Ouvi da minha amiga jornalista e escritora mineira, Malluh Praxedes, de Belo Horizonte, que veio lançar em Fortaleza o seu 20º livro, intitulado 40 anos de entrevista musical, área na qual desenvolveu muitas relações musicais, o elogio à cordialidade racial brasileira.
Malluh conheceu alguém que lhe fez um relato comovente sobre seu pai, que lhe contou a história de um judeu russo, que fugiu do seu país durante a primeira guerra mundial para as Américas.
Após um périplo pelas Américas, veio para o Brasil e terminou vindo morar no Ceará. Disse-me ela que seus conterrâneos judeus perseguidos haviam orientado o seu conterrâneo para vir para o Brasil, país que acolhia a todos sem discriminação.
Foi a partir do relato emocionado sobre tal história que minha amiga afirmou que o Brasil era o melhor país do mundo, pois recebia a todos sem olhar a raça, a etnia, o credo ou outras similaridades próprias a cada povo e região.
O Brasil, apesar de ter tido uma colonização escravista e extrativista de suas riquezas, voltada para dar sustentação ao Reino de Portugal, do qual éramos colônia. caracterizou-se pela decantada cordialidade para com os muitos imigrantes que por aqui apareceram fugindo das guerras ou em busca do sonho de riqueza ao construir a América.
Os índios que aqui já estavam há milênios não serviram muito para o processo de escravismo da colonização portuguesa porque estavam acostumados à vida farta num país de dimensões gigantescas, e não se deixavam escravizar tão facilmente. Por isso, eram chamados de preguiçosos, como ainda hoje ocorre.
Os brasilíndios viviam bem, a ponto do escrivão Pero Vaz de Caminha, da esquadra de Pedro Álvares Cabral, relatar ao Rei de Portugal, Dom Manuel I, "sobre as belezas dos índios e índias com suas vergonhas de fora".
Cumpre-nos, en passant, lembrar que por aqui não se conhecia a riqueza abstrata, representada pelo valor, dinheiro e mercadorias, mas todos viviam muito bem. Cedo os “descobridores” passaram a trocar espelhos por ouro e ensinaram os autóctones a adorar um deus que lhes era estranho e em genuflexão.
Foi assim, necessitando de mão escrava obediente e submissa, que começou a comercialização de escravos negros trazidos da África a ferro e fogo em navios negreiros, cujo fato foi objeto da repulsa poética do baiano Castro Alves e da luta do Dragão do Mar, um negro cearense que afirmou: “no Ceará não se recebem mais escravos”, daí a alcunha de terra da luz, razão pela qual quase nada de escravismo da etnia africana aportou pelo Ceará.
Realmente, além da predominância inicial de portugueses, que firmaram o idioma de Luís de Camões (1524/1580) como predominante, após a expulsão de holandeses e franceses, para cá vieram italianos e espanhóis - muitos deles anarquistas; alemães e polacos; judeus de todos os países europeus; japoneses e ucranianos; escandinavos e africanos; franceses, holandeses, ingleses, árabes - libaneses em maior número -, chineses, coreanos, etc., que aqui formaram a maravilhosa miscigenação racial brasileira.Diante da conclusão da minha amiga sobre a existência de uma cordialidade racial brasileira, concordei com a firmação, mas ponderando alguns aspectos críticos que devem ser indicados, a bem da verdade.
Disse-lhe que tínhamos uma dívida social continental para com nossos irmãos africanos, que após um período de 300 anos, desde a infame institucionalização por escritura e registro de que eles seriam propriedade, quando foram tratados como se fossem bens semoventes, ainda padecem sob a chaga da exclusão social.
A etnia africana no Brasil, predominantemente, mora em favelas e bairros desassistidos e lotam as cadeias numa percentagem maior do que os seus conterrâneos, como demonstração inconteste do racismo que infelizmente está culturalmente entranhado na vida social brasileira dominada por uma elite econômica e política.
O Brasil pode se sentir merecidamente elogiado por sua postura de acolhimento étnico que resultou numa maravilhosa miscigenação racial.
Entretanto, por aqui predomina uma divisão de estamentos sociais que assombra os turistas europeus e norte-americanos, pela diferenciação de padrão econômico e de consumo havido entre a chamada classe média, ricos e os trabalhadores de baixa renda.
Num país onde um juiz ganha num mês o que um operário ganha em três anos; no qual um parlamentar ganha no mesmo período o que o operário ganha em 10 anos; onde existe um nível de desemprego da mão de obra economicamente ativa em torno de 10%, que significa um total em torno de 10 milhões de brasileiros desesperados; onde o salário-mínimo se situa em torno de US$ 260,00 mensais, logo se entende o porquê da sua concentração de renda absurda.
Graças ao desemprego estrutural que permanece renitente e com ameaças de crescimento, além do subemprego, é que vivemos sob intenso clima de violência urbana sem que o Estado possa debelar tamanha chaga social face aos elevados custos de tal situação no que se refere à prevenção e punição dos criminosos, grande parte deles também vítimas do caos social resultante do capitalismo no seu estágio de saturação irremediável.
Certa vez o cineasta e político italiano Franco Zeffirelli, nos idos dos anos sessenta, disse que o Brasil era o último país feliz do mundo. Mas, infelizmente, perdemos a nossa decantada cordialidade, tornamo-nos socialmente violentos e entristecidos... (por Dalton Rosado)
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