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sábado, 23 de março de 2019

GOVERNANTES E AUTORIDADES EXISTEM TAMBÉM PARA SEREM AFRONTADOS

O ministro Lewandowski, do STF, reagiu mal ao ser ofendido 
luís francisco carvalho filho
A REVOLUÇÃO DOS CRETINOS 
Independentemente de ideologias, governantes e autoridades existem também para serem afrontados, de forma justa ou injusta, com ou sem exageros. É direito natural. Compensa os confiscos de liberdade que a vida em sociedade impõe ao cidadão.

Governantes cretinos, como Jair Bolsonaro, seus filhos, ministros de Estado e gurus filosóficos, militantes patéticos de causas contrárias à evolução humanitária, tornam mais prazerosa e útil a prática do insulto e do xingamento.

O Supremo Tribunal Federal desperdiça tempo precioso investigando ultrajes lançados ultimamente contra a instituição e seus juízes. O ataque a magistrados é do jogo institucional e, com efeito, não são incomuns ofensas verbais (como o uso do adjetivo cretino) desferidas do plenário da própria corte.

Limite ao exercício da liberdade de expressão só é aceitável quando a fala ou o escrito descamba para a ameaça ou para o risco concreto de dano, com estímulo a linchamento, agressão, constrangimento ilegal, depredação patrimonial.
A casa da família de personagem odiado não pode ser escrachada

O presidente da República pode ser ofendido, vaiado, ter seus percursos interrompidos ou perturbados, mas ninguém tem o direito da aproximação física perigosa ou de quebrar ovos de galinha na sua cabeça. 

É legítimo protestar contra a impunidade do torturador da época da ditadura militar, mas a casa de sua família é inviolável, não pode ser escrachada. 

Deputado não cospe em deputado. 

É normal atacar ministros do Supremo na imprensa e em redes sociais, mas eles não devem ser incomodados em aviões, em restaurantes e nas ruas por cretinos que posam de indignados, corajosos e honestos, mas que, provavelmente, sonegam impostos e desrespeitam faixas de pedestre. 

Esta modalidade de esculacho, que já atingiu Bolsonaro e petistas, não é liberdade de manifestação. É estupidez.

A revolução dos cretinos não é privilégio da direita, mas ganha poderoso impulso com a ascensão de Jair Bolsonaro. Congrega políticos e milicianos, religiosos e carolas, gente truculenta e gente comum. É fácil identificá-los.
O assassinato de Marielle tem este efeito sobre os cretinos
Sorriem quando escutam referências ao assassinato de Marielle Franco. Comemoram violência policial, abusos da Lava Jato e prisões arbitrárias, como a de Michel Temer. 

Têm medo de comunistas. Acreditam que as administrações do PT foram de esquerda e são responsáveis pelas mazelas nacionais. Olham feio para Maduro mas enxergam virtude em Pinochet. 

Metem Deus em tudo. Desprezam a história. Defendem a proliferação de armas. 

Conspiram contra o conhecimento, a ciência e as artes. 

E, agora, advogam o fim do Supremo Tribunal Federal. (por Luís Francisco Carvalho Filho)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

SOBRE O ESCRACHO, O PIG, O MACARTISMO E OUTROS TEMAS

Surpreendeu-me encontrar na minha caixa postal uma mensagem de Francisco Foot Hardman, escritor, ensaísta, crítico literário e professor de Teoria e História Literária da Unicamp.

Ele me recomenda o seu artigo publicado neste domingo (22) em O Estado de S. Paulo, O poder do escracho, por ser afim dos meus escritos sobre o mesmo tema.

Corretíssimo. Tem mesmo tudo a ver comigo, tanto que o recomendo enfaticamente (vide íntegra aqui). Eis uma amostra:
"Os espectros dos desaparecidos são o GPS real que guia essas alegres levas do Levante. Boa parte das centenas de jovens e representantes de familiares de desaparecidos da ditadura que se espalharam em manifestações políticas contra o esquecimento e a impunidade de torturadores e outros responsáveis pelas ações do aparato de terrorismo do Estado durante a ditadura militar em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Belém, Fortaleza, não viveu aqueles anos. 
Isso é tanto mais notável quanto virou idéia fixa repetir que o Brasil é o país da desmemória. Quantos Harry Shibatas precisarão ser ainda desmascarados? Porque é certo que este médico-legista coqueluche da 'legalização' dos extermínios praticados por agentes da Oban e do Deops, não foi caso único no amplo aparato do terror instalado pelos serviços da inteligência do regime militar.
Quantos mais foram cúmplices dos perpetradores, administrando a ciência médica a serviço da 'otimização' das dosagens de tortura? Quantos juramentos de Hipócrates rasgados sem nenhuma punição dos conselhos regionais ou nacional de medicina?
O escracho é uma manifestação legítima e eficaz. Comprovou-se isso na Argentina, no Chile e no Uruguai...
...É, na verdade, um livre momento de expressão e desabafo da sociedade civil organizada. A informação precisa e atualizada, a rapidez e leveza de sua estrutura de mobilização, em que a internet joga, como em outros exemplos recentes de democracia direta, um papel decisivo, bem como a imaginação criadora de suas variadas formas, esses são seus ingredientes de sucesso".
DESINFORMAÇÃO E LISTAS NEGRAS

Meu estranhamento se deveu a serem raros os  acolhidos na grande imprensa  que têm coragem de assumir vínculo ou identificação com os  boicotados pela grande imprensa: nós, os que só conseguimos divulgar nossos textos na internet. Quanto muito, repetem nossas teses e argumentações sem citarem a fonte.

O PIG e a web cada vez mais se tornam dois planetas diferentes e, na maioria dos casos, hostis. O primeiro ignora a segunda. A segunda critica acerbamente (quase sempre com justos motivos) o que faz o primeiro.

Para quem escreve com o objetivo de influir nos acontecimentos e não por deleite ou vaidade, é uma limitação terrível. 

Duelando em igualdade de condições com os inquisidores no território livre da internet, conseguimos convencer as minorias conscientes de que seria uma ignomínia extraditarmos Cesare Battisti para cumprir a sentença farsesca de um tribunal de cartas marcadas, que funcionou sob uma legislação típica de ditaduras (passados os  anos de chumbo, a escabrosa lei instituída exclusivamente contra os ultraesquerdistas foi revogada, mas não se anularam as condenações dela decorrentes!). 

Um dos principais coadjuvantes da ofensiva italiana, juiz aposentado que escreve na CartaCapital, chegou a desertar do debate que iniciara comigo numa tribuna virtual, com os comentários postados pelos internautas quase todos me apoiando.

Então, era extremamente frustrante assistirmos, impotentes, à mídia desinformando o cidadão comum, a  maioria silenciosa cuja cabeça ela faz, sem a mínima consideração pelas boas práticas jornalísticas, como a de publicar contestações relevantes do  outro lado. Se nos dessem o mínimo de espaço, pulverizaríamos um por um os Minos Cartas da vida --que, sabiamente, esquivavam-se de polemizar conosco (caso do dito cujo, desafiado "n" vezes pelo Rui Martins, pelo Carlos Lungarzo e por mim).

O Lungarzo e eu chegamos a enviar para mais de mil jornalistas o oferecimento de provas incontestáveis de que Battisti tinha sido defendido no segundo julgamento por advogados que não constituiu, munidos de procurações falsificadas. E, como quem desmascarara a tramóia havia sido a Fred Vargas (principal novelista policial da França, tida como uma nova Agatha Christie ou Patricia Highsmith), incluímos um brinde: ela se dispunha a conceder, complementarmente, uma entrevista exclusiva. Um presentão para qualquer profissional de imprensa. NENHUM(A) se interessou.

Vários meses depois, o correspondente do  Estadão  na França ouviu o mesmíssimo relato da boca da Fred e mandou a notícia de lá. Foi, afinal, publicada.

Será que aqueles mais de mil jornalistas tinham desaprendido o ofício? Ou o bloqueio contra qualquer conteúdo contrário à corrente dominante (pró linchamento) era total nas editorias de Política Nacional, de forma que só poderia ser driblado numa menos  estreitamente vigiada, como a do noticiário internacional?

 Agora mesmo, teve grande destaque a acusação do digno ministro Joaquim Barbosa a um atrabiliário medievalista que nunca mereceu integrar o Supremo Tribunal Federal e finalmente pendurou a toga, de manipular um julgamento da Lei da Ficha Limpa.

Aproveitando a deixa, divulguei amplamente um crime adicional --muito pior!-- cometido pelo mesmo indivíduo, o de manter o escritor Cesare Battisti sequestrado depois do seu caso já estar decidido, na esperança de induzir seus colegas a uma virada de mesa legal.

Com palavras mais veementes, apenas repeti o que haviam afirmado o grande Dalmo de Abreu Dallari e o ministro mais articulado do Supremo, Marco Aurélio Mello: a prisão de Battisti deveria ter sido relaxada tão logo o Diário Oficial publicou a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornando-se, a partir daquele instante, ilegal. E a ilegalidade durou mais de cinco meses, ao cabo dos quais o próprio STF reconheceu que nada mais havia a se discutir, só lhe cabendo cumprir a decisão que delegara a Lula.

Por que não responsabilizarmos por tal aberração o linchador que presidia o Supremo (e também o relator Gilmar Mendes)? Por que a grande imprensa deu tanto destaque a uma acusação difícil de se provar e nenhum a uma indiscutível e irrefutável?

Por dois motivos principais:
  • para não dar a mão à palmatória quanto às muitas arbitrariedades cometidas contra Battisti que ela tinha omitido ou minimizado anteriormente; e
  • para não levantar a bola de jornalistas revolucionários (agiria da mesmíssima forma se a acusação proviesse do Ivan Seixas, Laerte Braga, Rui Martins, Alípio Freire, Altamiro Borges, etc.).
OS JOVENS VOLTAM ÀS RUAS

Mas, repito, tal macartismo velado não impede que jornalistas e outros autores que têm espaços fixos na mídia inspirem-se em nosso trabalho e o reconheçam.

Por mais exasperante que seja a situação de confinado à web, eu me consolo com a lembrança dos anos de intimidação e censura: tudo era bem pior.

E, tanto quanto naqueles tempos sombrios, continuam verdadeiros os versos de Sérgio Ricardo: "cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo".

O deserto continua causticante, mas as sementes já começam a frutificar:
  • os jovens foram às ruas lutar contra o autoritarismo redivivo nos episódios da proibição da Marcha da Maconha, da ocupação fascistóide da USP, da blitzkrieg na Cracolândia e da barbárie no Pinheirinho;
  • fizeram passeatas contra a ganância e a corrupção;
  • protestaram contra a ilegalidade cometida pelos saudosos do arbítrio ao exaltarem os horrores ditatoriais (com a conivência de autoridades que ignoraram olimpicamente seu compromisso com a democracia);
  • e aplicaram a antigos carrascos e serviçais do terrorismo de estado a única punição possível (moral) face à tibieza dos Poderes constituídos, aos quais caberia aplicar-lhes penas compatíveis com a gravidade dos crimes hediondos que cometeram.
Foram manifestações que nos lavaram a alma e revigoraram nosso ânimo!

Nós, os que marchamos contra a corrente da desumanização, continuaremos travando o bom combate na internet e nas ruas, sem nunca desistirmos de invadir as praias do sistema e com a certeza de que nossos textos são as sementes de um futuro igualitário e livre.

sábado, 7 de abril de 2012

CARTAZES SERVEM COMO CHIBATAS MORAIS PARA FUSTIGAR-SE O SHIBATA

No final de junho de 1970 tive meu tímpano estourado pelo cabo Marco Antônio Povorelli, um torturador da PE da Vila Militar (RJ) que era judoca e pesava uns 140 quilos. O médico do quartel me deu um remedinho para pingar, mais nada.

Sangue e pus escorriam da minha orelha direita, a ponto de os canalhas serem obrigados a refazer uma foto minha que iam distribuir à imprensa; olhando com atenção, dava para perceber-se o filete de gosma avermelhada.

Por só haver sido verdadeiramente tratado após sair das prisões militares, passei maus bocados com uma labirintite decorrente de ter ficado tanto tempo com o ouvido supurando.

Nunca soube o nome do médico que descumpriu vergonhosamente o juramento de Hipócrates.

Nem daquele que, antes disto, me atendera no DOI-Codi da Tijuca (RJ). No terceiro dia do meu calvário mediu-me a pressão e, por constatar grave risco de enfarte, mandou-me calmante. Terá sido ele quem aconselhou os oficiais a suspenderem as torturas durante alguns dias? Nunca saberei.

À Comissão da Verdade cabe deixar registrados para a posteridade os nomes de todos os que contribuíram para o funcionamento da engrenagem do terrorismo de estado, evitando, p. ex., que um Harry Shibata seja execrado como símbolo do colaboracionismo por parte dos médicos e tantos outros culpados do mesmo crime permaneçam ocultos sob sua sombra.

Esta reflexão me ocorreu ao ler a brilhante reportagem deste sábado de aleluia do blog do Sakamoto, cujos principais trechos reproduzo (as fotos também são dele e a íntegra pode ser acessada aqui):  
"Postes, muros e pontos de ônibus dos bairros da Vila Madalena e Pinheiros amanheceram com centenas de cartazes de protesto contra Harry Shibata, médico legista e ex-diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo.

Acusado de ser responsável por falsos atestados de óbito usados para acobertar assassinatos de opositores pela ditadura militar, ele teria ignorado marcas deixadas por sessões de tortura produzindo laudos de acordo com as necessidades dos militares.

Os cartazes foram colados por um grupo de manifestantes na madrugada deste sábado (7).

Shibata é acusado de, sem ter visto o corpo, atestar como suicídio a morte de Vladimir Herzog, então diretor da TV Cultura, que fora convocado para 'prestar esclarecimentos' no DOI-Codi, em outubro de 1975.
A morte do jornalista após sessão de tortura tornou-se um símbolo na luta contra a ditadura.
Nos dias 31 de março e 1º de abril, manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo reuniram centenas de pessoas para lembrar o aniversário do golpe de 1964. Elas exigiram que os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar sejam esclarecidos e os envolvidos em casos de tortura punidos por crime contra a humanidade.

Como parte dos protestos, residências de militares acusados de envolvimento em tortura foram marcadas. Da mesma forma, parte dos cartazes fornece o endereço do médico legista, em uma rua de classe média alta".
Os interessados em mais detalhes sobre o Caso Herzog poderão encontrá-los aqui; e sobre a parceria médicos/torturadores, aqui.

Quanto a Shibata, nem sequer pode ser considerado o pior dos médicos que ajudaram a repressão. Apenas, teve o azar de um dos seus laudos mentirosos se referir a um episódio famoso, que despertou enorme indignação entre os jornalistas.

Os mais monstruosos, claros, foram os que atuavam diretamente nos centros de tortura, acumpliciando-se, por ação ou omissão, com tudo que neles ocorria.

domingo, 3 de abril de 2011

JURAMENTO DE HIPÓCRATES OU DE HIPÓCRITAS?

Deveriam ser todos como Hipócrates...
"Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higéia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue...

...Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda...

...Conservarei imaculada minha vida e minha arte..."

Declaração solene que os médicos tradicionalmente fazem ao se formarem, o Juramento de Hipócrates era miseravelmente atraiçoado por médicos que serviam à ditadura de 1964/85.

O caso do atitista Olavo Hanssen -- assassinado pelos torturadores em 1970 e apresentado no laudo médico como suicida -- que relatei brevemente no artigo Olavo, Eremias, Juarez e os outros mártires nos legaram uma missão, motivou o companheiro Luiz Aparecido, militante histórico do PCdoB e preso político que foi muito torturado pelos militares, a escrever-me o seguinte:
...mas havia muitos como Shibata...
 "...tambem fui levado para o Hospital Militar do Cambuci depois de 17 dias de torturas intermitentes para, segundo meus algozes, me operar dos rins, pois estava ha dias urinando puro sangue e urrando de dor.
Fiquei lá uns 10 dias, quando abriram minha barriga, cujo corte esta comigo até hoje e me disseram que tinham retirado um dos meus rins que estava esmagado de tanta porrada. Voltei para a Oban/DOI-Codi costurado e ainda todo arrebentado.
Não é que só agora depois de minha doença na medula que me deixou quase paralitico descobri a verdade. No Hospital Sarah em Brasilia, fizeram uma checagem geral em mim e descobriram que eu tinha os dois rins. Só que um ficou necrosado dentro de mim desde 1973.

Resultado que conclui depois deste exame do Sarah. Meus algozes, me abriram, não encontraram nada nos rins a não ser lesões e costuraram de novo e ficaram c om uma desculpa na ponta da lingua. Se eu morresse nas torturas, que continuaram, poderiam dizer que foi por complicações na 'operação' desnecessaria que fizeram".
A cumplicidade dos médicos com os torturadores é conhecida por todos que passamos pelos porões. 
...cúmplices das práticas hediondas.

Quando estive próximo de enfartar aos 19 anos de idade, no Doi-Codi/RJ, houve um que me fez rápido exame, entupiu-me de calmantes e deve ter aconselhado os militares a não abrirem a  mala de ferramentas  comigo durante alguns dias (pois fui despachado logo em seguida para São Paulo e mandaram junto a recomendação de não me torturarem tão cedo).

Outros companheiros denunciaram a cumplicidade de médicos inclusive na aferição da intensidade das torturas que eles poderiam suportar.

E houve a produção em série de atestados de óbito fraudulentos, como o de Hanssen. O mais célebre foi o do chefe do Instituto Médico Legal de SP, Harry Shibata, dando Vladimir Herzog como suicida.

Shibata foi também acusado de instruir os Torquemadas sobre como poderiam torturar suas vítimas sem deixar marcas.

E ajudou, ainda, a acobertar a  queima de arquivo  no caso do delegado Sérgio Fleury, testemunha perigosa (sabia demais) e descontrolada (seria viciado em cocaína e estaria chantageando empresários que haviam sido cúmplices da repressão e até atuado como torturadores voluntários): ele recebeu e cumpriu a ordem de Celso Telles, delegado-geral da Polícia Civil, de produzir um atestado de óbito evasivo sem nem mesmo tocar no cadáver de Fleury,

Luiz Aparecido: rim necrosado desde 1973
Para encerrar, eis um caso emblemático extraído da ótima reportagem Assistência médica à tortura (que relaciona vários outros na mesma linha e cuja íntegra está disponível no site Direitos Humanos na Internet):
"O estudante Ottoni Guimarães Fernandes Júnior, de 24 anos, preso no Rio em 1970, também declarou na 1ª Auditoria da Aeronáutica:

...que, dentre os policiais, figura um médico, cuja função era de reanimar os torturados para que o processo de tortura não sofresse solução de continuidade; que durante os dois dias e meio o interrogado permaneceu no pau-de-arara desmaiando várias vezes e, nessas ocasiões, lhe eram aplica­das injeções na veia pelo médico a que já se referiu; que o médico aplicou no interrogado uma injeção que produzia uma contração violenta no intestino, após o que era usado o processo de torniquete..."

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

TORTURAS: TUDO COMO DANTES NO QUARTEL DE ABRANTES

O motoboy ML tinha 23 anos quando foi preso em 2003 e apresentado triunfalmente pela Secretaria de Segurança Pública como "um dos criminosos mais perigosos da região do Capão Redondo", na zona sul paulistana. Garantiram que se tratava de um matador de aluguel.

Passou dois anos e meio detido. Os nove processos por assassinato a que teve de responder, baseados unicamente em suas confissões, sem quaisquer evidências, estão ruindo como castelos de cartas. Cinco já foram arquivados.

"Não há prova de nada. Ele foi acusado de nove homicídios porque é abusado e respondão. Confessou porque sofreu tortura", diz sua advogada.

O motoboy relata: "Levei choque quanto fui preso na rua, levei choque no carro e na delegacia. Usavam uma maquininha preta para dar choque. Doeu tanto que caí de joelho no chão. Na delegacia, apanhei de mão. Davam soco, chutes nas costas".

Além de práticas idênticas às que a ditadura de 1964/85 adotava com presos políticos, também se repete a cumplicidade do Instituto Médico Legal de São Paulo com a tortura. Harry Shibata (que atestou falsamente suicídio no Caso Herzog) fez escola.

O Conselho de Medicina chegou até a julgar médicos que, em seus laudos, omitiam a existência de evidentes marcas de tortura nos cadáveres. Não adiantou, conforme se depreende da excelente reportagem de Mário César Carvalho na Folha de S. Paulo de hoje (29).

Outro preso na mesma época revelou que os policiais ficaram ao lado enquanto o médico do IML apenas lhe perguntava se havia sido espancado, contentando-se com a negativa.

E ML confirmou em juízo que os presos são examinados por médicos sob coação:

– Eles [policiais] falaram: "Se você falar que apanhou, vai apanhar mais ainda".

Por último, as acusações de réus torturados são recebidas com o mesmo descaso que era regra não escrita, mas sempre seguida, nas auditorias militares. O promotor que ignorou as queixas de ML agora se defende com a afirmação de que “em 99% dos processos, os réus confessam e depois vêm com a cantilena de tortura”.

Mesmo que 99% dos réus realmente mentissem, tal promotor estaria errado ao desprezar 100% das denúncias, ao preço de coonestar a prisão injusta de inocentes. Por sua culpa, ML permaneceu dois anos e meio no inferno carcerário. Se não tem sequer remorsos, deveria procurar uma profissão que fosse só profissão, não (também e principalmente) missão.
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