segunda-feira, 12 de junho de 2023

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013. PARTE 3: A LUTA PELO PASSE LIVRE

 

OS ANTECENDENTES DE JUNHO DE 2013:  A LUTA PELO PASSE LIVRE


O
Movimento Passe Livre - MPL - foi criado no Fórum Social Mundial de 2005, realizado em Porto Alegre e contou com o apoio inclusive de militantes ligados ao PT. Tratava-se de uma forma de aglutinar milhares de lutadores nacionais em prol do Passe Livre para todos os cidadãos, independente de idade ou condição social. 

Dois anos antes já haviam acontecido fortes mobilizações contra o aumento da passagem em Florianópolis, a ponto da circulação de veículos na cidade ter sido travada durante o período mais agudo da luta. Em 2003, Salvador já havia testemunhado um dos maiores levantes estudantis até aquele momento justamente contra o aumento da tarifa na cidade, com milhares de jovens atropelando as organizações pelegas ligadas ao PT para pressionar pela derrubada das passagens, mobilização conhecida pelo nome de Revolta do Buzu. Já nesta revolta não existiam lideranças claras, sendo marcada pela horizontalidade. 

Historicamente são sempre os estudantes a sentirem em primeiro lugar a pressão econômica no aumento do custo de vida e também os primeiros a saírem às ruas para contestar a situação vigente, pois, ao contrário de outros segmentos sociais, não possuem interesses cristalizados que podem ser colocados em risco nas mobilizações, agindo literalmente sem nada a perder, mas com muito a ganhar. A mesma lógica da ação estudantil já tinha sido vista no Brasil à época da ditadura do Estado Novo e da Ditadura Militar e voltaria a se repetir em 2013.

As mobilizações embrionárias em prol do Passe Livre foram ganhando outras cidades importantes do país até chegar à própria São Paulo dois anos antes de 2013. Naquele momento, Gilberto Kassab era o prefeito e, por isso, a mobilização contra o aumento da tarifa contou com o apoio total do PT e seus políticos, sendo notada a presença ostensiva nas ruas de vereadores petistas e o apoio das organizações estudantis ligadas ao lulopetismo. Importante relembrar que no mesmo ano, Kassab fechou acordo com Dilma para criar novo partido e assim enfraquecer o PMDB, indo para a base de apoio ao governo da então Gerenta

A principal mudança dos petistas entre 2011 e 2013 no que tange à mobilização do MPL contra o aumento das passagens é o fato de há dez anos o prefeito ser Fernando Haddad. As mobilizações colocavam em xeque o controle do lulopetismo do terceiro maior orçamento do país e, por isso, foram sentidas de imediato como uma ameaça por parte da burocracia partidária e sindical encrustada na Prefeitura. 

Já no começo de 2013, pouco meses antes da explosão em São Paulo, uma forte mobilização tomou conta das ruas de Porto Alegre contra o aumento das passagens naquela cidade. A mobilização já antecipava muito do que viria nos próximos meses, com depredações e repressão aguda das forças policiais. A capital gaúcha ficou praticamente paralisada durante mais de uma semana até que as manifestações refluíram com a manutenção do aumento. 

Como é possível ver, a mobilização contra o aumento das tarifas de modo algum foi algo surgido da noite para o dia, tão pouco foi fruto da ação de movimentos exógenos, sem lastro social ou histórico, como falsamente acusado pela mentirosa propaganda lulopetista. Foi antes o resultado de quase uma década de intensas mobilizações ao redor do Brasil, com acúmulo prático e teórico, graças às mobilizações de movimentos estudantis e organizações revolucionárias. 

O principal ponto é que tais movimentos e organizações sempre existiram em paralelo à maquinaria lulopetista, não fazendo parte de suas engrenagens burocráticas e, portanto, não recebendo subvenções ou ordens das cúpulas lulistas. Outro ponto importante é a forma de organização horizontal, sem lideranças cristalizadas ou estrutura hierárquica clara, com grande mobilidade de seus membros e flexibilidade na organização e articulação dos movimentos. Esse último fator, inclusive, desabrocharia intensamente em Junho de 2013 implicando nas características de horizontalidade vistas e que tanto desnortearam as autoridades e a intelligentsia brasileiras. 

Essas características foram fundamentais para o desenvolvimento da luta dos movimentos pelo passe livre e pela efervescência das lutas estudantis durante aquele período, eclodindo em Junho de 2013. Ao não estarem submetidos aos ditames lulistas, tais movimentos puderam operar com radicalidade e sem compromisso com a realpolitik, rejeitando qualquer acordo pelo alto ou os pactos da esquerda com as forças do atraso. Sem pretensões eleitorais ou interesse por cargos, puderam colocar o dedo na ferida sem temer as consequências para seus agrupamentos ou para suas vidas particulares. Para todos os fins possíveis, o MPL e os movimentos congêneres foram as autênticas forças revolucionárias do Brasil naquele período. 

E o que questionavam? Não era apenas o transporte público e sua lógica segregacionista, era todo o sistema capitalista, particularmente em sua forma brasileira. Ao negar a existência de catracas, os movimentos pelo passe livre recusavam a própria forma da mercadoria, o próprio valor enquanto meio de reprodução da vida social. O valor que se interpõem entre as pessoas e a livre circulação pela cidade, também se interpõem entre elas e a habitação digna, entre elas e a alimentação, entre elas e o trabalho digno e humanizado, entre elas e outras pessoas. Questionar as catracas era no fim questionar o próprio Capital e Junho de 2013 foi essencialmente o momento de maior contestação radical ao capitalismo na história do Brasil. (por David Emanuel Coelho




LEIA OS DOIS PRIMEIROS ARTIGOS DA SÉRIE: 


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