem competência jurídica para alterá-la, para impor uma pena mais branda, como vem sendo sugerido por membros daquele governo. A Constituição da Itália consagra a separação dos Poderes e assim como o presidente da República do Brasil está obrigado a obedecer a Constituição brasileira o mesmo se aplica ao governo da Itália, em relação à Constituição italiana.

"Em conclusão, no desempenho de sua atribuição constitucional privativa o presidente Lula (...) respeitando as disposições da Constituição brasileira, como é seu dever, deverá negar o atendimento do pedido, pela existência de impedimento constitucional".
Caso também de Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional dos EUA, que assim desmistificou o factóide desta semana:
"...não se acrescentou nada novo, porque o caráter discricionário da decisão de Lula não impedia, obviamente, que alguém tentasse depois processá-lo sob qualquer pretexto, como retaliação no caso de que recusara extraditar Battisti. Ou seja, Lula não está obrigado a cumprir a ordem de extradição, mas, se retiver o perseguido em nosso país (com ou sem tratado), pode ser julgado por crime de responsabilidade.

"A única diferença é que hoje, este risco de Lula de ser processado foi colocado pelo Supremo Tribunal numa forma mais escandalosa e despudorada. Agora, pode ser usado com mais força como bandeira pela mídia, pela infame máfia diplomática peninsular, e por todas as forças do terrorismo de estado que se escondem abaixo da democracia aparente da pátria de Berlusconi...".
Parafraseando Camões, cessa tudo o que os corvos linchadores grasnam, pois um valor mais alto se alevanta: a grandeza de Dallari e de Lungarzo é inalcançável para esses senhores da mídia que direcionam insensivelmente Veja e CartaCapital ao esgoto jornalístico.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O FIASCO NATALINO DA FABBRICA ITALIANA DI BUFFONATAS

A Fábrica Italiana de Farsas não cumpriu sua meta natalina e vai fechar 2009 no vermelho.

Depois do fracasso da tentativa de tornar obrigatória a extradição do escritor Cesare Battisti -- que não cabe e jamais coube ao Supremo Tribunal Federal decidir, mas, tão somente, autorizar --, a Itália contra-atacou com um golpe propagandístico... que deu totalmente com os burros n'água.

Primeiramente, o advogado brasileiro que lhe presta serviços na empreitada de detonar a soberania brasileira deu entrada numa questão de ordem que não tinha mais razão de ser, já que o julgamento do Caso Battisti estava encerrado.

Pressurosamente, o relator Cezar Peluso acolheu mais essa indevida e inaceitável interferência estrangeira num processo brasileiro.

De alguma maneira, convenceu-se o ministro Eros Grau a retificar seu voto num detalhe insignificante. Decerto ele cedeu por por saber que nada, realmente, mudaria.

Aí, o presidente Gilmar Mendes correu a fazer nova proclamação do resultado do julgamento, quando o certo seria apenas esclarecer tal ponto no acórdão, quando o publicassem em 2010.

Para azar da Fabbrica Italiana di Buffonatas e de sua ativa sucursal brasileira, o ministro Marco Aurélio de Mello desmistificou prontamente o embuste, denunciando-o como uma "virada de mesa".

Mesmo assim, a banda de música italobrasileira fez o possível para aproveitar a munição de má qualidade que Mendes e Peluso lhe forneceram.

o advogado brasileiro que fala orgulhosamente em nome da Itália deu declarações que colocam o presidente do Brasil na condição de cocô do cavalo do bandido, sem poder para decidir coisa nenhuma:
"A Itália está confiante que o presidente vai cumprir o tratado. Na minha visão, o presidente está obrigado a entregar Battisti. Ele [Lula] pode até adiar a entrega porque ele [Battisti] responde a processo [no Brasil], mas terá que entregar".
O ministro da Justiça italiano evitou desta vez desincumbir-se pessoalmente da tarefa de exercer pressões descabidas sobre o governo de um país soberano, delegando o serviço sujo ao seu chefe do departamento de assuntos jurídicos, Italo Ormanni.

Sem atentar para o singelo fato de que seu real interlocutor é o assessor congênere de Tarso Genro, o tal Ormanni se dirigiu pretensiosamente ao presidente Lula para pedir-lhe que cumpra a "decisão" do STF e extradite o "terrorista" Battisti.

Espera-se que o chefe da consultoria jurídica do nosso Ministério da Justiça, Rafael Thomaz Favetti, também dê declarações aos jornais brasileiros sobre como Berlusconi deverá proceder em assuntos internos italianos, como o da perseguição brutal que move contra os imigrantes.

Só que, certamente, os serviços noticiosos da Itália jamais distribuiriam a seus clientes uma bobagem dessas, como fez a Folha On Line com as ridículas declarações de Ormanni.

[Por falar na Folha On Line, vale registrar que, fiel às diretrizes do jornal da ditabranda, ela continua se referindo a Battisti como o terrorista que teria sido três décadas atrás, e não como o escritor que é hoje, com 17 livros publicados.]

STF = LOJA DE CONVENIÊNCIA?

O certo é que a repercussão do factóide jurídico e das declarações lobbistas foi das mais inexpressivas. Nem mesmo a grande imprensa brasileira, tão parcial em tudo que se refere a Battisti, embarcou pra valer nessa canoa furada.

O tiro pela culatra, como sempre, deu força a quem queria atingir. O ministro da Justiça Tarso Genro deitou e rolou em cima dessa vacilada, dando declarações contundentes e irrefutáveis:
"O STF não é loja de conveniência para ficar mudando de decisão na calada da noite".

"É um profundo equívoco achar que a Suprema Corte adotou posição diferente da estabelecida no julgamento do dia 18 de novembro. Nem poderia, pelo fato de o julgamento já estar encerrado".

"Nada mais fez o ministro Eros Grau do que salientar o óbvio, ao observar que o presidente tem de agir nos termos do tratado de extradição entre Brasil e Itália"

"o advogado da Itália no processo, depois da sessão do STF, divulgou informação fantasiosa e falaciosa com o objetivo de pressionar e constranger o presidente Lula".
A palavra final coube ao maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, que pontificou:

"Essa tentativa de fazer prevalecer a vontade do governo italiano sobre a vontade do povo brasileiro, consagrada na Constituição, já foi externada e repelida várias vezes e agora tomou novo alento porque o ministro Eros Grau, dando maior precisão ao voto proferido no julgamento do pedido de extradição de Battisti, esclareceu o que quis dizer quando falou em decisão discricionária do presidente.

"Externando o que, para as pessoas bem informadas e de boa-fé, era óbvio, disse agora o eminente ministro que jamais teve a intenção de afirmar que o presidente da República poderá decidir arbitrariamente, mas deverá fundar-se na Constituição. Assim, pois, o ministro Eros Grau não modificou o seu voto, mas apenas explicitou o óbvio: na decisão sobre o pedido de extradição, que é de sua competência privativa, como diz a Constituição e foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente da República deverá ter em conta o que determina a Constituição brasileira".

Finda a comédia, os bufões saem do palco não sob aplausos, mas sim debaixo de vaias e ovos podres.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

CASO BATTISTI: NOVO FACTÓIDE VISA PRESSIONAR LULA

Frenesi na internet: o que estarão tramando agora os linchadores de Cesare Battisti?

Foi o que me perguntaram, preocupadíssimos, vários companheiros, abarrotando minha caixa de mensagens.

Respondo: em termos práticos, o quadro em nada mudou.

Não confiem na imprensa burguesa. Ela mente, como sempre, a serviço dos reacionários daqui e da Itália. Não se vexa de priorizar os interesses de uma nação estrangeira, tomando partido contra a soberania e a dignidade nacional.

O que houve foi o seguinte:
  • já no julgamento, depois de perderem a terceira votação, os ministros linchadores do STF fizeram forte pressão sobre Eros Grau, tentando forçá-lo a alterar seu voto, ao que ele respondeu, irritado, que votava exatamente como seus colegas Carmen Lúcia, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio de Mello;
  • o advogado brasileiro que defende a causa italiana (desconsiderando as pressões exorbitantes e afirmações arrogantes com que aquela nação reagira à decisão legítima do Governo do seu país) apresentou questão de ordem, solicitando o esclarecimento do voto de Grau;
  • até as pedras sabem que a Itália jamais deveria ter sido admitida como parte de um processo desses no Brasil, mas a dupla linchadora Mendes/Peluso lhe concede, desde o início, a TUTELA de todos os trâmites, de forma que, mais uma vez, acolheu-se uma exigência descabida italiana;
  • aí, sabe-se lá por quais meios, Grau foi convencido a voltar atrás, não votando mais exatamente como seus quatro colegas, e sim num meio termo (Lula é mesmo quem dá a decisão final, mas levando em conta o tratado de extradição existente entre Brasil e Itália).
No próprio julgamento, Grau discorrera sobre a redação imprecisa dos termos desse acordo. Segundo ele, o presidente da República, em última análise, pode seguir à vontade sua convicção íntima, desde que contemple uma das sete possibilidades que lhe permitem negar a extradição.

Ou seja, se Lula acreditar que Battisti estará em perigo na Itália, não vai precisar provar, basta ser este seu entendimento.

Motivos para recusar a extradição por riscos que Battisti correria, aliás, ele tem aos montes, sendo estes os mais fortes:
  • o serviço secreto do Exército italiano já conspirou para sequestrar Battisti no exterior (em 2004), só não o fazendo porque os mercenários contatados discordaram da quantia oferecida, tendo a tramóia vazado depois para a imprensa;
  • já insinuaram represálias os carcereiros (o sindicato de marieschalli de Udine e de Milão, e a federação de carcereiros da Itália);
  • ministros italianos, idem (tanto o da Defesa Ignázio La Russa, que é neofascista convicto e enfrentou Battisti em manifestações de rua nos anos de chumbo, quanto o da Justiça Clemente Mastella, que, segundo o Corriere della Sera, afirmou a vítimas da ultraesquerda que estava mentindo -- “f...endo os brasileiros” -- ao prometer a redução da pena de Battisti para viabilizar a extradição, pois, uma vez entregue, “o palhaço vai ficar na cadeia a vida toda”);
  • as seções especiais de isolamento da Itália provocaram 62 suicídios de prisioneiros submetidos a tais rigores carcerários só nos 10 primeiros meses de 2009, sendo 13 os presos políticos que se suicidaram desde 1974, além da morte suspeita de alguns outros (por negligência e falta de cuidados médicos).
Quanto à possibilidade de que a Itália conteste mais uma decisão soberana do Governo brasileiro, aproveitando a cabeça-de-ponte que instalou no STF, ela existiria de qualquer maneira.

Mas, o mandato do ultradireitista Gilmar Mendes como presidente do Supremo vai só até abril de 2010. É impensável que o substituto proceda de forma tão incompatível com suas funções, pois seria a pá de cal na credibilidade do STF. Tudo leva a crer que a tônica da próxima gestão será o resgate da liturgia da mais alta corte do Judiciário.

VIRADA DE MESA

Tudo isso considerado, para que serviu, afinal, a decisão ridícula de mudar a proclamação do resultado?

Como bem notou o ministro Marco Aurélio de Mello, tratou-se de uma virada de mesa:
“Não se pode reabrir o julgamento, ainda que se tenha um conflito entre fundamentos e dispositivos. A segurança jurídica é básica no Estado democrático de Direito. Não podemos ficar depois de um julgamento reabrindo em sessões subsequentes o que foi assentado de forma correta ou não pelo plenário".
Trocando em miúdos, o trâmite deveria ter sido o de sempre:
  • proclamado o resultado no final do julgamento, o relator redige a ementa e a envia aos ministros;
  • se um(ns) deles considera(m) que algo não está de acordo com o que se passou em plenário (tanto em relação ao próprio voto quanto ao conjunto dos trabalhos), manifesta(m) sua discordância;
  • o relator refaz o texto e submete a nova apreciação, até que se chegue a uma forma satisfatória para todos;
  • o acórdão é publicado.
Então, depois de resolver apreciar um caso que, segundo a Lei vigente e a jurisprudência consolidada em vários processos anteriores, já havia sido decidido pelo Governo brasileiro, o STF inovou mais uma vez, proclamando agora o que só deveria constar (se constasse) do acórdão.

Qual o motivo de mais essa virada de mesa?

Simples: fornecer munição propagandística para a imprensa conivente, de forma a intensificar a pressão sobre Lula.

O temor real da Itália & serviçais é de que o presidente, honrando a soberania nacional e sua própria biografia, liberte Battisti por motivos humanitários neste Natal.

Para precaver-se, criaram mais um factóide, evidenciando a extrema importância que conferem ao Caso Battisti.

En passant, desmentiram novamente a si próprios: não fossem políticas suas motivações, estariam perdendo tanto tempo, ultrapassando de forma tão grosseira os limites diplomáticos (o embaixador da Itália acaba até de ameaçar o presidente Lula com um impeachment!!!) e mobilizando recursos tão abundantes e sonantes?

Então, faço minha a sugestão de Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional dos EUA:
“...a solução é a idéia dada há alguns meses por Rui Martins. Lula deve assumir sua condição legítima de presidente plebiscitado e dar indulto e asilo a Battisti. O STF poderá pedir seu julgamento. Eu me pergunto: pensamos que povo é tão ingênuo que vai trocar o maior período de bem estar da história do país, o ponto mais alto da economia e das relações sociais brasileiras, para satisfazer uma coisa que não entendem: um obscuro impeachment promovido por forças repulsivas?”
Vale dizer que fui o primeiro a desaconselhar a proposta de Rui Martins no início do ano, por considerar que pareceria uma afronta ao Judiciário, dando munição ao inimigo.

Ao longo de 2009, entretanto, os linchadores do STF se desmoralizaram de tal maneira que não resta nenhuma dúvida, para os cidadãos isentos e dotados de espírito de Justiça, de que os trâmites deste caso estão sendo totalmente anômalos, de uma parcialidade extrema.

O presidente Lula tem poder para dar fim a uma terrível injustiça: a manutenção de um homem como preso político num país que não mais admite prisões por motivos políticos.

Então, encerro com um apelo, que é o dos melhores brasileiros: Presidente Lula, liberte Cesare Battisti já!
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