terça-feira, 20 de junho de 2023

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013. PARTE 8: DILMA NO LABIRINTO

 

DILMA NO LABIRINTO 


Dilma nunca foi uma grande presidente. Já tinham ficado para trás seus anos de guerrilheira quando ela foi tirada da cartola por Lula para sucede-lo na Presidência da República. Naquele momento, ela era muito mais lembrada por seu papel de burocrata, por ter alijado Marina Silva do governo - em uma queda de braço por Belo Monte - e por ser a Mãe do PAC, o fracassado programa de obras públicas urdido no segundo governo Lula. 

Nunca havia ocupado cargo eletivo e tão pouco possuía raízes profundas no PT. Após os sucessivos escândalos dos dois governos de Lula, os nomes da alta cúpula do partido haviam se queimado um após o outro, notoriamente José Dirceu, José Genoíno e Antônio Palocci. Com isso, o atual presidente se viu fortalecido dentro da agremiação e, decidido a prosseguir com a mão no leme, escolhe uma sucessora sem brilho próprio. 

Com o trunfo de ser a primeira mulher a chegar à presidência, Dilma buscou mostrar no início de seu governo que não era um simples poste lulista, mas possuía vida própria e, sobretudo, ideias próprias. Logo de saída tratou de exumar o nacional-desenvolvimentismo de seu ocaso de mais de décadas, para isso recorrendo a medidas artificiais, como isenção fiscal e baixa de juros. Sem base econômica e social para levar adiante o projeto, seu plano acabou sucumbindo. 

Pela Copa, ela se unia a companhias nada
recomendadas. 

Muito se atribui a crise econômica da década passada às ações da ex-presidente. Contudo, tal diagnóstico é superficial, pois não leva em conta os efeitos da crise de 2008 no Brasil. Deflagrada nos EUA, a crise logo se alastrou aos países da Europa e do Oriente Médio, nesses últimos devido, sobretudo, à brutal queda no consumo estadunidense do Petróleo, fato responsável por desencadear a Primavera Árabe entre os anos de 2010 e 2013. 

Na América Latina, os efeitos da depressão a princípio não foram sentidos em toda a sua força graças ao fator China: esse país desacelerou seu crescimento econômico no período, mas ainda manteve taxas elevadas, as quais, contudo, foram decrescendo ano após ano. Assim, por exemplo, em 2011, primeiro ano de Dilma no poder, a China cresceu 9,55%, já em 2016, ano do impeachment, o crescimento foi de 6,85%. Essa mudança na economia chinesa é importante a se considerar porque desde a década de 2000 esse país passou a ser o principal destino dos produtos agrominerais brasileiros, tendo sido graças à sua voracidade que o segundo governo Lula pode contar com uma entrada maciça de dólares, garantindo redução no custo de vida no período e relativa ascensão social. 

Mesma lógica é vista no caso do Minério de Ferro, um dos principais produtos de exportação do Brasil. Em 2010, a tonelada era vendida a 163 dólares. Na época do Impeachment havia baixado a 55 dólares. Ou seja, ocorreu forte recuo da quantidade de entrada de dólares no país pela mesma quantidade produtiva. Dito de outra forma, o país empobreceu e, sem dólares suficientes em um contexto de super dependência da importação de bens industrializados, o custo de vida acelerou. 

Na realidade, a ex-presidente sentiu em seu mandato os efeitos da crise, somados ao acúmulo das contradições de décadas do modelo econômico e social do país. Lamentavelmente, tudo foi explodir justamente quando no poder se encontrava alguém tão inábil politicamente quanto a Dilma, pois suas ações também foram absolutamente desastradas.

Era possível mesmo que isso desse certo?

A princípio, diante da convulsão nacional, ela se calou. Limitou-se a operar no plano repressivo, longe dos holofotes, enviando forças militares e policiais para ajudar os Estados no processo de combate aos manifestantes. À medida que a situação crescia exponencialmente, confabulou com seu grupo mais privativo do poder - o único ao qual ela recorria com frequência em seus três anos de governo - e resolveu lançar 5 Pactos:

Responsabilidade Fiscal

Reforma Política

Transporte Público

Saúde 

Educação

De modo sintomático, os pactos se iniciaram com a preservação do sistema econômico urdido pelo plano real e sua necessidade de austeridade fiscal. De fato, ao colocar esse ponto como o principal, Dilma praticamente anulava os três últimos, pois seria impossível - como de fato se mostrou - cumprir qualquer demanda de melhoria nos transportes, na saúde ou na educação preservando o modelo neoliberal em vigor no país. 

Restava, portanto, apenas o segundo pacto, de reforma política. Espertamente, a ex-Gerenta lançava mão do mesmo mecanismo politicista já usado no Brasil desde o fim da ditadura, o de conduzir as insatisfações populares das ruas para o terreno seguro da institucionalidade. Lendo corretamente a falência do sistema político nacional, o lulopetismo apostava em sua reformulação para acalmar a ira do povo. Desse modo, sairiam de cena as demandas sociais e econômicas e ficaria apenas a questão política.

Encaixotada pelo Pacto Conservador,
Dilma tentava seguir a mesma lógica de sucesso
de Lula. 

Em resumo, Dilma deixava intocado o modelo econômico do país e oferecia em troca uma possível oxigenação do modelo político. Seria uma forma de rearranjar a estrutura de dominação no país, substituindo a carcomida República Nova por outra coisa. 

O que teria saído daí, jamais saberemos, pois a proposta dela foi de fazer uma reforma por intermédio de uma Assembleia Constituinte Exclusiva, que trataria unicamente da reforma política. Tão rápido quanto ratos emergindo do esgoto, contudo, todo o banditismo da política nacional se uniu contra a proposta e fez terrível pressão para que o plano fosse abandonado, o que Dilma logo assentiu, pateticamente. A ideia da Assembleia foi substituída por um projeto de lei para logo em seguida cair no esquecimento. 

Assim, sem reformas sociais ou políticas, Dilma passou a viver em um limbo. Não tinha nada a oferecer aos manifestantes e também havia se tornado definitivamente detestada entre a turba da política institucional. Ainda conseguiria vencer as eleições de 2014, graças a mentiras e ao resto de apoio popular, sobretudo no Nordeste, mas não resistiu ao Impeachment após praticar flagrante estelionato eleitoral contra os trabalhadores.

A rigor, as ações de Dilma durante as Jornadas de 2013 são expressão cabal do próprio movimento do lulopetismo. Diante da insurreição popular, se compôs inequivocamente com a burguesia nacional na preservação do status quo econômico e social, mas, ao mesmo tempo, tentou estabelecer outro processo de conciliação de classes pela via da reforma política. Ao fim, fracassou na recomposição do processo conciliatório e deixou nas massas, de forma indelével, a marca da traição. Como resultado, o lulopetismo perdeu por completo o apoio da classe trabalhadora urbana, das grandes metrópoles, resultando na quase derrota de 2014, no desastre de 2018 e na vitória na bacia das almas de 2022.

Sem nenhuma surpresa, as duas criaturas de Lula
foram dois completos desastres. 

Medíocre, truculenta, inexperiente e encaixotada pela camisa de força do Pacto conservador pós-ditadura, Dilma não pôde dar respostas ao movimento insurrecional surgido no país. Sua visão tecnocrata não lhe permitia admitir que a mobilização popular pudesse ser canal de mudanças. Acabou tendo um fim trágico e hoje é mantida pelo lulopetismo apenas pela força da conveniência, igual se mantém uma parente inconveniente unicamente por força dos laços familiares. (por David Emanuel Coelho) 

LEIA OS PRIMEIROS ARTIGOS DA SÉRIE: 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: O LEVANTE NACIONAL 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: O RECHAÇO À POLÍTICA INSTITUCIONAL

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A TÁTICA BLACK BLOC

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A QUINTA-FEIRA QUE INCENDIOU O BRASIL 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A LUTA PELO PASSE LIVRE

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A FALÊNCIA DA NOVA REPÚBLICA

 

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