quarta-feira, 5 de julho de 2023

O CAPITALISMO JÁ FOI SELVAGEM, LIBERAL, MONOPOLISTA, ESTATIZANTE, NEOLIBERAL, ETC. HOJE É APOCALÍPTICO...

...e não será com as teorizações de Adam Smith, Keynes ou Friedman que vamos  decifrar o enigma que a esfinge ora nos propõe. 

O pior é que pagaremos com a vida se não encontrarmos uma resposta satisfatória.

Nem mesmo os pensadores das tradições marxista e anarquista nos são de grande valia, pelo menos para respondermos à questão fundamental: o que fazer?

Era um edifício que se assentava sobre a convicção de que o desfecho da luta de classes se daria com a vitória definitiva do proletariado sobre a burguesia, ensejando a libertação da sociedade como um todo e inaugurando a era da liberdade, para além da necessidade

Não haveria mais classes, apenas seres humanos cooperando solidariamente para o bem comum, com cada um deles dispondo dos bens e serviços necessários para uma sobrevivência digna e podendo desenvolver suas melhores aptidões; nem países, fronteiras e exércitos, pois finalmente sairíamos da pré-história da humanidade, alcançando um estágio superior de civilização. 

Foi a mais bela das utopias, contudo ela só faria sentido se o proletariado realmente cumprisse o papel a ele destinado, de sujeito da revolução. 

Mas, para nossa infelicidade, o reformista Eduard Bernstein, derrotado implacavelmente por Rosa Luxemburgo na polêmica célebre que originou seu livro Reforma ou revolução, acabou obtendo uma vitória póstuma sobre a rosa vermelha: o proletariado tendia mesmo para a acomodação e o aburguesamento, pelo menos enquanto o capitalismo lhe pudesse oferecer migalhas suficientes para satisfazer seu apetite consumista. 

Se o proletariado não estava destinado a encabeçar a revolução, quem o faria? 

A melhor das hipóteses, no sentido de oferecer uma perspectiva concreta de luta, foi a de Marcuse, o expoente mais polêmico da Escola de Frankfurt

Para ele, só quem escapasse das garras do sistema, não aceitando ou não podendo participar da sociedade de consumo e suas viciosas benesses, conseguiria resistir à lavagem cerebral dos modernos meios de comunicação de massa e viabilizar, afinal, o assalto aos céus tão sonhado desde a Comuna de Paris.

Os contestadores de 1968 pareceram por um momento ser os substitutos do proletariado domesticado, mas foram derrotados na Europa e se desmobilizaram nos EUA após a conquista do seu maior triunfo, o de darem um fim à intervenção estadunidense no Vietnã e países vizinhos.

Restaram os identitários, que brotaram como cogumelos mas geralmente se atêm a seus objetivos exclusivos, acreditando que eles poderão ser obtidos dentro do capitalismo agonizante. Ledo engano. Contentam-se com o ouro de tolo, esquecendo que serão levados de roldão, como todos os terráqueos, se o capitalismo persistir encaminhando-nos para a extinção de nossa espécie.

E os economicistas na linha da crítica do valor ou da dissecação da escalada da desigualdade, embora exímios em diagnosticar o mal, não apontaram, afinal, nenhum caminho para a revolução que hoje se tornou imperativa. 

Os primeiros parecem apostar em que uma maior conscientização sobre os malefícios do capitalismo, num passe de mágica, tangerá as massas  atomizadas e manipuladas à revolução. Na verdade, elas estão é se direcionando em escala muito maior para o neofascismo.

Quanto aos segundos, o que mais têm inspirado são propostas de humanizar o capitalismo, como se a social-democracia já não tivesse tentado isto em épocas muito mais favoráveis e, ainda assim, fracassado. Não será agora, com o regime da exploração do homem pelo homem se esfacelando a olhos vistos, que se conseguirá convencer os exploradores a ficarem bonzinhos e nos explorarem menos.

E por que, enfim, estamos agora passando pela etapa apocalíptica do capitalismo? 

Porque finalmente, após milênios de esforços e sofrimentos, a humanidade já detém saber científico e capacitação técnica para atender às demandas básicas de todos os habitantes do planeta, transpondo a chamada barreira da necessidade. Mas, ao invés disto, os ganhos foram usurpados pelos detentores do poder econômico. 

Então, ao invés da generosa fórmula marxista (de cada qual segundo sua possibilidade, a cada qual segundo suas necessidades), o que tivemos foi uma evolução da exploração para superexploração, com uma parcela cada vez maior da humanidade reduzida a condições dantescas, subumanas. 

Por esse caminho, acabaremos repetindo o fim de Roma, quando os bárbaros que rodeavam as fronteiras do império se tornaram tão numerosos que o destruíram, fazendo a civilização recuar em cerca de um milênio. Por enquanto ainda não chegamos a tal ponto, mas a barbárie já grassa de forma estarrecedora entre nós.

O certo é que o capitalismo depende de uma continua expansão para se manter viável, mas, priorizando a ganância, o lucro e o privilégio, faz aumentar cada vez mais a desigualdade econômica e social. 

Então, simplificando, há cada vez menos consumidores com poder de compra suficiente para adquirirem os bens produzidos. 
Tal contradição já foi flagrada por Marx no século retrasado, mas continua insolúvel. Queimas de café, guerras, oferta de crédito impagável, diversos artifícios serviram para empurrar o problema com a barriga para a frente, ao invés de o resolver. 

Agora, estamos a um passo da debacle final, quando as pedras do dominó tombarão uma a uma e o sistema financeiro desabará em escala mundial. A grande depressão do século passado será fichinha perto da que ora se prenuncia.

Enquanto isto, no entanto, o capital continua tendo poderio suficiente para impedir, p. ex., que se tomem as medidas imperativas e urgentíssimas para salvar a humanidade do pesadelo ecológico. O aquecimento global e as alterações climáticos têm avançado muito além do previsto e nem sequer a mudança da matriz energética foi concretizada, pois a indústria automobilística a ela resiste encarniçadamente.

E, lembrando o velho chavão segundo o qual em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão, a estagnação atual do capitalismo está acirrando as disputas de mercado entre as nações mais poderosas a um ponto tal que a guerra nuclear voltou a ser uma hipótese provável. Putin mesmo tem utilizado tal espantalho para chantagear as nações que ajudam a Ucrânia. Como nos tempos da guerra fria, o impensável nos acossa.

E até onde poderão ir as epidemias (que tendem a ser mais frequentes e mortíferas como consequência das condições deploráveis de vida em que vegetam grandes contingentes humanos)?

Não é exagero nenhum afirmar que o capitalismo agônico hoje é regido pelos quatro cavaleiros do apocalipse: guerra, fome, peste e morte. E que, se a humanidade não reagir logo às ameaças que se agravam cada vez mais, não existirá século 22.

Ou superamos o capitalismo, ou ele nos exterminará. É simples assim. (por Celso Lungaretti)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails