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Fiasco de Caparaó afastou remanescentes do MNR de Brizola |
O que esse artigo esquecido e agora recuperado tem de mais significativo, nos dias de hoje, não está exatamente no texto, mas sim no que permite vislumbrar sobre o contexto. Mas, isto só poderá ser entendido a partir de uma introdução que tentaria fazer tão sucinta quanto possível.
A VPR começou a nascer quando ex-militares que estavam em semi-clandestinidade desde os expurgos de 1964 e, embora sem estarem participando de projeto revolucionário nenhum, mantinham-se em contato por relações de companheirismo e de proteção mútua, viram-se de repente incapazes de se continuarem sustentando por meios legais.
A maioria era remanescente do Movimento Nacionalista Revolucionário, de orientação brizolista. O próprio, contudo, os decepcionara ao organizar precariamente a guerrilha de Caparaó (1966-1967), segundo eles apenas para dar uma satisfação ao governo cubano quanto aos fundos que dele recebera para criar um foco guerrilheiro contíguo ao de Che Guevara na Bolívia.
Suspeitava-se de que Brizola houvera usado a grana para outras finalidades e, a fim de salvar as aparências, despachara um punhado de abnegados militantes para a divisa entre MG e ES, sem, contudo, dar-lhes a sustentação necessária.
O projeto, que era o de se criar um eixo guerrilheiro dividindo a América do Sul ao meio, terminou de forma trágica lá e miseravelmente aqui, onde os aspirantes a combatentes, praticamente abandonados, estavam combalidos demais para resistir quando a repressão chegou.
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Presos trocados pelo embaixador dos EUA: o Augusto é o 4º, da esq. p/ a dir., na fileira de cima |
Isto impactou da pior maneira possível naquela rede de ex-militares: eles deixaram de acreditar no Brizola e não encontraram ninguém para tomar-lhe o lugar. Então, no desespero de não terem mais dinheiro para a subsistência e para sustentar suas fachadas legais, resolveram expropriar um banco. Fizeram levantamento minucioso, hesitaram durante duas ou três semanas, indo perto da agência e refugando, mas, quando a penúria se abateu sobre eles de vez, foram pras cabeças.
Deu tudo certo, apesar da trapalhada de esquecerem um dos seus, obrigando-o a correr atrás do veículo da fuga para não ser deixado para trás. Lá pela terceira ou quarta expropriação, percebendo o risco de serem presos como ladrões comuns, decidiram, dali em diante, espalhar panfletos revolucionários nos bancos.
A coisa evoluiu, com o leque de ações passando a incluir propaganda armada.
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Moisés, o último comandante |
Caso do atentado contra um jornal O Estado de S. Paulo (uma bomba colocada de madrugada, para explodir, fazer barulho e chamuscar um mural de ladrilhos na fachada, sem ferir ninguém).
A receita foi repetida contra o consulado estadunidense em SP, mas houve um imprevisto nefasto: um civil que deixara o carro naquele lugar foi atingido e, como a repressão demorou uma eternidade até liberá-lo para cirurgia (suspeitava tratar-se de um terrorista ferido pela própria bomba), sua perna gangrenou e teve de ser amputada.
E o infortúnio foi maior ainda quando um general fanfarrão, comandante do II Exército, apareceu no noticiário desafiando os terroristas a atacarem-no no seu quartel. A VPR colocou um carro-bomba numa ladeira e soltou o freio, para que despencasse de encontro a um muro lateral do QG. Não contava com a ação irrefletida do sentinela, que, ignorando as ordens recebidas, saiu do seu posto e foi verificar o que ocorria.
Dez meses depois, quando ingressei na VPR, sua morte ainda era lamentada pelos ex-militares da organização, que detestavam os oficiais das Forças Armadas mas mantinham sentimentos quase paternais com relação aos recrutas que estavam prestando serviço militar (até porque muitos deles haviam sido sargentos, incumbidos exatamente de adestrar tais jovens).
Também em 1968 uma ala da Polop (Política Operária) entrou na VPR. Tratava-se de uma das muitas dissidências do PCB surgidas após o chamado partidão fracassar bisonhamente em 1964. Formada por intelectuais, acadêmicos e estudantes, tinha influência no movimento universitário, com seu firme posicionamento quanto a ser o proletariado a vanguarda da revolução (a concorrência via o Brasil com resquícios feudais e carente ainda de uma etapa democrático-burguesa, de forma que a vanguarda seria o povo dos campos e das cidades).
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Elias: as torturas reabriram seus ferimentos, matando-o |
As duas alas acabaram disputando o poder na VPR. Os militaristas, cujo principal expoente era Augusto (Onofre Pinto), exageraram em algumas ações armadas e forneceram trunfos propagandísticos ao inimigo, sendo criticados pelos massistas, sob a liderança de Manoel (João Quartim de Moraes).
Travaram luta interna que fragilizou a VPR no final de 1968, facilitando a ação da repressão, que pela primeira vez conseguiu efetuar muitas prisões e quase desbaratar a organização. Manoel e seus seguidores acabaram expulsos. Augusto foi preso em março de 1969.
Em abril a VPR tinha estancado a sangria mas precisava colocar ordem na casa, inclusive criando um novo comando, pois os dois principais dirigentes do período anterior estavam fora de cena. E César (Carlos Lamarca), que no final de janeiro havia deixado o Exército e se assumido como revolucionário, certamente seria o principal dirigente, mas isto precisava ser homologado pelos quadros.
Marcou-se o congresso para uma casa de praia em Mongaguá, no litoral sul paulista. Compareci como representante de um grupo de oito secundaristas que estávamos prestes a ingressar na VPR, só dependendo do aval do novo comando. Mas, sem burocratices, acabei participando em pé de igualdade com os 11 delegados oficializados, fazendo intervenções, votando e chegando a redigir o capítulo Internacional do novo programa da VPR.
Assim, aos 18 anos, não só saltava diretamente do movimento secundarista para a condição de militante de uma das duas principais organizações guerrilheiras da época, como era surpreendido pela designação, poucos dias depois da volta à capital, para estruturar um setor de Inteligência, participando do comando estadual paulista, ao lado dos responsáveis pelas ações armadas, o Elias (João Domingues da Silva); pelos vínculos com os movimentos de massas, o Moraes (Samuel Iavelberg); e pelo contato/assistência a outras organizações e grupúsculos da capital e do Interior, o Moisés (José Raimundo da Costa).
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Max: pomo da discórdia? |
Inicialmente tudo marchou a contento e o Bento (Antonio Roberto Espinoza) fazia bem a ponte entre nós quatro e o Comando Nacional, do qual ele era um dos cinco integrantes. Mas, tudo mudou a partir de julho, quando os dirigentes máximos da VPR e do Colina decidiram fundir ambas as organizações, criando a VAR-Palmares.
Outro comandante se juntou ao Bento na assistência aos braços da organização, que passou a atuar em MG, RJ, RS e SP: Max (Carlos Franklin Paixão de Araújo), de origem Colina. E o relacionamento com o comando paulista se deteriorou, com sucessivos atritos que geraram um clima de desconfiança mútua.
No final de setembro foi assassinado o Elias, vítima de hemorragia por ter sido barbaramente torturado pela Oban quando ainda não se recuperara dos ferimentos sofridos ao ser baleado e preso.
Isto criou grande confusão na rede paulista, pois ele, demasiado centralizador, não deixara com ninguém os endereços dos depósitos de armas e equipamentos, bem como de aparelhos de reserva. Perdemos tudo e, quando outros aparelhos caíram, o jeito foi amontoar militantes nos que restavam, com enormes riscos de segurança.
Neste período, o Moisés e eu nos convencemos de que, influenciado pelo Max, o Bento aderira às antigas posições massistas do grupo do Manoel e ambos estariam não só nos intrigando com os outros quatro membros do Comando Nacional (incumbidos dos preparativos para a guerrilha rural), como sabotando aos ditos cujos também, pois os trabalhos no campo se arrastavam enquanto aumentava o inchaço da VAR-Palmares nas cidades.
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Sem dar um tiro, a VAR se apossou de US$ 2 milhões da corrupção |
Então, em setembro nós dois resolvemos que, no congresso da VAR-Palmares para confirmação daquilo que os comandos da VPR e do Colina haviam decidido sem consulta específica à militância, levaríamos a proposta de anulação da fusão e restabelecimento da VPR.
Mas, faltava-nos uma proposta de programa revolucionário, cuja formulação excedia nossas respectivas capacidades: a praia do Moisés era outra e eu ainda estava verde para um trabalho tão complexo (quanto muito conseguiria redigir um ou outro capítulo).
O acaso nos forneceu a peça que faltava no quebra-cabeças: li o documento escrito por um militante que voltara da Europa depois de fazer cursos acadêmicos por lá e estava mais ou menos encostado, sem designação. Ninguém dera bola, os massistas por não concordarem com ele e os militaristas por mal compreendê-lo.
Era, no entanto, exatamente aquilo de que o Moisés e eu carecíamos, então lancei um documento explicando direito aquela proposta e a defendendo entusiasticamente.
Com isto, chamei a atenção para um texto pelo qual quase todos estavam passando batidos (embora eu não tivesse prestígio nem tradição na VPR, pertencia ao segundo escalão da organização, abaixo apenas do Comando Nacional, então não se tratava mais de uma proposta que pudesse ser ignorada como vinha sendo).
Esse documento eram as famosas Teses do Jamil. Elas mudariam os destinos da VAR-Palmares e da VPR. (por Celso Lungaretti)