quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

TRUMP E O FIM DA PAX AMERICANA



Pax Americana pode ser considerado um período de forte crescimento econômico, estabilidade política e hegemonia mundial dos EUA. O marco deste período é certamente o fim da Segunda Guerra Mundial, mais especificamente o lançamento das duas bombas atômicas sobre o Japão. 
Naquele momento, diante de uma Europa arruínada e um Japão prostrado, os EUA saíram intactos do furacão, com uma poderosa indústria e uma força militar titânica. Seu único adversário a nível global, a URSS, estava alguns degraus abaixo, pois sofrera fortes perdas durante a guerra. 

A reconstrução da Europa e da Ásia foi o motor de um robusto crescimento econômico dos EUA, alavancando a riqueza do país e parindo uma poderosa classe média. 

Nos tempos de McCarthy, socialistas eram linchados nas ruas dos EUA
O MARCATHISMO cuidou de limpar a política estadunidense de qualquer sombra de forças de esquerda: SOCIALISTAS, COMUNISTAS, SOCIAL-DEMOCRATAS, TRABALHISTAS e qualquer um que tivesse o mínimo de crítica social foi retirado da vida política, seja pelo ostracismo, seja pelo exílio ou mesmo pela morte. 

Veio daí uma forte hegemonia política conservadora, de centro-direita, a qual, aliada a um enriquecimento das classes trabalhadoras, levou a um marasmo político. Mesmo as agitações das décadas de 60 e 70 não vieram abalar o status quo, sendo relativamente bem absorvidas pelo sistema institucional. Afinal, no fim, foi o pacifista e negociador Martin Luther King quem triunfou e não o revolucionário Malcolm X.


O céu de brigadeiro começou a se desmanchar em fins da década de 70. O choque do petróleo e uma profunda crise levou a economia dos EUA a derrapar. A subida de Ronald Reagan marcou nova fase política, com a implementação do neoliberalismo, paulatino empobrecimento da classe média e radicalização direitista do partido republicano. 
Reagan iniciou a Era Neoliberal nos EUA


A partir desta época, a queda de renda dos trabalhadores começou a ser compensada pelo endividamento generalizado, com pessoas hipotecando suas casas para manter um nível de vida já impossível. 

A bomba começou a ser armada e foi estourar em 2008. O rei estava nu!

Occupy Wall Street e a eleição de Obama foram manifestações à esquerda do descontentamento popular. O governo Obama conseguiu mitigar, mas não resolver, o problema da crise e milhões de desiludidos acabaram rumando para as fileiras de Trump. 

Por outro lado, o Ocuppy levou à ascensão de social-democratas hoje influentes: Sanders, Ocasio-Cortez, etc. 
O Occupy foi a primeira resposta popular à crise de 2008

No meio do caos entra Trump. Longe de ser um ponto fora da curva, Trump é o produto necessário da crise do capitalismo estadunidense. A grave crise de 2008, o empobrecimento generalizado, a falta de perspectiva e o fracasso de Obama levaram a um profundo discrédito dos trabalhadores frente ao sistema institucional. 

O povo estava cansado das limitações e inoperância do establishment e por isso almejava um franco atirador, alguém para declarar guerra de dentro do governo e virar a mesa. 

Sanders era o homem à esquerda, mas foi barrado pelos chefões do Partido Democrata. Trump conseguiu triunfar, à direita, talvez porque o Partido Republicano já tivesse décadas de radicalização direitista, o que facilitou imensamente a vitória do agora ex-presidente.
 
Sanders não conseguiu fazer frente ao poderoso establishment do Partido Democrata

E Trump fez o que foi eleito para fazer: declarar guerra ao sistema institucional. E isto colocou fim à Pax Americana, repolitizando a presidência da república. 

Trump trouxe a crise econômica, as tensões da sociedade, a fúria do americano médio para dentro da Casa Branca. O indivíduo comum, sobretudo dos cinturões mais devastados do interior e dos subúrbios, sentiu-se plenamente realizado com o presidente. Para eles, a questão maior era, e é, a destruição do sistema que virou as costas para eles. Por isso, Trump teve uma votação tão maciça e, por isso, o Capitólio foi invadido. 

A invasão ao Congresso, inclusive, é a mostra desta fúria de amplos setores populares contra o sistema institucional. O símbolo sagrado da democracia americana, nas palavras de Guga Chacra, é para estes populares o símbolo da raiva e do ressentimento
A invasão ao Capitólio expressa o ódio de frações populares frente ao "abandono" das instituições

No entanto, como se fosse uma neurose freudiana, Trump apenas significou a vingança simbólica, pois a verdadeira base concreta da crise não pode ser por ele resolvida. Ao contrário, ele até a piorou, elevando-a a novo patamar. 

A guerra hoje empreendida no seio do centro do capitalismo mundial poderá determinar o futuro do próprio sistema. É algo para se ver. Fato é que a Pax Americana está sepultada e deu lugar à BELLUM AMERICANA. 
 

Ele se foi, mas seu "legado" não


(Por David Emanuel Coelho)


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