quinta-feira, 15 de junho de 2023

O ROBINHO NÃO VALE NADA, MAS A ITÁLIA JOGA SUJO PARA IMPOR-NOS SUA VONTADE.

Os leitores leigos certamente ficarão estarrecidos ao tomarem conhecimento, numa longa série do UOL, dos áudios (e, como alternativa, das transcrições) de conversas trocadas pelo jogador Robinho com seus
parças envolvidos em janeiro de 2013 no episódio do estupro coletivo de uma moça albanesa durante balada numa casa noturna de Milão, Itália.

Tão chocante quanto as baixarias desses lamentáveis personagens preocupados em escapar da consequência de seus atos, é o fato de que caíram do céu para o UOL mais de 10 horas de gravações (os chamados grampos) da polícia italiana e que deveriam estar sob sigilo da Justiça daquele país – e isto no exato momento em que a nossa Justiça tardava em colocar na pauta o pedido de que a sentença italiana seja cumprida aqui mesmo. Coincidência? Nenhuma!

O efeito foi imediato, conforme noticiou o próprio UOL: o Supremo Tribunal Federal agora se apressa em marcar tal julgamento. Tiro e queda.

O que jamais poderia passar despercebido a jornalistas, ainda que meros comentaristas esportivos ou mulheres que exercem a profissão como torcedoras do Feminismo Futebol Clube, é tratar-se de uma óbvia e descarada iniciativa italiana para pressionar o STF e o Governo Lula. 

Trata-se do mesmíssimo jogo sujo e ilegal que aquele país praticou às escâncaras, sob aplauso da grande imprensa brasileira, durante o julgamento do Caso Battisti em 2008-2011, quando o recém falecido premiê Silvio Berlusconi (que o diabo o tenha!) queria porque queria forçar os brasileiros a lhe entregarem na marra o escritor italiano por conta de uma condenação italiana JÁ PRESCRITA.
Daquela vez um deputado ultradireitista italiano teve a arrogância de declarar, quando o ministro Tarso Genro decidiu libertar Battisti em janeiro de 2019, o seguinte:
"Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas [insinuando tratarem-se de prostitutas]. Portanto, antes de pretender nos dar lições de Direito, o ministro da Justiça brasileiro faria bem se pensasse nisso não uma, mas mil vezes".
A decisão de Genro acabou sendo anulada pelo Supremo, que por margem mínima (5x4), após várias sessões, aprovou o pedido de extradição, mas, pelo mesmíssimo placar, resistiu à intensa pressão no sentido de que tal decisão fosse aplicada automaticamente. 

Graças ao zelo do ministro Ayres Britto, que fez questão de preservar o entendimento do próprio STF em casos anteriores, a última palavra coube ao presidente Lula que, no apagar das luzes do seu segundo mandato, se negou a prostrar-se à ofensiva berlusconiana. 

Os ministros tendenciosamente engajados na batalha pela extradição, em especial Gilmar Mendes e Cezar Peluso (que se alternaram o tempo todo como presidentes do Supremo e relatores desse processo em especial), chegaram à beira de um ataque de nervos em seus esforços para que fosse anulada a decisão que o próprio STF delegara a Lula. Mas afinal, em junho de 2011, após novo julgamento, a corte resolveu por 6x3 fazer cumprir o que era de direito e Battisti foi libertado.

O pior, para as neofascistas italianos, foi que as discussões sobre o destino de Battisti colocaram mundialmente em evidência o ambiente de caça às bruxas que prevalecia naquele país após o assassinato de Aldo Moro

Foi uma fase em que as investigações policiais excediam em muito os limites legais e na qual a Justiça admitiu aberrações como permitir que réus permanecessem em prisão preventiva POR ATÉ DEZ ANOS E MEIO (!!!) mesmo não tendo sofrido nenhuma condenação.

O certo teria sido uma anistia geral depois que os anos de chumbo italianos chegaram ao fim, pois o período fora marcado por grandes atentados ultradireitistas (só no pior deles, o ataque à estação ferroviária de Bolonha, morreram 85 civis e outros 200 foram feridos) e algumas escaramuças com vítimas fatais da parte de grupúsculos esquerdistas em resposta ao terrorismo neofascista. 

A diferença foi a grande benevolência dos podres Poderes de lá com relação aos primeiros e o extremo rigor para com os segundos. Então, em qualquer país que não tivesse o triste passado italiano, de dobradinha com os nazistas alemães na 2ª Guerra Mundial e submissão canina à ditadura de Benito Mussolini a partir de 1922, tal vergonhosa página teria sido virada pela via da anistia. 

Como esta ficou faltando, um discípulo de Mussolini moveu céus e terras numa vendetta extemporânea contra quem se tornara um pacato e bem sucedido escritor. Até mesmo o sequestro de Battisti foi tentado, quando ele já tinha sido oficialmente reconhecido como residente legal no Brasil.

E o ressentimento pelo ultraje perdurou inclusive quando o Judas boliviano Evo Morales entregou à Itália a cabeça que os neofascistas tanto ansiavam pendurar na sala de troféus.

A última humilhação que fazem questão de impor-nos será a obrigação de encarcerar o Robinho no Brasil, endossando a sentença deles, ainda que a dita cuja conflite em pontos importantes com nossos cânones jurídicos.  Começando pelo fato de que, embora Robinho não valha um centavo como ser humano, seus direitos acabam de ser estuprados com a entrega desses áudios ao UOL Pena que este tipo de estupro não preocupe os santos inquisidores do teclado.

Talvez eu desta vez venha a ser o único jornalista a indignar-se quando nosso país é tratado a pontapés pelos estrangeiros, como se ainda fosse mera colônia europeia ou uma mísera
república das bananas. Mas discernimento político e caráter jamais me faltaram. 

A participação do jogador Robinho e do técnico Cuca em estupros coletivos também me enoja, mas o vazamento seletivo para a imprensa brasileira de peças processuais sob segredo de Justiça, no qual tanto a Itália quanto a Suíça incorreram, me parece um mal muito maior, por conferir poder extremado aos que já o detêm em demasia.

Porque serão sempre os poderosos que decidirão quais segredos devem ir para o ventilador e quais devem ser preservados. Alguém confia em que sejam isentos e imparciais os critérios adotados por um Bolsonaro ou um Putin? Por um André Mendonça ou um Zanin?

Resta sabermos como agirá o STF se ficar confirmado que, conforme consta da série do UOL, o grampo da polícia de Milão visava a outros personagens do mundo futebolístico, mas a aparição das vozes de Robinho e do seu parça Jairo Chagas, por causa do teor da conversa entre ambos, fez com que o caso do estupro entrasse casualmente na alça de mira dos arapongas? 

Um ministro do STJ acaba de libertar um chefão do PCC porque, a seu ver, os policiais que desconfiaram dele na rua e o revistaram, flagrando-o com dois quilos de cocaína, teriam cometido uma
abordagem ilícita

Afinal, as abordagens por mero palpite e a espionagem ilimitada dos cidadãos valem ou não valem no Brasil? Se não valerem, como aplicar aqui uma sentença estrangeira cuja origem terá sido espúria?   (por Celso Lungaretti, veterano da resistência à ditadura militar, que integrou o Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti no período 2008/2011)

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