Existe uma ideia fixa da mídia burguesa brasileira: o fim da polarização política. Em seu mundo dos sonhos, o Brasil deveria ser formado apenas por centristas cêntricos, vivendo no consenso liberal do mercado e da democracia que não muda nada. O modelo maior desse sonho são os EUA do período pós Segunda Guerra, quando Democratas e Republicanos se revezaram na Casa Branca mantendo essencialmente as mesmas práticas.
Por óbvio, em um país periférico e de extração colonial igual o Brasil, o sonho de um regime político de consenso liberal é mero delírio de uma burguesia siderada, que vive de costas para o seu próprio país e sempre se pensando como parte do mundo cosmopolita dos grandes capitalistas estadunidenses e europeus. Contudo, um país afundado na super exploração do trabalho, na dilapidação de seus recursos naturais, na economia desnacionalizada e que possui uma classe dominante que jamais chegou a ser ilustrada só pode ser o lugar da furiosa polarização entre pouquíssimos possuidores de muito e muitíssimos possuidores de nada. Polarização brasileira em ato.
Pior, pois sequer nos EUA e na Europa o dito consenso liberal existe mais. Ao contrário, a polarização se acentua no centro do capitalismo, refletindo o aprofundamento da concentração de riqueza e da espoliação dos trabalhadores. Ao invés do Brasil se tornar o primeiro mundo, é ele quem está virando o Brasil, em um fenômeno batizado de brasileirização do mundo. Ou seja, o abismo da polaridade entre uma multidão de miseráveis e um grupo diminuto de possuidores vai se alastrando por todo lugar, levando à erosão dos regimes políticos desses países e à instabilidade como regra.
Na realidade, a polarização não vem de outro lugar senão da oposição entre capital e trabalho. O capitalismo está fundado na exploração do trabalho no interior da propriedade privada em que o trabalho concreto é transformado em abstrato gerando o valor. Essa oposição é a raiz da sociedade capitalista e não pode ser anulada pela mera vontade de quem quer que seja. É a partir dela que está fundamentada a luta de classes.
No mundo da mídia brasileira não existe contradição entre capital e trabalho. |
Mas a restruturação neoliberal colocou fim a esse processo ao cortar benefícios sociais, flexibilizar leis trabalhistas e impor uma reorganização do sistema produtivo em que os trabalhadores do centro perderam seus empregos seja para a automação, seja para trabalhadores da periferia, ao verem suas fábricas e empresas migrarem para países da América Latina, Ásia e África. O novo status da globalização na prática colocou fim às separações dos mercados nacionais ao impor um mercado unificado e homogêneo, controlado por oligopólios e em que os trabalhadores competem globalmente entre si. O resultado é a agudização da luta de classes em nível global e, logo, da polarização.
Ao invés de diminuir, a polarização está se acentuando, acompanhando o processo de agudização da própria luta de classes e a crise crônica do capitalismo. Os nomes que encampam cada polo não importam, o importante é considerar a dinâmica política e social desse processo cuja base material não depende da vontade deste ou daquele sujeito.Até na Europa, as contradições estão se
acentuando.
Longe de demonizarmos a polarização, é preciso compreende-la em radicalidade e avançar na verdadeira polarização contra o capitalismo. Contudo, não podemos ter a ilusão que iremos todos ficar de mãos dadas como se estivéssemos em um clipe da música Imagine do John Lennon. A era do socialismo utópico já passou há mais de século. Na prática, a divisão da sociedade entre aqueles que desejam preservar o capitalismo e aqueles que desejam ir além fatalmente ocorrerá. Cabe a nós estarmos preparados para o momento decisivo do enfrentamento. (por David Coelho)
2 comentários:
https://elpais.com/cultura/2024-10-15/aquellas-decadas-doradas-en-las-que-el-cine-italiano-se-sintio-el-mejor-del-mundo.html
Como é que se pode morar naquele edifício ao lado da favela sem pensar no filme 'Zona de Interesse'??
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