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sábado, 7 de abril de 2012

CARTAZES SERVEM COMO CHIBATAS MORAIS PARA FUSTIGAR-SE O SHIBATA

No final de junho de 1970 tive meu tímpano estourado pelo cabo Marco Antônio Povorelli, um torturador da PE da Vila Militar (RJ) que era judoca e pesava uns 140 quilos. O médico do quartel me deu um remedinho para pingar, mais nada.

Sangue e pus escorriam da minha orelha direita, a ponto de os canalhas serem obrigados a refazer uma foto minha que iam distribuir à imprensa; olhando com atenção, dava para perceber-se o filete de gosma avermelhada.

Por só haver sido verdadeiramente tratado após sair das prisões militares, passei maus bocados com uma labirintite decorrente de ter ficado tanto tempo com o ouvido supurando.

Nunca soube o nome do médico que descumpriu vergonhosamente o juramento de Hipócrates.

Nem daquele que, antes disto, me atendera no DOI-Codi da Tijuca (RJ). No terceiro dia do meu calvário mediu-me a pressão e, por constatar grave risco de enfarte, mandou-me calmante. Terá sido ele quem aconselhou os oficiais a suspenderem as torturas durante alguns dias? Nunca saberei.

À Comissão da Verdade cabe deixar registrados para a posteridade os nomes de todos os que contribuíram para o funcionamento da engrenagem do terrorismo de estado, evitando, p. ex., que um Harry Shibata seja execrado como símbolo do colaboracionismo por parte dos médicos e tantos outros culpados do mesmo crime permaneçam ocultos sob sua sombra.

Esta reflexão me ocorreu ao ler a brilhante reportagem deste sábado de aleluia do blog do Sakamoto, cujos principais trechos reproduzo (as fotos também são dele e a íntegra pode ser acessada aqui):  
"Postes, muros e pontos de ônibus dos bairros da Vila Madalena e Pinheiros amanheceram com centenas de cartazes de protesto contra Harry Shibata, médico legista e ex-diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo.

Acusado de ser responsável por falsos atestados de óbito usados para acobertar assassinatos de opositores pela ditadura militar, ele teria ignorado marcas deixadas por sessões de tortura produzindo laudos de acordo com as necessidades dos militares.

Os cartazes foram colados por um grupo de manifestantes na madrugada deste sábado (7).

Shibata é acusado de, sem ter visto o corpo, atestar como suicídio a morte de Vladimir Herzog, então diretor da TV Cultura, que fora convocado para 'prestar esclarecimentos' no DOI-Codi, em outubro de 1975.
A morte do jornalista após sessão de tortura tornou-se um símbolo na luta contra a ditadura.
Nos dias 31 de março e 1º de abril, manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo reuniram centenas de pessoas para lembrar o aniversário do golpe de 1964. Elas exigiram que os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar sejam esclarecidos e os envolvidos em casos de tortura punidos por crime contra a humanidade.

Como parte dos protestos, residências de militares acusados de envolvimento em tortura foram marcadas. Da mesma forma, parte dos cartazes fornece o endereço do médico legista, em uma rua de classe média alta".
Os interessados em mais detalhes sobre o Caso Herzog poderão encontrá-los aqui; e sobre a parceria médicos/torturadores, aqui.

Quanto a Shibata, nem sequer pode ser considerado o pior dos médicos que ajudaram a repressão. Apenas, teve o azar de um dos seus laudos mentirosos se referir a um episódio famoso, que despertou enorme indignação entre os jornalistas.

Os mais monstruosos, claros, foram os que atuavam diretamente nos centros de tortura, acumpliciando-se, por ação ou omissão, com tudo que neles ocorria.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

TORTURAS: TUDO COMO DANTES NO QUARTEL DE ABRANTES

O motoboy ML tinha 23 anos quando foi preso em 2003 e apresentado triunfalmente pela Secretaria de Segurança Pública como "um dos criminosos mais perigosos da região do Capão Redondo", na zona sul paulistana. Garantiram que se tratava de um matador de aluguel.

Passou dois anos e meio detido. Os nove processos por assassinato a que teve de responder, baseados unicamente em suas confissões, sem quaisquer evidências, estão ruindo como castelos de cartas. Cinco já foram arquivados.

"Não há prova de nada. Ele foi acusado de nove homicídios porque é abusado e respondão. Confessou porque sofreu tortura", diz sua advogada.

O motoboy relata: "Levei choque quanto fui preso na rua, levei choque no carro e na delegacia. Usavam uma maquininha preta para dar choque. Doeu tanto que caí de joelho no chão. Na delegacia, apanhei de mão. Davam soco, chutes nas costas".

Além de práticas idênticas às que a ditadura de 1964/85 adotava com presos políticos, também se repete a cumplicidade do Instituto Médico Legal de São Paulo com a tortura. Harry Shibata (que atestou falsamente suicídio no Caso Herzog) fez escola.

O Conselho de Medicina chegou até a julgar médicos que, em seus laudos, omitiam a existência de evidentes marcas de tortura nos cadáveres. Não adiantou, conforme se depreende da excelente reportagem de Mário César Carvalho na Folha de S. Paulo de hoje (29).

Outro preso na mesma época revelou que os policiais ficaram ao lado enquanto o médico do IML apenas lhe perguntava se havia sido espancado, contentando-se com a negativa.

E ML confirmou em juízo que os presos são examinados por médicos sob coação:

– Eles [policiais] falaram: "Se você falar que apanhou, vai apanhar mais ainda".

Por último, as acusações de réus torturados são recebidas com o mesmo descaso que era regra não escrita, mas sempre seguida, nas auditorias militares. O promotor que ignorou as queixas de ML agora se defende com a afirmação de que “em 99% dos processos, os réus confessam e depois vêm com a cantilena de tortura”.

Mesmo que 99% dos réus realmente mentissem, tal promotor estaria errado ao desprezar 100% das denúncias, ao preço de coonestar a prisão injusta de inocentes. Por sua culpa, ML permaneceu dois anos e meio no inferno carcerário. Se não tem sequer remorsos, deveria procurar uma profissão que fosse só profissão, não (também e principalmente) missão.
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