quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

EM 1968, O QUE O FILME "SE..." MOSTRAVA ERA SÓ UMA POSSIBILIDADE. NA DÉCADA SEGUINTE, VIRIA A TORNAR-SE TRAGÉDIA.

Os dois filmes que marcaram indelevelmente o ano de 1968, para os que vivemos o sonho e ainda o temos como um referencial maior de nossas existências, foram A chinesa (d. Jean-Luc Godard) e Se... (d. Lindsay Anderson). 

A chinesa, que estreou na França em agosto de 1967 mas só chegou ao Brasil no ano seguinte, mostra um grupo de jovens reunidos numa comunidade para aprenderem teorias revolucionárias e tentarem viver e se relacionar como homens novos. Quando os ventos de mudança sacudiram a França em 1968, A chinesa foi, merecidamente, considerado um filme premonitório.

Se..., por sua vez, foi estrelado por Malcolm McDowell (ícone dos filmes que então se faziam sobre a rebeldia jovem) e estreou em dezembro de 1968. Tem pontos de contato com as jornadas contestatórias, mas também diferenças significativas. 

A mais óbvia é mostrar três alunos rebeldes, atritados com o sistema educacional e que são rechaçados inclusive pelos seus colegas. Até faz sentido se pensarmos apenas na Inglaterra, mas em vários países do continente europeu a contestação foi popular entre os estudantes, de forma que o trio não estaria tão sozinho.
E se trata também de um filme premonitório, não propriamente do 1968 europeu, mas da luta que militantes desencantados com a esquerda convencional travaram ao longo da década seguinte, pegando em armas contra o status quo e o terrorismo de direita.

Para introduzir Se..., citarei trechos do ótimo livro Um olhar sobre o cinema, de Humberto Pereira da Silva, conforme foram reproduzidos  no blog Convergência Cinéfila, um dos melhores do Brasil na área cinematográfica.
"If...., de Lindsay Anderson, Palma de Ouro no Festival de Cannes em 69, foi justamente concebido em 68 e trata da rebeldia estudantil numa instituição de ensino inglesa (chamada apenas de Academia).
Tendo como fonte o livro Crusaders, de David Sherwin, If.... se insere no rol de filmes que hoje servem de referência para a compreensão do espírito de rebeldia dos anos 60 e ainda situam a ação no ambiente escolar (a escola, na época, era entendida por muitos como entrave à mudança de costumes –minissaia, cabelos compridos, liberação sexual– e aparelho de manutenção da ordem burguesa). 
...a Academia, em If...., ao contrário da platônica, é o lugar da conservação, da manutenção de valores tradicionais, da ordem e da disciplina: e, na mesma medida, avessa à controvérsia, ao embate de ideias. 

Com isso, o que se tem então neste filme de Lindsay Anderson é um caráter deliberadamente irônico e alegórico (ironia que se pode observar já no título: à conjunção se não se segue um verbo no subjuntivo, mas quatro pontinhos).  

Linday Anderson concebeu If.... na forma de capítulos; como num romance, ou num livro escolar, os títulos anunciam o tema narrativo... [seguindo] a seguinte ordem: 1. Moradia estudantil2 A Academia3. Tempo do período4. Ritual e Romance5. Disciplina6. Resistência7. Rumo à guerra; e 8. Guerrilheiros. Os episódios do filme opõem os Crusaders aos Wipps, que representam a ordem na Academia. 
Para cada capítulo, ou episódio, a composição da ambiência, as linhas que indicam situações que culminam no confronto final entre estudantes rebelados e os representantes da ordem institucional...
...[no final] os três [estudantes rebeldes] são acusados de causar transtornos e, com isto, macular a imagem da instituição. A fim de que a Academia não se revele pusilânime, eles são então punidos com chibatadas de vara de marmelo...
...Após a punição, (...) fazem pacto de sangue cujo significado se dará a conhecer no [apocalíptico] final".

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