terça-feira, 4 de julho de 2023

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013. PARTE 10: LUTA DE CLASSES NO BRASIL

LUTA DE CLASSES NO BRASIL

 De acordo com o DIESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - em 2013 foram registados cerca de 2050 greves no Brasil, um aumento de 133% com relação a 2012, quando foram registradas 877. Foram 11.1342 horas paradas no país, contra 86.291 um ano antes. 

Esses números mostram o quanto as Jornadas de Junho de 2013 foram um movimento orgânico da classe trabalhadora brasileira que foi às ruas em peso, mas também se mobilizou em seus locais de trabalho. Mais que isso, quando se observa analiticamente as greves do período, é possível ver que a maioria foi feita apesar, e mesmo contra, as lideranças sindicais, reproduzindo o traço de questionamento à política institucional e seus aparatos vistos nas ações de rua. 

Ou seja, na realidade Junho de 2013 se mostrou como uma potente sublevação dos trabalhadores, situação potencialmente revolucionária e momento chave da luta de classes no Brasil. Não à toa, a resposta contrária por parte dos capitalistas, através da mídia, dos governos locais e, sobretudo, do governo lulopetista, foi dura e engenhosa, combinando repressão com cooptação do sentimento popular contra o status quo socioeconômico. 

As justas palavras de Florestan Fernandes, de que o Brasil vive uma contrarrevolução permanente, se faz marcar aqui também, mas com uma mudança qualitativa, pois pela primeira vez na história a burguesia brasileira não simplesmente impôs medidas de repressão ou conduziu a insatisfação para os marcos seguros da institucionalidade. Dessa vez, ela engendrou algo que as burguesias europeias já tinham feito há cem anos: ela mesma se tornou rebelde e líder da revolta popular. 

O nome tradicional desse movimento da burguesia é fascismo. O processo consiste em canalizar a insatisfação popular desviando-a do questionamento à propriedade privada para algum outro alvo - geralmente minorias sociais - e dar respostas moralistas para os problemas socioeconômicos. Mas tudo isso é feito encenando rebeldia contra as instituições apodrecidas e, às vezes, até mesmo contra o capitalismo, de forma genérica. Para dar certo, as lideranças dos movimentos sempre precisam ser outsiders.

O fascismo, contudo, é sempre imperialista e, por isso, um país periférico e subordinado igual o Brasil não pode ter um movimento fascista pleno, mas apenas cópias. Por aqui, nunca aparecerá um Hitler ou um Mussolini, no máximo alguém palidamente parecido com Salazar ou Franco, aliás, foi isso mesmo que aqui se vivenciou com Vargas e os ditadores fardados, desfoques do nazifascismo original. 

Ainda está em aberto o debate sobre a natureza do movimento atual da extrema-direita. Não há dúvidas, porém, das semelhanças com o fascismo do século passado, mas ainda em um grau menor de organicidade e estrutura que aquele. Não existem, por exemplo, milícias paramilitares ou estruturas sindicais, sendo, contudo, provável seu aparecimento futuro, sobretudo com o acirramento da guerra da Ucrânia, onde hoje milhares de neonazistas são abastecidos com armas pela OTAN, algo também existente na Rússia do grupo de inspiração fascista Wagner - batizado com o nome do compositor favorito de Hitler e sempre lembrado pelo tom antissemita de muitas de suas músicas. 

Seja qual for o termo mais adequado, a burguesia brasileira se lançou em nova estratégia contrarrevolucionária em 2013 urdindo o movimento que, na falta de melhor designação, pode ser chamado de bolsonarismo. O centro desse processo ocorreu a partir do alto comando militar que fez leitura atenta e engenhosa da conjuntura. 

Em 2014, quando as ruas ainda queimavam ao redor do país, os generais começaram a abrir as portas dos quartéis para um deputado federal ainda pouco relevante, mas já em meteórica ascensão de popularidade, Jair Bolsonaro. Suas participações em programas de TV e suas polêmicas sobretudo contra a comunidade LGBT, além do discurso moralista, o iam tornando a face mais destacada do movimento direitista. Por fim, seu alijamento do centro do poder o tornava uma figura aparentemente contrária ao sistema, aos poderosos, indo ao encontro dos anseios populares de luta contra o status quo

No mesmo ano, outro movimento importante foi efetuado pela classe dominante brasileira através do surgimento da Operação Lava Jato com o intuito de ser a saneadora da República. A operação condizia perfeitamente com o discurso anticorrupção encampado pela mídia e entregue como pauta aos manifestantes e vinha como uma forma de satisfazer a fúria popular com a política tradicional. 

Na operação, os membros mais débeis da burguesia foram sacrificados. Políticos tradicionais ou mais odiados, à esquerda e à direita, foram limados. Tudo ocorreu como se acontecesse uma espécie de oferenda para aplacar a fúria do povo, ao mesmo tempo em que novos líderes eram forjados a partir da tônica do moralismo. Foi a era dos Tenentistas Togados, em que um Juiz de primeira instância de uma capital secundária do sul, de dentro de seu escritório, concentrava em si todos os poderes da nação em sua caneta. 

Enquanto o bolsonarismo foi predominantemente arquitetado a partir dos militares, a lava jato nasceu das entranhas da mídia burguesa. Os dois movimentos andaram de forma paralela e se retroalimentaram no período, com Bolsonaro frequentando ambientes midiáticos e os togados sendo recebidos pela milicada país afora. A culminância viria a ser o Impeachment de Dilma, período em que a aliança entre os dois se aprofundou e praticamente se tornou uma coisa só. Assim continuaria até o começo do governo Bolsonaro, quando a ambição togada incomodou o ex-presidente fujão e a aliança foi dissolvida.  

De qualquer forma, os dois movimentos de extrema-direita cumpriram importante função para a burguesia brasileira no período posterior a Junho de 2013, pois, cada qual a seu modo, conseguiram canalizar a insatisfação popular para uma forma reacionária de rebelião, puramente performática e cirúrgica, dando à burguesia um respiro em um contexto de forte assédio popular. Ao mesmo tempo, a institucionalidade política pode se reorganizar durante o período, voltando em 2022 com um pacto renovado, posando de salvacionista diante das atrocidades da extrema-direita, quando, na realidade, é apenas o velho mofo retrógrado. (por David Emanuel Coelho) 

LEIA OS PRIMEIROS ARTIGOS DA SÉRIE: 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: O LEVANTE VERDE E AMARELO

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013. DILMA NO LABIRINTO 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: O LEVANTE NACIONAL 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: O RECHAÇO À POLÍTICA INSTITUCIONAL

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A TÁTICA BLACK BLOC

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A QUINTA-FEIRA QUE INCENDIOU O BRASIL 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A LUTA PELO PASSE LIVRE

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A FALÊNCIA DA NOVA REPÚBLICA


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