quinta-feira, 30 de outubro de 2014

VIDA QUE SEGUE

Foi um duro golpe para mim, constatar o estrago causado pela última eleição presidencial nas minhas esperanças de uma retomada revolucionária.

Sou sincero: considero esgotado o papel positivo do PT e urgentemente necessária a afirmação de uma nova vanguarda, que volte a priorizar a luta contra o capitalismo, disposta a implodir a dominação de classe ao invés de apenas atenuar os excessos cometidos pela classe dominante.

Até lá continuaremos patinando sem sairmos do lugar. Então, na minha maneira de ver as coisas, a reeleição de Dilma significou mais quatro anos riscados do calendário da revolução (a menos que os jovens indignados voltem para as ruas e comecem a escrever uma nova História, pois eles são, agora mais do que nunca, a esperança que nos resta). 

E, como enxergo um palmo adiante do nariz, temo que o continuísmo, da forma como foi assegurado (com abuso clamoroso da máquina governamental, da propagação de falácias e da pregação do ódio), seja respondido pela direita com a tentativa de impeachment da presidenta Dilma.

Isto poderá levar a consequências imprevisíveis, com a conjugação das crises política e econômica (pois o que nos espera em 2015 é uma recessão inevitável, que talvez desemboque numa depressão).

Mas, exatamente porque o porvir se augura ameaçador, continuarei cumprindo o papel quem me atribui: o de estimular a reflexão sobre o momento e as perspectivas históricas, propondo visões alternativas às dominantes. Até agora, tem sido uma pregação no deserto: por mais certo que esteja nos meus alertas, não venho conseguindo alterar um milímetro o rumo dos acontecimentos.

Mesmo assim, creio haver motivos para perseverar. Principalmente por existirem tão poucos internautas, e a proporção é menor ainda entre os de esquerda, com convicções e coragem para remarem contra a corrente, desafiando e desnudando as posições oportunistas dos que desistiram de dar um fim à exploração do homem pelo homem.

Vida que segue, portanto. O que muda é a ênfase cada vez menor que este blogue dará à política oficial, às escaramuças dos que querem apenas conquistar, manter ou ampliar seu poder sob o capitalismo. 

Depois dos horrores da última campanha, a política oficial só me causa o mais profundo asco e a mais extrema indignação. Sinto-me como Glauber Rocha, no seu desabafo visceral em Terra em Transe, pela boca do personagem Paulo Martins (Jardel Filho):

"Não é mais possível esta festa de medalhas, este feliz aparato de glórias, esta esperança dourada nos planaltos. Não é mais possível esta festa de bandeiras com guerra e Cristo na mesma posição! Assim não é possível, a impotência da fé, a ingenuidade da fé.

Somos infinita, eternamente filhos das trevas, da inquisição e da conversão! E somos infinita e eternamente filhos do medo, da sangria no corpo do nosso irmão!

E não assumimos a nossa violência, não assumimos as nossas idéias, como o ódio dos bárbaros adormecidos que somos. Não assumimos o nosso passado, tolo, raquítico passado, de preguiças e de preces. Uma paisagem, um som sobre almas indolentes. Essas indolentes raças da servidão a Deus e aos senhores. Uma passiva fraqueza típica dos indolentes.

Não é possível acreditar que tudo isso seja verdade! Até quando suportaremos? Até quando, além da fé e da esperança, suportaremos? Até quando, além da paciência, do amor, suportaremos? Até quando além da inconsciência do medo, além da nossa infância e da nossa adolescência suportaremos?"

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

PAUSA PARA RECICLAGEM

Já são quase oito anos de atividades incessantes, começando pelo blogue Celso Lungaretti - O rebate e depois se diversificando com o Náufrago da Utopia e o Diário de campanha do Lungaretti. Chega o momento de fazer uma pausa para reciclagem.

Há muito estou precisando recuperar o fôlego. Esperei até o desfecho da eleição presidencial de 2014 porque, embora esteja totalmente cético quanto à possibilidade de fazermos avançar a revolução por meio da (e em meio à) putrefata política oficial, percebi uma tempestade se formando no horizonte e tudo fiz para alertar os que a podem evitar.

Nem isto consegui. Então, só me resta torcer para que estejam equivocadas as minhas previsões. 

Faço uma última recomendação: que os dirigentes da esquerda palaciana aprendam a evitar os confrontos cujo desfecho será desastroso a médio ou longo prazo. Há vitórias que conduzem a acachapantes derrotas e aos mais terríveis retrocessos. A História será implacável com os pastores que conduzirem seus rebanhos ao extermínio.  

De resto, vou refletir profundamente sobre os caminhos para concretizar a contribuição que eu ainda me proponho a dar, nos anos que me restam, para a causa à qual tenho dedicado toda a minha vida consciente.

O certo é que continuarei apostando nos movimentos e mobilizações que surjam nas ruas, à margem do sistema falido e na contramão dos podres poderes. Quando eu tiver a possibilidade de desempenhar um papel na formação de novas gerações de revolucionários, sem os defeitos e os vícios daquelas que se tornaram parte da realidade que deveriam transformar, será a hora de voltar ao ringue. 

A tarefa que gostaria de estar desempenhando a partir do day after da eleição presidencial seria a da construção de uma nova esquerda. A velha, contudo, insiste em pular fora do caixão, embora sua sobrevida já nada nos augure de bom. No mínimo, o cronograma da revolução terá sofrido um substancial atraso. Torçamos e façamos figa para que seja só este o prejuízo. Um novo 1964 é tudo de que não precisamos.

De minha parte, não vejo mais motivo nenhum para me ocupar da política oficial, exceto se o País vier a enfrentar a ameaça de uma nova ditadura. Aí, nenhum antigo resistente poderá se furtar ao dever de lutar com todas suas forças contra uma recaída nas trevas. 

Mas, não havendo emergências nem o tão aguardado ascenso revolucionário, este blogue permanecerá em recesso indefinidamente, com repostagens esporádicas de textos antigos para mantê-lo vivo.

domingo, 26 de outubro de 2014

NINGUÉM É TOTALMENTE DESPROVIDO DE TALENTO. O DE JOSÉ PADILHA, P. EX., É REDIGIR ARTIGOS...

Quando eu já estava desistindo de José Padilha, eis que ele me surpreende com algo realmente bom: seu artigo sobre como o autor de A desobediência civil encararia a eleição presidencial brasileira de 2014. Um texto infinitamente melhor do que suas apologias cinematográficas da bestialidade e da tortura. 

Parece-me que, quanto à escolha de carreira, ele só acertou em termos financeiros (apostar nos maus sentimentos das pessoas rancorosas é receita certa de sucesso!); dedicando-se à escrita, talvez nos oferecesse criações de real valor artístico.

Vamos ao que viemos:

NEM AÉCIO NEM DILMA; 
EU FECHO COM THOREAU

Henry David Thoreau escreveu em Vida sem princípio: 'O que se chama de política é algo tão superficial e desumano que eu sequer consigo imaginar que tenha a ver comigo'.

E depois, em A Desobediência Civil: 'Nenhum homem está obrigado à erradicação de qualquer mal, mesmo que seja o mais terrível deles... Mas todo homem tem a obrigação de limpar as mãos e não dar apoio a mal algum'.

A posição do americano Thoreau (1817-1862), construída a partir de uma concepção individualista e extremada da ética --ele foi preso por não pagar impostos a um Estado que aceitava a escravidão--, é inexistente no Brasil, onde impera um pragmatismo escroto.

Acho que seria bom se algum político, artista ou intelectual brasileiro assumisse postura semelhante à de Thoreau. Desse ponto de vista, dar apoio a Aécio ou a Dilma, ao PSDB ou ao PT/PMDB, seria dar apoio à desonestidade e à truculência que constituem a campanha de ambos.

Afinal, dos dois lados existem acordos com políticos desonestos, doadores de campanha para lá de suspeitos (há quem diga que há caixa dois proveniente do desvio de recursos públicos), propagandas eleitorais mentirosas e uma falta de integridade intelectual acachapante.

Dadas as circunstâncias descritas acima, Thoreau bateria de frente com os artistas e intelectuais brasileiros que fizeram questão de declarar seu voto neste ou naquele candidato.

Diria que sacrificaram a sua integridade ética e intelectual em função de escolhas medíocres (quaisquer que sejam elas), feitas à margem dos acontecimentos que realmente importam ao país.

DISPUTAS - E que acontecimentos seriam esses? Thoreau era amante do individualismo radical. Ele valorizava, acima de tudo, atitudes advindas do inconformismo ético e moral. À cabeça me vêm dois juízes: Sergio Moro e Joaquim Barbosa. Foram eles que, para horror da nossa classe política, documentaram como a banda toca no governo, no Congresso e nas empresas estatais.

Pergunto: será que a banda toca do mesmo jeito nos Estados e nos municípios? Será que no Brasil, fornecer para o governo ou para empresas estatais é assinar certificado de suspeição?

Uma coisa é certa: a cada ciclo eleitoral, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, no Executivo ou no Legislativo, há no Brasil uma disputa ferrenha por posições que conferem, para este ou para aquele grupo político, o poder de influir nas decisões relativas aos gastos públicos.

Disputa-se, sobretudo, o poder de indicar (para cargos-chave) gente especializada em aumentar o preço de obras, em receber kick-back (propina) de fornecedores e em distribuir recursos via doleiro. É assim que se irriga o caixa dois dos partidos, é assim que se compra apoio político (mensalões) e é assim que se financiam as próximas eleições.

Tenho a impressão de que, sabedor de tudo isso, Thoreau conclamaria os brasileiros a não comparecer às urnas. Teria a propaganda eleitoral gratuita e os debates do segundo turno como argumentos a favor da sua causa. Perguntaria: 'E se os dois lados tiverem razão quando falam um do outro?'.

A quem retrucasse que votar fortalece a democracia, Thoreau responderia: as mudanças não virão desta política, virão de fora --de um processo de desconstrução da mesma, movido por indivíduos sem filiação partidária.

Serão os juízes, os jornalistas, os intelectuais inconformados que, estimulando a indignação de seus compatriotas, farão a diferença no longo prazo.

Thoreau escreveu em A escravidão em Massachusetts: 'O futuro do país não depende de como você vota nas eleições. Depende de que tipo de homem sai da sua casa todos os dias'.

Mas, como somos obrigados a votar, talvez só nos reste mesmo o pragmatismo escroto --a opção de, engolindo nossa convicções éticas, optar pelo mal menor (cada um tem o seu) e associar nossos nomes aos PTs, PSDBs ou PMDBs da vida.

Se é isso, então vamos lá que hoje é dia de eleição: Marcelo Freixo e cia. fecham com Dilma. Marina Silva e cia. com Aécio. Eu fecho com o Thoreau. E você, fecha com quem?

sábado, 25 de outubro de 2014

AÉCIO REPRESENTA O RETROCESSO E DILMA, O REPRESAMENTO DO ÍMPETO REVOLUCIONÁRIO.

O último debate eleitoral do 2º turno da sucessão presidencial foi uma reprise dos outros três: Dilma sempre gaguejando e repetindo como disco arranhado a propaganda (enganosa, como toda propaganda) oficial, Aécio sempre causando impressão um pouco melhor, nada de espantar, mas algo mais próximo do que deva ser quem exerce a Presidência da República.

Um batalhão de pesquisadores, coordenado por marqueteiros, os mune de um imenso arsenal de dados que só servem para exibirem e depois jogarem fora: presidente estabelece prioridades e coordena seus ministros, não se ocupa pessoalmente das questiúnculas administrativas. Embora pose fingindo inspecionar obras ou atrapalhando os que trabalham em situações de emergência, aquilo tudo é só pra videota ver.  

Então, se nos ativéssemos apenas às qualidades pessoais para o exercício da função presidencial, teríamos de votar em Aécio Neves, que sugere, ainda que remotamente, um estadista. 

Dilma Rousseff fez questão de projetar a imagem de gerentona porque, no fundo, era a única convincente no seu caso. Afinal, não passa de uma guerrilheira que virou tecnoburocrata. 

Antes, queria contribuir para a revolução, uma obra coletiva que depende, fundamentalmente, de que os explorados, em algum trecho do caminho, assumam a causa e a levem à vitória. Se ela houvesse permanecido fiel aos ideais de outrora, teria estimulado a conscientização, participação e organização do povo, pois é ele quem pode fazer a revolução. Revolucionários somos apenas os abre-alas, não os sujeitos da revolução.

Mas, a derrota dos anos de chumbo lhe fez muito mal e suas ambições se reduziram a quase nada. Passou a se ver meramente como uma gestora do capitalismo, que tenta gerenciar melhor o aparelho de estado, do ponto de vista de obter algumas pequenas benesses a mais para o povão (comparativamente às concedidas pelos governos de direita).

Ora, já faz mais de um século que os teóricos marxistas fulminaram o reformismo como uma via política que, tornando o capitalismo um pouco menos selvagem, só serve para assegurar-lhe sobrevida, já que ninguém aguenta ser tratado indefinidamente a ferro e fogo. Dilmas e Lulas apresentam ao povo a face humana do capitalismo, o que apenas o impele a se conformar ao invés de lutar. 

Se queres um monumento, compara os contingentes combativos das Ligas Camponesas e dos primórdios dos movimentos de sem-terra com os apáticos e amorfos beneficiários do Bolsa Família. Uns queriam arrancar seus direitos das garras exploradores. Outros ficam à espera que a esmola lhes caia do céu, só se diferenciando dos mendigos por não terem de suplicar por ela, bastando entrarem na fila do banco.  Dos primeiros, alguns certamente engrossariam as fileiras revolucionárias, se houvesse uma revolução em curso. Dos segundos só podemos esperar prostração e abulia.

Há dois pecados capitais que devem afastar os revolucionários da opção Dilma Rousseff: 
  • sua persona política, hoje, é de quem encara os explorados como objetos (beneficiários) da sua atuação, não como os sujeitos que precisam ser estimulados a cumprirem seu papel histórico. Ela substitui a mobilização revolucionária pela arregimentação dos eleitores para garantirem mandatos aos gerenciadores corretos, reassumindo, logo ao saírem da cabine de votação, a sua condição de zeros à esquerda, a serem devidamente tutelados pelos que sabem o que é melhor para eles. É o contrário de tudo que Marx e Proudhon nos ensinaram;
  • e, não se contentando em colocar os explorados no seu devido lugar por meio das políticas de governo, recorreu à repressão pura e simples para sufocar o despertar das massas nas jornadas de junho de 2013 e subsequentes, tudo fazendo para abortar o que, para quem permaneceu revolucionário, representava a maior esperança surgida desde a domesticação do Partido dos Trabalhadores. Foi imperdoável e eu, pelo menos, jamais perdoarei o PT por isto; quase vomitava ao ler, nos posts dos blogueiros amestrados que oscilam na órbita palaciana, as mesmíssimas falácias, diatribes e incitação à bestialidade fardada que os arqui-reacionários de então, como Nelson Rodrigues, lançavam contra o movimento estudantil de 1968.
Mas, se o PT, como partido (companheiros valorosos ainda existem por lá e poderão ser muito úteis quando buscarem melhor companhia), está perdido para a revolução e se o indivíduo Aécio Neves cai melhor no figurino presidencial do que Dilma Rousseff, deveríamos votar nele?

Não, mil vezes não! Pois importa mesmo é a força política que governará, não seu garoto-propaganda. O que têm os tucanos a oferecerem, além de uma melhor adequação do Brasil ao papel subalterno e dependente que lhe cabe no capitalismo globalizado? Presumivelmente, eles apenas corrigirão os erros de gerenciamento (mesmo na ótica estritamente capitalista...) cometidos na caótica gestão de Dilma Rousseff e vão ocultar com mais discrição a sujeira debaixo do tapete --afinal, a grande imprensa decerto cooperará neste mister, voltando aos miados da era FHC, ao invés dos rugidos de ultimamente.

Têm tão pouco a oferecerem ao povo como em 2002, quando foram varridos do poder por Lula. Que haja tantos brasileiros hoje dispostos a andarem para trás é estarrecedor! Mostra quanto o PT decepcionou aqueles que nele apostaram.

Noves fora, Aécio representa o retrocesso e Dilma, o represamento do ímpeto revolucionário sob a batuta (e a repressão!) dos reformistas. Merecem ser ambos repudiados. Merecem que o povo lhes atire sua decepção na cara, pois um não oferece esperança nenhuma e a outra frustrou miseravelmente as imensas esperanças que seu partido despertou.

A maneira que resta para expressarmos nossa indignação é recusa das opções que nos estão sendo oferecidas, seja (preferencialmente) anulando o voto, seja votando em branco ou mesmo, por meio da abstenção, não desperdiçando tempo com uma eleição que, além de não prenunciar verdadeira melhora, apresentou a campanha mais imunda e medíocre desde a redemocratização.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A veja TUMULTUA A ELEIÇÃO COM O FANTASMA DO IMPEACHMENT DE DILMA

O risco contra o qual venho há tempos alertando acaba de se materializar: a veja antecipou em um dia a distribuição da edição 2.397, de forma a colocar a eleição presidencial sob a lâmina de uma guilhotina: a do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. 

É manipulação às escâncaras, um óbvio crime eleitoral. 

A revista normalmente entra em bancas no sábado e tem sua capa e resumo das principais matérias divulgada na noite de 6ª feira. Todo o cronograma foi adiantado em 24 horas, só cabendo uma explicação: o objetivo foi permitir que Aécio Neves aproveitasse a munição nova no debate final da Globo, além de aumentar estrategicamente o prazo para a bomba repercutir, produzindo consequências nas urnas. 

E qual é esta bomba, afinal? Trata-se da atribuição, ao delator premiado Alberto Youssef, da seguinte afirmação, ao ser interrogado por um delegado da Polícia Federal:
— O Planalto sabia de tudo!
O delegado teria perguntado a quem no [Palácio do] Planalto o doleiro aludia, recebendo como resposta: "Lula e Dilma".

Reinaldo Azevedo, o blogueiro mais reacionário da revista mais reaça do Brasil, duas semanas atrás já antecipara que a direita poderia partir para o impeachment, neste parágrafo de sua coluna semanal na Folha de S. Paulo:
Reinaldo Azevedo é o principal arauto do impeachment
"Prestem atenção! Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef mal começaram a falar. A depender do rumo que as coisas tomem e do resultado das urnas, o país voltará a flertar, no próximo quadriênio, com o impeachment, somando, então, a crise política a uma economia combalida".
Só perfeitos ingênuos acreditarão que ele já não soubesse qual seria a derradeira cartada da veja

Agora, ao trombetear a nova denúncia no seu blogue, ele é mais explícito ainda:
"Se as acusações de Youssef se confirmarem, é claro que Dilma Rousseff tem de ser impedida de governar caso venha a ser reeleita, mas em razão de um processo de impeachment, regulado pela Lei 1.079..."
E, para martelar bem a ideia, ele a repetiu no final do seu post, grifando a ameaça para torná-la ainda mais ribombante:
"Se Dilma for reeleita e se for verdade o que diz o doleiro, DEVEMOS RECORRER ÀS LEIS DA DEMOCRACIA — não a revoluções e a golpes — para impedir que governe".
Evidentemente, os grãos petistas falarão em terrorismo eleitoral, minimizando a possibilidade de os acontecimentos se encaminharem em tal direção.

Mas, se precedentes valem alguma coisa, a permanência de Getúlio Vargas no poder foi duas vezes interrompida por manobras semelhantes:
  • em 1945, os Estados Unidos jogaram todo seu peso de bastidores para forçá-lo (da mesma forma que o argentino Juan Domingo Perón) a deixar o poder; 
  • e, como o ciclo varguista persistiu, com a eleição do poste que ele apadrinhou (Eurico Gaspar Dutra) seguida por sua volta ao Palácio do Catete em 1951, a direita militar exigiu que renunciasse para não ser deposto, tendo ele preferido uma outra opção, o suicídio.
Outro precedente agourento é o de 1964: o PCB subestimou o risco de golpe de estado, não montando nenhum dispositivo militar próprio para defender o mandato legítimo de João Goulart, daí os golpistas terem derrubado o governo com a facilidade de quem tira doce da boca de uma criança.

Se as agora coisas chegarem a tal extremo, a História certamente se repetirá, pois inexiste dispositivo militar autônomo ou contingentes populares preparados para reagirem à altura. O PT não fez a lição de casa.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FILMES ERÓTICOS

Histoire d'O (1975) é um dos melhores filmes já realizados na linha do erotismo soft e sofisticado, com enredo tão estranho que tudo chega a parecer um sonho (ou uma Alice no país das maravilhas vista pelo Marquês de Sade...), visual deslumbrante e uma protagonista belíssima, Corinne Cléry. 

O romance de Pauline Réage (Dominique Aury não passa de pseudônimo) incursiona pelo sado-masoquismo chique: jovem é convencida pelo amante a ingressar numa confraria S&M, estruturada por ricaços num ambiente medieval. As regras básicas são: as mulheres abrem mão até de sua identidade (daí ela ser chamada apenas de O) e têm de se submeterem a todos os desejos e caprichos masculinos.

Com o tempo, O aprende tão bem as regras do jogo que, de dominada durante o aprendizado, passa a dominadora nas suas relações amorosas, sociais e profissionais subsequentes.
A O de Crepax lembra a sua Valentina

Destaque para a brilhante adaptação para as telas, a cargo do também escritor Sébastian Japrisot, responsável pelos roteiros de algumas culminâncias do cinema policial francês: Adeus, amigo, O passageiro da chuva, O homem que surgiu de repente, Verão assassino.

O diretor Just Jaeckin teve um momento de grande notoriedade nos anos 70, a partir do sucesso do primeiro Emmanuelle, eclipsando-se na década seguinte. De certa forma, é um continuador de Roger Vadim, igualmente hábil na glamourização das imagens e na valorização dos corpos femininos.

Por último: 
  • o grande cartunista Guido Crepax fez uma graphic novel (que a LP&M lançou no Brasil) baseada na Histoire d'O; e
  • o cineasta Shûji Terayama, adaptando livremente o outro livro de Pauline Réage (Retorno a Roissy, uma continuação de Histoire d'O), realizou o primoroso Os frutos da paixão, 1981,  transferindo a saga de O para o Japão do início do século passado, sacudido por movimentos revolucionários. Espero ter a oportunidade de o postar aqui algum dia.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

UM FILME MARCANTE, QUE NOS LEVA A REFLETIRMOS SOBRE O UTILITARISMO.

Eis um filme que tem muito a ver com o deprimente momento pelo qual passamos no Brasil: Mississippi em chamas (1988). Mostra o assassinato de três ativistas dos direitos civis dos negros por parte da Ku Klux Klan, em 1964, numa pequena cidade do Mississippi, seguindo-se as investigações a cargo do FBI.

A política do governo estadunidense era a legada por John Kennedy, de fazer respeitar os direitos civis custasse o que custasse. Então, o desaparecimento dos três ativistas leva à cidade uma verdadeira tropa de ocupação do FBI, comandada por um agente idealista (Willem Dafoe), que segue fielmente a cartilha da legalidade. Um de seus auxiliares (Gene Hackman), antigo xerife de cidade sulista como aquela, tem uma visão pragmática e cínica da missão.

Com quase todos os moradores brancos participando da KKK, sendo solidários a ela ou temendo ficar na sua mira, o trabalho não avança. Até que o agente idealista, frustrado pelos fracassos e pelas sucessivas demonstrações de força dos encapuzados, dá carta branca para o auxiliar amoral conseguir resultados por meio de abusos policiais. Assim, é cometendo crimes menores que o FBI consegue desvendar o crime maior e entregar os culpados à Justiça.

A ótica do diretor Alan Parker (O expresso da meia-noite, Pink Floyd - The Wall, Coração satânico) é totalmente utilitária: ele vilifica as autoridades locais, pertencentes ou mancomunadas com a KKK, tornando simpáticos os policiais arbitrários e fazendo com que pareça justificado o uso de métodos não ortodoxos para arrancar a verdade dos envolvidos no assassinato. O espectador acaba vendo o auxiliar amoral como aquele que sabe das coisas, enquanto seu chefe legalista não passa de um ingênuo.

O filme é impactante, prende a atenção, evoca um momento histórico importante e tem Gene Hackman em grande forma. Merece ser visto.

Mas, a tese utilitária tem de ser rechaçada firmemente, em todas as circunstâncias! Porque quem age como criminoso se torna também criminoso, o fim nobre nunca permanece o mesmo depois de se utilizarem meios espúrios para o atingir. E a experiência histórica nos ensina que, depois da primeira violação de conduta, abrem-se as porteiras para muitas e muitas outras, com a exceção logo se tornando regra. É uma viagem sem volta.

Esta discussão vem a calhar quando o PT abdica de quaisquer escrúpulos na busca de vitória eleitoral, tendo tomado a iniciativa de deturpar e apequenar a batalha política, tornando-a uma campanha de satanização, de medo, do ódio, de uso indiscriminado da mentira e do apelo para irrelevâncias que beiram os fuxicos de comadres. 

Poderá até resultar, mas o partido sairá da eleição muito menor do que entrou; de depositário das esperanças populares se terá tornado um beneficiário da credulidade dos despolitizados, dos coitadezas que se deixam enganar pelos métodos nazistas/stalinistas de manipulação das massas. 

Vitórias de Pirro preparam o terreno para derrotas acachapantes (e eu temo que as consequências acabarão recaindo sobre todos nós, não apenas sobre os dirigentes do PT responsáveis pela descida ao esgoto). 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

UMA OBRA-PRIMA DE ARREPIAR: "ADEUS, MENINOS"!

Adeus, meninos (1987) é uma obra-prima, de arrepiar! Une uma visão poética da meninice num colégio católico com a dura prova a que professores e alunos são submetidos a partir da ocupação nazista, quando solidarizar-se aos perseguidos tinha um preço altíssimo.

Louis Malle (1932-1995) foi um dos principais expoentes da nouvelle vague, a onda francesa que tornou mais inteligente a vida no cinema, ao colocar em primeiro plano o papel do autor (o diretor com licença para criar, enveredando por enredos com densidade bem maior e fazendo as mais diversas experiências formais, ou seja, imprimindo, bem nítida, sua marca pessoal no filme), em contraposição aos artesãos característicos de Hollywood (pistoleiros de aluguel cuja personalidade jamais deveria transparecer no filme). 

De certa forma, foi toda uma geração de brilhantes cineastas que trilhou o caminho aberto pelo genial Orson Welles com Cidadão Kane, tão inovador em 1941 que só no final da década seguinte suas premissas se cristalizaram num movimento --cinematograficamente o mais rico do século passado, por apontar para várias direções, enquanto o néo-realismo, p. ex., estava mais para samba de uma nota só.

Há dúvidas sobre se Malle teria sido precursor ou lançador da nouvelle vague, com seu Ascensor para o cadafalso (1957), mas ninguém discute a importância da contribuição de Os amantes (1958) e Trinta anos esta noite (1963) para o movimento.

Depois, faria filmes muito polêmicos, questionando valores sociais e/ou dissecando ambiguidades morais, como O ladrão aventureiro, de 1967 (que mostra sem nenhum moralismo a trajetória de um indivíduo até se tornar gatuno exímio); Lacombe Lucien, de 1974 (no qual lança um olhar compassivo para um jovem rústico que as circunstâncias transformam em colaborador da Gestapo); e Menina bonita, de 1978 (sobre menina criada em bordel, filha de prostituta, que só almeja tornar-se também meretriz, a despeito dos esforços de um admirador para salvá-la desse destino).

Adeus, meninos é seu apogeu e canto do cisne, um filme simplesmente perfeito, seja pela sensibilidade com que retrata o período em que os jovens vão formando sua personalidade, escolhendo as influências que incorporarão, conhecendo o que são e até onde poderão ir, sempre submetidos ao desafio dos outros jovens que também buscam sua afirmação; seja pelo final fortíssimo, em que se deparam com dilemas morais que nem mesmo para os adultos são fáceis de enfrentar.

Destaque também para a irrepreensível atuação de um elenco sem grandes nomes, mas que compõe personagens extremamente marcantes. Presumo que graças ao toque de Midas do diretor. 

domingo, 19 de outubro de 2014

BRASILEIRO. VOCAÇÃO: INSPETOR DE QUARTEIRÃO.

Leio no Estadão que as "áreas mais pobres da cidade (...) foram tomadas por uma aflição geral", temendo que a água termine de vez em São Paulo. E, como sempre, os moradores correram a policiarem uns aos outros:
"Em lugares como o Parque Cocaia, no extremo da zona sul, moradores, com auxílio de comerciantes e lideranças comunitárias, criaram até um 'código moral' para o uso do recurso. Eles avaliam que agora ninguém mais tem direito a desperdiçar 'nenhuma gota'.
Jovens passam o dia circulando de motos pelas vielas estreitas do bairro, chamando a atenção de quem é flagrado lavando calçada ou veículo"
Assim é o brasileiro: um inspetor de quarteirão em potencial, doidinho para ter uma chance de exercer sua otoridade sobre os iguais.

Nunca lhe ocorre que tais paliativos podem, no máximo, atenuar um tiquinho o problema.

Como São Paulo não é nenhum território independente, cabe ao Brasil encontrar uma solução real, obviamente desviando água de Estados dela menos carentes para socorrer os paulistas.

Mas, a terrível obtusidade e pequenez dos governantes faz com que o elástico seja esticado ao máximo, com risco de arrebentar na cara das criancinhas, dos idosos e dos inválidos. A racionalidade só virá depois da eleição. Até lá, os brasileiros de São Paulo estarão sendo tratados como reféns, pois seu desespero serve aos objetivos da mais ignóbil politicalha.

Os patrulhadores de vizinhos nunca voltarão o olhar para o alto. Sempre vão preferir aporrinhar e fustigar outros coitadezas, pois assim sentem-se menos coitadezas.

E, tão valentes quando se trata de baterem boca ou partirem para arranca-rabos com idênticos zé-manés, borram-se de paúra ante a perspectiva de confrontarem os poderosos e os governantes, sempre os maiores culpados pelos infortúnios que se abatem sobre estes tristes trópicos.

P.S. - há poucos dias, comentei que já não tenho acesso às fontes de bastidores com as quais contava ao atuar na grande imprensa, só me restando confiar nas avaliações que faço e no que depreendo do acompanhamento atento do noticiário.  Assim, neste texto escrito na tarde de domingo, critiquei a não destinação para São Paulo de água de outros Estados que estão em situação mais confortável. Era uma conclusão óbvia a se tirar do quadro atual. Para minha surpresa, o candidato Aécio Neves tocou neste assunto hoje, 2ª feira, criticando o aparelhamento da Agência Nacional de Águas. Como não creio que ele me leia, deve ter sido mera coincidência. 

sábado, 18 de outubro de 2014

DILMA SEGUE O CONSELHO DO BLOGUE: ADMITE CORRUPÇÃO NA PETROBRÁS E PROMETE "RESSARCIR TUDO E TODOS".


No post Propinoduto: Dilma deve fazer o jogo da verdade ou continuar tapando o sol com a peneira? (acesse aqui), eu reproduzi uma notícia da Folha de S. Paulo sobre os bastidores do PT, dando conta de que alguns grãos petistas aconselhavam a presidenta a admitir a ocorrência de práticas condenáveis na Petrobrás e outros, a manter a desconversa.

Apontei-lhe o bom caminho: "...agirá bem a presidenta Dilma se preferir fazer o jogo da verdade, deixando de tapar o sol com a peneira".

E conclui com um bordão de minha autoria (por que não?): a transparência é revolucionária!

Registro, com satisfação, que desta vez a Dilma ficou com os mocinhos, botando os bandidos pra correr. Eis sua declaração deste sábado, 18:
"Eu farei todo o meu possível para ressarcir o País. Se houve desvio de dinheiro público, nós queremos ele de volta. Se houve, não; houve! Eu tomarei todas as medidas para ressarcir tudo e todos".
Bravíssimo! 

UM ESPECTRO RONDA O BRASIL

Este blogue tem, para mim, dupla função: 
  • há textos que publico aqui e também em vários outros espaços cativos de que disponho, além de difundir por e-mails, pois quero que tenham repercussão mais ampla; e
  • há textos que publico apenas aqui, como um tipo de conversa íntima com meu público mais constante.
No segundo caso está este post, na esperança de que permaneça no círculo de meus amigos e leitores de longa data. Os demais poderiam interpretar como terrorismo eleitoral, o que não é.

Quero apenas deixar registrado que me inquietam muito os rumos da sucessão presidencial. Pode vir coisa ruim demais por aí.

Na edição da veja que chegou às bancas neste sábado, a matéria de capa é exatamente a que previ. Desde que os delatores premiados começaram a abrir o bico, eu não tinha nenhuma dúvida de que, no penúltimo sábado antes do 2º turno, a revista faria estardalhaço com sua denúncia mais contundente.

O doleiro Alberto Yousself, diz a revista, acaba de entregar à Polícia Federal provas de que a campanha de 2010 de Dilma foi em parte financiada com dinheiro desviado da Petrobras.

Então, podemos ter a certeza de que, caso Dilma seja reeleita:

  • a oposição entrará em 2015 com um pedido de impeachment, pois o apurado na Operação Lava Jato é suficiente para o respaldar;
  • no ano que vem necessariamente começará um ajuste recessivo na economia, cuja intensidade e duração não é possível prevermos, mas fará, claro, aumentar a insatisfação popular.
A simultaneidade destes dois acontecimentos criará um caldo de cultura propício para golpe de estado. 

Convido os companheiros a refletirem sobre meu alerta, não com antolhos eleitoreiros, mas pensando mais longe. O perigo que nos ronda vai muito além desse duelo de baixarias que passa por ser eleição. E, repito, não podemos ser pegos desprevenidos como o fomos em 1964. 

VEJA AQUI DOIS VÍDEOS RARÍSSIMOS DO VANDRÉ NO EXÍLIO

A dica foi do companheiro Vinícius de Barros, a quem agradeço: eis duas gravações muito raras do Geraldo Vandré, em 1970, apresentando-se numa TV alemã.

A "Caminhando" está belíssima, a "Modinha" (da trilha musical de A hora e vez de Augusto Matraga) nem tanto. Mas ambas nos dão o mesmo aperto no coração, pois é cruel a comparação do Vandré ainda não destruído com o zumbi que hoje carrega seu nome.



sexta-feira, 17 de outubro de 2014

OUTRA GRAVÍSSIMA ACUSAÇÃO DO LULA: O AÉCIO NÃO LEVAVA MAÇÃ PRA PROFESSORA!

Os leitores podem até supor que eu esteja sempre procurando motivos para criticar o PT, mas os milhares de textos armazenados no meu blogue estão aí para provarem o contrário. São os petistas que, invariavelmente, dizem e fazem coisas com as quais não concordo, nem jamais concordei.

P. ex., transformar uma campanha presidencial numa competição para ver quem sataniza mais o adversário é o oposto de tudo que defendo. Trata-se da política degradada a arranca-rabo de cortiço.

A CPMF, que Dilma Rousseff tenta fazer-nos crer que era fundamental para a Saúde, nunca passou de um engana-trouxa a mais para tungarem os cidadãos. 

Nos tempos em que trabalhei nas editorias de economia, percebi claramente que, pior ainda do que Bancos Centrais dóceis ao grande capital, são os BC's subservientes aos governos. Por que? Porque estes últimos querem mesmo é colocar a economia a serviço dos interesses e conveniências da politicalha. Fazem-no de forma tão grosseira que criam o pior dos mundos possíveis

E que dizer do teste do bafômetro, que Lula resolveu utilizar como arma contra Aécio Neves? Pelas ninharias que anda colocando em circulação, daqui a pouco ele vai acusar o tucano de nunca ter levado maçãs para sua professora do pré-primário...

Aécio se recusou a fazer o teste em 2011? Palmas para ele! Pois eu também JAMAIS me submeteria a tal constrangimento, típico de regimes totalitários. Por sorte, minha idade e aparência me colocam na leva dos que os policiais mandam passarem direto.  

Tendo detestado cada segundo que vivi sob ditadura, subo nas paredes quando tentam me impor o mesmo tratamento em plena democracia; não dou satisfações a quem não está legalmente autorizado a exigi-las, sempre preferi correr o risco de perder bons empregos do que permitir que censurassem meus textos, etc.

Quanto aos testes impostos aos motoristas, eis o que escrevi sobre eles, em março de 2012, no artigo STJ fulmina a Lei Seca. Bravíssimo!:

"Finalmente, uma decisão memorável do STJ, ao esvaziar, na prática, a famigerada  Lei Seca.

Tão patética quanto a que fez a fortuna dos gangstêres de Chicago, a Lei Seca  do volante parte de um princípio inaceitável numa democracia: o de que o cidadão é culpado até que prove sua inocência.

Qualquer motorista era laçado a esmo (na contramão do princípio da igualdade de todos perante a lei) e constrangido à humilhação do bafômetro.

Se, exercendo suas prerrogativas constitucionais, não aceitasse produzir provas contra si mesmo, ainda assim poderia ser processado, condenado, preso, com base nos depoimentos imprecisos de: 
  • testemunhas (nas situações normais sempre há poucas: por comodismo ou por principio, a grande maioria prefere viver e deixar viver);
  • guardas de trânsito (otoridades  que, quando desobedecidas, ficam furibundas e tudo fazem para retaliar os autores do crime  de lesa majestade, donde o STJ agiu certíssimo ao cortar-lhes as asas); e
  • médicos (cujo  exame visual  nada mais é do que um palpite, além de tenderem a, quando a serviço da Polícia, vestirem a camisa de repressores com o ardor de um Harry Shibata).
Crianças são tuteladas.

Adultos são donos do seu nariz".
A Lei Seca original (1920-1933) foi um total fracasso 

Infelizmente, nas marchas e contra-marchas da nossa Justiça, o mostrengo por ora voltou a viger. Torço para que a Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta cumpra o seu papel, garantindo os direitos individuais contra a imposição de arbitrariedades a pretexto de proteção da coletividade. 

Por este caminho, dá para se justificarem todas e quaisquer medidas autoritárias. Trata-se da mesmíssima racionália aplicada pelos EUA e países europeus após o atentado ao WTC: cidadãos com traços físicos e/ou sobrenomes assemelhados aos árabes eram revistados, detidos, interrogados, maltratados, confinados, em função do mero palpite de que pudessem ser terroristas.

De resto, até agora, não havia nada no Aécio que me entusiasmasse. Nem lembrava do episódio em questão, mas a atitude dele é daquelas que, partindo de quem partir, sempre aprovarei (só desaprovo o seu recuo tático no debate do SBT, mas nenhum candidato ousa ser politicamente incorreto no meio de uma eleição). Os brasileiros são caninamente submissos ao autoritarismo, precisamos de quem lhes dê exemplo de postura cidadã altaneira.

Obs. Não li nenhuma referência ao branco que deu em Dilma durante o debate da Band, mas é provável que alguém mais tenha percebido. O certo é que eu notei, registrei (vide aqui) e, em seguida, abordei exatamente o problema da exaustão física e mental dos candidatos, pois ficou evidente para mim que ela, ou havia travado, ou tonteado. Logo após o debate do SBT aconteceu de novo e a presidenta teve de ser amparada para não cair. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

"SE UMA OUVIDORIA NÃO DEFENDE UM IDOSO GRITANTEMENTE INJUSTIÇADO, PARA QUE EXISTE?"

Sinto-me como o cidadão que, num conto primoroso de Kafka, chega na porta da Lei e tem sua entrada impedida por um poderoso porteiro. Decide aguardar seu consentimento e consome o resto da sua vida na espera. Em seus últimos momentos, pergunta:
- Todos aspiram à Lei. Como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?
O porteiro precisa berrar a resposta, para que o agonizante o consiga escutar:
- Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.
É o que se passa com o meu mandado de segurança para receber a indenização retroativa que me foi concedida pelo ministro da Justiça há nove anos, mas que, graças a manobras protelatórias e à indisfarçável hostilidade das burocracias arrogantes e insensíveis, permanece até hoje no limbo, conforme expliquei detalhadamente neste artigo de três meses atrás (nada aconteceu desde então).

Nesta 5ª feira, 16/10, apelei mais uma vez à Ouvidoria do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que cumpra seu dever. Já o fizera anteriormente, recebendo a bizarra resposta de que o regulamento interno do STJ dá aos ministros o direito de organizarem a sua agenda conforme lhes dá na telha. Ora, se uma Ouvidoria acredita que regulamentos internos falem mais alto do que leis, é melhor substituí-la por um muro de lamentações.

Eis a mensagem que acabo de enviar:
Quero, mais uma vez, pedir à Ouvidoria que cumpra seu papel, defendendo meu direito de idoso a ter prioridade nos trâmites judiciais, conforme estabelece a Lei 010.741, de 2003:
Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.
 § 1º O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova de sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo.
Requeri formalmente a priorização em 06/08/2012, sem que NENHUMA providência fosse tomada no espírito da Lei. Na prática, ela foi tratada como letra morta.
Meu mandado de segurança (de nº 0022638-94.2007.3.00.0000) completará no início de fevereiro oito anos de duração e quatro desde que obtive ganho de causa no julgamento do mérito da questão, por unanimidade (8x0). Já lá se vão mais de dois anos que o relator tomou sua última decisão, manifestando-se nos autos pela derradeira vez. ESTÁ TOTALMENTE PARADO DESDE ENTÃO!!!
Lembro também que REGULAMENTOS INTERNOS, mesmo o de uma corte como o STJ, não prevalecem sobre as LEIS do País.
Se o Estatuto do Idoso não é para valer e se um sexagenário pode ser tratado com tamanho descaso, por que o criaram?
Se uma Ouvidoria não defende um idoso gritantemente injustiçado, para que existe?
Sou a parte fraca, só me resta clamar. Espero que não seja no deserto.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

PROPINODUTO: DILMA DEVE FAZER O JOGO DA VERDADE OU CONTINUAR TAPANDO O SOL COM A PENEIRA?

Como jornalista veterano, sinto-me muito frustrado por não contar atualmente com fontes que me passem informações de cocheira. Este é um privilégio de quem está na ativa e em veículos importantes, podendo, portanto, oferecer a contrapartida --ou seja, prestar favores jornalísticos a tais fontes. Toma lá, dá cá.

Então, só me resta disponibilizar para os leitores deste blogue as notícias sobre movimentações nos bastidores que encontro na mídia e me pareçam significativas, de antemão alertando que nem sempre os informantes são isentos, podendo ter induzido os repórteres a erros.

A notícia Ala do PT propõe que Dilma reconheça erros na Petrobras, da sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo, apresenta um quadro plausível da disputa que certamente está rolando nos círculos decisórios do partido. Se correto ou não, é impossível nós, que estamos do lado de fora, determinarmos.

Enfim, se non è vero, è ben trovato, diriam os italianões da Mooca e do Brás que eu conheci na minha meninice.

Dando-se crédito ao relato dos repórteres Valdo Cruz e Natuza Nery, agirá bem a presidenta Dilma se preferir fazer o jogo da verdade, deixando de tapar o sol com a peneira.

Hoje mais do que nunca, face ao que muitos esquerdistas se tornaram, a transparência é revolucionária! 

Eis o que há de mais interessante na notícia:

A cúpula da campanha da presidente Dilma Rousseff está dividida sobre a melhor estratégia para enfrentar o escândalo da Petrobras...

Um grupo avalia que a tática mais eficaz seria reconhecer que houve erros na gestão da estatal, insistir que os culpados devem pagar por eles e que a Justiça Federal dará a palavra final sobre a responsabilidade de cada um, buscando virar a página do escândalo.

Segundo a Folha apurou, são favoráveis a esta posição o marqueteiro da campanha João Santana, Miguel Rossetto, um dos coordenadores da campanha, Jaques Wagner, atual governador da Bahia, e Fernando Pimentel, governador eleito de Minas Gerais.

Outro grupo, integrado por Rui Falcão, presidente do PT, Aloizio Mercadante, ministro da Casa Civil, e Franklin Martins, da coordenação da campanha, acredita que Dilma deveria seguir na linha atual, defendendo a reforma política como escudo contra desvios e questionando as acusações feitas pelo ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef.

O tema foi debatido nesta semana em reunião da cúpula de campanha petista. Por enquanto, prevalece a tese do segundo grupo... 

A presidente Dilma, segundo interlocutores, até gostaria de optar pela estratégia de admitir que houve erros na estatal e tentar se descolar do escândalo da Petrobras. Mas resiste, ainda, por acreditar que compraria briga com o PT na reta final da campanha.

...Segundo auxiliares da petista, o desgaste do governo só aumentará, se o PT e o Palácio do Planalto optarem apenas por uma postura reativa. Como na semana passada, em que negaram as irregularidades e atacaram a divulgação dos depoimentos do ex-diretor da Petrobras e do doleiro Youssef à Justiça.

Um interlocutor de Dilma disse que será um erro o PT ficar insistindo na tecla de que as declarações do ex-diretor e do doleiro são caluniosas. 

Segundo ele, os áudios divulgados e a informação de que Paulo Roberto Costa vai devolver R$ 70 milhões frutos de corrupção dão credibilidade a, no mínimo, parte importante das acusações contra o partido.

...O receio é que, nos próximos dias, surjam mais novidades do escândalo, com citação de envolvimento de assessores do governo e de aliados, o que deixaria a presidente em situação ainda mais difícil.

Pesquisas qualitativas mostram que já se cristalizou na opinião pública a visão de que existia, de fato, um esquema de corrupção dentro da Petrobras.

A cúpula petista, porém, não concorda com essa visão. Diz que o partido e o governo não podem ficar acuados diante das denúncias e que precisam se defender.

DEBATE DE CANDIDATOS-PRODUTO É A QUINTESSÊNCIA DA CHATICE

Certa vez, no auge de Hollywood, um grande escritor foi convidado a criar o roteiro de um filme. Como não estivesse familiarizado com a chamada sétima arte, pediu para os produtores lhe mostrarem uma fita que desse boa noção de sua tarefa. Foi, começou a assistir... e logo saiu correndo, horrorizado com a mediocridade do cinema comercial. 

É o que tenho vontade de fazer sempre que acompanho um debate eleitoral da era dos candidatos-produto, exaustivamente adestrados por uma legião de marqueteiros para darem as respostas que melhor cumpram a função de bajular eleitores, a partir das conclusões tiradas de toneladas de pesquisas qualitativas sobre as reações dos vários segmentos da população a cada tema. 

Que saudades dos tempos em que não havia pacote pronto nem staff todo-poderoso, em que ainda se desbravavam os caminhos e aconteciam situações realmente pitorescas, como estas:
  • quando Richard Nixon foi ao confronto decisivo contra John Kennedy com a barba por fazer. Mais do que os argumentos, o eleitorado dos EUA comparou o garboso Kennedy ao mal-encarado Nixon, com os resultados conhecidos;
  • quando um deputado dos mais obesos, querendo entregar alguns papéis a Jânio Quadros no ar, foi se arrastando pelo chão com seu corpanzil de urso, por baixo do ângulo captado pelas câmeras... sem imaginar que, maldosamente, elas se voltariam na sua direção, expondo a todos os telespectadores o ato de puxa-saquismo explícito;
  • quando Franco Montoro, aproveitando a vantagem de ser sua a última intervenção do debate, acusou Jânio Quadros de torpeza (havia sido vítima da ditadura e estava mancomunado com os antigos perseguidores), deixando o homem da vassoura à beira de um ataque de nervos, pois suas tentativas furibundas de retrucar eram bloqueadas pelo mediador;
  • quando o jornalista Boris Casoy perguntou a Fernando Henrique Cardoso se ele acreditava em Deus e FHC se queixou de que haviam combinado não tocar nesse assunto, deixando a impressão de que ele evitava admitir sua condição de ateu (muitos analistas acreditaram ser este o motivo da surpreendente virada de Jânio Quadros, na enésima hora);
  • quando Brizola e Maluf perderam as estribeiras e ficaram se xingando no ar. "Filhote da ditadura!", repetiu várias vezes o gaúcho, enquanto o outro respondia: "Desequilibrado! Desequilibrado! Passou 15 anos no estrangeiro e não aprendeu nada!";
  • quando Lula teve um apagão no debate decisivo com Collor e reagiu com apatia aos ataques do inimigo, não contestando sequer a afirmação de que seu aparelho de som era melhor que o do ricaço das Alagoas (já ouvi dizerem que se tratou de uma armadilha evitada: a espionagem do Collor teria obtido um recibo de compra de aparelho de som caro, constrangedor para Lula);
  • quando o mesmo Collor, tentando voltar à tona depois de expelido do poder, foi escalado para formular uma questão ao folclórico Enéas Carneiro e, depois de pensar um pouco, desistiu: "Fale qualquer coisa aí!". Enéas gastou seu tempo criticando o próprio Collor, que esnobou de novo o adversário, desprezando a chance da réplica: "Pode continuar!".
Hoje tudo é mais previsível, os escorregões são menos frequentes e os candidatos para cargos importantes estão bem escolados nas técnicas da embromation. O tédio impera, a chatice é insuportável.

EXAUSTOS, AMBOS ENTOARAM 
VÁRIAS VEZES A MESMA LADAINHA...

No debate entre a presidenta Dilma Rousseff  e o senador Aécio Neves na Band, o que saiu do script foi a primeira ter dado uma ligeira travada (lembrou o filme 8 mile), recompondo-se depois de angustiantes segundos de branco; a exaustão física e mental que se notava em ambos, a ponto de entoarem várias vezes a mesma ladainha (Aécio invocando seu índice de aprovação quando deixou o governo de MG, Dilma aludindo ao Pronatec umas 30 vezes, como vitrola quebrada de outrora); pelo mesmo motivo, a falta de articulação que mostravam em alguns momentos, perdendo o fio da meada e enveredando, para disfarçar, por assuntos sem ligação nenhuma com o que estavam falando; os erros crassos de concordância que cometiam quando exaltavam as excelências... da educação!

Pior mesmo foi o medo de chutar o balde, mesmo quando a verdade pegaria muito melhor do que as desculpas esfarrapadas.

Ao invés de sustentar (e ninguém acreditar) que nada houve de errado na construção do aeroporto de Cláudio, Aécio poderia ter dito que o custo de R$ 13,4 milhões, ou R$ 17,9 milhões corrigidos, foi uma merreca na comparação, p. ex., com o propinoduto, em que um personagem do escalão intermediário do esquema mafioso admitiu um ganho ilícito de R$ 70 milhões (é quanto vai devolver aos cofres públicos, mas, se alguém acreditar que o Paulo Roberto Costa abocanhou só isto, pode passar na secretaria e retirar seu diploma de otário...).

Quanto ao Pronatec, nenhum político ousará lembrar que as empresas, para disporem dos quadros técnicos que lhes são imprescindíveis, sempre os formaram por si mesmas quando o governo não investia nesta área. Então, a menina dos olhos da Dilma é um programa que transferiu para a União parte dos custos que os Senais da vida bancavam sozinhos. Os capitalistas agradecem. 

E que dizer da insistência de Dilma em insinuar que quem não apoiou a CPMF, aquele famigerado imposto do cheque, foi um sabotador da Saúde? Contribuição introduzida emergencialmente e que foi sendo eternizada à base de subterfúgios, servia (como os pedágios das rodovias) para o Estado espertamente poupar verbas que eram desviadas/desperdiçadas alhures. Terminou da forma mais melancólica possível, com rejeição acachapante e sob suspiros aliviados dos cidadãos, os quais detestavam ser extorquidos por um tributo travestido em contribuição provisória.  

O festival de escândalos que assola o País e as evidências gritantes de parasitismo e esbanjamentos na administração pública são evidências mais do que suficientes de que não faltariam verbas para a Educação, a Saúde, a humanização do transporte coletivo e outras prioridades verdadeiras, se os recursos existentes não fossem drenados pela politicalha. Afinal, a carga tributária brasileira é das mais elevadas e não pára de crescer, como se constata aqui.

De resto, o debate foi parelho nas escaramuças entre ambos. No entanto, o Aécio levou a vantagem de ir ao encontro do que o homem comum está sentindo: a economia estagnou e a inflação voltou. Ele martelou isto ad nauseam, sem que a Dilma, coitada!, tivesse como retrucar de forma convincente. Contra fatos não há argumentos.

Ainda não caiu, para a campanha da Dilma, a ficha de que o eleitorado não quer MAIS DO MESMO, Quer, isto sim, MAIS DO QUE O MESMO.

Se a candidatura governista não conseguir convencê-lo de que a Dilma tem como ir além do que já foi, ele tentará avançar com o Aécio, por mais que os petistas gritem "cuidado com o tucano papão!".
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