Mostrando postagens com marcador episódio algoz e vítima. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador episódio algoz e vítima. Mostrar todas as postagens

domingo, 10 de junho de 2018

ÉLIO GASPARI: HÁ MEIO SÉCULO EXPELINDO SEU ÓDIO AOS RESISTENTES QUE PEGAMOS EM ARMAS CONTRA A DITADURA MILITAR

Gaspari escreveu sua série de volumes sobre a ditadura...
O razoável jornalista e discutível historiador Élio Gaspari não perde oportunidade nenhuma para achincalhar os poucos milhares de brasileiros que ousamos pegar em armas contra a mais bestial ditadura que o Brasil conheceu. 

Esse mau hábito já lhe acarretou uma contundente derrota há 10 anos (vide aqui), mas ele insiste em suas catilinárias rancorosas e injustas, como se fossem o próprio Geisel e o Golbery que estivessem teclando pelas mãos dele...

Em sua coluna dominical na Folha de S. Paulo, assim descreve o atentado da VPR ao QG do 2º Exército no final de junho de 1968 (a ansiedade do Gaspari era tamanha que ele nem aguentou esperar mais duas semanas, quando o episódio completaria meio século):
"A passeata [dos 100 mil] tomou conta da história de 1968, mas ela foi um crepúsculo. A treva amanhecera horas antes, durante a madrugada, quando um caminhão com 50 quilos de dinamite explodiu diante do portão do QG do Exército, matando o soldado Mário Kozel Filho e ferindo cinco outros militares.
O atentado foi obra da Vanguarda Popular Revolucionária e nele estiveram dez terroristas. Dias antes a VPR havia roubado fuzis num hospital militar e o general que comandava a tropa do Exército em São Paulo lançara um desafio infantil: Atacaram um hospital, que venham atacar meu quartel. 
Vieram. O motorista do caminhão saltou, o veículo bateu num muro, Kozel foi ver se havia alguém na boleia e a dinamite explodiu...
...utilizando arquivos pessoais que Golbery e Geisel lhe confiaram
Vieram. O motorista do caminhão saltou, o veículo bateu num muro, Kozel foi ver se havia alguém na boleia e a dinamite explodiu... 
...Nas palavras da militante que estava num carro de apoio, a bomba não serviu para nada, a não ser para matar o rapazinho.
Dos 13 militantes que participaram dos ataques ao hospital militar e ao QG, dois foram executados, sete foram presos e três deixaram o país. Só um ficou livre no Brasil, com outro nome".
Faltou o epílogo, que um historiador criterioso não deixaria de incluir, muito menos um jornalista que respeitasse as boas práticas da profissão, pois, afinal, trata-se do chamado outro lado (pena que o Gaspari costume desconsiderá-lo nos acontecimentos dos anos de chumbo, preferindo limitar-se às versões da repressão e até às de um ditador que andou sendo muito falado recentemente...).

Em abril de 1969, após uma temporada de luta interna e de várias quedas, a VPR realizou um congresso para botar ordem na casa. Teve lugar no município de Mongaguá, litoral sul paulista, e eu estive lá como convidado, representando um grupo de oito secundaristas cujo ingresso na organização estava em vias de ser concretizado (como os 11 delegados oficiais não fizeram restrições à minha participação nos debates e votações, eu me tornei, informalmente, o 12º participante).

Discutiram-se longamente tanto os excessos militaristas quanto os desvios massistas, detectados nas duas correntes que haviam travado a luta interna. Tentava-se chegar a um ponto de equilíbrio.
As obsessões do Gaspari são as mesmas das viúvas da ditadura

O caso do QG era muito lamentado pelos que haviam nele estado envolvidos. O desfecho fora totalmente imprevisto e indesejado: ninguém levara em conta a possibilidade de que um sentinela abandonasse seu posto para ir olhar de perto um veículo que despencara ladeira abaixo sem motorista. Acreditaram que ele seguiria à risca as determinações dos superiores.

Assim como os outros companheiros oriundos das Forças Armadas, o comandante Carlos Lamarca estava nitidamente abalado. Ele mais ainda que os outros, pois havia sido um oficial que desprezava seus iguais como privilegiados, mas tinha grande identificação com os recrutas que estavam prestando serviço militar (eles são filhos do povo, dizia).

A conclusão de que algo assim jamais deveria acontecer de novo foi unânime. E houve muitas críticas à decisão de se responder a um desafio com outro, isto aqui não é filme de bangue-bangue...

Finalmente, resolveu-se:
— que demonstrações de força, dali em diante, deveriam ser evitadas e, mesmo que alguma parecesse válida, teria de ser antes autorizada pelo Comando Nacional; e
— que a Organização não justiçaria inimigo nenhum que não fosse identificado pelas massas como merecedor de tal destino (nada de matarmos outro capitão Chandler da vida, alguém de quem nunca se ouvira falar, e só depois explicarmos ao povo que o fizéramos por ele ser agente da CIA).
No outro lado, tudo era premeditado
Na verdade, durante os 12 meses seguintes (até minha queda) não houve mais nem demonstrações de força, nem justiçamentos

Inclusive, o Comando Nacional decidiu rejeitar o pedido de um pequeno grupo independente que recorreu à VPR por necessitar de dinamite para explodir a estátua do Duque de Caxias na capital paulista, bem na véspera do Dia do Soldado de 1969. A avaliação foi de que isso só serviria para encarniçar a repressão mais ainda contra nós, podendo expor nossos presos a retaliações.

As organizações armadas pagaram por seu noviciado em 1968. Estavam começando a travar um tipo de luta diferente e, num primeiro momento, acreditaram que tais operações transcorreriam exatamente como planejadas. 

A explosão no QG era apenas o troco da VPR para o general fanfarrão, assim como a bomba deixada pela ALN para explodir durante a madrugada no estacionamento do Conjunto Nacional (também em São Paulo) serviria somente para danificar a fachada do consulado dos EUA. 

Houve também ação sem imprevistos, como a bomba diante do jornal O Estado de S. Paulo, que não atingiu ninguém. Ainda que fosse sempre assim, compensavam? No ano seguinte decidimos que não.  

Já a repressão nunca se preocupou com as vítimas inocentes que atingia, nem desacelerou sua escalada de torturas, assassinatos, estupros, etc. Pelo contrário, as atrocidades foram aumentando dia a dia a partir de 1968, só arrefecendo quando os Geisels e Golberys já haviam imposto ao país a paz dos cemitérios. 

Mas, a obsessão de Gaspari é toda conosco, os que travamos o bom combate em condições extremas, quase suicidas, tamanha era a desigualdade de forças. Freud talvez explicasse...

sábado, 10 de março de 2018

UMA BATALHA QUE VENCEMOS CONTRA A GRANDE IMPRENSA E SUA GRITANTE TENDENCIOSIDADE

Por Celso Lungaretti
O que há de novo? Muita galinha e pouco ovo.

Então, à falta de assunto melhor, resolvi publicar pela primeira vez neste blog o texto que escrevi especialmente para o Observatório da imprensa em março de 2008, sobre o que se podia depreender do episódio vítima & algoz, a polêmica travada entre o Elio Gaspari e vários ex-militantes da luta armada (inclusive eu) a respeito da indenização pleiteada por Orlando Lovecchio Filho e não concedida pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça.

Até se justifica: o assunto acaba de voltar à baila pelas mãos da Mônica Bergamo, está completando 10 anos e ainda são encontradas na internet várias peças dessa polêmica, cujos link forneço (em vermelho).

Afora que, pelo jeito, o comportamento da imprensa burguesa continua sendo exatamente o mesmo, uma década depois...  

ATÉ QUE PONTO UM GRANDE JORNAL RESPEITA O 
DIREITO DE RESPOSTA E DÁ VOZ AO OUTRO LADO?

Protesto na porta da Folha por causa do editorial da ditabranda
O episódio vítima & algoz é emblemático para aprofundarmos a questão acima, justificando a reconstituição um pouco extensa que farei, desde já pedindo desculpas aos leitores que porventura ficarem entediados no meio do caminho.

Na quarta-feira (12/3), o jornalista e historiador Elio Gaspari publicou em sua coluna na Folha de S. Paulo e outros jornais uma diatribe contra a União (‘Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968‘), por ter decidido pagar ao suposto algoz Diógenes Carvalho de Oliveira uma indenização duas vezes maior do que a outorgada à sua suposta vítima Orlando Lovecchio Filho (ver, neste Observatório, O jornalista de 2008 não é mais o de 1968).

Como o primeiro era um militante da resistência à ditadura e o segundo, o cidadão que perdera a perna no atentado supostamente cometido por aquele, o assunto logo transbordou do circuito habitual de Gaspari para outros jornais, revistas semanais, sites de extrema-direita e correntes de e-mails neo-integralistas.
Elio Gaspari inculpou organização errada e autores errados 
Na madrugada do mesmo dia da publicação, enviei uma nota ao ‘Painel do Leitor’ da Folha contestando Gaspari. No final do dia, a Folha me pediu que reduzisse o tamanho da nota, o que fiz prontamente. 

No entanto, nada saiu no ‘Painel’ dos dias 13 e 14. O que o jornal publicou foi uma notícia com o mesmíssimo enfoque distorcido da coluna do Gaspari, repercutindo-a: Vítima de atentado durante ditadura se sente injustiçado.

ANÓDINA E REFUTÁVEL – Nesse mesmo dia 14, pedi a intervenção do ombudsman, no sentido de que me fosse permitido apresentar o outro lado, já que sou, como Diógenes, ex-militante da VPR e ex-preso político anistiado pelo Ministério da Justiça, além de estar desempenhando há tempos o papel de defensor da minha antiga organização e dos ex-participantes da luta armada nas batalhas de opinião.

No sábado (15/3), a Folha se viu obrigada a reconhecer que, dos quatro militantes apontados por Gaspari como autores do atentado ao consulado estadunidense em 1969, uma era inocente e havia sido, portanto, duplamente caluniada. Então, publicou no ‘Painel’ o esclarecimento de Maurício Maia de Souza, além de um ‘Erramos‘.
A saudosa Dulce Maia sofreu um ataque descabido

No dia seguinte, domingo, o ombudsman já estava de volta das viagens que andara fazendo, mas não se referiu ao caso nem na coluna semanal, nem na coluna diária. Noblesse oblige, Gaspari pede desculpas a Dulce Maia.

No dia 17, é finalmente publicada no ‘Painel’ a nota que eu havia enviado na madrugada do dia 12. De tão cortada, fica anódina e facilmente refutável.

Então, logo aparece quem a refute: um leitor que alega ter participado da resistência, mas sem haver aderido à luta armada – e evidenciando hostilidade a quem dela participou. Este tem tratamento VIP, recebendo mais espaço do que eu e sendo publicado de imediato.

ACUSAÇÕES FALSAS – Nessa mesma terça-feira (18/3), envio à Folha e ao seu ombudsman, bem como a O Globo (que também publica a coluna do Gaspari) e às revistas Veja e Época um artigo que expressava o outro lado, em função de uma importante evolução surgida no caso: outro dos incriminados por Gaspari, Sérgio Ferro, admitiu sua culpa, relatou o episódio e desmentiu a participação de Diógenes de Carvalho e Dulce Maia.
Diógenes Oliveira, alvo principal dos ataques direitistas

[Ferro também revelou ter sido processado por Lovecchio e obtido a vitória na Justiça graças aos dois relatórios médicos que apresentou como prova. O primeiro dá conta de que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. Depois, o socorro a Lovecchio foi interrompido pelo Deops, que quis interrogá-lo, provavelmente para saber se ele era vítima do atentado ou um participante azarado. Quando os policiais afinal o liberaram, sua perna já havia gangrenado e teve de ser amputada (2º relatório).]

Ora, se o algoz não era algoz, então o texto inteiro do Gaspari perdia o gancho e desabava, bem como as matérias da Veja e da Época. O que fizeram os veículos, face à evidência de haverem informado mal seus leitores, além de caluniarem dois cidadãos e acusarem falsamente a VPR (Ferro esclareceu que a ação foi, na verdade, da ALN)? Deram desmentido com o mesmo destaque? Nem remotamente.

PROTAGONISTAS DO ARBÍTRIO – A Folha relegou os esclarecimentos do único participante vivo do atentado ao ‘Painel‘, contrapondo-os a uma nota em que Lovecchio recorre ao ‘Auto de Qualificação e de Interrogatório’ de Ferro no Deops para tentar desmenti-lo, como se os inquéritos conduzidos com a prática generalizada da tortura, numa nação sob ditadura e terrorismo de Estado, fossem aceitáveis para respaldar seja lá o que for quando o Brasil voltou à civilização.
Sérgio Ferro botou os pingos nos ii

Depois a Folha publicou, no ‘Painel’, esclarecimentos do presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, mostrando quão demagógica havia sido a comparação que Gaspari fizera sobre reparações concedidas por duas instâncias diferentes do Estado brasileiro.

Finalmente, Gaspari voltou ao assunto na sua coluna de domingo (23/3), comprovando o que, desde o primeiro momento, eu afirmara: suas únicas fontes, ao fazer as capengas afirmações de que ‘o atentado foi conduzido por Diógenes Carvalho Oliveira e pelos arquitetos Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, além de Dulce Maia e uma pessoa que não foi identificada’ e de que se tratava de ‘um atentado contra o consulado americano, praticado por terroristas da Vanguarda Popular Revolucionária’, foram os famigerados inquéritos inquéritos policiais-militares da ditadura.

Destrambelhado, voltou a atacar Dulce Maia, a quem pedira humildes desculpas no domingo anterior, quando acreditara que a polêmica marchava para o fim. Que credibilidade espera ter, agindo com tanta incoerência?

Como um mero araponga, ele se pôs a revolver o lixo ensangüentado da ditadura, dando grande importância ao fato de que havia congruência entre os depoimentos extorquidos dos torturados e omitindo que os torturadores forçavam todos os presos a coonestarem a versão oficial, a síntese elaborada pelos serviços de inteligência das Forças Armadas, para que o resultado final tivesse alguma aparência de veracidade.
Inquéritos militares eram só lixo ensanguentado
Já no meu artigo para o OI eu me referira a esse fenômeno:
"E era muito comum os torturados simplesmente admitirem o que os torturadores pensavam ser verdade, ganhando, assim, uma pausa para respirar. Então, ao ler a versão dos algozes, eu sempre noto que, em cada ação da resistência, são relacionados muito mais autores do que os necessários para tal operação.
‘Para alguém que estava pendurado num pau-de-arara, recebendo choques insuportáveis, é desculpável que respondesse `sim´ quando os carrascos perguntavam se fulano ou sicrano participara de determinado assalto a banco. Fazíamos o humanamente possível para evitar a prisão e/ou morte dos companheiros, mas não estávamos nem aí para o enquadramento penal nos julgamentos de cartas marcadas da ditadura".
A última intervenção de Gaspari no debate foi, de longe, a mais desastrosa. Colocou-o ao lado dos torturadores, defendendo o entulho autoritário. Se a inicial arranhou sua imagem de historiador, a final disse muito sobre seu caráter. Afinal, não é qualquer cidadão que desfruta de tal confiança de personagens como Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, a ponto de ser por eles escolhido para trombetear suas desculpas esfarrapadas pelo papel histórico que desempenharam como protagonistas do arbítrio.

VERDADE OPERACIONAL – Se esse episódio deplorável serviu de algo, foi para comprovar que o entulho autoritário deve ficar no lugar a que pertence: a lixeira da História.
Advogado podia ser laçado em plena sessão para nos defender

Um regime de exceção utilizou práticas hediondas para investigar a ação dos resistentes que a ele se opunham e os inquéritos assim produzidos serviram para condenar patriotas, heróis e mártires em tribunais militares, com oficiais das Forças Armadas fazendo as vezes de jurados, o que atropelava flagrantemente o direito de defesa.

O quadro era tão kafkiano que, num julgamento em que fui réu, o advogado de ofício designado para um companheiro apresentou-se completamente embriagado e começou sua peroração não falando coisa com coisa. O juiz auditor o expulsou da sala e mandou que outro advogado de ofício improvisasse a defesa, imediatamente, mal tendo tempo para ler os autos. O julgamento prosseguiu.

A Lei da Anistia de 1979 sustou os efeitos concretos desses julgamentos e as ações seguintes do Estado brasileiro, como a constituição das comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos, evidenciaram que os antes tidos como criminosos passaram a ser considerados, oficialmente, vítimas.
Enfim, os IPMs foram, tão-somente, a versão que um inimigo apresentava do outro, para dar aparência de legalidade ao que não passava de arbitrariedade, sem compromisso nenhum com a verdade e a justiça.

Qual a credibilidade de um regime que fez afixarem-se em logradouros públicos do país inteiro, em meados de 1969, cartazes me acusando de ‘terrorista assassino’ que teria ‘roubado e assassinado vários pais de família’, embora eu fosse um dirigente e nunca um homem de ação?

Mas, para aqueles militares, a verdade não existia em si. Só lhes interessava a verdade operacional, as versões mais adequadas a seus objetivos na guerra psicológica que travavam.

DIREITO DE RESPOSTA – Passadas quatro décadas, essas versões unilaterais, fantasiosas e espúrias infestam a internet, chegando até a impregnar textos jornalísticos – por má-fé dos seus autores ou por preguiça de profissionais que preferem colher subsídios nos sites de busca do que nos arquivos de seus próprios veículos, acabando por comer na mão dos Brilhantes Ustras da vida.
Um direito de resposta épico: o do Brizola contra a Globo
Então, é mais do que tempo de a imprensa se compenetrar que, sem uma sentença lavrada por um tribunal na vigência plena do Estado de direito, ninguém pode ser apontado taxativamente nos textos jornalísticos como ‘terrorista’ ou autor de tais ou quais crimes com motivação política.

Os repórteres, comentaristas, articulistas e editorialistas que agirem de outra forma, estarão coonestando a prática de torturas e os julgamentos realizados por tribunais de exceção.

E, já que nada do que Gaspari contrapõe pode ser aceito pelos homens decentes que não aceitam mancomunar-se com práticas hediondas, subsiste o fato de que uma versão distorcida e panfletária do episódio teve enorme destaque editorial e, conseqüentemente, ampla repercussão, enquanto as novas informações que repuseram a verdade dos fatos ficaram, quando muito, jogadas na seção de cartas.

Que cada um tire suas conclusões acerca dessa praga que cada vez mais se alastra pela imprensa brasileira: a burla do direito de resposta e a tendenciosidade no tratamento editorial, não se expondo convenientemente o outro lado ou omitindo-o por completo.

Observações
1) afora os esforços para que a Folha me permitisse apresentar o outro lado a seus leitores, dei ampla divulgação à polêmica nas redes sociais, noticiando cada novidade que ia surgindo (os próprios textos que escrevi para o OI são exemplo disso, pois serviram para atingir outros jornalistas, formadores de opinião, capazes de darem maior quilometragem ao assunto); e 
2) para fechar com chave de ouro este post, nada melhor do que a mensagem de Dulce Maia, publicada pelo Luís Nassif em 2012, quando ela ganhou a ação que movera contra o Elio Gaspari por ter-lhe feito uma falsa acusação e contra a Folha de S. Paulo por tê-la publicado.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

TFP + CCC + TERNUMA + OPUS DEI = FOLHA DE S. PAULO

Crime...
O parto da montanha foi um rato: depois de haver investigado, "nos últimos seis meses, os casos de justiçamento na esquerda durante a ditadura", a Folha de S. Paulo só encontrou quatro para exibir. Decerto esperava desencavar um número bem maior.

O lado 'dark' da resistência (vide aqui) foi a matéria principal do caderno Ilustríssima do último domingo (17). Veio somar-se a outro recente exercício de igualação implícita dos resistentes a seus algozes, que comentei no artigo Jornal da ditabranda vende o mesmo peixe podre pela 2ª vez (vide aqui).

Aquele trombeteava pela enésima vez a queixa de Orlando Lovecchio Filho, que teve a perna amputada após ser atingido pela explosão de uma bomba no estacionamento do Conjunto Nacional, sede do consulado estadunidense na capital paulista.

Como vem fazendo desde 1968, Lovecchio culpou apenas a esquerda, que programou o atentado para a madrugada exatamente para, sem ferir ninguém, manifestar seu inconformismo com a ditadura militar e com os EUA, grandes instigadores da quartelada e apoiadores do regime de exceção. Foi um acaso infeliz ele estar passando por lá naquele horário improvável.

...e castigo.
Mas, numa polêmica travada nas própria páginas da Folha em 2008, já ficara esclarecido que Lovecchio só perdeu a perna porque o atendimento médico foi interrompido pela repressão, que o quis interrogar imediatamente, suspeitando que se tratasse de um carbonário atingido pela própria bomba. Horas depois, quando foi devolvido aos médicos, a perna gangrenara.

A informação de que Lovecchio, exatamente por tal motivo, foi derrotado no processo que moveu na Justiça contra um dos autores do atentado, então publicada pela Folha  na marra (ou seja, por obrigação de conceder direito de resposta), foi sonegada de novo dos leitores em 2012...

OS CHILIQUES DO PODEROSO CHEFINHO

Na nova investida para desacreditar as vítimas da ditadura e, por extensão, a Comissão da Verdade, o mais estarrecedor é o jornal ter mantido um  repórter debruçado sobre os casos reais ou supostos de justiçamentos  durante seis longos meses! 

Quantos episódios mais significativos e com maior relevância na atualidade não teriam sido esclarecidos caso este exercício de jornalismo investigativo se voltasse noutras direções! Até porque tal reportagem, dark  sobretudo nas intenções, decididamente não fará de Lucas Ferraz um novo Bob Woodward ou Carl Bernstein...

Uma histérica edição histórica
O motivo de tamanha obstinação, claro, é a ojeriza extremada, beirando a histeria, que os antigos resistentes despertam no diretor de redação da Folha, Otávio Frias Filho. Um jornalista que trabalhou ao lado do  poderoso chefinho  garante que bastava alguém aludir a antigos guerrilheiros para ele se alterar e, aos berros, fazer afirmações do tipo "quero que toda essa corja da luta armada se f...!".

Freud veria aí mais uma confirmação da sua teoria de que pessoas imaturas, incapazes de lidar com seus remorsos, convertem a melancolia em agressividade, voltando sua energia destrutiva para o exterior. Ou seja, como alternativa à autodestruição, destroem os outros, principalmente aqueles diante dos quais sentem-se culpadas. 

Tem tudo a ver com o herdeiro de uma empresa que, no auge do terrorismo de Estado, colaborava abjetamente com os torturadores, conforme a própria Folha já admitiu (vide aqui).

De aproveitável há a constatação de que "militares reformados e da reserva usam essas mortes para tentar justificar sua própria violência e inflam os casos de justiçamento, pondo na conta da esquerda assassinatos cometidos pelas forças da repressão". Daí eu sempre denunciar a   propaganda enganosa  dos sites e redes virtuais de extrema-direita.

O que não impediu, contudo, Lucas Ferraz de explicitamente acolher como verdadeira uma versão extraída do Projeto Orvil --o chamado  livro negro da repressão, que a Inteligência das Forças Armadas produziu para contrapor ao Brasil: nunca mais, de D. Paulo Evaristo Arns e equipe. Parece ignorar que o Orvil não passa de uma sistematização das conclusões a que os torturadores chegaram a partir das bestiais torturas a que submeteram milhares de brasileiros. Há sangue em suas páginas.

E também uma infinidade de disparates, pois os torturados embaralhávamos os fatos tanto quanto podíamos e os torturadores nunca se notabilizaram pelo brilhantismo ao tentarem juntar as peças dos quebra-cabeças. Eu, p. ex., sou apontado como juiz de um tribunal revolucionário que nem sequer sabia ter existido.
 
O humor do horror
Quanto ao fulcro da questão, os justiçamentos de agentes infiltrados sempre embutiram o risco de erro na escolha do alvo; e os de militantes que fraquejaram, são simplesmente indefensáveis e indesculpáveis.

Ademais, execuções, sejam de quem forem, não devem constituir motivo de orgulho para revolucionário nenhum, jamais! Estarrece-me a insensibilidade de algumas declarações.

Mas, devem ser levadas em conta as condições dramáticas nas quais confrontávamos o aparelho repressivo da ditadura. A desigualdade de forças era extrema e o inimigo, totalmente inescrupuloso.

Ao despertarmos, nunca sabíamos se chegaríamos vivos à manhã seguinte. Acabarmos, mais dia, menos dia, sendo presos e torturados era quase uma certeza; e mortos, forte possibilidade.

Infiltrados como o cabo Anselmo devassavam nossas organizações. Tínhamos até medo de abrir os jornais, pois era quase certo encontrarmos a noticia da queda  ou óbito de um companheiro estimado.

Submetidos a pressões tão terríveis, alguns resistentes tomaram decisões questionáveis.

Tais episódios foram em quantidade bem inferior aos da Resistência Francesa e dos  partigiani  italianos, p. ex. E jamais podem ser colocados no mesmo plano das atrocidades perpetradas pelos golpistas que se apoderaram do Estado e sustentavam-se no poder à custa de sequestros, torturas, execuções, estupros, ocultação de  cadáveres e outras abominações.

domingo, 20 de maio de 2012

JORNAL DA DITABRANDA VENDE O MESMO PEIXE PODRE PELA 2ª VEZ!!!

Sempre que estão em evidência no noticiário as atrocidades e execuções perpetradas pelo regime militar, as  viúvas da ditadura  requentam os mesmíssimos episódios de vítimas dos grupos armados, apostando na desinformação dos brasileiros. 

Realmente, por aqui poucos  sabem que, através dos tempos, TODAS as vezes em que cidadãos comuns pegaram em armas contra tiranias registraram-se erros e acasos infelizes, sem que isto descaracterizasse o fundamental: o fato de uns estarem utilizando a violência DESMEDIDAMENTE para manter o despotismo e outros SELETIVAMENTE para o combater. E a indústria cultural tudo faz para que tal conhecimento continue restrito a minorias.

No Brasil, para contrapor às muitas dezenas de episódios chocantes protagonizados pelas bestas-feras da ditadura, a extrema-direita utiliza invariavelmente os casos de Mario Kozel Filho e Alberto Mendes Júnior --lamentáveis, sem dúvida, mas CIRCUNSTANCIAIS, enquanto os carrascos abrigados no aparelho de estado implementaram uma política DELIBERADA de extermínio dos guerrilheiros, repetindo em menor escala a  solução final  dos nazistas para os judeus.

Em março/2008, o jornalista Elio Gaspari, na Folha de S. Paulo e em outros jornais nos quais sua coluna é publicada, colocou em evidência um terceiro episódio: o do jovem Orlando Lovecchio Filho, que teve a perna amputada depois de atingido pela explosão de uma bomba que a ALN deixou em março/1968 no estacionamento do Conjunto Nacional (av. Paulista), diante do consulado estadunidense em São Paulo.

Na ocasião, ficou esclarecido que Gaspari não só atribuíra o atentado à organização errada (culpava a VPR) e às pessoas erradas (nomeou quatro mas duas eram inocentes, tendo uma delas, Dulce Maia, sido vitoriosa na ação que moveu contra o acusador leviano), mas também que Lovecchio PERDEU A PERNA PORQUE A REPRESSÃO DA DITADURA, SUSPEITANDO QUE ELE PUDESSE SER TAMBÉM UM PARTICIPANTE DO ATENTADO, INTERROMPEU O SOCORRO MÉDICO PARA INTERROGÁ-LO E, QUANDO O LIBEROU, HORAS MAIS TARDE, A GANGRENA JÁ SE ESTABELECERA.

Lovecchio levou à Justiça um dos verdadeiros autores da ação, Sérgio Ferro, e PERDEU! 

A derrota judicial se deveu aos relatórios médicos que Ferro apresentou em sua defesa: o primeiro informando que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. O segundo, que quando o atendimento foi retomado, horas mais tarde, sua perna já havia gangrenado, o que tornou obrigatória a amputação.

Inacreditavelmente, quatro anos mais tarde o jornal da  ditabranda, neste domingo (20), bate novamente na mesma tecla e  esquece  o que ficou evidenciado em 2008: A CRIMINOSA INTERRUPÇÃO DOS CUIDADOS MÉDICOS A UM FERIDO QUE, AINDA QUE FOSSE UM GUERRILHEIRO ATINGIDO PELA PRÓPRIA BOMBA, DEVERIA TER SIDO SOCORRIDO ANTES DE INTERROGADO.

A nova manipulação jornalística tem o título de Vítima de bomba também espera receber reparação. E gasta muitas palavras para recapitular a explosão, menos o detalhe fundamental que levou a Justiça a rechaçar a acusação de Lovecchio contra Ferro. Constatem:
"...Era 1h30 do dia 19, avenida vazia, lojas fechadas, consulado idem, quando o DKW desceu a rampa do estacionamento. Lovecchio estava com um primo e um amigo de Santos, que o visitavam. Lovecchio estava com um primo e um amigo de Santos, que o visitavam.

Um cano tampado com papel kraft. Saída do prédio. Fumacinha. Acabam aí as lembranças. Lovecchio não ouviu nada, não viu clarão.

Quando acordou, estava deitado no chão, cercado por pessoas perguntando-lhe isso e aquilo. Achou estranho que a sola do sapato estivesse 'olhando' para ele.

Os jovens foram os primeiros suspeitos do atentado. Nos jornais dos dias seguintes, a polícia avisava: a explosão podia ser um 'acidente de trabalho'. Os três do DKW entraram na mira da Polícia do Exército e do Dops.

Internado no Hospital das Clínicas, Lovecchio lutou para controlar a infecção na perna dilacerada. Os pais dele recusavam-se a aceitar a hipótese de amputação. 'Mas já estava gangrenando'".
Para quem quiser recapitular a polêmica de 2008, eis os artigos que então lancei, aqui, aqui e aqui.

A narrativa folhetinesca e choramingas, calibrada para indispor os leitores com os antigos resistentes, admite que Lovecchio foi inicialmente tido como suspeito, omite o restante e ainda registra sem comentar que o atentado se deu em plena madrugada, num estacionamento quase vazio.

Ou seja, tanto quanto o carro-bomba lançado contra o QG do II Exército, FOI UMA DESNECESSÁRIA E CONDENÁVEL DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA, MAS O PRÓPRIO HORÁRIO ESCOLHIDO ATESTA QUE HAVIA A INTENÇÃO DE NÃO FERIR NINGUÉM.

Ignoro se a ALN reconsiderou a conveniência de tais ações, mas a VPR o fez, no Congresso de Mongaguá, em abril de 1969, do qual participei. E dou meu testemunho: a morte do recruta Kozel era bastante lamentada pelos companheiros de origem militar, que estimavam --e muito!-- os subalternos. Até por quase todos serem antigos sargentos e cabos, acostumados a ZELAR pelos recrutas, um ano depois continuavam cheios de remorsos. 

Sentimento de pesar compartilhado pelo próprio Lamarca, que ainda não ingressara na VPR quando o atentado ocorreu: embora tivesse chegado a capitão, ele identificava-se mesmo é com a soldadesca, afirmando amiúde que se diferenciava dos outros oficiais por ser filho de sapateiro, e não de famílias burguesas ou de classe média.

domingo, 26 de junho de 2011

BAÚ DO CELSÃO: EPISÓDIO "ALGOZ E VÍTIMA" - 3

"FOLHA" É CONDENADA A INDENIZAR MILITANTE QUE CALUNIOU
(30/04/2009)

Dulce Maia foi falsamente acusada...
Acaba de ter desfecho exemplar o episódio algoz e vítima, o primeiro em que um contingente mais amplo de leitores contestou as versões deturpadas da Folha de S. Paulo sobre acontecimentos dos anos de chumbo: a Justiça de São Paulo condenou a empresa Folha da Manhã a pagar R$ 18 mil de indenização a Dulce Maia, falsamente acusada pela coluna do Élio Gaspari de haver participado de um atentado ao consulado estadunidense em 1968.

...por Élio Gaspari
Antes, em julho de 2007, a Folha já se posicionara de maneira grotesca na polêmica sobre decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça favorável aos herdeiros de Carlos Lamarca. Em editorial, o jornal propôs que se fizesse uma distinção entre os militantes que foram torturados e/ou assassinados sob a custõdia do Estado e os demais, só reconhecendo aos primeiros o direito à reparação da União.

Na ocasião, fiquei praticamente sozinho na defesa pública do ex-companheiro de lutas, talvez porque muitos hesitassem em identificar-se com personagem tão polêmico. Mas rebati as agressões à memória de Lamarca e rechacei a adjetivação falaciosa da Folha, que se referiu a ele como "terrorista".

Contestei, ainda, o tal editorial por não levar em conta que dezenas de militantes foram capturados, levados a centros clandestinos de tortura, supliciados e executados, sem terem sido colocados formalmente sob a custódia do Estado; e, em termos mais amplos, porque "tal distinção só caberia se o Brasil não estivesse, no momento dos acontecimentos, submetido à ditadura e ao terrorismo de estado por parte de um bando armado que usurpou o poder em 1964 e violou de todas as formas os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros".

Faço questão de repetir o parágrafo no qual proclamei uma verdade há tanto e por tantos escamoteada: 
"Os cidadãos brasileiros que ousaram confrontar esse regime totalitário, em condições de enorme desigualdade de forças, nada mais fizeram do que exercer o direito de resistência à tirania, que existe e é reconhecido há tanto tempo quanto a própria democracia, já que também remonta à Grécia antiga. Então, não cabe recriminá-los por assaltar bancos, seqüestrar embaixadores e matar agentes de segurança. Também durante a luta contra o nazifascismo foram descarrilados trens, explodidos quartéis, assaltados bancos e mortos policiais e traidores, sem que a ninguém ocorra hoje vituperar os mártires e heróis da Resistência".
O algoz que não era algoz - Veio em seguida o episódio algoz e vítima, em março de 2008, que dissequei em três artigos publicados em vários espaços virtuais, sem que Gaspari ou a Folha me respondessem diretamente.

Tudo começou em 12/03/2008, quando Gaspari publicou na Folha de S. Paulo uma diatribe contra a União por ter decidido pagar ao suposto algoz Diógenes Carvalho de Oliveira uma indenização duas vezes maior do que a outorgada à sua suposta vítima Orlando Lovecchio Filho.

Como o primeiro era um militante da Resistência à ditadura e o segundo, o cidadão que perdera a perna no atentado supostamente por ele cometido, o assunto logo transbordou do circuito habitual do Gaspari para outros jornais, revistas semanais, sites de extrema-direita e correntes de e-mails neo-integralistas.

Como de praxe, as refutações foram ignoradas pela Folha ou relegadas à seção de cartas (cortadas até se tornarem anódinas, publicadas com imenso atraso, etc.), enquanto os espaços nobres serviam para repercutir o texto de Gaspari ou trazer-lhe acréscimos, na vã tentativa de respaldar suas afirmações indefensáveis.

Tanto a Folha quanto Gaspari chegaram a reconhecer que, dos quatro militantes apontados levianamente como autores do atentado ao consulado estadunidense em 1969, Dulce Maia era inocente e havia sido por eles caluniada.

Mas, nem mesmo o depoimento do único participante ainda vivo desse atentado obteve o merecido destaque, apesar de provocar uma verdadeira reviravolta no caso: Sérgio Ferro, admitiu sua culpa e seus remorsos, mas desmentiu a participação de Diógenes de Carvalho e Dulce Maia, além de esclarecer que se tratou de uma ação da ALN e não (como Gaspari afirmara) da VPR.

Outra informação importantíssima que a Folha sonegou de seus leitores: Ferro foi acionado na Justiça por Lovecchio e obteve ganho de causa graças aos relatórios médicos que apresentou como prova. O primeiro dava conta de que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. Depois, o socorro a Lovecchio foi interrompido pelo Deops, que quis interrogá-lo, provavelmente para saber se ele era vítima do atentado ou um participante azarado. Quando os policiais afinal o liberaram, sua perna já havia gangrenado e teve de ser amputada (2º relatório).

Ora, se o algoz não era algoz, então o texto inteiro do Gaspari perdia o gancho e desabava, bem como as matérias caudatárias publicadas por outros veículos.

A consciência da vulnerabilidade de sua posição aos olhos dos (poucos) cidadãos bem informados fez Gaspari voltar ao assunto na coluna dominical de 25/03/2008. E o fez recorrendo às informações que, desde o início, foram a viga-mestra de suas perorações fantasiosas: os famigerados inquéritos inquéritos policiais-militares da ditadura, contaminados pela prática generalizada da tortura.

Tal qual um mero araponga, ele se pôs a revolver o lixo ensanguentado da repressão, dando grande importância ao fato de que havia congruência entre os depoimentos extorquidos dos torturados e omitindo que os torturadores forçavam todos os presos a coonestarem a versão oficial, a síntese elaborada pelos serviços de Inteligência das Forças Armadas, para que o resultado final tivesse alguma verossimilhança.

Como historiador, Gspari deveria saber (ou sabia e omitiu) que os militantes eram coagidos a admitir os maiores absurdos nas instalações militares e, depois, encaminhados a delegacias civis onde deveriam repetir, sem torturas, as mesmas afirmações. Os que, pelo contrário, desmentiam tudo, eram recambiados aos quartéis e novamente submetidos a sevícias brutais, até se conformarem em obedecer ao script.

Destrambelhado, Gaspari ousou até fazer novo ataque a Dulce Maia, a quem pedira humildes desculpas no domingo anterior. Embora ela não houvesse mesmo participado do atentado contra o consulado dos EUA, Gaspari quis imputar-lhe outras ações armadas, como se isto fosse atenuante para tê-la acusado falsamente.

Sobre essa escalada de abusos, eis alguns trechos da sentença emblemática do juiz Fausto Martins Seabra, da 21ª Vara Civel Central da Capital:
"No caso em foco não se pode esquecer que a notícia inexata foi produzida por jornalista bastante respeitado por substancial obra em quatro volumes sobre a história recente do país, o que lhe impunha maior responsabilidade na divulgação de informações sobre aquele período.

Impossível supor que todos os leitores da notícia inexata tenham também lido as erratas e os pedidos de desculpas do articulista.

Ter o nome associado à prática de um crime do qual não participou é suficiente para sofrer sensações negativas de reprovação social, angústia, aflição e tantas outras que consubstanciam danos morais relevantes sob o aspecto jurídico e, portanto, indenizáveis. A ré sustenta que exerceu o direito de crítica (...).De fato, assim agiu ao tecer considerações e até mesmo juízos de valor sobre a discrepância entre as diversas indenizações pagas às vítimas do regime militar.
 Sucede, contudo, que a partir do momento em que afirmou a participação da autora no episódio relatado nos autos, não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade. Pouco importa que a autora tenha de fato pertencido a grupo ao qual foram atribuídas ações violentas nas décadas de 60 e 70. A notícia de que participou do atentado ao consulado norte-americano não era verdadeira e, assim, não pode prevalecer diante do direito à honra".
Related Posts with Thumbnails