...e não será com as teorizações de Adam Smith, Keynes ou Friedman que vamos decifrar o enigma que a esfinge ora nos propõe.
O pior é que pagaremos com a vida se não encontrarmos uma resposta satisfatória.
Nem mesmo os pensadores das tradições marxista e anarquista nos são de grande valia, pelo menos para respondermos à questão fundamental: o que fazer?
Era um edifício que se assentava sobre a convicção de que o desfecho da luta de classes se daria com a vitória definitiva do proletariado sobre a burguesia, ensejando a libertação da sociedade como um todo e inaugurando a era da liberdade, para além da necessidade.
Não haveria mais classes, apenas seres humanos cooperando solidariamente para o bem comum, com cada um deles dispondo dos bens e serviços necessários para uma sobrevivência digna e podendo desenvolver suas melhores aptidões; nem países, fronteiras e exércitos, pois finalmente sairíamos da pré-história da humanidade, alcançando um estágio superior de civilização.
Foi a mais bela das utopias, contudo ela só faria sentido se o proletariado realmente cumprisse o papel a ele destinado, de sujeito da revolução.
Mas, para nossa infelicidade, o reformista Eduard Bernstein, derrotado implacavelmente por Rosa Luxemburgo na polêmica célebre que originou seu livro Reforma ou revolução, acabou obtendo uma vitória póstuma sobre a rosa vermelha: o proletariado tendia mesmo para a acomodação e o aburguesamento, pelo menos enquanto o capitalismo lhe pudesse oferecer migalhas suficientes para satisfazer seu apetite consumista.
A melhor das hipóteses, no sentido de oferecer uma perspectiva concreta de luta, foi a de Marcuse, o expoente mais polêmico da Escola de Frankfurt.
Para ele, só quem escapasse das garras do sistema, não aceitando ou não podendo participar da sociedade de consumo e suas viciosas benesses, conseguiria resistir à lavagem cerebral dos modernos meios de comunicação de massa e viabilizar, afinal, o assalto aos céus tão sonhado desde a Comuna de Paris.
Os contestadores de 1968 pareceram por um momento ser os substitutos do proletariado domesticado, mas foram derrotados na Europa e se desmobilizaram nos EUA após a conquista do seu maior triunfo, o de darem um fim à intervenção estadunidense no Vietnã e países vizinhos.
Restaram os identitários, que brotaram como cogumelos mas geralmente se atêm a seus objetivos exclusivos, acreditando que eles poderão ser obtidos dentro do capitalismo agonizante. Ledo engano. Contentam-se com o ouro de tolo, esquecendo que serão levados de roldão, como todos os terráqueos, se o capitalismo persistir encaminhando-nos para a extinção de nossa espécie.
E os economicistas na linha da crítica do valor ou da dissecação da escalada da desigualdade, embora exímios em diagnosticar o mal, não apontaram, afinal, nenhum caminho para a revolução que hoje se tornou imperativa.
Os primeiros parecem apostar em que uma maior conscientização sobre os malefícios do capitalismo, num passe de mágica, tangerá as massas atomizadas e manipuladas à revolução. Na verdade, elas estão é se direcionando em escala muito maior para o neofascismo.
Quanto aos segundos, o que mais têm inspirado são propostas de humanizar o capitalismo, como se a social-democracia já não tivesse tentado isto em épocas muito mais favoráveis e, ainda assim, fracassado. Não será agora, com o regime da exploração do homem pelo homem se esfacelando a olhos vistos, que se conseguirá convencer os exploradores a ficarem bonzinhos e nos explorarem menos.
E por que, enfim, estamos agora passando pela etapa apocalíptica do capitalismo?
Porque finalmente, após milênios de esforços e sofrimentos, a humanidade já detém saber científico e capacitação técnica para atender às demandas básicas de todos os habitantes do planeta, transpondo a chamada barreira da necessidade. Mas, ao invés disto, os ganhos foram usurpados pelos detentores do poder econômico.
Então, ao invés da generosa fórmula marxista (de cada qual segundo sua possibilidade, a cada qual segundo suas necessidades), o que tivemos foi uma evolução da exploração para superexploração, com uma parcela cada vez maior da humanidade reduzida a condições dantescas, subumanas.
Por esse caminho, acabaremos repetindo o fim de Roma, quando os bárbaros que rodeavam as fronteiras do império se tornaram tão numerosos que o destruíram, fazendo a civilização recuar em cerca de um milênio. Por enquanto ainda não chegamos a tal ponto, mas a barbárie já grassa de forma estarrecedora entre nós.
O certo é que o capitalismo depende de uma continua expansão para se manter viável, mas, priorizando a ganância, o lucro e o privilégio, faz aumentar cada vez mais a desigualdade econômica e social.
Agora, estamos a um passo da debacle final, quando as pedras do dominó tombarão uma a uma e o sistema financeiro desabará em escala mundial. A grande depressão do século passado será fichinha perto da que ora se prenuncia.
Enquanto isto, no entanto, o capital continua tendo poderio suficiente para impedir, p. ex., que se tomem as medidas imperativas e urgentíssimas para salvar a humanidade do pesadelo ecológico. O aquecimento global e as alterações climáticos têm avançado muito além do previsto e nem sequer a mudança da matriz energética foi concretizada, pois a indústria automobilística a ela resiste encarniçadamente.
E, lembrando o velho chavão segundo o qual em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão, a estagnação atual do capitalismo está acirrando as disputas de mercado entre as nações mais poderosas a um ponto tal que a guerra nuclear voltou a ser uma hipótese provável. Putin mesmo tem utilizado tal espantalho para chantagear as nações que ajudam a Ucrânia. Como nos tempos da guerra fria, o impensável nos acossa.
E até onde poderão ir as epidemias (que tendem a ser mais frequentes e mortíferas como consequência das condições deploráveis de vida em que vegetam grandes contingentes humanos)?
Não é exagero nenhum afirmar que o capitalismo agônico hoje é regido pelos quatro cavaleiros do apocalipse: guerra, fome, peste e morte. E que, se a humanidade não reagir logo às ameaças que se agravam cada vez mais, não existirá século 22.
Ou superamos o capitalismo, ou ele nos exterminará. É simples assim. (por Celso Lungaretti)
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