sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

NEM TODOS OS AUTORITÁRIOS SÃO VIKINGS

F
oram seis dias inteiros no litoral com minhas duas filhas, algo que nunca havia feito, por força de diversos problemas, embora já tivesse viajado com cada uma em separado. 

Valeram cada minuto, mesmo que nem tudo saísse como pretendíamos: a sala de jogos estava interditada em função da pandemia, o mau clima atrapalhou e nos faltou um carro para termos mais opções. 

Mas, nem que me tivesse ocorrido a possibilidade de alugar um, seria impossível: minha carta de motorista expirou faz três meses.

Fiquei um tanto melancólico ao perceber que tempo perdido não se recupera. A Luana, prestes a completar 19 anos, logo vai ter outro foco na sua vida, seja a carreira que tenta deslanchar e, resultando, a levará amiúde para o exterior, seja uma união com o príncipe encantado que por enquanto ainda não deu o ar de sua graça.

A Laura, chegando aos 13, demorará alguns anos para voar com as próprias asas, mas o dia vai chegar inexoravelmente. 

As dificuldades financeiras da última década, hoje percebo, me privaram de alegrias que não estariam para sempre a meu alcance. Enfim, o jeito é aproveitar enquanto durarem... 

Também não tive oportunidade de sair em busca da
casa de praia na qual minha vida tomou seu rumo definitivo, em abril de 1969: nela entrei como observador de um congresso de reestruturação da VPR, representando meu grupo de oito ativistas secundaristas, e saí com o ingresso de todos nós na luta armada decidido.

Mas, talvez quisesse mesmo é lembrar-me das peladas que travávamos na praia em frente, durante o intervalo entre as sessões matutinas e vespertinas. 

Quantos daqueles alegres peladeiros tiveram morte trágica, começando pelo Lamarca!  Hoje, bem vistas as coisas, aquilo era a calmaria antecedendo a tempestade.

De resto, voltando ao batente, tenho muito a agradecer ao David, que tomou conta da garrafa durante a minha ausência e, depois de passar um tempão sem fazer blog, em pouco tempo recuperou o jeito. Seus dois textos sobre a posse de Joe Biden foram muito além das minhas (já elevadas) expectativas. Recomendo-os a quem não leu: este e este.

E quero registrar que, deparando-me com uma discussão um tanto chocante no grupo Filmes Raros, Cults, Filosóficos, Artísticos e Documentários do Facebook, resolvi me manifestar, decepcionado com a postura autoritária de quem impugnava inclusive a mera discussão de uma das versões cinematográficas da novela Lolita, de Vladimir Nabokov (a de 1997, dirigida por Adrian Line, com Jeremy Irons).

O tema é o romance entre um intelectual de meia idade com pouca vivência mundana e uma ninfeta, desastroso para o primeiro, mas, ainda assim, as moças intolerantes queriam lançar a obra e o debate à fogueira com uma única palavra: pedofilia

Tão fanáticas quanto incultas, não pareciam saber que se tratava de uma obra emblemática do século passado, que deu origem a um sem-número de adaptações para as telas, sendo a primeira de 1962, do Stanley Kubrick, com James Mason como protagonista. 

Ou seja, nem mesmo o rançoso moralismo de então impediu que ele fosse apreciado como obra de arte e não  uma imundície a ser suprimida pelos paladinos da moral e dos bons costumes. No entanto, hoje há quem peça, num grupo dedicado à discussão da arte, que o administrador suprima o post!

Conhecedor dos livros do Nabokov, estava apresentando minhas ponderações quando, sem quê nem pra quê, fui tirado do ar. Não pude sequer desfiliar-me do grupo, pois nunca fico onde se pratica a censura, só bem depois constando que alguém, provavelmente o (macartista?) administrador, poupou-me do trabalho de o fazer.

Talvez seja interessante para os leitores passarem os olhos pela discussão sobre o episódio travada no Face (fora do tal grupo obscurantista, é claro!), com muitos participantes civi1izados trazendo à baila aspectos interessantes. 

Destaco esta acurada análise do autoritarismo que grassa no ambiente universitário, sugerida pelo leitor Francisco Arlindo Alves:
 Parece revolução, mas é só neoliberalismo, de autoria de Benamê Kamu Almudras, publicada na revista Piauí deste mês. É longa demais para o formato deste blog, mas tem tudo a ver e merece ser conhecida e divulgada.

A luta contra todas as formas de censura, obscurantismo e retrocesso civilizatório continua! (Celso Lungaretti) 

2 comentários:

Anônimo disse...

Os velhos conservadores de terço na mão e crucifixo na parede de meados do século passado ganharam, nos últimos 10 anos, a companhia tanto dos "neocons" moderninhos, que propalam um interminável combate à pedofilia, ao direito ao aborto, ao "crime" etc. etc., quanto dos tais identitária, que são ainda piores por se disfarçarem de "esquerda". É como ter o adversário na sua própria trincheira.

Marco Aurélio, Rio de Janeiro

celsolungaretti disse...

Eles estão brincando de fazer o "teatro da revolução". Como no meu tempo isso não existia e tentávamos é fazer a revolução de verdade, quase morri e fiquei todo arrebentado.

Até que a opção deles é boa... para quem quer ser herói na vida sem correr perigo. O diabo é que tudo isso não passa de espuma e não leva nenhum deles a lugar nenhum.

O que não os impede de se atribuírem o direito de ser desaforentos, como se tivessem realmente lutado.

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