terça-feira, 3 de janeiro de 2012

"NO BRASIL TEMOS UMA JUSTIÇA MORRENTE. EM 2012, ELA NÃO VAI MUDAR"

Às vezes os companheiros se chocam com meu realismo de jornalista ao analisar assuntos com os quais estão mais envolvidos emocionamente.

Venho sendo revolucionário durante a minha vida adulta inteira e fiz no jornalismo toda a minha carreira profissional. O que aprendi nessas vivências me marcou e me formou, é inseparável do que sou hoje. Credulidade que ficou para trás, como virgindade perdida, não se recupera.

Então, quando os ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi perderam o braço-de-ferro com os colegas reacionários no Ministério de Lula, eu imediatamente percebi que, sem a revogação da anistia de 1979, a punição dos torturadores seria impossível.

Como consequência, em agosto de 2008 eu já sugeria aos humilhados e ofendidos que passassem a lutar pela condenação moral dos carrascos da ditadura, já que a criminal não viria e a civil era problemática. 

Ou seja, que mudassem o foco para a consagração da verdade histórica como veredicto oficial do Estado brasileiro.

Não fui escutado, claro, e houve até quem ironizasse, dizendo que eu estava com  peninha  dos torturadores.

E já lá se vão três anos e meio em que a única vitória marcante foi o reconhecimento, em 1ª instância, da óbvia condição de torturador de Carlos Alberto Brilhante Ustra -- que talvez venha também a ser condenado pelo assassinato de Luiz Eduardo Merlino, na ação por danos morais que lhe move a família do jornalista.

O Supremo Tribunal Federal já se posicionou pela impunidade criminal eterna dos torturadores. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em decisão recente (29/11/2011), parece ter apontado a mesma tendência para as ações civis.

O que faz um certo sentido em termos jurídicos, pois, cada vez que é requisitado um posicionamento da Advocacia Geral da União, esta se manifesta no sentido de que a Lei da Anistia extinguiu a possibilidade de se levar os torturadores ao banco dos réus. A ojeriza do Governo federal pela reabertura da questão teve peso decisivo no julgamento do STF e terá também nas causas civis --infelizmente.

Como meu papel não é o de alimentar ilusões, mas sim o de abrir os olhos, eu aponto honestamente para onde marcham os acontecimentos, mesmo que a direção não seja a dos meus sonhos.

Quando Dilma Rousseff usou toda a sua influência presidencial para viabilizar a Comissão da Verdade, afirmei que se tratava de prêmio de consolação pelo não acatamento da recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O balanço que o juiz aposentado Walter Maierovitch fez, na Carta Capital, da atuação do Judiciário em 2011, acaba de vir ao encontro desta minha avaliação:
"...o STF continua a dar sinais de a sua jurisdição estar, hierarquicamente, acima daquela da Corte Interamericana de Direitos Humanos, apesar do estabelecido na Constituição. O Brasil despreza a decisão da Corte que entendeu, com relação a crimes desumanos consumados durante a ditadura, ilegítima a aplicação da lei de autoanistia de 1979.

Enquanto pelo planeta ganha força a jurisdição internacional, o Brasil trilha caminho diverso, embora tenha firmado tratados e convenções.

Nos países da União Europeia, os juízes, qualquer que seja o grau de jurisdição, aplicam aos processos as decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos. Há consenso de que a jurisdição internacional seja prevalente.

No Brasil, temos uma Justiça morrente. E, em 2012, ela não vai mudar, infelizmente".
Eu não fiz, exatamente, uma crítica a Dilma.

Acredito que ela, tanto quanto Lula, não ouse confrontar os altos comandantes militares que ainda rugem quando ouvem a palavra Justiça (na mesma linha da frase célebre de Hermann Goering --marechal do Reich, comandante da Luftwaffe e braço-direito de Adolf Hitler--, "quando ouço falar em cultura, saco meu revolver").

Na minha opinião, isto nada mais é do que um blefe de leões desdentados e tigres de papel cujas eventuais bravatas não teriam respaldo nos quartéis. Mas, paúra também constitui um fator não desprezível nas decisões políticas...

Então, como seguir o caminho correto e civilizado estava fora de cogitação, Dilma empenhou-se muito em arrancar algo do Congresso, para que os justos não saíssem, mais uma vez, com as mãos abanando. 

E não lhe foi fácil costurar o acordo para que a Comissão recebesse, enfim, o sinal verde. Até este mínimo as   viúvas da ditadura   e sua nefanda prole tentaram impedir.

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