13 DE JUNHO DE 2013: A NOITE QUE INCENDIOU O BRASIL
O ano de 2013 começou modorrento na política. Os debates se travavam em torno das possíveis alianças para o pleito presidencial do ano seguinte e especulava-se uma insatisfação do PMDB para com dona Dilma devido à tentativa dela em criar novo partido com Gilberto Kassab. A maior preocupação do lulopetismo era com o tempo de TV na propaganda eleitoral, temia-se perder preciosos minutos na televisão caso a aliança com a direita desandasse.
Fora da política, o grande debate era com o atraso das obras para a Copa do Mundo. A Copa das Confederações seria já em Junho de 2013 e o cronograma estava atrasado, trazendo a ira da FIFA e comentários nada amistosos de Jérôme Valcke, à época Secretário Geral da organização. As obras para os torneios também traziam escândalos de corrupção e acusações de abusos contra a população pobre, obrigada a se retirar de suas casas para o alargamento de vias e construção ou reforma de estádios. Contudo, nada na superfície indicava o furacão que viria na metade do ano.
Antes de virar prefeito, Haddad recebeu as bençãos de Maluf. |
Fernando Haddad, prefeito recém empossado de São Paulo, havia decidido não aumentar as tarifas do transporte público no começo do ano para não iniciar mal seu mandato. Conchavado com o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, postergou o aumento para Junho, e determinou o reajuste em vinte centavos. Logo o MPL convocou manifestações contra o aumento, tal como fizera anteriormente. A resposta de Haddad e Alckmin foi brutal.
A manifestação do dia 11 de Junho é reprimida violentamente pela polícia, espancamentos gratuitos são registrados. De Paris, onde estavam para lançar a candidatura de São Paulo para mais um megaevento, Haddad e Alckimin atacam os manifestantes e dão luz verde para o recrudescimento da repressão. O ex-prefeito se refere aos manifestantes como "gente que não aceita o estado democrático de direito". Quem poderia imaginar que essa retórica era tão velha? Alckmin em sua verve fascistóide apenas prefere falar de criminosos e vândalos e ordena o aumento da força policial. Nenhum dos dois se dispõe a negociar o reajuste ou ouvir as demandas dos manifestantes, respondendo apenas com a brutalidade. Não por acaso, hoje ambos estão no mesmo governo, como um sinal da unidade da plutocracia nacional mortalmente ferida naquele 2013.
Editorial do Estadão pede mais repressão aos manifestantes. |
No dia 13 de Junho, editoriais do Estadão e da Folha de São Paulo reclamavam uma dura repressão contra os manifestantes. O Estadão clamava que era chegada a hora do Basta e exortava o governo a impedir as ocupações das vias. Já a Folha dizia que era preciso retomar a Nossa avenida Paulista, se referindo ao principal lugar de concentração dos militantes. Exortado pela mídia, o governo se sentiu justificado em liberar de vez seus cães da coleira, o que viria a provocar naquela noite algumas das cenas mais bestiais da história nacional.
A história possui momentos de inflexão em que ações aparentemente irrisórias de personagens acabam provocando um deslocamento imprevisto. Esses personagens, inclusive, costumam ser absolutamente medíocres e totalmente desprovidos de qualquer senso histórico, social ou político mais amplo. Naquele 13 de Junho tivemos a confluência da ação desses personagens medíocres - os editorialistas da grande mídia, Alckmin e Haddad - mas que conduziram a desdobramentos inimagináveis e incontroláveis.
Apesar da repressão, os atos só cresciam. |
Logo as imagens do terror policial correram o país e provocaram escândalo diante do absurdo e da desproporcionalidade da repressão. Ficou claro para todos o que estava em jogo ali: não era o simplesmente aumento da passagem, era o direito democrático à liberdade de se manifestar. Ao contrário da crença arraigada de que o levante de Junho de 2013 foi catalisado pela alta das tarifas do transporte, o real motivo foi a ação bárbara da polícia naquela noite do dia 13. Os levantes foram, em primeiro lugar, uma resposta à brutalidade policial.
Jornalista da Folha ferida com tiro de bala de borracha. |
A bestial repressão acabou sendo um tiro pela culatra, pois, ao contrário de esvaziar os atos, estes não apenas cresceram geometricamente, mas se espalharam pelo país. O que eram simples manifestações localizadas à cidade de São Paulo contra o aumento da tarifa se transformaram em levantes de extensão nacional. Em uma semana o Estado brasileiro estava nas cordas e a burguesia brasileira, pela primeira vez em décadas, tremia diante da possibilidade real de uma mobilização revolucionária em suas ruas.
Como sempre, ninguém tinha ciência do que viriam das mobilizações daqueles dias, mas todos tinham certeza de que nada seria como antes. E, de fato, quando a bola rolou para a medíocre Copa das Confederações, a verdadeira disputa estava nos arredores dos estádios e naquela noite de 13 de Junho de 2013 começava o período mais turbulento e imprevisível da história brasileira no último meio século. (por David Emanuel Coelho)
LEIA OS PRIMEIROS ARTIGOS DA SÉRIE:
DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A LUTA PELO PASSE LIVRE
DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A FALÊNCIA DA NOVA REPÚBLICA
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