O motoboy ML tinha 23 anos quando foi preso em 2003 e apresentado triunfalmente pela Secretaria de Segurança Pública como "um dos criminosos mais perigosos da região do Capão Redondo", na zona sul paulistana. Garantiram que se tratava de um matador de aluguel.
Passou dois anos e meio detido. Os nove processos por assassinato a que teve de responder, baseados unicamente em suas confissões, sem quaisquer evidências, estão ruindo como castelos de cartas. Cinco já foram arquivados.
"Não há prova de nada. Ele foi acusado de nove homicídios porque é abusado e respondão. Confessou porque sofreu tortura", diz sua advogada.
O motoboy relata: "Levei choque quanto fui preso na rua, levei choque no carro e na delegacia. Usavam uma maquininha preta para dar choque. Doeu tanto que caí de joelho no chão. Na delegacia, apanhei de mão. Davam soco, chutes nas costas".
Além de práticas idênticas às que a ditadura de 1964/85 adotava com presos políticos, também se repete a cumplicidade do Instituto Médico Legal de São Paulo com a tortura. Harry Shibata (que atestou falsamente suicídio no Caso Herzog) fez escola.
O Conselho de Medicina chegou até a julgar médicos que, em seus laudos, omitiam a existência de evidentes marcas de tortura nos cadáveres. Não adiantou, conforme se depreende da excelente reportagem de Mário César Carvalho na Folha de S. Paulo de hoje (29).
Outro preso na mesma época revelou que os policiais ficaram ao lado enquanto o médico do IML apenas lhe perguntava se havia sido espancado, contentando-se com a negativa.
E ML confirmou em juízo que os presos são examinados por médicos sob coação:
– Eles [policiais] falaram: "Se você falar que apanhou, vai apanhar mais ainda".
Por último, as acusações de réus torturados são recebidas com o mesmo descaso que era regra não escrita, mas sempre seguida, nas auditorias militares. O promotor que ignorou as queixas de ML agora se defende com a afirmação de que “em 99% dos processos, os réus confessam e depois vêm com a cantilena de tortura”.
Mesmo que 99% dos réus realmente mentissem, tal promotor estaria errado ao desprezar 100% das denúncias, ao preço de coonestar a prisão injusta de inocentes. Por sua culpa, ML permaneceu dois anos e meio no inferno carcerário. Se não tem sequer remorsos, deveria procurar uma profissão que fosse só profissão, não (também e principalmente) missão.
Um comentário:
Como é que estes tais conselhos de medicina são tão coniventes com estes "médicos -- monstros -- legistas"?
Logo depois da redemocratização, todos os médicos legistas que tiveram condutas suspeitas deveriam perder o direito de exercer a medicina. TODOS.
As suspeitas que pairam sobre estes homens é de que a maioria deles faziam trabalho sujo nos IML´s pelo Brasil afora durante os anos de chumbo.
Outro exemplo de claro desrespeito pelos direitos humanos: O Instituto Médico Legal da Bahia ainda permanece sob administração da Secretaria de Segudança Pública, do mesmo jeito que era nos tempos da ditadura militar.
Estes órgão deveriam está sob administração das secretarias de justiça ou direitos humanos.
Você acha que um órgão assim pode ter alguma independência ?
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