sexta-feira, 16 de junho de 2023

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013. PARTE 6: O RECHAÇO À POLÍTICA INSTITUCIONAL

 

O RECHAÇO À POLÍTICA INSTITUCIONAL

Um fato claro nas manifestações de Junho de 2013 foi o rechaço absoluto à política institucional. Não apenas a recusa da presença de bandeiras partidárias, mas também o ódio aos políticos e a qualquer tipo de presença de organizações associadas ao sistema político nacional marcaram a irrupção do movimento em todo o país. 

Esse elemento, inclusive, é diferenciador das experiências passadas de manifestações populares no Brasil, quando era comum a presença maciça de organizações partidárias e de palanques. As Diretas Já são o exemplo paradigmático do modo de manifestação na história brasileira, com o formato de comícios em que políticos se revezavam em discursos enquanto o povo apenas ouvia sem agir diretamente. 

As Diretas também podem ser encaradas como um marco importante no processo de consolidação da República Nova e seu pacto conservador, pois incluiu forças políticas díspares indo desde o liberal Tancredo Neves, da oposição consentida à ditadura, até o operário Luís Inácio, passando por Leonel Brizola, todos unidos em torno da legitimação do processo transitório urdido pelos militares.

Assim, é bem simbólico que a ruptura com o Pacto Cidadão tenha ocorrido com o rechaço absoluto aos políticos e a seus comícios alienantes. 

Na realidade, a institucionalidade política está em degradação ao redor do mundo inteiro graças ao fenômeno da oligopolização econômica. No período clássico do liberalismo capitalista, a existência de pequenos e médios burgueses fazia acirrar a competição no mercado e criava vários grupos de interesse em confronto na arena política. A disputa entre esses grupos tornava as instituições estatais permeáveis à pressão popular, pois cada agrupamento buscava se chancelar junto a um segmento do povo. Igualmente, é nesse período que a socialdemocracia ascende na Europa representando a classe trabalhadora na equação das disputas políticas. 

Contudo, a situação muda com a reorganização neoliberal do capitalismo. Os pequenos e médios burgueses desaparecem, engolidos por mega corporações multinacionais. Os sobreviventes passam a ser meros prestadores de serviços das empresas maiores, sem autonomia. Os antigos burgueses se tornam trabalhadores precarizados ou vão viver de bicos cinicamente rotulados como empreendedorismo pelo grande capital. A homogeneização da economia acaba com a competição no mercado, pois, embora existam diferentes produtos e marcas, todas elas pertencem aos mesmíssimos grupos.  

O resultado político é o fim das grandes disputas políticas na sociedade. As poucas corporações compram praticamente todos os políticos, da esquerda à direita, e passam a controlar a agenda institucional tornando o Estado impermeável às reivindicações populares. Ou seja, a política passa a existir em função exclusiva dos interesses dos oligopólios. Os poderes executivo, judiciário e, sobretudo, o legislativo são totalmente dominados pelo poder do grande capital, tornando qualquer demanda popular praticamente impossível de ser apreciada. 

Pelo contrário, o que ocorre é uma enxurrada de medidas destrutivas ao interesse popular, com reformas trabalhistas, ataques ao meio ambiente, flexibilizações de benefícios sociais, privatizações, além de toda sorte de maracutaias associadas ao processo, instalando um clima de corrupção endêmica e baixíssimo grau de participação popular. 

As eleições se tornam meras chanceladoras de um único modelo político e o debate fica em segundo plano, imperando tão somente o uso ostensivo do marketing e da manipulação para vender o candidato. No fim, em cada eleição há uma disputa vazia em que nada de essencial se muda. Os partidos se revezam no poder com a aparência de serem forças opostas e inimigos mortais, mas, no fim e ao cabo, expressam e representam o mesmo grande capital, governando de modo praticamente idêntico. 

No Brasil, após o impeachment de Collor, se cristalizou uma oposição artificial entre PSDB e PT que cumpria rigorosamente o descrito acima, aparentar uma disputa e um revezamento político quando nenhuma diferença essencial existia entre eles. Na realidade, uma mesma linha mestra conduz os governos FHC, Lula e Dilma, uma linha continuada, com variações, por Temer e Bolsonaro e agora prosseguida com Lula 3.

Diante desse cenário, a população brasileira passou a sentir terrível frustração com a política institucional. Eleição após eleição, promessas eram feitas, grandes esperanças mobilizadas, mas nenhuma mudança concreta ocorria. O caldo da insatisfação foi crescendo paulatinamente até tomar proporções titânicas em Junho de 2013.

Os levantes significaram a derrocada completa do sistema político brasileiro que caducou de forma irreversível. O descolamento entre o povo e seus supostos representantes chegou a um nível tão profundo que a população não mais se reconhecia neles e esses tão pouco conseguiam entender os reclames populares. Décadas de engorda em palácios com reuniões fechadas, convescotes e acordões de bastidores deixaram os políticos tradicionais completamente alienados da realidade brasileira, sendo esse caso mais dramático no caso dos políticos de esquerda, rechaçados com ainda mais veemência pelos manifestantes na qualidade de traidores

O rechaço ao sistema político tradicional abriu possiblidades ricas no Brasil, como as experiências horizontais das Assembleias Populares e dos Movimentos Autonomistas. Infelizmente, tais ações tiveram vida curta, sendo esvaziados após o enfraquecimento do ímpeto das manifestações e as perseguições perpetradas pelo governo Dilma em articulação com os governos estaduais aos militantes mais ativos. No saldo, quem iria se beneficiar do sentimento anti-institucional seria as forças de direita, com a operação lava jato e a ascensão do bolsonarismo. (por David Emanuel Coelho)

LEIA OS PRIMEIROS ARTIGOS DA SÉRIE: 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A TÁTICA BLACK BLOC

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A QUINTA-FEIRA QUE INCENDIOU O BRASIL 

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A LUTA PELO PASSE LIVRE

DEZ ANOS DE JUNHO DE 2013: A FALÊNCIA DA NOVA REPÚBLICA

 

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails