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quinta-feira, 30 de novembro de 2023

GOVERNABILIDADE PARA QUÊ?


 Há um consenso de que não dá para governar o Brasil sem se ceder às exigências do parlamento, pois esse jamais terá hegemonia partidária da esquerda, e isso ocorre em todo o mundo com maior ou menor intensidade. 
Mas, apesar disso, todos querem que o pé de laranja dê manga, ou seja, que haja governabilidade mesmo dentro dos parâmetros existentes. 

A direita ocupa sempre majoritariamente as cadeiras do parlamento, não porque os eleitores do Brasil sejam majoritariamente de direita, porque, se o fossem, Lula não teria ganho as eleições, mas porque as eleições proporcionais são manipuladas pelo poder econômico e político do Brasil profundo, onde imperam os chamados currais eleitorais.  

A grande maioria dos deputados federais e estaduais não se elegem por relevantes serviços prestados à comunidade, mas pela compra de votos junto aos chefetes políticos locais e verbas federais ou estaduais que conseguem liberar para os seus municípios e com isso obterem, ambos, o dinheiro das comissões pagas pelas empreiteiras visando às eleições que ocorrem a cada quatro anos para prefeitos e parlamentares em datas alternadas.   

Há parlamentares que se elegem sem comparecer regularmente aos estados pelos quais foram eleitos, e moram em Brasília e em alguma grande capital brasileira sem que os seus leitores sequer tenham ouvido falar em seus nomes.  

O que estou afirmando não é nenhuma novidade e todos sabem disso.  

Mas porque insistimos em considerar democrático tal processo?! É que normalizamos a corrupção política, bem como, na visão do eleitor incrédulo ou ingênuo, que o poderio econômico eleitoral é o momento propício para a  obtenção de algum benefício direto.  

É simplesmente imoral a verba eleitoral dos partidos políticos recentemente aprovada pelo TSE em proposta do orçamento federal de R$ 1,2 bilhões - já foi de mais de R$ 2 bilhões, e diminuiu um pouco por conta do escárnio à nossa inteligência o que isso representa - num país com renda média mensal dos assalariados, segundo o IBGE, em torno de R$ 2.533,00, o que bem demonstra a nossa pobreza coletiva, se considerarmos a grande desigualdade de salários de uns e outros. 

Podemos constatar, pelo baixo nível de renda per capita, que a grande maioria do eleitorado apenas sobrevive miseravelmente e aguarda o momento da eleição para obter um ganho ilusório qualquer. 

Se dividirmos a verba partidária pelo número de deputados federais, veremos que cada um deles custa anualmente aos brasileiros cerca de R$ 2,4 milhões para defender os interesses da cidadania democrática

O que você acha que os partidos políticos brasileiros, que mais parecem empresas privadas com um dono na presidência, fazem com essa dinheirama?! 

Tudo converge para um processo eleitoral parlamentar viciado, e essa é a razão de termos no parlamento muitos elementos cujos currículos pessoais fariam qualquer pai de família zeloso do futuro de sua filha alertá-la para o mau casamento, caso pretendesse escolher um desses para casamento e vida familiar.  

Mesmo nos partidos de esquerda os candidatos mais combativos e líderes comunitários ou de movimentos sociais apenas servem de escada para o pequeno número dos seus companheiros que se elegem porque atuam com mais desenvoltura nestes quesitos de relações políticas interioranas de influência maléfica e compra de votos.  

O problema não para por aí. Há o lobby parlamentar das grandes corporações setoriais; dos grandes interesses econômicos; e até mesmo do crime organizado que financiam candidatos e os elegem.  

A democracia burguesa funciona assim, e há quem ainda diga que é um mal menor, ou seja, que fora disso é a ditadura! Um engano assombroso! 

Tenho dito repetidamente que o governante não governa, mas apenas se equilibra no poder tal qual um surfista que apenas se equilibra na onda para cegar à praia, sem alterar em nada a força da sua natureza.  

O estado nacional é uma criação do republicanismo burguês, doutrina tida e citada como princípio e código moral e ético de conduta pelos luminares do poder institucional a ser seguida e obedecida.  

Na verdade, a política institucional não tem soberania de vontade, vez que é dependente dos impostos que cobra e extrai da vida econômica burguesa, por ela mesma injusta e socialmente segregadora, e tudo faz e age no sentido não apenas de sua preservação, mas do seu desenvolvimento como remédio charlatão que serve para a cura de todas as doenças.  

Do Papa a Lula; do economista e líder dos sem-terra, João Pedro Stédile, ao chefe do Gabinete do ódio, Carlos Bolsonaro, o Carluxo, todos querem o desenvolvimento econômico, cada um à sua maneira, como se a preservação da relação social sob a forma-valor fosse algo tão natural como tomar água e se alimentar diariamente.         

Como toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues, acho que todos os capitalistas deveriam eleger um novo Deus para adoração, porque o deus valor, no seu processo de autodestruição, quer matar. e está matando, a sua própria criação: todos os serem humanos que o adoram e a ele estão subjugados. 

 É dessa forma que todos querem que o pé caiba no sapato, independentemente do tamanho desse último, vez que estão todos inseridos num mesmo contexto basilar, ainda que professem credos diferenciados. 

O Estado é apenas a instância reguladora e regulamentadora de uma ordem econômica que lhe é subjacente e que pauta os seus procedimentos sempre dentro do desiderato de manutenção de sua existência como modo de relação social. 

Quando se obedece ao preceito do ajuste fiscal, por exemplo, como acabou de se aceitar no governo Lula, tal procedimento é a régua econômica que determina que o Estado não pode gastar além do que arrecada , ainda que quem emita moeda forte possa fazê-lo sem ter problemas mais graves de inflação, porque a exportam e todos a aceitam ingenuamente. Tal obediência mais não é do que a subjugação governamental a duas regras básicas: 

1) imposição da lógica ditatorial capitalista para a preservação das finanças do Estado, que assim mesmo está falido, como sentinela da ordem econômica do capital; e 

2) manutenção da credibilidade do padrão monetário estatal por ele emitido como fator indispensável à relação social capitalista.  

  Ainda outro dia assisti a um debate no qual o interlocutor de esquerda exaltava os ganhos obtidos com a vitória do Lula no campo das conquistas sociais, bem como das posturas humanistas que recolocaram o Brasil num conceito de país mais civilizado e acolhedor de todas as etnias e credos. 

Dizia ele, entretanto, que isso não era bastante, porque a direita além de estar crescendo, tem atualmente uma militância popular que lhe confere alguma legitimidade, representada pelo crescimento e união de neopentecostais, viúvas da ditadura miliar, ruralistas latifundiários, empresários do agronegócio, setores beneficiados com subsídios e/ou isenções fiscais, etc.  

Até aí estava tudo bem, mas a solução por ele apresentada era a conscientização da população de que deve se opor a esse crescimento mediante uma estrutura de organização de base conscientizadora, sem dizer exatamente os conceitos dessa conscientização, deixando parecer que tudo seria apenas uma questão de ação política popular menos preguiçosa e mais ativa, e de modo a se estabelecer um governo estatal, mas tão popular que fosse capaz de se tornar independente da conciliação com os donos do parlamento e do PIB.  

Algo assim como se tudo fosse uma questão de competência administrativa da esquerda institucional, mesmo sob as velhas bases de relações sociais escravistas, que se deduz que o entrevistado considera, equivocadamente, como possíveis de ocorrer se se derem numa correlação de forças majoritárias de esquerda apoiada pela população. 

Admitindo que no governo Lula a economia vai melhorar, citava ele como exemplo de sua cruzada conscientizadora contra a conciliação a ineficácia da conciliação política havida no governo Dilma, que resultou em sua queda num golpe de direita.  

Concordo, como de resto venho demonstrando em inúmeros artigos, que há que se conscientizar a população, mas não podemos querer que as coisas se consertem e obtenhamos apoio popular permanente para um projeto político fadado ao fracasso se não combatermos as causas e estruturas que lhe dão sustentação. 

Assim, considero que: 

- a economia brasileira globalizada, ainda que venha a ter melhorias pontuais, não resistirá à depressão econômica internacional, aliada aos efeitos danosos do aquecimento global e guerras, e tende a sofrer dificuldades ao longo do mandato de Lula; 

-  há que se fazer um esforço comunitário para que a população seja conscientizada sobre o fato de que no capitalismo não pode haver estado democrático e um governo daí derivado que seja capaz de protege-la e, principalmente, sobre a essência e raiz dos seus problemas de modo a que possa se livrar do fetichismo da mercadoria, que tal qual os apostadores da loteria, promove prognósticos esperançosos mas inatingíveis de riqueza individual;   

- acabar com o eterno pêndulo entre direita e esquerda institucionais, que atuam sob uma mesma base, e sem que nenhuma das duas possa oferecer alternativas de soluções dos problemas sociais e ecológicos que nos afetam e que aumentam a cada dia e de modo cada vez mais acentuado e contundente. 

A conscientização tem que se dar pela negação do negativo! (por Dalton Rosado)   


 

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

O TRAVESSEIRO MORAL DA POLÍTICA


 H
á quem se confronte permanentemente com os próprios critérios morais elevados e balizem seu comportamento a partir de uma ética consentânea com tais padrões. Esses dormem o sono dos justos, ainda que exaustos pela difícil jornada de andarem na contramão de uma ordem de relação social flagrantemente injusta.    

Há quem concebe determinados padrões morais questionáveis e os elege equivocadamente como corretos e que, a partir desses, formatam um código ético igualmente equivocado, mas encosta sua cabeça no travesseiro e dorme de imediato e tranquilamente entendendo que faz o certo.  

Mas há os que conscientemente adotam um padrão moral execrável e a partir dele se comportam dentro de um padrão ético no qual elegem como correto aquilo que julgam ser o melhor para si, independentemente dos efeitos colaterais danosos causados aos seus semelhantes, e dormem como alguém que tomou uma dose cavalar de soníferos, assim agindo por não conhecerem o que seja a inconsciência dos seus atos.     

Vamos classificar as hipóteses do padrão de conforto do travesseiro acima consideradas como sendo, pela ordem, aquela do primeiro parágrafo como classe A, a do segundo como classe B e a do terceiro como classe C para que os leitores deste artigo compreendam melhor o que consideramos como qualificações de comportamentos sociais.    

A política institucional costuma ser uma máquina de deturpação de consciências morais e éticas e é sob tal prisma que fazemos a análise. 

Quando se entra para jogar uma competição esportiva, por exemplo, na qual estão definidas as regras do jogo, e a peleja transcorre dentro dos critérios previamente estabelecidos de igualdade de direitos e obrigações, não se pode reclamar da derrota culpando a bola ou o campo, que foi a mesma/o para todos, ou outro fator igualmente similar para os competidores.  

Assim ocorre na política da democracia burguesa, formatada e decantada equivocadamente como um padrão igualitário, justo e coletivo de escolha de dirigentes políticos, de tal modo absorvida e compreendida como tal e como oportunidade de igualdade de condições para todos que é comumente tida como um padrão ético e moral aceitável. 

Os políticos mais argutos, sejam eles representantes do capital - a grande maioria, sempre -, ou de interesses corporativos setorizados, ou ainda, de seus próprios interesses empresariais  - quando se metem a ser, concomitantemente, representantes políticos de si mesmos como empresários -, enquadram-se na classe “C” do nosso padrão de conforto de travesseiro

Para estes políticos, Brasília é o Jardim do Éden, sem pecado original, pintado por Michelângelo. Lá eles têm poder político capaz de definir a direção das verbas discricionárias, que são aquelas destinas às obras e atendimento às demandas sociais que excedem os gastos como a manutenção das instituições da opressão do Estado.  

Há as verbas cujos destinos são previamente determinados, ou seja, o chamado dinheiro carimbado do orçamento da União, destinadas ao custeio da manutenção da estrutura opressora do Estado, que absorvem grande parte do orçamento dito público; o restante das verbas é destinado à manipulação eleitoreira. 

Além do poder, que é o que mais cobiçam tais politiqueiros, existem os altos salários, salas VIPs nos aeroportos, moradias confortáveis e gratuitas, carros oficiais à disposição, festas e solenidades nas quais convivem com membros da alta burguesa - diplomatas de vários países, representantes de corporações empresárias poderosas, altos magistrados, etc. - e secretárias bilingues que lhes assistem.        

Os políticos novatos da esquerda institucional - há exceções cada vez mais raras que confirmam a regra -, mesmo aqueles que são eleitos pelas lutas dos movimentos populares nos quais se destacam, ao chegarem em Brasília se deparam com um cenário diferente daquele que julgavam atuar.  

Os Deputados Federais dessa esquerda cedo descobrem serem peões num tabuleiro de xadrez em que somente as peças predominantes têm valores e potências especiais, e suas falas para plenários vazios, nos quais tiram fotos e gravam discursos direcionados para os seus eleitores, não têm grande importância, a não ser para a legitimação de um jogo desigual no qual quem eles representam - o povo das lutas que os elegeram - estão previamente derrotados. 

Os votos sempre minoritários da esquerda institucional parlamentar somente legitimam uma escolha de pretensos representantes do povo, numa ópera-bufa em que eles mais se parecem com polichinelos bem-intencionados.   

Brasília é uma máquina política de desconstruir revolucionários

Lembro-me do impacto que me causou um certo episódio por mim vivido. Acompanhei a Prefeita Maria Luíza, então ainda no PT como eu,  em algumas viagens à Brasília, entre elas a uma audiência na Presidência do Banco do Brasil, como meros pedintes sem qualquer poder de pressão, desejoso de que fossem liberadas verbas retidas por conta a impagável dívida pública municipal da qual aquela instituição financeira era credora.  

Dependíamos da liberação das verbas, de certo modo, até para a continuidade do exercício do mandato, por conta das constantes ameaças de destituição do cargo naquela que era a primeira experiência petista de governo, posto que as Prefeituras das capitais eram completamente dependentes de verbas estaduais e federais, já que ainda não vigia a Constituição Federal de outubro de 1988, que somente consagraria a autonomia financeira dos Municípios no ano seguinte. Vivíamos sob os resquícios da ditadura militar. 

Pois bem. Fomos convidados para almoçar no restaurante da Presidência e, num gesto de cordialidade de quem está pedindo sem poder exigir o cumprimento do que pedira, fomos almoçar junto com o Presidente do Banco do Brasil, que se mostrava feliz em mostrar aos seus pares a sua acompanhante, a bela Prefeita de Fortaleza, como se fosse um troféu de guerra.  

Naquele recinto espaçoso estavam alguns Ministros, diplomatas, parlamentares, figurões da mídia - lembro-me da presença do filho de Flávio  Cavalcanti, da TV, e outros representante do show bussines brasileiro. 

Cardápio à la carte variado - de lagosta a pratos típicos; carta de vinhos antigos; talheres de prata e pratos de porcelanas folheados à ouro com o emblema do banco; garçons bilingues de luvas e black tie; e todo um confortável rigor na mobília.  

Diante de tal ostentação, lembrei-me das favelas e dos bairros pobres de Fortaleza e, ao invés de me sentir lisonjeado por estar ali, como na música de Raul Seixas, senti-me no lugar errado. E compreendi a forma pela qual Brasília encanta os menos avisados a respeito da sedução do poder político ali em vigor.  

Hoje compreendo perfeitamente as razões pelas quais fomos expulsos do PT e a incompatibilidade de posturas revolucionárias diante da convivência com a democracia burguesa e da conciliação que se faz necessária para ali sobreviver. Ali há que se fufucar, que é o termo ora usado em Brasília para significar a adesão recíproca aos Ministérios de Lula em alusão ao o novo Ministro André Fufuca, atualmente Deputado Federal pelo PP do Maranhão. Esse mesmo PP é aquele partido do ex-Deputado Pedro Corrêa, delator das tenebrosas transações do petrolão, o que é suficiente para mostrar o quanto o lulismo sempre volta ao mesmo lugar.  

Com honrosas exceções, os políticos da esquerda institucional enquadram-se na classe “B” do nosso padrão desconforto de travesseiro

Entretanto, existem os imprescindíveis revolucionários, sempre menosprezados pelos membros da classe C e B do referido padrão, como se fossem doidivanas inconsequentes ou ingênuos por não aderirem ao establishment ou tentarem comê-lo pelas beiradas.  

Os revolucionários se situam na classe A do padrão de conforto do travesseiro, mesmo quando se lhes oferecem um mero colchonete de palha sobre uma esteira de vime para dormir nos cárceres estatais dos seus adversários. (por Dalton Rosado) 



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

É CORRETO MINISTROS DO STF SE ENVOLVEREM EM ELEIÇÕES DE CASAS LEGISLATIVAS?


 
De acordo com o jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles, as negociações para a presidência do Senado poderiam incluir, além do surrado toma lá, dá cá governamental, uma conversa com ministros do STF. 

Que tipo de conversa? Em outros termos, diz o jornalista. Seja quais forem estes tais termos, salta aos olhos se tratar de possível lobby feito por membros da corte. O que ofereceriam? Facilitações em processos? Votos em assuntos de interesse? Seja o que for, não parece ser tarefa de membros do Supremo se envolverem em votações internas do Legislativo. 

Por óbvio, apenas os inocentes crédulos do republicanismo acreditam ser o Judiciário apolítico. Mesmo nos EUA ou na Inglaterra, as cortes agem politicamente e praticam intercâmbio de interesses o tempo inteiro com o poder econômico e com os demais braços do Estado. 

No entanto, no Brasil a situação beira o escárnio, com ministros do STF participando abertamente de eventos de grupos privados - quais os interesses de seus realizadores? - e até mesmo, ao que parece, negociando em troca de votos no legislativo. Um indício claro da podridão da República burguesa no Brasil e fonte inesgotável de água para o moinho bolsonarista. (por David Emanuel Coelho

domingo, 8 de agosto de 2021

SEMIPRESIDENCIALISMO: JÁ IMAGINARAM O ARTHUR LIRA COMO PRIMEIRO MINISTRO?

A imagem que o povão mais associa aos políticos é a dos ratos. Por que será?
Já se falou que muitas crises acabam sendo respondidas de uma perspectiva formalista. 

Álvaro Vieira Pinto, importante filósofo brasileiro, dizia isto a respeito dos problemas da educação, os quais têm uma natureza eminentemente social, mas acabam sendo tratados como sendo questões de metodologia didática.

Algo semelhante podemos ver no caso da discussão em torno do semipresidencialismo, proposta aventada nos últimos tempos como a panaceia capaz de pôr fim à crise política brasileira. Esta é justamente uma forma de transformar um problema formal – o sistema de governo – numa crise socioeconômica.

Um país atravessado pela atrofia do sistema primário, agroexportador, acossado pelo desemprego ou subemprego crônico de milhões e pela galopante miséria, é um lugar onde se vive em crise permanente.
Um risco: Bozo presidente e Lira primeiro-ministro

Nosso sistema político é parte e reflexo desta crise. Criado nos estertores da ditadura, trata-se de um sistema encastelado, oligárquico e profundamente antidemocrático.

Os partidos políticos brasileiros, p. ex., são verdadeiras confederações feudais, reunindo interesses de oligarquias localizadas que se alimentam do dinheiro público drenado a partir de Brasília. 

Mesmo partidos de esquerda, supostamente populares, se tornaram cabides para militantes profissionais, avessos às vozes exteriores.

Criou-se um abismo entre a realidade cotidiana da esmagadora maioria do povo brasileiro e o sistema político alienado e autocentrado. As manifestações de junho de 2013 são o momento de eclosão definitiva dessa disparidade. A partir dali, o sistema político brasileiro entra em colapso, fato acentuado graças à Operação Lava Jato.

A eleição de Jair Bolsonaro à presidência só pode ser corretamente compreendida se estes aspectos forem levados em conta. O atual presidente apresentou-se enquanto um outsider, um antissistema, inimigo mortal dos políticos tradicionais e das negociatas habituais.

Não podemos nos enganar a respeito deste ponto: a população elegeu Bolsonaro para que ele explodisse o sistema político. 

A truculência e a falta de modos do então candidato eram vistos como algo positivo diante de um regime dominado pelos artifícios de salão e o bom mocismo fingido. 
Em sua imensa sabedoria, o povo brasileiro
decidiu não dar plenos poderes ao Congresso

O que não era esperado era que a destruição acabaria se voltando contra o povo, enquanto o futuro presidente acabaria por entender-se com o regime supostamente odiado.

O efeito Bolsonaro, contudo, levou muitos a questionarem o atual sistema de governo, afinal é muito problemático não apenas o nível de poder acumulado nas mãos de um sujeito incapaz, mas também a grande dificuldade em tirá-lo da cadeira. E é neste contexto que ressurge a ideia do semipresidencialismo.

No entanto, esta é uma resposta falsa para um problema falso. Tal proposta nem de longe toca nas questões essenciais do país e de seu sistema político falido. Não toca sequer na questão da origem de Bolsonaro, de como, afinal, foi possível existir tal tipo de político e, mais, chegar ao posto mais alto da República.

Na realidade, o semipresidencialismo é uma solução confortável para radicalizar o poder das forças politicas fisiológicas, hoje ainda embaraçadas pelo controle presidencial da máquina pública. Com esta forma de regime, o fisiologismo brasileiro poderá aumentar ainda mais seu poder de barganha, inviabilizando qualquer governo que não aceite se curvar. 

Melhor, só o parlamentarismo puro, onde o fisiologismo seria soberano, não tendo de prestar contas a ninguém.

A sabedoria política do povo brasileiro costuma ser muito subestimada. O presidencialismo por aqui não é mera importação de modelo exógeno, mas a marca de um arraigado instinto de desconfiança frente ao sistema político, especificamente ao Congresso Nacional.

Confluência das representações oligárquicas do país, o Congresso é uma instituição profundamente impopular. Profundamente opaca aos interesses populares, a dita casa do povo raramente ouve os clamores das ruas, pautando-se mais contra elas. 

Por isso, a população brasileira pensou por bem limitar os poderes do legislativo, instituindo na figura do presidente da República um polo de tensão com este poder. Justamente por ser eleito de forma majoritária e ter suas ações sempre analisadas à luz do dia, o presidente aparece enquanto síntese material única da vontade popular e, portanto, enquanto um antagonista ao conchavo disperso e camuflado do exército dos parlamentares.

É por isso que o Brasil preferiu o sistema presidencialista e é por isso que vai preferir de novo caso seja instado a decidir por uma terceira vez. Não à toa, o relator da PEC em torno do semipresidencialismo não deseja uma consulta popular sobre o tema. Afinal, democracia boa é a democracia sem povo.

O Congresso Nacional funciona há três décadas basicamente para descontruir os direitos adquiridos na Carta Constitucional de 1988, tornando o regime político mais fechado e distante do indivíduo comum. Tudo isto é feito através de Propostas de Emenda à Constituição que jamais foram submetidas ao crivo popular. 

Certamente, o semipresidencialismo é mais passo neste processo de enclausuramento e enrijecimento do sistema. No entanto, por ser a solução errada para um problema erroneamente colocado, poderá apenas ser mais um passo na agudização da crise brasileira, já por demais aguda. (por David Emanuel Coelho)

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