Ao longo do último mês, este blog publicou dez artigos analisando os dez anos das Jornadas de Junho de 2013, um artigo para cada ano completado.
Imerso em distorções - sobretudo pelo lulopetismo -, pouco compreendido em sua radicalidade e em sua dinâmica complexa, Junho de 2013 é sem dúvida o mais importante acontecimento social e político do Brasil em décadas. Foi responsável por sepultar a Nova República e o Pacto Conservador urdido no período da democratização, ao mesmo tempo em que implodiu o lulismo e rejeitou por completo o sistema político tradicional.
Durante um mês o país viveu em suspenso, tudo era possível e uma janela de oportunidades para transformações profundas estava aberta. A baixa organização das forças de esquerda, a perseguição e boicote do lulopetismo, a ação repressiva dos governos locais em conjunto com o governo Dilma e a própria perda de fôlego do movimento foram fatores cruciais para as mobilizações recuarem, sem, contudo, se dissipar o sentimento de insatisfação do povo, sentimento logo capturado por forças da extrema direita.
Marx já havia analisado em seu clássico O 18 de Brumário de Luís Bonaparte como um levante social pode levar à instauração do mais pernicioso regime reacionário. No caso, ele mostrou como a reação burguesa ao levante proletário de 1848 conduziu a França paulatinamente para o regime ditatorial de Luís Bonaparte, sobrinho do grande Napoleão. A fúria da burguesia francesa diante do ascenso revolucionário era tão grande que, lembra o autor do Manifesto Comunista, até a simples urbanização de ruas passou a ser vista por políticos conservadores como algo socialista. Qualquer semelhança com o Brasil atual em que o simples ato de se vacinar foi taxado de comunista não é mera semelhança, mas apenas a reprodução do comportamento típico das classes dominantes quando tem seu domínio ameaçado.
E não voltaríamos a ver esse movimento histórico ao longo dos últimos 175 anos? O próprio Nazismo nasce das entranhas fracassadas da revolução alemã e contou, inclusive, com a ajuda providencial da Social-democracia e sua República de Weimar de araque. Nesta, apenas comunistas eram cassados com o rigor da lei, os Hitler da vida passavam curtas durações atrás das grades, um lembrete de que a Justiça é acima de tudo pró-Capital.
Então que o levante social de 2013 tenha desembocado em Bolsonaro é apenas mostra dos caminhos tortuosos da luta de classes no capitalismo e apenas uma visão simplista, linear, não dialética da processualidade histórica pode deduzir da luta pelo Passe Livre a mortandade da Pandemia. Até porque tal forma de leitura, apoiada pelo lulismo, desconsidera as ações e omissões gravosas feitas pelo PT e pela esquerda ao longo do período.A esquerda, inclusive, até hoje não aprendeu as lições de 2013, não por falta de capacidade cognitiva, mas por impossibilidade objetiva. Compreender 2013 e tirar de lá as consequências adequadas seria força-la a renunciar ao projeto liberal de minoração de danos do capitalismo e assumir uma posição revolucionária e radical. Ou seja, seria abandonar de vez a ideia de administrar a falência capitalista mediante medidas estatais, cotas, bolsas, auxílios, empreguinhos, etc. e ir à raiz do problema: a existência da propriedade privada dos meios de produção. Mas isso significaria abrir mão de privilégios, cargos, emendas, a vida boa que a política burguesa proporciona e isso é inadmissível para a turma da esquerda domesticada. No fim, ela quer apenas é ser coparticipante do butim.
Assim, ela não pode aceitar o significado de Junho de 2013 e precisa necessariamente se pautar em mentiras, mistificações e canalhices ideológicas. Sua corrupção ética a torna avessa à verdade e essa sempre é revolucionária.
Na realidade, Junho de 2013 ainda não acabou, do mesmo modo que a revolução de 1848 segue inconclusa e o motivo é simples, não poderá nenhum movimento revolucionário chegar a seu termo enquanto houver capitalismo, ou esse será superado ou iremos para outra forma social mais rebaixada. A Idade Média mema foi o rebaixamento social da antiga sociedade greco-romana e podemos estar nos encaminhando para algo semelhante ao longo deste agitado século XXI, se não for encontrado caminho melhor.Fica então o convite para a (re)leitura dos dez artigos sobre as Jornadas de Junho de 2013, esperando-se com isso contribuir minimamente para o entendimento da história brasileira recente e dos caminhos possíveis de transformação não apenas deste país, mas de toda a humanidade. (por David Emanuel Coelho)
PARTE 10: LUTA DE CLASES NO BRASIL
PARTE 9: O LEVANTE VERDE E AMARELO
PARTE 6: O RECHAÇO À POLÍTICA INSTITUCIONAL
PARTE 4: A QUINTA-FEIRA QUE INCENDIOU O BRASIL
PARTE 3: A LUTA PELO PASSE LIVRE
PARTE 2: A FALÊNCIA DA NOVA REPÚBLICA
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