Um grupo que chamou a atenção nas manifestações de Junho de 2013 foi o Black Bloc. Sua forma distintiva de se vestir - sempre de preto e encapuzados -, além da disposição de enfrentar a repressão policial logo os transformaram em um dos principais grupos das manifestações.
Não tardou para o lulopetismo e a mídia identificarem no grupo os principais vilões das manifestações. A última começou a estabelecer uma separação entre manifestantes do bem, ordeiros e pacíficos, e manifestantes do mal, vândalos e baderneiros. O black bloc era justamente o manifestante malvado, pronto a praticar depredações e semear o caos. Ambos enxergaram no movimento a explicitação ideológica daquelas aspirações radicais que os manifestantes possuíam apenas latentemente. Ou seja, os black blocs externalizavam, de certa forma, o ímpeto anticapitalista das manifestações e por isso foram eleitos os inimigos número tanto pela exquerda reacionária, quanto pela mídia burguesa.
Para o lulopetismo, ele representava a rebeldia das manifestações que rapidamente haviam se focado na oposição ao governo Dilma e na repulsa ao PT. Desligados do aparelho burocrático, sem pretensões eleitoreiras ou pautas que pudessem ensejar uma cooptação, os black blocs foram encarados como pura negatividade, diferente de tudo o que viera anteriormente nas lutas sociais, sempre marcadas pelo assistencialismo e o ímpeto reivindicativo dos movimentos.
Por fim, os black blocs também sofreram ríspida oposição da esquerda não alinhada ao PT, particularmente do PSTU. Nesse caso, o principal motivo foi uma disputa pela vanguarda das manifestações, pois o partido trotskista acabou também sendo rechaçado em suas idas às ruas, por estar identificado aos partidos no geral e mesmo ao lulopetismo, mesmo não sendo parte do campo lulista. Já os black blocs não eram rechaçados, ao contrário, eram bem-vindos pelos manifestantes e sua resistência aguerrida à repressão acabava servindo de inspiração para outros.
Mas, o que eram os black blocs? Para começar não são exatamente um agrupamento, mas uma tática. Não existe uma liderança black bloc, um coletivo black bloc ou mesmo manifestos black bloc. Qualquer um pode ser um black bloc, bastando para isso estar disposto a seguir os princípios gerais da tática.
Os black blocs surgiram na Alemanha nos anos de 1980 como meio para autodefesa dos manifestantes contra a polícia e forças neonazistas. Em 1999 ganharam projeção midiática graças à sua presença nas manifestações em Seattle, nos EUA, contra a OMC - Organização Mundial do Comércio. A partir dali o ideário do movimento se alastrou ao redor do mundo, já existindo no Brasil antes de 2013, mas com pouca atenção.
De inspiração anarquista, os black blocs não possuem uma linha de comando hierarquizada, ficando a organização restrita à espontaneidade de cada manifestação ou momento. Em geral, o grupo age em um processo de autodefesa e mesmo os vandalismos praticados são feitos como estratégia para retardar ou dificultar a ação policial. Assim, por exemplo, lixeiras são queimadas e barricadas montadas para impedir o avanço da tropa de choque.
Mas existe também um momento ofensivo na tática black bloc quando ocorre o vandalismo performático que se trata da destruição de objetos símbolos do capital e de instituições do Estado. Assim, delegacias podem ser atacadas, guaritas e carros de polícia destruídos, agências bancárias podem ser invadidas e vandalizadas, etc. Nesse caso, o objetivo é aniquilar simbolicamente representações do capitalismo e de seu Estado, tornando sem valor aquilo que é valorado pelo capital e provocando na consciência popular a desacralização da sociedade capitalista.
Essa ação, inclusive, sempre foi a que mais gerou polêmica, sobretudo com o PSTU. O centro da crítica se resumia justamente ao caráter performático, não efetivo, das ações contra os símbolos do capital, pois a destruição dos objetos e lugares não implicava na destruição efetiva da propriedade privada. Também se argumentava o quanto o vandalismo seria contraproducente para o movimento no geral, pois serviria de munição para as forças repressivas e para o ataque da mídia.
No entanto, é importante ressaltar que a maior parte dos atos de vandalismo ocorridos em 2013 não vieram dos adeptos da tática black bloc, a qual, inclusive, nem era tão generalizada. Na realidade, o vandalismo era praticado em grande medida por indivíduos comuns, participantes dos atos e que muitas vezes invadiam e depredavam concessionárias de carros, agências bancárias, lojas e mercados no geral. Na maioria das vezes, as pessoas sequer cobriam seus rostos. Vale também considerar que o pequeno comércio era raramente atacado, não sendo incomum encontrar pequenos comércios, bancas de jornal e bares intactos em meio a um rastro de destruição.
De fato, o impacto dos black blocs dentro das manifestações foi muito menor do que se acredita, pois em manifestações de milhões, eles costumavam ser algumas centenas e sua participação foi mais concentrada às grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em resumo, ficaram muito mais no imaginário, devido à disposição da ação direta e também à amplificação de sua imagem por parte do lulopetismo e da mídia.
Seja como for, a tática ficou associada como um dos acontecimentos mais marcantes das Jornadas de Junho de 2013. (por David Emanuel Coelho)
LEIA OS PRIMEIROS ARTIGOS DA SÉRIE:
DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A QUINTA-FEIRA QUE INCENDIOU O BRASIL
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