segunda-feira, 7 de agosto de 2023

O TRAVESSEIRO MORAL DA POLÍTICA


 H
á quem se confronte permanentemente com os próprios critérios morais elevados e balizem seu comportamento a partir de uma ética consentânea com tais padrões. Esses dormem o sono dos justos, ainda que exaustos pela difícil jornada de andarem na contramão de uma ordem de relação social flagrantemente injusta.    

Há quem concebe determinados padrões morais questionáveis e os elege equivocadamente como corretos e que, a partir desses, formatam um código ético igualmente equivocado, mas encosta sua cabeça no travesseiro e dorme de imediato e tranquilamente entendendo que faz o certo.  

Mas há os que conscientemente adotam um padrão moral execrável e a partir dele se comportam dentro de um padrão ético no qual elegem como correto aquilo que julgam ser o melhor para si, independentemente dos efeitos colaterais danosos causados aos seus semelhantes, e dormem como alguém que tomou uma dose cavalar de soníferos, assim agindo por não conhecerem o que seja a inconsciência dos seus atos.     

Vamos classificar as hipóteses do padrão de conforto do travesseiro acima consideradas como sendo, pela ordem, aquela do primeiro parágrafo como classe A, a do segundo como classe B e a do terceiro como classe C para que os leitores deste artigo compreendam melhor o que consideramos como qualificações de comportamentos sociais.    

A política institucional costuma ser uma máquina de deturpação de consciências morais e éticas e é sob tal prisma que fazemos a análise. 

Quando se entra para jogar uma competição esportiva, por exemplo, na qual estão definidas as regras do jogo, e a peleja transcorre dentro dos critérios previamente estabelecidos de igualdade de direitos e obrigações, não se pode reclamar da derrota culpando a bola ou o campo, que foi a mesma/o para todos, ou outro fator igualmente similar para os competidores.  

Assim ocorre na política da democracia burguesa, formatada e decantada equivocadamente como um padrão igualitário, justo e coletivo de escolha de dirigentes políticos, de tal modo absorvida e compreendida como tal e como oportunidade de igualdade de condições para todos que é comumente tida como um padrão ético e moral aceitável. 

Os políticos mais argutos, sejam eles representantes do capital - a grande maioria, sempre -, ou de interesses corporativos setorizados, ou ainda, de seus próprios interesses empresariais  - quando se metem a ser, concomitantemente, representantes políticos de si mesmos como empresários -, enquadram-se na classe “C” do nosso padrão de conforto de travesseiro

Para estes políticos, Brasília é o Jardim do Éden, sem pecado original, pintado por Michelângelo. Lá eles têm poder político capaz de definir a direção das verbas discricionárias, que são aquelas destinas às obras e atendimento às demandas sociais que excedem os gastos como a manutenção das instituições da opressão do Estado.  

Há as verbas cujos destinos são previamente determinados, ou seja, o chamado dinheiro carimbado do orçamento da União, destinadas ao custeio da manutenção da estrutura opressora do Estado, que absorvem grande parte do orçamento dito público; o restante das verbas é destinado à manipulação eleitoreira. 

Além do poder, que é o que mais cobiçam tais politiqueiros, existem os altos salários, salas VIPs nos aeroportos, moradias confortáveis e gratuitas, carros oficiais à disposição, festas e solenidades nas quais convivem com membros da alta burguesa - diplomatas de vários países, representantes de corporações empresárias poderosas, altos magistrados, etc. - e secretárias bilingues que lhes assistem.        

Os políticos novatos da esquerda institucional - há exceções cada vez mais raras que confirmam a regra -, mesmo aqueles que são eleitos pelas lutas dos movimentos populares nos quais se destacam, ao chegarem em Brasília se deparam com um cenário diferente daquele que julgavam atuar.  

Os Deputados Federais dessa esquerda cedo descobrem serem peões num tabuleiro de xadrez em que somente as peças predominantes têm valores e potências especiais, e suas falas para plenários vazios, nos quais tiram fotos e gravam discursos direcionados para os seus eleitores, não têm grande importância, a não ser para a legitimação de um jogo desigual no qual quem eles representam - o povo das lutas que os elegeram - estão previamente derrotados. 

Os votos sempre minoritários da esquerda institucional parlamentar somente legitimam uma escolha de pretensos representantes do povo, numa ópera-bufa em que eles mais se parecem com polichinelos bem-intencionados.   

Brasília é uma máquina política de desconstruir revolucionários

Lembro-me do impacto que me causou um certo episódio por mim vivido. Acompanhei a Prefeita Maria Luíza, então ainda no PT como eu,  em algumas viagens à Brasília, entre elas a uma audiência na Presidência do Banco do Brasil, como meros pedintes sem qualquer poder de pressão, desejoso de que fossem liberadas verbas retidas por conta a impagável dívida pública municipal da qual aquela instituição financeira era credora.  

Dependíamos da liberação das verbas, de certo modo, até para a continuidade do exercício do mandato, por conta das constantes ameaças de destituição do cargo naquela que era a primeira experiência petista de governo, posto que as Prefeituras das capitais eram completamente dependentes de verbas estaduais e federais, já que ainda não vigia a Constituição Federal de outubro de 1988, que somente consagraria a autonomia financeira dos Municípios no ano seguinte. Vivíamos sob os resquícios da ditadura militar. 

Pois bem. Fomos convidados para almoçar no restaurante da Presidência e, num gesto de cordialidade de quem está pedindo sem poder exigir o cumprimento do que pedira, fomos almoçar junto com o Presidente do Banco do Brasil, que se mostrava feliz em mostrar aos seus pares a sua acompanhante, a bela Prefeita de Fortaleza, como se fosse um troféu de guerra.  

Naquele recinto espaçoso estavam alguns Ministros, diplomatas, parlamentares, figurões da mídia - lembro-me da presença do filho de Flávio  Cavalcanti, da TV, e outros representante do show bussines brasileiro. 

Cardápio à la carte variado - de lagosta a pratos típicos; carta de vinhos antigos; talheres de prata e pratos de porcelanas folheados à ouro com o emblema do banco; garçons bilingues de luvas e black tie; e todo um confortável rigor na mobília.  

Diante de tal ostentação, lembrei-me das favelas e dos bairros pobres de Fortaleza e, ao invés de me sentir lisonjeado por estar ali, como na música de Raul Seixas, senti-me no lugar errado. E compreendi a forma pela qual Brasília encanta os menos avisados a respeito da sedução do poder político ali em vigor.  

Hoje compreendo perfeitamente as razões pelas quais fomos expulsos do PT e a incompatibilidade de posturas revolucionárias diante da convivência com a democracia burguesa e da conciliação que se faz necessária para ali sobreviver. Ali há que se fufucar, que é o termo ora usado em Brasília para significar a adesão recíproca aos Ministérios de Lula em alusão ao o novo Ministro André Fufuca, atualmente Deputado Federal pelo PP do Maranhão. Esse mesmo PP é aquele partido do ex-Deputado Pedro Corrêa, delator das tenebrosas transações do petrolão, o que é suficiente para mostrar o quanto o lulismo sempre volta ao mesmo lugar.  

Com honrosas exceções, os políticos da esquerda institucional enquadram-se na classe “B” do nosso padrão desconforto de travesseiro

Entretanto, existem os imprescindíveis revolucionários, sempre menosprezados pelos membros da classe C e B do referido padrão, como se fossem doidivanas inconsequentes ou ingênuos por não aderirem ao establishment ou tentarem comê-lo pelas beiradas.  

Os revolucionários se situam na classe A do padrão de conforto do travesseiro, mesmo quando se lhes oferecem um mero colchonete de palha sobre uma esteira de vime para dormir nos cárceres estatais dos seus adversários. (por Dalton Rosado) 



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