quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

A ESQUERDA PRECISA DISCUTIR QUE FEIÇÃO ASSUMIRÁ NO PÓS-LULA

Um consolo para Lula deve ser o de que, graças aos processos por corrupção a que vem respondendo e, agora, à condenação que o tornará inelegível, pôde se manter como um personagem de destaque da política brasileira mesmo já não tendo respostas para os grandes desafios brasileiros. Marchava para a irrelevância e hoje ocupa de novo todas as manchetes. Compensou? 

Na década passada, quando o boom das commodities agrícolas permitia tornar ainda mais farto o banquete dos poderosos e, simultaneamente, aumentar um tantinho a quantidade de migalhas na mesa dos explorados, era ele o presidente. A desigualdade econômica até aumentou, mas os coitadezas porventura tomam conhecimento dessas estatísticas? A conciliação de classe chegou mesmo a parecer viável durante algum tempo...

Na década atual, contudo, houve nova contração do capitalismo e, numa época de vacas magras, deixaram de existir migalhas para farta distribuição à plebe ignara. Pior: os poderosos decidiram retomar as migalhas de que haviam aberto mão no passado recente. Mas, como Lula entregara a faixa presidencial à Dilma, foi ela quem acabou levando toda a culpa pela degringola econômica.

Finalmente, agora são os inimigos que lhe dão sobrevida. Já que não consegue mais despertar esperanças nem tem nada de relevante para propor, consegue manter-se à tona com a chantagem emocional da vitimização e a promessa de vingança contra Michel Temer (um vilão que manda muito menos do que qualquer grande banqueiro, mas com os banqueiros o PT e Lula não ousam mexer) e de reversão das reformas que o poder econômico exigiu e, com unhas e dentes, impedirá de serem revertidas.

Enfim, embora tenhamos pela frente mais uma tediosa temporada de jus sperniandi, com direito a outras tantas derrotas judiciais até que a inelegibilidade do Lula e sua prisão sejam confirmadas, o resultado do julgamento deste dia 24 no TRF-4 marcou o fim de mais um surto de populismo de esquerda, reformismo e conciliação de classe no Brasil (tomara que seja o último!).

Teremos muito tempo para discutir as perspectivas para o pós-Lula adiante, à medida que o quadro político se for aclarando. 
Mas, no que tange à  esquerda, há conclusões que já são bastante evidentes, como a de termos chegado ao melancólico final do caminho que percorremos desde 1985. 

Foi quando, traumatizados com os banhos de sangue dos anos de chumbo e temerosos de que quaisquer radicalismos fornecessem pretexto para retrocessos, os líderes da Nova República optaram pela inofensiva social-democracia européia como o exemplo a ser copiado em âmbito interno, enquanto algumas tinturas bolivarianas ajudariam, como diria Erasmo Carlos, os esquerdistas desbotados a manterem "fama de mau" na política externa — sem maiores consequências, claro, apesar de todo o alarmismo do Olavo de Carvalho acerca do Fôro de São Paulo.

Também me parece gritante a necessidade de a esquerda voltar a organizar o povo para a resistência à ofensiva capitalista em todo o País, ao invés de continuar auto-confinando-se ao terreno minado dos três Poderes, onde, em todas as refregas recentes, tem  lutado como nunca e perdido como sempre...

E, com ou sem a autocrítica que o PT nos está devendo desde o impeachment da Dilma, à qual se deveria acrescentar uma autocrítica pela série de lambanças que culminou na duríssima derrota recém-sofrida, é hora de se colocar em discussão um tema crucial: faz algum sentido, depois do 31 de agosto de 2016 e do 24 de janeiro de 2018, continuarmos pisando em ovos para não incomodar os capitalistas e entoando repulsivas loas aos valores republicanos e ao Estado democrático de Direito? 

Eu não vejo nenhum. Tudo indica que as últimas ilusões tenham agora se dissipado, só nos restando uma opção digna: a de nos reassumirmos como inimigos viscerais do capitalismo, decididos a criar condições para a emancipação do povo e a construção de um novo modelo de sociedade, no qual o bem comum e a realização plena dos seres humanos passem a ser as prioridades supremas.

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