"FOLHA" É CONDENADA A INDENIZAR MILITANTE QUE CALUNIOU
(30/04/2009)
Dulce Maia foi falsamente acusada... |
...por Élio Gaspari |
Na ocasião, fiquei praticamente sozinho na defesa pública do ex-companheiro de lutas, talvez porque muitos hesitassem em identificar-se com personagem tão polêmico. Mas rebati as agressões à memória de Lamarca e rechacei a adjetivação falaciosa da Folha, que se referiu a ele como "terrorista".
Contestei, ainda, o tal editorial por não levar em conta que dezenas de militantes foram capturados, levados a centros clandestinos de tortura, supliciados e executados, sem terem sido colocados formalmente sob a custódia do Estado; e, em termos mais amplos, porque "tal distinção só caberia se o Brasil não estivesse, no momento dos acontecimentos, submetido à ditadura e ao terrorismo de estado por parte de um bando armado que usurpou o poder em 1964 e violou de todas as formas os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros".
Faço questão de repetir o parágrafo no qual proclamei uma verdade há tanto e por tantos escamoteada:
"Os cidadãos brasileiros que ousaram confrontar esse regime totalitário, em condições de enorme desigualdade de forças, nada mais fizeram do que exercer o direito de resistência à tirania, que existe e é reconhecido há tanto tempo quanto a própria democracia, já que também remonta à Grécia antiga. Então, não cabe recriminá-los por assaltar bancos, seqüestrar embaixadores e matar agentes de segurança. Também durante a luta contra o nazifascismo foram descarrilados trens, explodidos quartéis, assaltados bancos e mortos policiais e traidores, sem que a ninguém ocorra hoje vituperar os mártires e heróis da Resistência".
O algoz que não era algoz - Veio em seguida o episódio algoz e vítima, em março de 2008, que dissequei em três artigos publicados em vários espaços virtuais, sem que Gaspari ou a Folha me respondessem diretamente.
Tudo começou em 12/03/2008, quando Gaspari publicou na Folha de S. Paulo uma diatribe contra a União por ter decidido pagar ao suposto algoz Diógenes Carvalho de Oliveira uma indenização duas vezes maior do que a outorgada à sua suposta vítima Orlando Lovecchio Filho.
Como o primeiro era um militante da Resistência à ditadura e o segundo, o cidadão que perdera a perna no atentado supostamente por ele cometido, o assunto logo transbordou do circuito habitual do Gaspari para outros jornais, revistas semanais, sites de extrema-direita e correntes de e-mails neo-integralistas.
Como de praxe, as refutações foram ignoradas pela Folha ou relegadas à seção de cartas (cortadas até se tornarem anódinas, publicadas com imenso atraso, etc.), enquanto os espaços nobres serviam para repercutir o texto de Gaspari ou trazer-lhe acréscimos, na vã tentativa de respaldar suas afirmações indefensáveis.
Tanto a Folha quanto Gaspari chegaram a reconhecer que, dos quatro militantes apontados levianamente como autores do atentado ao consulado estadunidense em 1969, Dulce Maia era inocente e havia sido por eles caluniada.
Mas, nem mesmo o depoimento do único participante ainda vivo desse atentado obteve o merecido destaque, apesar de provocar uma verdadeira reviravolta no caso: Sérgio Ferro, admitiu sua culpa e seus remorsos, mas desmentiu a participação de Diógenes de Carvalho e Dulce Maia, além de esclarecer que se tratou de uma ação da ALN e não (como Gaspari afirmara) da VPR.
Outra informação importantíssima que a Folha sonegou de seus leitores: Ferro foi acionado na Justiça por Lovecchio e obteve ganho de causa graças aos relatórios médicos que apresentou como prova. O primeiro dava conta de que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. Depois, o socorro a Lovecchio foi interrompido pelo Deops, que quis interrogá-lo, provavelmente para saber se ele era vítima do atentado ou um participante azarado. Quando os policiais afinal o liberaram, sua perna já havia gangrenado e teve de ser amputada (2º relatório).
Ora, se o algoz não era algoz, então o texto inteiro do Gaspari perdia o gancho e desabava, bem como as matérias caudatárias publicadas por outros veículos.
A consciência da vulnerabilidade de sua posição aos olhos dos (poucos) cidadãos bem informados fez Gaspari voltar ao assunto na coluna dominical de 25/03/2008. E o fez recorrendo às informações que, desde o início, foram a viga-mestra de suas perorações fantasiosas: os famigerados inquéritos inquéritos policiais-militares da ditadura, contaminados pela prática generalizada da tortura.
Tal qual um mero araponga, ele se pôs a revolver o lixo ensanguentado da repressão, dando grande importância ao fato de que havia congruência entre os depoimentos extorquidos dos torturados e omitindo que os torturadores forçavam todos os presos a coonestarem a versão oficial, a síntese elaborada pelos serviços de Inteligência das Forças Armadas, para que o resultado final tivesse alguma verossimilhança.
Como historiador, Gspari deveria saber (ou sabia e omitiu) que os militantes eram coagidos a admitir os maiores absurdos nas instalações militares e, depois, encaminhados a delegacias civis onde deveriam repetir, sem torturas, as mesmas afirmações. Os que, pelo contrário, desmentiam tudo, eram recambiados aos quartéis e novamente submetidos a sevícias brutais, até se conformarem em obedecer ao script.
Destrambelhado, Gaspari ousou até fazer novo ataque a Dulce Maia, a quem pedira humildes desculpas no domingo anterior. Embora ela não houvesse mesmo participado do atentado contra o consulado dos EUA, Gaspari quis imputar-lhe outras ações armadas, como se isto fosse atenuante para tê-la acusado falsamente.
Sobre essa escalada de abusos, eis alguns trechos da sentença emblemática do juiz Fausto Martins Seabra, da 21ª Vara Civel Central da Capital:
"No caso em foco não se pode esquecer que a notícia inexata foi produzida por jornalista bastante respeitado por substancial obra em quatro volumes sobre a história recente do país, o que lhe impunha maior responsabilidade na divulgação de informações sobre aquele período.
Impossível supor que todos os leitores da notícia inexata tenham também lido as erratas e os pedidos de desculpas do articulista.
Ter o nome associado à prática de um crime do qual não participou é suficiente para sofrer sensações negativas de reprovação social, angústia, aflição e tantas outras que consubstanciam danos morais relevantes sob o aspecto jurídico e, portanto, indenizáveis. A ré sustenta que exerceu o direito de crítica (...).De fato, assim agiu ao tecer considerações e até mesmo juízos de valor sobre a discrepância entre as diversas indenizações pagas às vítimas do regime militar.
Sucede, contudo, que a partir do momento em que afirmou a participação da autora no episódio relatado nos autos, não só extrapolou o direito de crítica, como olvidou o compromisso legal e ético com a verdade. Pouco importa que a autora tenha de fato pertencido a grupo ao qual foram atribuídas ações violentas nas décadas de 60 e 70. A notícia de que participou do atentado ao consulado norte-americano não era verdadeira e, assim, não pode prevalecer diante do direito à honra".
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