sábado, 17 de junho de 2023

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013. PARTE 7: O LEVANTE NACIONAL



O LEVANTE NACIONAL 


 Após o massacre perpetrado pelas forças policiais de São Paulo na quinta-feira, dia 13 de Junho, a população brasileira se indignou profundamente e manifestações começaram a ser convocadas em todo país. 

Dia 17 de Junho de 2013 pode ser considerada a data chave para as manifestações em nível nacional. Naquele dia, milhões de pessoas tomaram as ruas das grandes, médias e pequenas cidades para mostrar seu descontentamento com a ação arbitrária contra os manifestantes de São Paulo e demandar melhores condições de vida. A contagem da mídia e das autoridades é enviesada, pois apenas metrópoles como Belo Horizonte e Rio de Janeiro contaram com número superiores aos cem mil nas ruas.

Em Brasília, a cúpula exterior do Congresso Nacional é tomada por milhares de manifestantes. Ao contrário do 8 de janeiro de 2023, os manifestantes não depredaram a sede do poder legislativo, mesmo estando em número milhares de vezes maior que os pouquíssimos gatos pingados bolsonaristas. Lá subiram pacificamente, com cartazes e palavras de ordem em uma forma clara de exigir da classe política nacional o cumprimento de suas demandas. 

Em todas as capitais, grandes manifestações são registradas, com milhares e até milhões de pessoas tomando os logradouros públicos. De acordo com pesquisas da época, a maioria esmagadora - cerca de 70% - dos manifestantes tinha entre 15 e 25 anos, ou seja, eram adolescentes e jovens mostrando sua insatisfação. Importante notar o quanto esse quadro é destoante do que viriam a ser as manifestações direitistas, formadas majoritariamente por pessoas de meia idade - por volta de 45 anos - e mesmo os atos bolsonaristas, dominados pela terceira idade. É como se a juventude estivesse lutando pela mudança e a velha guarda estivesse na reação, se posicionando pelo antiquado. 

Esse quadro etário também desmente a propaganda lulopetista de que os manifestantes de Junho de 2013 eram fascistas ou foram a base para o bolsonarismo. Na realidade, aqueles manifestantes foram dramaticamente derrotados pelo governo Dilma, dando passagem à tomada da dianteira da insatisfação popular pela direita fascistóide. 

A principal característica de todas as manifestações ao redor do país era a aspiração pelo cumprimento das promessas inscritas na Constituição de 1988, ou seja, a plena execução dos direitos cidadãos à saúde e à educação, sobretudo. Contudo, implicitamente havia um ultimato ao próprio capitalismo brasileiro, pois as demandas populares só poderiam ser cumpridas se viesse abaixo o Pacto urdido na República Nova e fossem feitas reformas profundas na estrutura social e econômica do país. 

Enquanto portador maior do Pacto conservador, o lulopetismo não titubeou: assumiu o lado da burguesia e descambou forte campanha criminalizadora contra os manifestantes, além de fazer todos os esforços em apoiar a repressão. Dilma colocou nas ruas do país tropas do Exército e da Força Nacional de Segurança a fim de cooperar no esforço dos governos locais em conter a revolta.

Ao mesmo tempo, soou o alarme da classe capitalista brasileira através de sua mídia. Tendo a princípio assumido o discurso repressor, a imprensa burguesa mudou de tática diante do crescimento contínuo dos atos. Ao invés de simples condenar os atos, ela passou a usar dois métodos: por um lado, começaram a separar os manifestantes entre os bons - ordeiros, pacíficos - e os maus - baderneiros, vândalos infiltrados; de outro, passou a disputar a pauta das manifestações, trazendo a temática da luta contra a corrupção e colocando as questões econômicas e sociais em segundo plano.

Na época, se discutia no Congresso Nacional a PEC 37, um projeto de lei que visava ampliar o controle externo do Ministério Público. Nas manifestações ninguém havia elegido a luta contra a referida PEC uma pauta importante, pois era um assunto pouquíssimo debatido, mas acabou se tornando, para a mídia, a principal bandeira a ser entregue aos manifestantes. Assim, a luta moralista tomava o lugar da luta social, um prenúncio do processo vindouro da lava jato. 

Sintomático desse processo de mudança tática da mídia é o papelão desempenhado pelo medíocre Arnaldo Jabor. Cumprindo fielmente o script determinado por seus patrões da Globo, em primeiro lugar ele aparece em vídeo atacando os manifestantes e se perguntando se toda aquela violência era mesmo por 20 centavos. Posteriormente, diante da nova tática, se retifica e passa a defender as manifestações, mas com a pauta anticorrupção. 

Ou seja, se uniram na luta contra os levantes populares o lulopetismo, através de sua militância e do governo Dilma, e a mídia burguesa. À burguesia ficou claro que o lulismo não tinha mais o controle das massas e que agora era preciso reconstruir um processo de dominação e controle do povo. Esse processo, a rigor, começou ali com as pautas vazias anticorrupção e continuou nos anos seguintes até se cristalizar com o bolsonarismo, embora esse tenha se mostrado incontrolável por demais. 

A rigor, a mídia criou o ideário, disseminado até hoje, de que os manifestantes não possuíam pautas claras, de que os atos eram dispersos e sem foco, implicando implicitamente que apenas a pauta anticorrupção, introduzida por ela, teria validade. Na realidade, os atos questionavam de forma radical e muito bem estruturada toda a lógica excludente do capitalismo, em particular o modo como esse se configura no Brasil. 

De qualquer forma, naquela semana do dia 19 de Junho o Brasil começava um período crítico de possibilidades revolucionárias, tendo todas o país ficado em suspenso. Viveram-se ali aqueles períodos únicos na história em que tudo de sólido se desmanchava e em que tudo era possível de acontecer enquanto a história se acelerava bem diante de todos. (por David Emanuel Coelho) 



LEIA OS PRIMEIROS ARTIGOS DA SÉRIE: 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: O RECHAÇO À POLÍTICA INSTITUCIONAL

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A TÁTICA BLACK BLOC

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A QUINTA-FEIRA QUE INCENDIOU O BRASIL 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A LUTA PELO PASSE LIVRE

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A FALÊNCIA DA NOVA REPÚBLICA

 


Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails