terça-feira, 31 de dezembro de 2019

NUNCA ANTES UM PRESIDENTE TEVE TANTAS MEDIDAS PROVISÓRIAS CADUCANDO NEM TANTOS VETOS SENDO DERRUBADOS

No baixo claro da Câmara, era assim...
hélio schwartsman
DEMOCRACIA, SER OU NÃO SER?
Nicolás Maduro é um ditador? Houve golpe na Bolívia? Gostamos de travar esse tipo de discussão em termos binários e essencialistas, mas a verdade é que a democracia é muito mais uma questão de grau do que de ser ou não ser. 

Não é uma coincidência que tenham se multiplicado nos últimos anos iniciativas, como Freedom House, Polity e V-Dem, para qualificar e mensurar o estado da democracia em cada país.

Nesse contexto, apenas ter uma figura como Jair Bolsonaro na Presidência já representa uma nódoa. Um país cujo chefe de Estado faz pessoalmente bullying contra jornalistas e opera para esvaziar órgãos de controle perde pontos nos quesitos liberdade de expressão e freios e contrapesos. 

Mas daí não decorre que a erosão democrática esteja ocorrendo em todas as dimensões e muito menos que o Brasil esteja fadado a tornar-se uma tirania.

Vale lembrar, a título de comparação, que os dirigentes que presidiram aos casos mais salientes de esfacelamento democrático, como Viktor Orbán e Hugo Chávez, tiveram força para aprovar novas constituições, desenhadas especificamente para favorecê-los. 
...agora está assim. Mas, parece ter atingido seu limite de piora.

Bolsonaro, neste primeiro ano de mandato, não chegou nem perto de algo assim. Pelo contrário, teve um número surpreendentemente grande de iniciativas barradas tanto no Legislativo como no Judiciário. Nunca antes um presidente viu tantas medidas provisórias caducarem nem tantos vetos serem derrubados.

Isso não é garantia de que a nossa democracia esteja segura. Quanto mais tempo Bolsonaro permanecer no poder e quanto mais apoio popular ele obtiver, maior será o desgaste que ele terá condições de impor. Mas o Brasil já ultrapassou o patamar de renda e de anos de vivência democrática em que reversões completas são comuns. 

O que nos resta é manter a marcação cerrada para evitar que os autoritarismos do presidente se solidifiquem na legislação. Até aqui nós estamos conseguindo. (por Hélio Schwartsman)

ANO NOVO, VIDA NOVA? SÓ SE SUPERARMOS A PROSTRAÇÃO ATUAL, LUTANDO PRA VALER CONTRA O RETROCESSO E A BARBÁRIE!

"Se esse rumo assim foi feito, 
sem aprumo e sem destino, 
saio fora desse leito, 
desafio e desafino:
mudo a sorte do meu canto, 
mudo o norte dessa estrada,
que em meu povo não há santo, 
não há força, não há forte,
não há morte, não há nada
que me faça sofrer tanto!"

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

2019 FOI O ANO EM QUE O GOVERNO BRASILEIRO DECLAROU GUERRA AO BRASIL

Bem que ele avisou aos seus parceiros de extrema direita nos Estados Unidos, logo no início do governo, que primeiro era preciso destruir muita coisa antes de começar a construir um novo país.

A primeira parte Bolsonaro já cumpriu: com método na loucura, muito ódio e mentiras, em apenas um ano de mandato o seu governo apequenou o país. 

Fê-lo atacando uma a uma as conquistas sociais das últimas décadas e abalando os alicerces democráticos de um Brasil em transe permanente.

Deve ser um caso inédito na história mundial. Nunca, antes, que eu me lembre, um presidente declarou guerra ao seu próprio país, tratando o povo e as instituições como inimigos.

De quem, afinal, ele está querendo se vingar?

Em permanente posição de combate, com os olhos injetados e vociferando contra tudo e contra todos, disparando frases desconexas recheadas de ameaças, sorrisos forçados e piadas sem graça, parece que já nos acostumamos a ver esta triste figura, eleita por 57 milhões de brasileiros, no comando de uma das maiores economias do mundo.

Pois eu até hoje não me conformo. Como foi possível?
Já tivemos outros tiranos na chefia do governo, mas nenhum com essa postura beligerante, que se apresenta entre o cômico e o trágico.

Chego a duvidar que ele tenha a mínima noção da responsabilidade do cargo que ocupa.

Comporta-se como um recruta zero cercado de generais neste quartel-condomínio em que o Brasil foi transformado.

Enjeitado pelos principais líderes mundiais, virou motivo de deboche e preocupação na imprensa internacional, carregando junto a imagem do Brasil, um país que não é mais levado a sério.

Consegue ser ainda mais facinoroso e tosco do que seu êmulo Trump, diante de quem se mostra um aliado serviçal e subalterno, miando para ser reconhecido.

Cada vez mais apoia-se nas milícias digitais e reais, liberando armas a granel, enquanto a equipe econômica pinochetista rifa o patrimônio nacional e tritura os direitos trabalhistas.

Acabou com os órgãos de controle e fiscalização do Ministério do Meio Ambiente, liberou a Amazônia para os garimpeiros e madeireiros, e agora quer transformar terras indígenas em pastos para criar mais bois e reduzir o preço da carne.

Transformou a Procuradoria Geral da República e o Ministério da Justiça no escritório particular de advocacia da família, para garantir a impunidade do clã, envolvido num sem-número de processos.

Para fechar o ano com chave de ouro, largou a mulher em Brasília e foi pescar na Bahia acompanhado de um séquito de seguranças e uma filha de nove anos.

Até aqui, estamos perdendo essa guerra, que tem um lado só, sem nenhum sinal de reconstrução no que já foi destruído – na educação, na cultura, no meio ambiente e na autoestima dos brasileiros, tratados como inimigos em sua própria terra.

Se algum escritor de ficção descrevesse esse cenário um ano atrás, seria chamado de maluco porque o enredo parece inverosímel.

Mas tornou-se absolutamente real.

Ainda bem que faltam apenas três dias para este ano da desgraça acabar.

Será que o Brasil sobrevive a mais três anos dessa guerra sem tanques na rua, que vai pouco a pouco consumindo o que ainda nos resta de civilidade e esperança?

Vida que segue. (por Ricardo Kotscho)

domingo, 29 de dezembro de 2019

AINDA SUPERAREMOS AS AGRURAS QUE NOS INFERIORIZAM TANTO DIANTE DA IMENSIDÃO DO UNIVERSO

dalton rosado
O MISTÉRIO
Quando olho o firmamento e vejo nele inserido o planeta Terra, que mais me parece um grão de areia em relação ao areal cósmico, fico a pensar sobre o que sou, sendo um pequeno ser nesse mesmo planeta, então constato a grandeza do mistério que é Deus. 
Quem somos nós, portanto, para definirmos e formatarmos os critérios e forma de ser desse Deus? 

Certamente não será um Deus que separa os próprios filhos entre pecadores e santos (com estes últimos merecendo privilégios ou punições na vida eterna como consequência de seus comportamentos terrenos), e se baseando em critérios estabelecidos por esses mesmos filhos a partir de suas suposições do que seja Deus!

Como compreender e explicar a sincronia dos processos de vida dos animais e vegetais tão diferentes entre si em tamanhos e formas e que definem, cada um por si, as suas defesas e consistentes mecanismos de adaptação (a exemplo do mimetismo de pequenos seres que mudam de cor para confundir os seus predadores, os quais, por sua vez, têm outros predadores, numa luta existencial em que a perpetuação de cada espécie obedece aos critérios insondáveis)?

Como aceitar que os seres humanos, dotados de racionalidade, sejam os seus próprios predadores num processo de destruição ecológica planetária irracional como agora ocorre e, paradoxalmente, como se tal comportamento se desse em nome da própria vida? 
A mais conhecida das representações que os artistas criaram de Deus
Como sabemos, há alguns milhões de anos o nosso planeta foi habitado por animais gigantescos como os dinossauros, tendo eles sido completamente dizimados por uma força exterior (uma hecatombe causada pela explosão do choque planetário com um meteoro gigante, segundo os cientistas). 

Devemos, portanto, a recriação da vida animal e vegetal aos milhões de anos de recuperação proporcionados pela própria força da natureza inerente às condições desta nossa nave especial (e espacial) chamada planeta Terra.

Assim, devemos compreender a nossa vulnerabilidade enquanto seres fisicamente diminutos diante da grandeza celeste, e aproveitarmos melhor esse dom que a própria natureza (o Deus misterioso) nos deu, que é a nossa racionalidade. 

Ela nos dá a capacidade de pensarmos e elaborarmos cientificamente proposições que possam nos manter vivos face a tal  inegável vulnerabilidade.  

Qual a razão de ser de tanto egoísmo e sede de poder, que somente causam destruição e segregação? 
Tudo terá mesmo começando num Big Bang?

Será o Deus natureza sádico ao ponto de criar seres dotados de uma racionalidade segregacionista que privilegia alguns poucos em detrimento da maioria, ou isto advirá apenas de um estágio da evolução da natureza irracional para a natureza racional? 

Talvez os pósteros, já evoluídos, olhem para nós num futuro distante com compreensão e pesar por nossa inferioridade racional, (afinal, ainda estávamos em processo de evolução...). 

Não. A natureza é sincrônica, tanto que até as suas explosões cósmicas são produtoras da vida. A natureza é prenhe de vida, e não de morte. 

Acredito que a sincronia da natureza repudia o sadismo e que ainda superaremos as agruras que nos inferiorizam tanto diante da imensidão do universo. 

Acredito que o fundamentalismo religioso que formata um Deus punidor severo e preconceituoso dará lugar a afirmação humana de um Deus natureza fraterno e sábio, capaz de proporcionar vida e emoções permanentes e que contrariem por modos comportamentais ainda desconhecidos o tédio de uma vida futura sem problemas sociais graves.

Neste natal, tive a confirmação de que em pouco menos de nove meses serei avô pela quinta vez, fruto da gestação inicial de minha filha Lara, o que me garante, sob tais critérios, a perpetuação da espécie.

Assim, esperando que esses meus netos(as) – já existentes ou que ainda virão – possam seguir a saga da perpetuação da espécie humana por milênios, termino afirmando que me considero suficientemente ignorante para compreender o grande mistério do universo e suas leis físicas, mas suficiente para especular que o universo é Deus. 

Feliz 2023. (Dalton Rosado)

MITÔMANO EMPODERADO: PRESIDENTE BRASILEIRO NENHUM MENTIU TANTO, E PARA TANTOS, EM TÃO POUCO TEMPO!!!

bruno boghossian
MENTIRAS DE BOLSONARO
 NO PRIMEIRO ANO TÊM CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS
Em maio, Jair Bolsonaro ultrapassou mais um limite da realidade. Ao insistir na retirada de radares das estradas, ele disse que o controle de velocidade era uma das causas da violência no trânsito. "Prejudica. Causa mais acidente, até" – declarou.

Não era lapso ou distorção. Era mentira. O governo surfou nessa lorota e removeu os equipamentos móveis. Os acidentes não diminuíram, é claro. Ao contrário, houve aumento no número de mortos e feridos nos meses seguintes, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal.

O presidente se especializou em divulgar informações nitidamente falsas para embasar decisões disparatadas. Esse método, como se vê, tem consequências práticas sobre as políticas públicas e a sociedade.

Bolsonaro bateu recordes nesse quesito na área ambiental. Afirmou que o aumento da devastação da Amazônia captado pelo Inpe era falso (embora o alerta tenha se provado correto), culpou ONGs e incluiu até o ator Leonardo DiCaprio nessa trama fantasiosa. 
Medíocre empoderado dá nisto

Tudo para mascarar sua leniência com grileiros, madeireiros e mineradores.

"Quer que eu culpe os índios? Quer que eu culpe os marcianos? É, no meu entender, um indício fortíssimo que é esse pessoal de ONG que perdeu a teta deles, é simples", afirmou o presidente, em agosto. Mentira.

Para continuar erguendo sua bandeira de ataques ao ensino público superior, Bolsonaro declarou, em abril, que "poucas universidades têm pesquisa, e, dessas poucas, a grande parte está na iniciativa privada".

A fraude não foi pequena: das 20 melhores instituições do Ranking Universitário Folha na área de pesquisa, só uma escola era particular.

O presidente também disse que não havia fome no Brasil, repetiu que o nazismo era um movimento de esquerda e espalhou teorias da conspiração. 

Foi assim o primeiro ano de governo. (por Bruno Boghossian)

sábado, 28 de dezembro de 2019

DOS FILHOS DESTE SOLO ÉS MÃE HOSTIL, PÁTRIA INFECTADA, BRASIL...

demétrio magnoli
MILHÕES DE BRASILEIROS PASSARÃO O
 ANO-NOVO NO MAR DOS COLIFORMES FECAIS
A Austrália tem um mar de Coral, pura poesia. Os atlas argentinos nomeiam o Atlântico Sul como mar Argentino, pura imaginação geopolítica. 

Numa derivação conceitual equivocada, os militares deram de chamar nosso mar territorial Amazônia Azul. Sugiro o realismo: Mar dos Coliformes Fecais.

A Folha de S. Paulo reuniu as informações, praia por praia. De norte a sul, os 7.367 km do litoral brasileiro formam a mais extensa faixa de poluição oceânica por águas de esgoto do mundo. É como se os Bolsonaros —o pai, os filhos e o espírito santo, que mora na Virgínia— tivessem discursado sequencialmente, do Oiapoque ao Chuí, envenenando um mar sem fim. 

Mas, de fato, a culpa (ainda) não é deles: o estado de nossas praias reflete os valores da política nacional.

As praias queridas da minha infância (Gonzaguinha, em São Vicente, Perequê-Mirim, em Ubatuba) estão imundas, assim como as dos meus 20 anos (Trindade, em Paraty, Farol da Barra, em Salvador, Lagoa da Conceição, em Florianópolis). As dos meus 40 (Porto de Galinhas, em Pernambuco, Morro de São Paulo, na Bahia) já rumam ao mesmo destino.

No Brasil, apenas 45% dos efluentes coletados são tratados. Grande parte do restante segue, pelos rios, até o mar. O cenário deprimente deteriora-se cada vez mais. No conjunto do litoral, em 2019, 35% das praias são classificadas como ruins ou péssimas e 27% como regulares.

Nos 31 municípios definidos como prioritários pelo Ministério do Turismo, aqueles com maior visitação, 42% das praias estão ruins ou péssimas. Boas, 28%. O retrato decorre de um padrão de urbanização costeira linear e predatória com o despejo generalizado de esgotos nos cursos d’água.

As atenções, nos últimos meses, concentraram-se no inimigo externo: as manchas visíveis, pretas, do óleo misterioso derramado em alto mar. Ricardo Salles acusou os comunistas (ONGs, Venezuela) pelo ataque bioquímico.

Nesse passo, esquecemos do inimigo interno: os invisíveis microrganismos patogênicos que contaminam águas azuis como o círculo interno da bandeira nacional. Limpamos as manchas, pintamos a fachada.

Duas quadras atrás da Boa Viagem, águas de esgoto correm numa vala fedorenta a céu aberto. Quase inexistem praias limpas em Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, as maiores metrópoles costeiras. Mas os coliformes espalham-se também no entorno litorâneo de cidades médias e povoados, especialmente junto à foz dos rios e córregos.

Os efluentes avançam por Ilhabela, pela Costa do Descobrimento, pela Restinga da Marambaia. Que tal, na bandeira, trocarmos as estrelas pelos desenhos da Escherichia coli, da Enterobacter cloacae, da Klebsiella pneumoniae?

Segundo a Constituição, o saneamento básico é responsabilidade compartilhada da União, dos estados e municípios. A lei 11.445, de 2007, que estabelece as diretrizes nacionais de saneamento básico, prevê a obrigação de fornecimento universal de esgotamento sanitário. É letra morta, afogada nas fezes.

No longo ciclo de expansão, do início do século a 2014, sob a euforia do pré-sal e dos preparativos da Copa, o esgoto correu solto para os rios, em condomínios litorâneos dos ricos e periferias pobres que se alastravam. Pela esquerda e pela direita.

Há algo aí que vai muito além do meio ambiente. Nosso Estado organiza o conflito pela distribuição de benesses, privilégios, subsídios e rendas privadas, mas não cuida dos bens e direitos públicos. 

A degradação das praias acompanha o roteiro da apropriação particular de várzeas, mangues e morros, à sombra da lei da guerra de todos contra todos, no nosso perene faroeste caboclo. Brasil acima de tudo: que se proíba o controle de balneabilidade, essa coisa de comunista.

Milhões de brasileiros passarão o Ano-Novo no Mar dos Coliformes Fecais. A erisipela, a diarreia, a disenteria, a cólera e a febre tifoide vêm depois. (por Demétrio Magnoli)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

SAÍDA PELA PORTA DOS FUNDOS: O ESPECIAL DE NATAL PASSOU BATIDO POR ALÁ. MAS, NEM TODO TERRORISMO É ISLÂMICO...

joão pereira coutinho
A DIREITA REACIONÁRIA
É AMEAÇA MAIS SÉRIA À RELIGIÃO DO QUE UM PROGRAMA DE HUMOR
Arrastado pela polêmica, dediquei 50 minutos do meu tempo ao especial de Natal do Porta dos Fundos. Tempo perdido, com pena minha: já vi melhor por aquelas bandas. 

O filme pareceu-me essencialmente preguiçoso: fracas piadas e uma evidente vontade de chocar a plateia mais ortodoxa.

Falo da plateia cristã porque o heroísmo do grupo tem limites: quando Jesus, no seu transe espiritual, encontra as diferentes divindades (Buda, Shiva, etc.), Alá prima pela ausência.

Entendo esse momento de meta-humor, do gênero eu-sei-que-você-sabe-que-eu-sei que brincar com o Islã é o desafio supremo, porém letal. Mas me pareceu —como dizer?— uma saída literalmente pela porta dos fundos.

Acontece que os méritos artísticos empalidecem com as reações furiosas e criminosas de que o grupo foi alvo. 

Espero que a justiça seja implacável com os autores do ataque à sede do programa. Não apenas porque eles representam uma ameaça à liberdade de expressão, que nenhum Estado de Direito pode tolerar; mas também porque representam uma moda crescente (e crescentemente repulsiva) de gente de direita que usa e abusa da religião cristã nas suas guerrilhas políticas.

O Guardian dedicou um editorial ao assunto que eu subscrevo sem esforço: o que parece definir a direita reacionária que floresce nos quatro cantos do globo é a manipulação da religião para cumprir programas iliberais.

O premiê da Hungria é talvez o caso mais gritante: a sua democracia iliberal, de que ele tanto se orgulha, representaria uma liberdade cristã (ainda nas palavras de Viktor Orbán). Como se a mensagem central e universal do cristianismo fosse um grito de guerra pela exclusão dos mais pobres e deserdados deste mundo. 

O mesmo acontece com Matteo Salvini, na Itália, para quem o cristianismo é uma bandeira nacionalista e identitária na luta contra o invasor muçulmano. 

Que o Vaticano tenha condenado as prepotências do sr. Salvini, eis um pormenor que não arrefeceu a sua retórica.

Disse e repito: o programa da direita reacionária é uma ameaça à direita democrática, pluralista e liberal. 

Mas é também uma ameaça à religião cristã —um roubo e uma degradação dos seus valores e princípios— ​bastante mais séria do que um programa de humor.

A primeira tentação da política, desde tempos imemoriais, foi sempre a de tentar reverter o mandamento bíblico de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus —para transformar César em Deus.

É uma história que nunca teve final feliz. Para nenhuma das partes. (por João Pereira Coutinho, cientista político, cronista e escritor português)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

ATENTADO AO PORTA DOS FUNDOS É TÍPICO DE AMADORES. MAS, TALVEZ ESTEJAM SENDO INSTIGADOS POR GENTE MAIS GRAÚDA

Até menino de 12 anos consegue fazer
Ainda bem que o Paulo Coelho só se faz passar por mago, e não por adivinho. Caso contrário, sua credibilidade estaria seriamente abalada após ter tuitado esta bobagem:
"Se os terroristas que atacaram o Porta dos Fundos não forem imediatamente punidos, isso vai empurrar o país para conflito de proporções gigantescas".
Não vejo ganho nenhum, para nosso lado, em magnificar um episódios desses, insuflando mais alarmismo e sinistrose ainda nos meios artísticos e culturais, o que evidentemente vai ao encontro das intenções dos autores dessa estultície.

Analisadas friamente, as características artesanais da ação (coquetel molotov até um menino de 12 anos consegue preparar e lançar) não nos levam, por enquanto, a concluirmos que ela provenha de alguma organização ultradireitista que nos deva inspirar temor. Talvez seja apenas um grupelho de aloprados insignificantes agindo de forma autônoma, a partir das pregações alucinadas do seu mito.

Se for este o caso, podemos esperar capturas em curto prazo, pois amadores metidos a bestas não são páreo para os profissionais da polícia.

Não havendo prisões, aí, sim, teremos motivos para suspeitar de que pelo menos uma parte do aparelho repressivo estaria protegendo os incendiários. 
Se não falhasse, atentado do Riocentro mataria milhares
Mesmo assim, o modus operandi ainda não seria de para-militares armados e perigosos, como o chamado Grupo Secreto e o CCC, cujos atentados durante a ditadura militar chegavam a ser fatais. 

Mas, talvez alguns bobalhões estejam servindo de marionetes para a extrema-direita, como aconteceu durante a ditadura militar com o guru Aladino Feliz (o Olavo de Carvalho daquele tempo) e seus zumbis. 

Por ora, são minhas apostas: ou um grupelho de aloprados dando um passo maior do que as pernas ou amadores tirando as castanhas do fogo a serviço de gente mais importante que não quer queimar os dedos.

Para quem quiser saber mais sobre as presepadas do ufólogo de 1968 que tanto se assemelhava ao astrólogo favorito dos Bolsonaros, recomendo esta excelente reportagem do El País.  

PELAS MÃOS DOS VENDILHÕES DO TEMPLO E DOS DEVOTOS DO BEZERRO DE OURO, O BRASIL RETROCEDE ÀS TREVAS

vinicius torres freire
BOLSONARO E A NOVA QUESTÃO RELIGIOSA
A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não podem “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”, diz o artigo 19 da Constituição.

No seu pronunciamento de Natal, em cadeia de rádio e televisão, Jair Bolsonaro disse que acredita em Deus, afirmação em si inócua. 

Discursou ao lado da mulher, que usava uma camiseta com a inscrição Jesus. Michelle Bolsonaro não exerce função pública remunerada, mas preside o Conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, o Pátria Voluntária, criado por decreto presidencial em julho deste ano e vinculado ao Ministério da Cidadania.

A Carta de 1988 não trata da relação da pessoa do presidente com religiões, nem está explícito se ou quais atos do presidente podem implicar relações de dependência ou aliança da União com cultos religiosos e igrejas.

É um problema jurídico difícil resolver se Bolsonaro ou tantos outros chefes e integrantes de Poderes atravessam fronteiras legais nesse assunto. Mas é fácil perceber que o presidente tornou essa divisa ainda mais nebulosa e levou a nova questão religiosa do Brasil a um patamar mais alto.

Uma semana antes do pronunciamento de Natal, Bolsonaro participara de um Culto de Ação de Graças, como dizia a agenda presidencial, no Palácio do Planalto. Estariam lá cerca de 600 evangélicos, no dizer de um pastor presente.

“Entendo também que, pelas mãos de vocês, hoje sou o chefe do Executivo” e “É motivo de honra e de orgulho e de satisfação vê-los publicamente aceitando Jesus nesta casa”, discursou então Bolsonaro, entre orações.

“Nesta casa que estava carente da sua [de Deus] palavra. O Brasil mudou”, disse ainda o presidente. No pronunciamento natalino: “O governo mudou. Hoje, temos um presidente que valoriza a família, respeita a vontade do seu povo, honra seus militares e acredita em Deus”.

Nos quatro discursos em cadeia de rádio e TV anteriores, Bolsonaro citara Deus uma vez, num boa-noite. Ao longo do ano e em momentos de crise, fez questão de demonstrar mais proximidade política e religiosa com evangélicos, como agora, em que seu filho Flávio é acusado de crimes graves.

Depois de 1964, a presença da religião nos assuntos políticos foi perdendo força, em parte devido ao declínio da influência política, social e religiosa da Igreja Católica. A tendência se reverteu com a ascensão geral dos evangélicos, em números de fiéis e na política partidária (a Frente Parlamentar Evangélica foi criada em 2003).

Passamos a ter notícias de conflitos públicos entre parte dos evangélicos e católicos (chutou a santa) e perseguição renovada dos crentes do candomblé e da umbanda. Até atentados contra humoristas temos. Blasfêmia e horror assustadores, faz mais de década se ouve falar de traficantes evangélicos.
Terreiro de candomblé vandalizado em Nova Iguaçu (RJ)
Passou a haver uma nova questão religiosa no Brasil, muito além da disputa de fiéis. Envolve partidos, interesse econômico maior, conflito de mídia e, agora, embates pelo controle político da educação e da cultura.

De um modo ou de outro, de maneira inadvertida, demagógica ou manipuladora, levar tal conflito para o centro da vida partidária e para os Poderes é sujeitar o país ao risco de mais um desastre, o do conflito político-religioso, de história e presente funestos e amargamente conhecidos. (por Vinicius Torres Freire)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

O TIPO DE DISCIPLINA IMPOSTO AOS ALUNOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS MILITARIZADAS É UM CENÁRIO DE PESADELO – 2

A substituição de educadores por militares parte da ideia de que a escola fracassou, que não consegue impor respeito, controle, disciplina e que,  para o atual governo. o medo fará a juventude mais disciplinada, servil, submissa. 

Ao exigir que os alunos, através da coerção, cumpram regras rígidas da cartilha militar, torna extremamente difíceis as manifestações de individualidades e a defesa dos direitos dos estudantes, o que fere o principio constitucional da educação como propiciadora do desenvolvimento pleno, o preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.

A retirada de profissionais de educação – dos quais é exigida formação específica e pedagógica – substituindo-os por bombeiros ou militares, aprofunda o processo de desvalorização e desprofissionalização dos professores, desqualificando a escola publica como espaço de direitos, provocando, em decorrência, o avanço da privatização da educação.

O Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, instituído pelo Governo Bolsonaro, constitui-se como uma tática eleitoreira, tipicamente fascista e de manipulação do medo, objetivando impedir o pensamento critico dos jovens pobres e adestrá-los como mão-de-obra .

Ao escolher populações vulneráveis, em bairros populares, repete experiências semelhantes já realizadas nos EUA onde estudos mostram que tais escolas acabam sendo uma passagem para as prisões, a rota da exclusão, ou rota escola-prisão, excluindo os jovens trabalhadores do acesso à cultura e à socialização do conhecimento.

A escola pública, necessária nos tempos atuais, além de possibilitar o acesso aos conhecimentos historicamente construídos, deve se constituir em espaço de atividade criativa e de manifestações de individualidade, de liberdade de expressão e da liberdade de ensinar. 

A escola tem uma função social específica na sociedade sendo que a escola pública, gerida pelo Estado, é laica para todos e deve operar, de modo concomitante e não concorrencial, com outras instituições importantes, como família, mundo privado, religião e segurança.
.
(trechos de manifesto divulgado há exato um mês pelo Movimento Unificado dos Educadores de Campinas, cidade escolhida para receber uma
dessas incubadoras de
autoritários) 

O TIPO DE DISCIPLINA IMPOSTO AOS ALUNOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS MILITARIZADAS É UM CENÁRIO DE PESADELO – 1

hélio schwartsman
DISCIPLINA MILITAR
Antes mesmo de o programa do governo federal de militarização de escolas públicas engrenar, a moda se espalhou e fincou raízes Brasil afora. 

Como mostrou uma reportagem da Folha de S. Paulo, só na Bahia já são 83 as instituições que adotaram esse modelo, em que a parte pedagógica da escola segue sob comando de professores, mas policiais militares aposentados recebem um ordenado complementar para cuidar das questões disciplinares.

Para mim, o tipo de disciplina imposto aos alunos, com continências, uniformes, padrões para corte de cabelo e maquiagem, além da vigilância extrema, é um cenário de pesadelo. 

É especialmente na infância e na juventude que as pessoas devem ser livres para experimentar. É claro que escolas precisam de um pouco de ordem para funcionar, mas não penso que seja necessário convocar militares para estabelecê-la. Um bom diretor é em tese capaz de fazê-lo.

Também me parece preocupante que muitas dessas escolas exijam que o aluno arque com o custo das fardas, quando não pedem uma contribuição voluntária às famílias. Isso, aliás, explica parte dos tão propalados efeitos acadêmicos positivos da militarização. A correlação entre renda e performance educacional é conhecida e robusta. Assim, um modo eficaz para melhorar o desempenho de uma instituição é aumentar suas mensalidades, excluindo os alunos mais pobres.

Não sou, contudo, um xiita. Não pretendo que as minhas preferências pessoais sejam universalizáveis. Quem gosta de uma educação mais rígida e vê valor no corte escovinha deve ter a opção de matricular seus filhos num colégio com essas características.

O que me incomoda é a proliferação dessas instituições, pois cada escola militarizada significa uma escola normal a menos. 

E sou daqueles que pensam que o ensino público básico deve ser universal, gratuito, civil, laico e, dada a impossibilidade da neutralidade, tão plural quanto possível. (por Hélio Schwartsman)

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

JESUS DEVE TER SIDO CONSIDERADO FRACO EM ALAVANCAR COMPRAS E VENDAS, ENTÃO O SUBSTITUÍRAM PELO PAPAI NOEL

apollo natali
O BELO NATAL
O que essa gente não faz para disparar as vendas... 

Numa inspirada jogatina de marketing, homens de negócios dotados de imensa aptidão lançaram fora  a comemoração do dia do nascimento do personagem mais celebrado do universo, o nome dele é Jesus, e no lugar dele estamparam no calendário o nome de um novato conhecido como Papai Noel.

Nesta reviravolta, Jesus deve ter sido considerado fraco em alavancar compras e vendas, então o substituíram pelo Papai Noel, figura modelada por exímios empreendedores, nada contra eles, como um alegre velhinho de barbas brancas e, valha-nos Deus,  detentor de milagrosa façanha mercadológica: numa só noite, chova ou faça neve, compra e distribui presentes para milhões e milhões de crianças e adultos do mundo inteiro. 

Um só velhinho de voz rouca, entoando hô, hô, hô,  põe para funcionar todas as atividades econômicas ao mesmo tempo, de tecidos a bancos, de alimentos à indústria do petróleo, porque de petróleo são feitas as roupas,  os presentes de plásticos, calçados, cintos, veículos, tudo.  A dinheirama para o Papai Noel sai do bolso dos papais e das mamães.   
Monumental o faturamento. Nada contra. Gerar empregos é bom. Pois não é o emprego a salvação dos pais de família e seus rebentos?

De Jesus fala-se há mais de 2 mil anos. Mais, muito mais. Compêndios sagrados perdidos na lembrança,  templos misteriosos desaparecidos nas noites do passado, a própria  Bíblia, sopram, de longe em longe,  milenários murmúrios de sua vinda à terra. Mesmo no Corão ele e sua mãe são louvados. 

De Papai Noel fala-se há bem menos tempo. Era um frade turco 400 anos depois de Cristo. Fazia o bem. Canonizado como São Nicolau, 900 anos depois de Cristo.

Digam-me, eu não sei, dia, ano e mês exatos em que Papai Noel foi alçado a promotor de vendas de sucesso global pelo sistema capitalista. Cada país dá um nome a ele. Em nome da deusa economia,  todos se curvam diante desse inventado deus. Por enquanto é assim. Quem quer realidade melhor, que aguarde novas profecias.

Um empurrãozinho a mais na ciência da riqueza foi apostar numa fantasia colorida de  trenós e renas cruzando os céus. Jogada de mestre.

Faz  80 anos. De autoria dos publicitários estadunidenses. É o delírio das crianças e de muito adulto por aí. Faz o consumidor salivar e correr para as compras. E como Tio Sam, também não é nada, nada fraco em negócios,  deu até nome para cada uma das nove renas. Perfeito.

A quem não é ligado a religião organizada nenhuma, como muitos, e mantém um pezinho atrás da religiosidade, melhor dizer solenidades monásticas, é confortador considerar Jesus como o maior psicoterapeuta que já surgiu neste planeta. 

Detida análise  comprova: os dois, o texto de Jesus e o da psicologia, convergem no comportamento. Proceder bem é bom, agir mal é mau, rezam ambos.  Quanto aos maus, a  natureza deles se vinga,  dizia-me o padre Antonio, do Colégio Dom Bosco, na minha paulistana infância querida, na Mooca.  Bem feito.

A variante aqui, mesmo no entender dos terráqueos não religiosos, é o  universalmente  proclamado e desmedido amor pela humanidade ofertado pelo judeu de Nazaré, perfeito psicoterapeuta, tudo o que é perfeito é divino, e como em amor ele não é nada, nada fraco, desvenda todos os enigmas existenciais da espécie humana. Eia, vamos, tentemos emparelhar a semelhança entre sua linguagem religiosa e a da psicologia.

Detalhe religioso: mesmo aqueles todos não ligados a religião organizada nenhuma, são  testemunhas de que a religiosidade não sucumbiu ao socialismo, a  teoria da evolução não a asfixiou, a era digital não a silenciou. Palavras do psicanalista Augusto Cury.
A imagem definitiva do Papai Noel foi criada por publicitários

A determinante é que Jesus anunciou uma nova era, um novo relacionamento, um inédito e notável comportamento, com base numa afeição profunda, fortalecedora forma de ver e reagir à vida. Do mesmo Augusto Cury, em seu livro O homem mais inteligente do mundo

Quanto a mim, a vós também, correndo vou, braços amigos, desde que sem qualquer artifício dogmático.

Sim,  sim, o  mundo seria um paraíso se existisse uma gotinha de bem-querer  um pelo outro, como quer Jesus. Sem cerimônias, por favor.  Tal modo de vida é a síntese da mensagem comportamental do homem mais inteligente do mundo: querer bem. O contrário de falar a língua dos anjos e nem sequer cumprimentar o porteiro do prédio. 

Trocado em miúdos, passou da hora de os integrantes da espécie humana frequentarem uma escolinha risonha e franca para aprender as primeiras letras do respeito ao próximo. Tão fácil. 
De resto, quão celestial é a festa de se comemorar a mensagem de bem-querer, no Natal de Jesus,  com permuta de carinho, abraços, docinhos e salgadinhos e tudo,  em meio  ao repicar dos sinos, do coral dos anjos, do tilintar das caixinhas de música. Que festa bonita!

De resto, quão terreno é o festim de se comemorar o Natal de Papai Noel, o simpático velhinho gorducho dinheirento garbosamente coberto de vermelho, tamanha ruidosa solenidade de distribuição de bens materiais e de geração de empregos. Que divertimento proveitoso! (Sempre em mente: não só de pão vive o homem, e todos sabemos quem disse isto!) 

Não existe nenhuma foto de Jesus. Nem pintura ou escultura dele. Artistas tiram do nada a inspiração para criar obras de arte representando com diferentes feições o chamado Messias. Multidões comemoram  o seu Natal  sem  saber como ele realmente era.

No entanto, existe um documento histórico precioso, até que bem conhecido, escrito por uma autoridade romana que conheceu Jesus pessoalmente e faz sua descrição física e moral. 

É uma carta,  escrita ao imperador Tibério Cesar pelo então governador da Galileia Publio Lentulus, encontrada  no arquivo de um mencionado Duque de Cesadini  em Roma e hoje entesourada no Vaticano. 

A narrativa  nos privilegia ficar frente a frente,  neste exato momento, com o homem mais inteligente e mais amoroso de todos os tempos, contemplar seus olhos claros iluminados  Jesus tinha olhos claros! —, admirar seu semblante majestático, seu porte modesto, conhecer a cor de terra reluzente dos seus cabelos, divididos ao meio, caídos até as espáduas. E confirmar seus milagres.

A carta encerra prodigiosa  mensagem  de Natal  para religiosos e não religiosos:

"Sabendo que desejas conhecer quanto vou narrar, existindo em nossos tempos um homem, o qual vive atualmente de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado de Profeta da Verdade e pelos seus discípulos de Filho de Deus.
Publio Lentulus... 

Em verdade, ó César, a cada dia se ouvem coisas maravilhosas desse Jesus. Ressuscita os mortos, cura os enfermos. É um homem de justa estatura e é muito belo no seu aspecto, e há tanta majestade em seu rosto que aqueles que o veem são forçados a amá-lo ou a temê-lo. Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura, são distendidos até as orelhas; e das orelhas até as espáduas; são da cor da terra, porém reluzentes. 

Tem o meio da sua fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso pelos nazarenos. Seu rosto é cheio, de aspecto muito sereno; nenhuma ruga ou mancha se vê em sua face; o nariz e a boca são irrepreensíveis. 

A barba é espessa, semelhante aos cabelos, não muito longa; seu olhar é muito afetuoso e grave; tem os olhos expressivos e claros, resplandecendo no seu rosto como os raios do Sol, porém ninguém pode olhar fixo seu semblante, pois se resplende, subjuga; e quando ameniza, comove até às lágrimas. Faz-se amar e é alegre, porém com gravidade. Diz-se que nunca alguém o viu rir, mas, antes, chorar.

Tem os braços e as mãos muito belos. Na palestra contenta muito, mas quando dele se aproxima, verifica-se que é muito modesto na presença e na pessoa. É o mais belo homem que se possa imaginar, muito semelhante à sua mãe, a qual é de uma rara beleza, não se tendo jamais visto por estas partes uma mulher tão bela.
...e o Cristo por ele descrito.

Porém, se a Majestade Tua, ó César, deseja vê-lo, como no aviso passado escreveste, dá-me ordens, que não faltarei de mandá-lo o mais depressa possível. 

Dizem que um tal homem nunca fora visto por estas partes. Em verdade, segundo dizem os hebreus, não se ouviram jamais tais conselhos de tão grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei da Tua Majestade. 

Diz-se que Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele Têm praticado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde, porém à Tua obediência estou prontíssimo; aquilo que Tua Majestade ordenar, será cumprido.

Vale, da Majestade Tua, fidelíssimo e obrigadíssimo, 
Publio Lentulus, presidente da Judeia".
(não poderia faltar uma crônica do saudoso Apollo Natali neste 2º Natal que passamos sem sua presença viva ao nosso lado, personificando
que de melhor existe na tradição religiosa)
.

"E para complementar mais um Natal de pessoas conscientes e críticas das 
mazelas do capitalismo, fica a sugestão do filme Um ato de coragem
com Denzel Washington"— sugeriu um comentarista. Pedido atendido.
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