sábado, 17 de fevereiro de 2024

AS ÚLTIMAS CHANCES DE PUNIÇÃO DOS TORTURADORES DA DITADURA FORAM JOGADAS NO LIXO POR LULA E DILMA

O GOVERNO LULA ESCOLHE O SEU LADO: O DE BRILHANTE USTRA (artigo de 23/10/2008)
Se ainda havia alguma dúvida quanto à posição do Governo Lula diante da ditadura de 1964/85 e as atrocidades por ela cometidas, agora deixou de existir: coloca-se mesmo ao lado dos totalitários.

Quem fala por Lula é o ministro das Minas e Energia Edison Lobão, que acaba de fazer rasgados elogios ao período de arbítrio, questionando até seu caráter de uma verdadeira ditadura; e o ministro da Defesa Nelson Jobim, que se manifesta e age como porta-voz no governo dos contingentes mais intransigentes das Forças Armadas.

Tarso Genro e Paulo Vannuchi, respectivamente ministro da Justiça e secretário nacional de Direitos Humanos, sofreram uma derrota acachapante com a decisão tomada pela União de assumir a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, no processo que lhes-é movido pelos procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero.

Os procuradores pleitearam a responsabilização pecuniária desses militares da reserva pelas mortes e sevícias ocorridas durante o período de 1970/76, quando estiveram à frente daquele centro de torturas. Ou seja, que fossem declarados culpados pelos crimes e práticas hediondas cometidos sob seu comando e repusessem tudo que a União despendeu em reparações a suas vítimas.

Dos 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP, a grande maioria sofreu as torturas costumeiras (choques elétricos, espancamentos, pau de arara, afogamentos, asfixia, etc.), acrescidas de uma exclusividade da casa: a cadeira-do-dragão
A marcante contribuição do DOI-Codi/SP à desumanidade

O assento e os encostos para os braços e cabeça do nefando artefato eram revestidos de metal, para aumentar a potência das descargas que a vítima, amarrada, recebia. Vladimir Herzog foi um mártir brasileiro bestialmente assassinado dessa maneira.

A União tinha três caminhos a escolher: entrar no processo ao lado dos procuradores, permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Fez uma escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional subscrita pelo Brasil e as recomendações da ONU. O Governo Lula nos tornou párias da civilização.

Em sua defesa dos carrascos, a Advocacia Geral da União invocou a anistia autoconcedida pela ditadura no ano de 1979, que nada mais representou do que um habeas-corpus preventivo para quem sabia ter incidido em assassinatos em massa (incluindo as mortes durante as sessões de tortura e a execução a sangue-frio de prisioneiros que estavam sob a guarda do Estado), sevícias as mais brutais, sequestros (até de crianças!), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.
A TORTURA ERA REGRA, NÃO EXCEÇÃO  Esta evolução dos acontecimentos, entretanto, está longe de ser inesperada, vindo ao encontro do que escrevi quando Genro e Vannuchi promoveram uma audiência pública para discutir a punição dos torturadores, no final de julho de 2008. Lula, por intermédio de Jobim, desautorizou qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei da Anistia.
Lula discursou no lançamento do livro sobre os executados
pela ditadura; depois, os fardados rugiram e ele miou.
Genro tentou maquilar a derrota como vitória, propondo que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, acusando-os de terem cometido crimes comuns. Segundo ele, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora do guarda-chuva protetor da Lei da Anistia.

De imediato, eu adverti:
— que a tortura nunca fora um excesso cometido por meia-dúzia de aloprados nos porões, mas sim uma política de Estado que, embora não assumida formalmente, nem por isso deixara de ser menos efetiva, tendo sido implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando;
— que o atalho proposto por Genro impediria a responsabilização dos mandantes, permitindo apenas o enquadramento dos executantes;
— que daria aos acusados uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens;
— que não representaria a verdadeira justiça, ficando-se longe de passar o período realmente a limpo; e
— que o caminho judicial seria tão longo e os recursos protelatórios à disposição dos réus, tantos, que poucos deles (ou nenhum) acabariam recebendo a sentença definitiva em vida.

Audir dos Santos Maciel morreu nesse meio-tempo. Brilhante Ustra, septuagenário, já sofreu crises cardíacas [morreria em outubro de 2015].
Lula talvez cresse que os presos políticos usuais recebiam o
mesmo tratamento vip que lhe foi proporcionado no Dops

E as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia, doravante, terão como adversária a União, que oficializou sua posição de endosso à impunidade dos carrascos.

Então, fica cada vez mais evidenciado que não se fará justiça sem suprimir-se mais este entulho autoritário. 

A anistia de 1979 tem de ser revogada, em nome das vítimas da ditadura mais brutal que o Brasil já conheceu e de nosso auto-respeito como nação. Que se levante a bandeira correta e justa, de uma vez por todas!

Quanto a Genro e Vannuchi, a dignidade impõe que se afastem de um governo que os desautoriza a cada momento.

Assim como a dignidade impõe ao presidente Lula que renuncie à pensão de prejudicado pela ditadura [passou 31 dias preso no Dops em 1980, com a imprensa cansando de publicar fotos dele batendo bola com outros sindicalistas detidos...] que vem recebendo há décadas e restitua cada centavo aos cofres públicos.

Por uma questão de coerência: quem se alinha com os déspotas e verdugos, moralmente não merece reparação de vítima. É o mesmo caso do Cabo Anselmo [o qual pleiteava anistia de vítima da ditadura sob a alegação de que, inexistindo o regime de exceção, ele não teria desempenhado o papel de traidor e algoz de militantes; o seu pedido em princípio atendia às regras do programa e só pôde ser recusado porque se comprovou que ele já era agente do Cenimar infiltrado na esquerda antes do golpe de 1964].
PAREM AS ROTATIVAS!!!
  O artigo acima republicado era a parte inicial de uma duologia sobre como o Brasil até agora vinha falhando miseravelmente na eliminação do entulho ditatorial chamado Lei da Anistia, um mero habeas corpus preventivo que os mandantes dos extermínios e atrocidades da ditadura militar concederam em 1979 a si próprios e a seus jagunços. 

Mas, numa surpreendente reviravolta, acaba de surgir a notícia de que o ministro do STF Dias Toffoli pretende fazer ainda neste ano o que nem a presidente ex-torturada ousou: promover uma audiência pública para rediscutir a Lei da Anistia (algo que já deveria ter sido encaminhado desde 1985!).  

Ou seja, abre-se a perspectiva de corrigirmos uma aberração grotesca com apenas 39 anos de atraso. Os vizinhos que passaram pela mesma situação e não foram tão pusilânimes como nós morrerão de rir. Mas, antes tarde do que nunca: pelo menos o precedente que ficará para o futuro não será uma vergonha nacional.

Então, surgida esta pra lá de inesperada nova chance de punição dos torturadores da ditadura (ainda que os grandes vilãos já tenham morrido e só restem alguns gatos pingados de escalão inferior para responderem por seus crimes hediondos), desisti da duologia, mas manterei o artigo de 17/02/2024 com o título que fazia sentido no sábado e caducou no domingo. 

A boa nova dominical será analisada no artigo dominical que ainda estou redigindo e entrará no ar nas próximas horas.
 
(por Celso Lungaretti)

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